Revista E - março/2023

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Antirracismo

Silvio Almeida aponta caminhos para a equidade racial

Corpo atuante Celso Frateschi celebra meio século dedicado ao teatro

Arte do encontro Retomada dos cinemas de rua amplia experiência cinéfila

Gilberto Mendes A liberdade criativa que regeu a vida do maestro santista

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Revista E | março de 2023 nº 09 | ano 29

Em sua 2ª edição a OJU traz mais de 50 obras, entre curtas, médias e longas-metragens, produzidas especialmente entre 2021 e 2022, que preencherão as telas de 6 unidades do Sesc, com exibições, debates e cursos e mais 10 obras disponíveis por streaming, na plataforma Sesc Digital.

De 16 de março a 16 de abril de 2023

| CINESESC | VILA MARIANA | PLATAFORMA SESC DIGITAL
PRETO | rio preto | SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
SAIBA MAIS EM: SESCSP.ORG.BR/CINEMASNEGROS
BELENZINHO
RIBEIRÃO

CAPA: Modelos originais da animação em stop motion Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente (2021), em exposição no CineSesc. A ambientação homenageia o artista Angeli, criador do personagem Bob Cuspe, com bonecos, materiais e processos criativos da produção do longa, dirigido por Cesar Cabral.

Foto: Adriana Vichi

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A diversidade como aprendizado

Portal do Sesc (QR Code ao lado)

Crescemos como seres humanos quando temos a oportunidade de estar diante do novo. Aquilo que é desconhecido instiga a curiosidade e nos impulsiona a aprendizados múltiplos. A diversidade, portanto, é positiva, necessária e bem-vinda, e deve ser cultivada em todo e qualquer ambiente, de modo especial nos espaços educativos.

Legendas Acessibilidade

O Sesc – Serviço Social do Comércio tem na pluralidade de suas ações um valor central e imprescindível. Por meio de sua sólida ação cultural, busca promover o encontro das diferenças, materializado permanentemente em programações nos campos da cultura, dos esportes, do lazer, do turismo, da saúde e da alimentação. Em seus centros culturais e esportivos, presentes em todo o estado, oferece atividades diversas a seu público prioritário – trabalhadores do comércio de bens, serviços e turismo e seus familiares – bem como a toda a comunidade.

Em estabelecimentos de uso coletivo é assegurado o acompanhamento de cão-guia. As unidades do Sesc estão preparadas para receber todos os públicos.

Trata-se de um projeto emancipador e inovador por proporcionar o crescimento de seu público nos mais diferentes aspectos, ampliando sua visão de mundo e seu repertório sociocultural. Deste modo, contribui para a construção de um país que tem, em sua raiz, a diversidade como base de sua história.

APP Sesc São Paulo para tablets e celulares

Comungar territórios

Somos fruto do nosso tempo e espaço. Aquilo que nos constitui depende, portanto, do momento da história em que vivemos e do lugar que habitamos. É essa combinação de cronologia e território que fundamenta nossa existência mais corriqueira, nossas escolhas mais cotidianas. Ao reconhecer essa imperativa influência da territorialidade na escolha dos caminhos, faz-se crescente a mobilização de grupos sociais para identificar e valorizar suas singularidades e, com isso, trabalhar em prol do bem comum. Afinal, é essa convergência que torna uma sociedade única em suas elaborações concretas e simbólicas.

Essa riqueza e diversidade presentes em cada ambiente ganham uma projeção que extrapola as fronteiras geográficas quando difundidas em maior escala. Quando projetos como jornais, programas de rádio, podcasts e tantas outras iniciativas abordam o dia a dia de seu próprio território, no chamado jornalismo hiperlocal, trazem para seu universo particular o protagonismo dessa narrativa, na perspectiva única e singular que cabe a cada um. Ações do jornalismo comunitário, focadas no território, são tema de reportagem desta Revista E.

A edição traz, ainda, Entrevista com o ator e diretor Celso Frateschi; Depoimento do pensador Silvio Almeida; um perfil do compositor e maestro Gilberto Mendes; e na seção Inéditos, conto da escritora Monique Malcher. Boa leitura!

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC

Administração Regional no Estado de São Paulo

Av. Álvaro Ramos, 991 – Belenzinho

CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO

Presidente: Abram Abe Szajman

Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda

Efetivos: Arnaldo Odlevati Junior, Benedito Toso de Arruda, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, José Roberto Pena, Manuel Henrique Farias Ramos, Marco Antonio Melchior, Milton Zamora, Paulo Cesar Garcia Lopes, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva, Valterli Martinez, Vanderlei Barbosa dos Santos

Suplentes: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Aldo Minchillo, Antonio Cozzi Junior, Antonio Di Girolamo, Antonio Fojo Costa, Antonio Geraldo Giannini, Célio Simões Cerri, Cláudio Barnabé Cajado, Costabile Matarazzo Junior, Edison Severo Maltoni, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vilter Croqui Marcondes, Vitor Fernandes, William Pedro Luz

REPRESENTANTES JUNTO AO CONSELHO NACIONAL

Efetivos: Abram Abe Szajman, Ivo Dall’Acqua Júnior, Rubens Torres Medrano

Suplentes: Álvaro Luiz Bruzadin Furtado, Marcelo Braga, Vicente Amato Sobrinho

CONSELHO EDITORIAL | Revista E

Adauto Fernando Perin, Adriano Ladeira Vannucchi, Alessandra Gonçalves da Silva, Alessandro Souza Santos, Ana Cristina de Souza, Ana Emilia Ferreira de Paula, Ana Paula Fraay Moyses Henriques, André Luiz Santos Silva, Anna Luísa de Souza, Antonio Henrique Carlessi Terciani, Barbara Iara Hugo, Bruna Marcatto da Rocha, Bruna Zarnoviec Daniel, Camila Freitas Curaçá, Camila Hion de Castilho, Carlos Daniel Dereste, Caroline Souza de Freitas, Cecília Ferreira de Nichile, Corina de Assis Maria, Cristiane Moreira Cobra, Dalmir Ribeiro Lima, Danielle Simas, Danilo Cymrot, Danny Abensur, Diego Polezel Zebele, Eduardo Santana Freitas, Enio Rodrigo Barbosa Silva, Estevão Denis Silveira, Fabiana Delboni Martins, Fabiana Della Coletta Monteiro, Felipe Veiga do Nascimento, Fernanda Costa Dorazio, Fernanda Porta Nova Ferreira da Silva, Fernando Andrade de Oliveira, Gabriela Carraro Dias, Geraldo Soares Ramos Junior, Gislene Lopes Oliveira, Guilherme Luiz de Carvalho Souza, Heloisa Pisani, Irene Vitoria Caldeira de Souza, Ivan Lucas Araujo Rolfsen, Ivy Granata Delalibera, Jefferson Alves Leite dos Santos, Jefferson de Almeida Santanielo, Jose Mauricio Rodrigues Lima, Julia Parpulov Augusto dos Santos, Juliana Okuda Campaneli, Karla Priscila Vieira Carrero, Lidiane de Jesus, Lilian Vieira Ambar, Lizandra Magalhães, Luciana Gouvêa da Cunha, Maitê Neris de Lacerda Soares, Mariana Kraüss, Mariana Lins Prado, Mariana Silveira Scutti Cangiani, Mariane Cristina dos Santos, Marina Pinheiro, Marina Reis, Michael Anielewicz, Paco Sampaio, Patricia Maciel da Silva, Priscila dos Santos Dias, Priscila Lourenção, Rachel D'Ipolitto de Oliveira Sciré, Rafael Castori de Andrade, Rafael Nicolas da Silva, Rafaela Ometto Berto, Regiane Gomes da Conceição, Renan Cantuario Pereira, Renata Pereira Figueiro, Ricardo Lemos Antunes Ribeiro, Ricardo Ponzio Scardoelli, Rodrigo Gerace, Rodrigo Rodrigues Griggio, Rosangela Barbalacco, Silas Storion Santos, Silvia Cristina Garcia, Silvia Gomes, Sofia Calabria y Carnero, Stephany Tiveron Guerra, Suellen de Sousa Barbosa, Tais Ribeiro Martins, Tales de Deus Diniz, Tamara Demuner, Thamires Magalhães Motta, Thamyres Rodrigues de Araujo, Thiago de Oliveira Machado, Tiago Marchesano, Virginia Chiaravalloti, Vitor Penteado Franciscon, Wagner Linares da Silva Junior.

Coordenação-Geral: Aurea Leszczynski Vieira Gonçalves

Editora-Executiva: Adriana Reis Paulics • Projeto Gráfico e Diagramação: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Ilustrações: Elisa Riemer • Edição de Textos: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Maria Júlia Lledó • Revisão de Textos: Cláudio Leite • Edição de Fotografia: Adriana Vichi • Repórteres: Ana Cristina Pinho, Luna D’Alama, Manuela Ferreira e Maria Júlia Lledó • Coordenação-Executiva: Marcos Ribeiro de Carvalho e Fernando Fialho • Coordenação Editorial Revista E: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Marina Pereira • Propaganda: Daniel Tonus e José Gonçalves Júnior • Arte de Anúncios: Felipe Castro, Jucimara Serra, Nilton Bergamini e Pablo Perez Sanches • Supervisão Gráfica: Rogerio Ianelli • Finalização: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Criação Digital Revista E: Ana Paula Fraay • Circulação e Distribuição: Nelson Soares da Fonseca

Jornalista Responsável: Adriana Reis Paulics (MTB 37.488)

A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social

Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios

Esta publicação está disponível para retirada gratuita nas unidades do Sesc São Paulo e também em versão digital, em sescsp.org.br/revistae e no aplicativo Sesc SP para tablets e celulares (Android e IOS).

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Confira os destaques da programação do mês, entre eles o Festival Zunido, no Sesc Pompeia

Produção jornalística feita pelas periferias derruba muros, repercute nas mídias tradicionais e gera impactos sociais

Exposição

A Parábola do Progresso reflete sobre a ideia de “país do futuro”, questionando a exclusão dos povos originários e afro-brasileiros

Diretor, ator, dramaturgo e gestor cultural, Celso Frateschi relembra cenas de uma vida nos palcos

O legado do maestro Gilberto Mendes (1922-2016), consagrado dentro e fora do Brasil como um ícone da música erudita de vanguarda

dossiê entrevista cidadania bio gráfica

p.11 p.16 p.24 p.34 p.40

Para além de espaços de exibição, cinemas de rua resistem na capital paulista como centros de convivência e preservação da memória da cidade

p.54

cinema
SUMÁRIO
Corinne Merrell (Dossiê); José Eduardo Ferreira e Vilma Santos, Bater da Laje em 29 de março de 2015 / Acervo da Laje (Gráfica).

Artigos abordam o ensino da cultura indígena nas escolas

Carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad

Pensador Silvio Almeida examina os impactos do racismo na estrutura social, política e econômica do país

Monique Malcher

Com acervos criativos, novos museus ocupam a cidade de São Paulo

em pauta encontros inéditos depoimento almanaque P.S.

p.60

p.66 p.70 p.74 p.78 p.82

Ricardo Ponzio Scardoelli Elisa Riemer (Inéditos); Galpão dos Bonecos / Sato do Brasil (Almanaque).

Lançamento Selo Sesc

Bitita

AS COMPOSIÇÕES DE CAROLINA MARIA DE JE

Com 12 faixas que dão protagonismo ao batuque e à percussão, a nova versão do álbum

Quarto de Despejo - Carolina Maria de Jesus Cantando as suas Composições (1961) é uma homenagem à escritora e sua paixão pelo samba, dirigida por Sthe Araujo

DISPONÍVEL

NAS PLATAFORMAS DE STREAMING

Visite a loja virtual e conheça o catálogo completo sescsp.org.br/loja

/selosesc

Espetáculo O Bailado do Deus Morto, do Teatro Oficina Uzyna Uzona, que esteve em cartaz no Sesc Pompeia, em janeiro. Adaptação da obra escrita pelo modernista Flávio de Carvalho há quase 100 anos, a montagem tem direção de Marcelo Drummond, num textodança-cântico que contesta a moral cristã e o conservadorismo da sociedade brasileira.

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Matheus José Maria em cena

Pelo direito de ser jovem

Reconhecer a potência criativa dos jovens e estimular sua capacidade de mobilização e engajamento social são os objetivos do Juventudes em Foco Durante o mês de março, a ação do Sesc São Paulo propõe dezenas de atividades que valorizam as juventudes como agentes centrais de transformação sociocultural.

Com o tema Reconhecimento de direitos, a edição deste ano celebra uma década da assinatura do Estatuto da Juventude, dispositivo legal criado para conscientizar sobre o respeito à diversidade dos jovens, sem discriminações, e sobre o direito desses cidadãos a ter amplo acesso a uma vida segura e à participação social e política. De acordo com Ana Cristina de Souza, assistente da Gerência

de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo, as ações do Juventudes em Foco partem das distintas realidades juvenis e, com isso, “ampliam os processos de organização, participação social e política das juventudes, gerando apontamentos de caminhos para suas trajetórias de vida e de reconhecimento da importância do protagonismo dos jovens em pautas que contribuam para a garantia dos seus direitos e para o desenvolvimento do país”.

Durante este mês, unidades do Sesc São Paulo oferecem atividades gratuitas que ecoam questões das juventudes impactadas pelas relações com o contexto social e com os territórios em que estão inseridas. Entre os destaques

da programação, um debate no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo sobre direito à segurança e violência religiosa e acadêmica contra a juventude negra; um encontro na unidade de Catanduva que faz um panorama sobre os direitos das juventudes, discutindo a diferença entre sonhar e sobreviver como jovem no Brasil; uma roda de conversa em Itaquera que relaciona gênero e esporte para refletir sobre construção de identidade e direito à cidade, ao corpo e ao lazer; e um bate-papo no Sesc Pompeia em que Audino Vilão, Laura Sabino, Chavoso da USP e Jaci Guarani discutem as políticas públicas e o acesso dos jovens à educação.

Conheça a programação completa: sescsp.org.br/juventudes-em-foco.

Programação oferece encontros e debates que refletem os anseios e dilemas das juventudes, estimulando seu protagonismo
Lucas Tannuri 11 | e DOSSIÊ
O programa Juventudes, do Sesc São Paulo, busca promover a socialização por meio de atividades que ampliam o diálogo e fortalecem os vínculos entre jovens.

Leitura contemporânea da tradição da música urbana, o Festival Zunido, realizado de 9 a 19/3, no Sesc Pompeia, é palco do encontro de artistas brasileiros e estrangeiros em um diálogo atemporal de manifestações diversas da musicalidade negra. Com diferentes sonoridades e estilos, a programação mescla gerações de artistas como o compositor Marcos Valle, que celebra seus 80 anos ao lado do grupo Azymuth; a cantora Maíra Freitas e seu Jazz das Minas, com uma roda de afro-sambajazz inteiramente feminina; o DJ canadense Kid Koala, acompanhado de Lealani, musicista de Los Angeles que atua nos vocais, guitarra e MPC (misto de bateria eletrônica e gravador); a banda nova-iorquina

The Last Poets, precursora do hip-hop, que apresenta sucessos da carreira e músicas de seus últimos álbuns, entre outros. Confira a programação: sescsp. org.br/festivalzunido.

CENTRO MUSICADO

Desde 2008, o projeto Centro em Concerto, realizado pelo Sesc Carmo, evidencia o patrimônio histórico da capital paulista com apresentações musicais em igrejas e espaços públicos na região central de São Paulo – como o Pateo do Collegio, a Cripta da Catedral Metropolitana de São Paulo e a Igreja Nossa Senhora da Boa Morte. Com curadoria da doutora em musicologia Camila Fresca, a temporada deste ano, Música Hoje, conta com oito concertos em igrejas do Centro

Histórico. Na abertura, dia 21/3, às 13h, tem apresentação do Trio Girassol – convidado para criar e executar uma peça inédita, feita especialmente para o projeto, pela compositora brasileira Silvia Berg – e do Quarteto de Cordas do Instituto Baccarelli, no Santuário São Francisco, no Largo São Francisco. Na programação, que segue até novembro, também será realizado um ciclo de debates sobre a música clássica na contemporaneidade. Mais informações: sescsp.org.br/ projetos/centro-em-concerto.

Roberta Borges (acima); Corinne Merrell (abaixo) O Trio Girassol se apresenta na abertura do projeto Centro em Concerto, realizado pelo Sesc Carmo. O DJ canadense Kid Koala (à esquerda) e a musicista norte-americana Lealani estão na programação do Festival Zunido, no Sesc Pompeia.
ZUM ZUM
ZUM
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A BATUCADA DOS NOSSOS TANTÃS

De 11/3 a 22/4, o Sesc Santo André, no ABC Paulista, recebe shows, oficinas e cursos, realiza passeios e oferece um cardápio temático no projeto Entre terreiros e quintais: samba, fé e pagode . A programação celebra esse gênero musical que inaugurou uma nova sonoridade e inspirou o surgimento de grupos como o Fundo de Quintal – que celebra 45 anos de estrada e é um dos homenageados da programação, com show

dia 8/4. Da ancestralidade dos terreiros à popularização da cultura do samba, o projeto inclui shows de Sombrinha, Noca da Portela, Leci Brandão, entre outros artistas. Também haverá a oficina Montagem de Pandeiros , o curso Lutheria de Cavaquinho Ecológico , e um passeio ao campo de futebol do time Colorado e à Escola de Samba Palmares, no município. Saiba mais: sescsp.org.br/santoandre.

Estudos sobre refúgio e migração

Em parceria com a Secretaria de Educação do Município de São Paulo, a 7ª edição de Refúgios

Humanos – ação voltada a educadoras e educadores –traz reflexões sobre assuntos relacionados às situações de deslocamento forçado. A

programação é ministrada por pessoas que vivem a situação de refúgio e migração no Brasil, a partir do dia 14 deste mês. Serão realizados encontros online e presenciais para refletir sobre assuntos como: acesso a direitos e serviços públicos, e informações sobre deveres;

Arte que cura

Produzir e apreciar arte traz benefícios para a saúde mental, seja no campo biológico, com a liberação de neurotransmissores como a dopamina, ou em nível social, a partir do exercício da coletividade. Para refletir sobre o poder terapêutico da prática artística na promoção da saúde e do bem-estar emocional, o Sesc Belenzinho sedia, entre os dias 21 e 23/3, o Seminário de Saúde Mental: Arte e Sociedade . O evento oferece cinco mesas de debate, três oficinas e um espetáculo teatral que abordam o tema, reunindo nomes como a psicanalista canadense Jaswant Guzder, a psicóloga jamaicana

Debbie-Ann Chambers, o professor e articulador de políticas públicas em saúde Ed Otsuka, o médico psiquiatra e ator Vitor Pordeus e o Grupo XIX de Teatro. Inscrições abertas a partir de 1/3, em sescsp. org.br/belenzinho.

articulação de orientações curriculares para povos migrantes; e respeito à diversidade. Com vagas limitadas, as inscrições estão disponíveis pela plataforma da Secretaria Municipal de Educação (SME). Saiba mais: sescsp.org. br/culturas_emtransito

Washington Possato
O grupo Fundo de Quintal é uma das atrações da programação Entre terreiros e quintais: samba, fé e pagode, no Sesc Santo André.
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FAÇA SUA CREDENCIAL PLENA

Pessoas que trabalham ou se aposentaram em empresas do comércio de bens, serviços ou turismo podem fazer gratuitamente a Credencial Plena do Sesc e ter acesso a muitos benefícios. São aceitos registro em carteira profissional (com contrato de trabalho ativo ou suspenso), contrato de trabalho temporário, termo de estágio e de jovem aprendiz, e pessoas desempregadas dessas empresas até 24 meses.

Para fazer ou renovar a Credencial Plena de maneira online e de onde estiver, baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse centralrelacionamento.sescsp. org.br. Se preferir, nesses mesmos locais é possível agendar horário para ir presencialmente a uma das Unidades (compareça com a documentação necessária).

A Credencial Plena é o acesso para trabalhadores e dependentes ao uso dos serviços e programações nas Unidades do Sesc.

Sobre a Credencial Plena:

• É gratuita

• Tem validade de até dois anos

• Pode ser utilizada nas Unidades do Sesc em todo o Brasil

• Prioriza os acessos às atividades do Sesc

• Oferece descontos nas atividades e serviços pagos

Consulte a relação de documentos necessários

Faça a sua Credencial Plena online! Baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse centralrelacionamento. sescsp.org.br

PARA FAZER OU RENOVAR A CREDENCIAL PLENA DO SESC SÃO PAULO
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Ricardo Ferreira

Seminário de Saúde Mental

Arte e Sociedade

De 21 a 23 de março de 2023

Sesc Belenzinho

Dia 21. Terça

19h30 Abertura - A Arte na Promoção da Saúde

Palestrantes: Jaswant Guzder (Canadá) e Debbie-Ann Chambers (Jamaica)

Mediação: Vitor Pordeus

Dia 22. Quarta

10h Mesa 1: Nise da Silveira e Osório César: A História e Perspectivas Futuras da Arte como Terapia

Palestrantes: Regiane Mendes e Lula Wanderley

Mediação: André Nader

13h30 Mesa 2: Arte e Lazer – Estímulos para o Bem-estar

Palestrantes: Katia Canton e Ed Otisuka

Mediação: Jayme Paez

16h Mesa 3: Saúde Mental: Projetos e Parcerias

Palestrantes: Vera Dantas, Vitor Nina e Carmen Santana

Mediação: Barbara Esmenia

Dia 23. Quinta

10h Palestra: A Importância do Autocuidado no Cotidiano

Palestrante: Jaswant Guzder (Canadá)

Processos Exploratórios

14h Oficina 1: Narrativas que se Encontram com Debbie-ann Chambers, Elidayna Alexandrino e Vitor Pordeus

14h Oficina 2: Carregadas de EmoçãoImersão em Nise da Silveira com Gladys Schincariol

14h Oficina 3: Arte na Promoção da Saúde Mental com Carmen Santana

14h30 Espetáculo e Debate: Hysteria Com o Grupo XIX de Teatro

Inscrições a partir do dia 1/3 em sescsp.org.br

Corpo atuante

Com

Nascido numa olaria na Lapa de Baixo, em São Paulo (SP), Celso Frateschi moldou seu destino com o barro do teatro, sempre comprometido com um questionamento social, político e cultural. Foi aluno de mestras como Heleny Guariba (1941-1971) e Cecília Boal, e fez do Teatro de Arena sua segunda casa. Tendo como grande referência o teatrólogo Augusto Boal (1931-2009), fez parte do elenco que encenou o Teatro Jornal 1ª Edição, embrião do Teatro do Oprimido, metodologia criada por Boal e que, até hoje, repercute mundialmente.

Em 2020, na pandemia, encenou Diana, monólogo de sua autoria, no palco do Teatro Ágora, no Bixiga – espaço criado por Frateschi, em 1999, e desde então gerido por ele e sua esposa, a cenógrafa Sylvia Moreira. Transmitido pelo projeto #EmCasaComSesc, Diana marcou a estreia da programação de artes cênicas no canal do Sesc São Paulo no YouTube.

Frateschi segue trilhando uma carreira de cinco décadas em que cultura, docência e política sempre estiveram de mãos dadas. Além do premiado trabalho nos palcos,

ele já foi diretor do Teatro da Universidade de São Paulo (TUSP), de 2004 a 2006 e de 2010 a 2014, além de professor de interpretação na Escola de Arte Dramática da mesma instituição, de 1980 a 2015. Também deixou um importante legado como gestor e articulador cultural nos cargos de secretário de Educação, Cultura e Esportes do Município de Santo André (1989 a 1992, 1997 e 1998), secretário de Cultura do Município de São Paulo (2003 a 2004), presidente da Funarte (2006 a 2008) e secretário de Cultura de São Bernardo do Campo (2009).

Para essa Entrevista, Frateschi abre as portas do Teatro Ágora à Revista E e compartilha alguns capítulos desse profícuo enredo de 50 anos.

meio século de carreira, ator, diretor, dramaturgo e professor Celso Frateschi encara o teatro como espelho da sociedade
Adriana Vichi
POR MARIA JÚLIA LLEDÓ

Como foi seu encontro com o teatro?

Foi na escola Alexandre von Humboldt, na Vila Anastácio, considerada, naquela época, periferia de São Paulo. Eu sempre estudei em colégio público. Foi aí que tive meu primeiro contato com o teatro e, por incrível que pareça, por um professor de ciências que levava a gente para assistir a algumas peças. Depois, teve um professor de português que resolveu montar uma peça na escola, me convidou, e acabei fazendo. Eu nem lembro que peça foi, porque foi muito rápido, e depois eu briguei muito com esse professor porque ele colaborou com a ditadura, e acabou denunciando a mim e meu irmão para o Dops [Departamento de Ordem Política e Social], e a gente acabou sendo preso por causa dele. Então, essa coisa do teatro começou ainda muito cedo. Me lembro de ter ido com meus irmãos mais velhos assistir a Arena conta Zumbi [musical escrito por Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006) e Augusto Boal, em 1965, com música de Edu Lobo, direção de Boal e direção musical de Carlos Castilho (1933-1985), que estreou no Teatro de Arena em maio de 1965], e fiquei completamente fascinado.

Foi também por influência dos seus irmãos, e desse momento na escola, que você teve vontade de estudar teatro?

Sou o filho mais novo. Então, sempre corri atrás dos mais velhos nessas primeiras experiências, e acabei saindo no lucro. Me lembro de ter assistido, nessa época, a Édipo Rei, Esperando Godot, Navalha na Carne, Dois Perdidos Numa Noite Escura. Logo depois, a gente começou a organizar os alunos, independentemente de professor, para comprar ingressos mais baratos – éramos grupos de 30, 40, 50

alunos – e assistir aos espetáculos, conversar sobre eles e, evidentemente, sobre a nossa realidade, sobre o que o Brasil estava passando em plena ditadura. Fui ver todas as peças do Arena, todas as peças do Oficina. O teatro me ajudava a compreender o mundo. E essa era a nossa intenção: todas as peças serviam para a gente conversar sobre as nossas vidas.

E quando o teatro e a política se entrelaçaram na sua carreira?

Sempre caminharam juntas e eu acho que continuam caminhando. Particularmente, eu discordo muito de alguns colegas que fazem um teatro político mais proselitista. Porque eu acho que o teatro é o espanto, o estranhamento, a ponta da investigação. A política depois resolve, mas o teatro é que revela. E para revelar, o teatro não pode ter prisão ideológica. Acho que não é o caso do teatro ser propaganda de uma ideia, mas ser o questionamento das ideias. A arte tem essa função mais complexa, mais profunda, mais inteira, que não é propagar ideologia, mas a de “desideologizar”. Isso aprendi muito, principalmente, com Heleny Guariba [professora, teatróloga, militante de oposição à ditadura e desaparecida política desde 1971], que veio com uma visão brechtiana da Europa. Antes de ser presa e desaparecida, fiz um curso com ela e a Cecília Boal [psicanalista, atriz e diretora, que foi casada com Augusto Boal] no Teatro de Arena. Foi meu começo no trabalho de ator, tinha 16, 17 anos. Heleny questionava sempre, e muito, porque ela sabia que a arte vinha desse processo de questionar a realidade e, com isso, cumprir a sua função revolucionária. Essa função vital da arte: colocar a mosca na sopa da turma. E aí, pra mim, o teatro nunca foi tanto uma propaganda de uma ideia. Até acho que o teatro é generoso o suficiente para entrar na luta política, mais direta. Acho que o teatro se presta a isso também, mas a função primordial dele, na minha opinião, é de questionar mais profundamente o comportamento humano e as relações sociais.

Logo após esse curso no Teatro de Arena, você participou do grupo de atores que encenou o Teatro Jornal 1ª Edição, embrião do Teatro do Oprimido, criado por Augusto Boal. Como foi essa experiência?

O Boal era uma figura fantástica como professor, como formulador. O Teatro Jornal foi um pouco assim. Depois que a gente terminou o curso do Arena, a gente pediu ao Boal para continuar pesquisando e trabalhando no espaço. E ele tinha uma ideia de fazer às segundas-feiras, no Teatro de Arena, um Teatro Jornal: à medida que os bancários e os prestadores de serviços pudessem passar por lá, eles teriam, teatralmente, informação

e | 18 entrevista
Acho que o teatro é o espanto, o estranhamento, a ponta da investigação

jornalística. É claro que com a censura prévia – você precisava de pelo menos 60 dias de antecedência para aprovar um texto, para poder montar o espetáculo, e depois passar pela censura do espetáculo – a ideia de um teatro semanal foi por água abaixo. Mas, a gente quis pesquisar independente disso. A gente começou a trabalhar as cenas com o intuito de mostrar o mais rápido possível ao público. Fazíamos apresentações quinzenais, e o Boal nos deixou trabalhar no Areninha, um teatro que havia em cima do Teatro de Arena. Na genialidade dele, Boal formulou essa coisa que depois ele chamou de “préhistória do Teatro do Oprimido”, pois a ideia de nosso espetáculo era exatamente fazer com que o público, o povo, fizesse seu próprio teatro. Boal construiu o nosso espetáculo como uma aula de como teatralizar notícias de jornal, propondo o teatro como um jogo de salão, uma brincadeira. Foi muito prazeroso estar junto com ele.

De que forma esse aprendizado e trocas com Augusto Boal reverberam em seu trabalho de investigação do ser humano contemporâneo no Teatro Ágora, criado em 1999 junto ao diretor Roberto Laje?

No final do século, com projetos diferentes, nós dois perdemos um edital de ocupação do Teatro de Arena, já administrado pela Funarte [Fundação Nacional de Artes].

O Roberto Laje e eu, então, conversamos: “Vamos fazer algo juntos? Porque a gente não pode ficar dependendo de edital”. Ele já tinha sido sócio do antigo Teatro do Bixiga,

que ocupava esse espaço aqui ao lado, e o teatro estava vazio há algum tempo. Ele conhecia a proprietária, e a gente conseguiu alugar. Formulamos, então, a proposta do Ágora, que é a base até hoje: um teatro que pensa o ser humano na complexidade que é o século 21. Suas angústias, seus sonhos e seus traumas, no sentido de entender o que gera essas relações, o que gera a nossa felicidade e a nossa infelicidade no planeta. O que o Ágora propõe hoje é quase um antiespetáculo: a gente vai enxugando, enxugando, enxugando, tentando chegar à menor grandeza, como diz o Brecht [Bertolt Brecht (1898-1956), dramaturgo e encenador alemão], para poder ter o essencial.

Compartilhar conhecimento por meio do ensino foi outro papel muito importante na sua carreira, uma vez que foram 37 anos lecionando na Escola de Arte Dramática (EAD) da Universidade de São Paulo. Que legado fica desse período?

Eu aprendi muito. Na verdade, quando eu entrei na EAD, não entendi porque eu fui parar lá. Porque a gente fazia teatro nessa época. A gente tinha feito no Arena, no Theatro São Pedro, em 1974-75, e a gente foi para a periferia. Na época pesada da ditadura, a gente estava na zona leste com o Teatro Núcleo, que a gente amava. Nesse período, a gente dava muitos cursos para a comunidade. Então, na EAD, me chamaram para dar o curso de Análise e Interpretação de Texto. Gostei muito, comecei a me envolver. Lembro quando criamos, todos os professores juntos, a Carta Aquários, que foi um momento em que

Ao lado da atriz Thais Ferrara, Frateschi encenou, em 2022, o espetáculo O Canto do Cisne, no Sesc Consolação, pelo projeto O teatro de onde eu venho, em celebração aos 50 anos de carreira. 19 | e
João entrevista Caldas

O espetáculo Diana, estreia da programação de artes cênicas no especial #EmCasacomSesc, segue disponível no canal do Sesc São Paulo no YouTube. Assista, na íntegra, ao monólogo escrito e encenado por Celso Frateschi.

Edson Kumasaka
Frateschi na peça Diana, que marcou a estreia de artes cênicas do #EmCasaComSesc, em maio de 2020.

os professores, durante um fim de semana no sítio da professora Renata Pallottini, repensaram a escola inteira. A partir daí, veio a formulação do Currículo Nacional de Arte Dramática, entre uma série de coisas. Não sou um teórico de teatro, sou um cara que atua, e também nunca quis ser um acadêmico de teatro, meu estudo é voltado para o que estou fazendo. Não acho que isso seja melhor do que ser acadêmico, só que fui por outro caminho. Às vezes, eu acho até que me falta bastante academia.

Qual era a provocação que costumava fazer aos estudantes na EAD?

Primeiro, eu fazia uma pergunta e eles ficavam bravos: “Sabe quanto vocês custam para o Estado?” – para que tivessem noção de que aquele é um curso bastante dispendioso. Então: “Para onde você tem que dirigir a sua formação?”; “É para você se encher de privilégios ou para, de alguma forma, ajudar a construir uma sociedade melhor através da arte?”. A arte existe para questionar. Então, a sua importância e responsabilidade é colaborar criticamente com o avanço de onde você convive e entender essas relações. Porque o teatro, desde a origem, dizia Hamlet aos seus atores, sempre teve esse papel de espelhar a sociedade, revelando sua pobreza de espírito, suas baixezas, mas, também, suas virtudes. A minha preocupação sempre foi tentar desenvolver um espírito crítico, para que o ator não acreditasse só no seu porte físico, na sua voz ou na sua simpatia, mas que usasse essas características para entender melhor a vida que a gente vive.

Na pandemia, como foi para você – ator, professor e também diretor de um teatro –vivenciar o fechamento dos espaços físicos e ter que adaptar peças para as telas?

Acho que o primeiro momento da pandemia foi de pânico: "O que vai acontecer?” Aí, teve a provocação do Sesc São Paulo [Celso Frateschi estreou a programação de teatro do #EmCasaComSesc, com a peça Diana, transmitida pelo canal da instituição no YouTube, em maio de 2020]. Depois, teve também a provocação da Sylvia Moreira [cenógrafa, diretora do Teatro Ágora e esposa de Frateschi], que me perguntou: “O que Brecht faria numa situação dessas?”. Porque Brecht utilizou todos os meios possíveis de comunicação. E o teatro é comunicação. Às vezes, a gente esquece que o teatro está comunicando alguma coisa, que ele existe para comunicar alguma coisa. E como a gente resolve isso dentro dos limites impostos? Foi muito interessante porque a gente acabou se juntando com um grupo de cinema e fizemos um decálogo: “Quais características de teatro podem ser mantidas nessa linguagem virtual? O

que é impossível?”. De cara, a gente sabia que não teria o público presente. Então, como é que a gente podia ir além? Esse primeiro impasse acabou reforçando outros. Primeiro: o teatro é uma experiência em que você troca com outras pessoas naquele determinado momento. Ele tem uma característica performática. Não se trata de gravar uma imagem e depois repassá-la. O que importa é esse ato acontecendo ao mesmo tempo em que as pessoas estão assistindo. Então, nesse ponto a gente resolveu: tem que ser ao vivo. Não pode ser gravado e transmitido. Segundo: “Como se dá a reunião das pessoas?”. Então, a gente optou pelo Zoom [plataforma de videochamada], porque você tinha a chegada do público aos nossos espetáculos, conversavam entre si pelo chat. A gente começou a perceber as vantagens que poderia haver, do ponto de vista artístico também, a linguagem virtual. Evidentemente que do ponto de vista pessoal, eu não via a hora de ter público, mas a gente percebeu que aquela era uma forma de expressão extremamente válida. Precisa ser ainda desenvolvida e espero que a gente possa desenvolvê-la. Acho que o teatro virtual pode ser um caminho. Foi bárbaro porque a gente percebeu que esse limite abriu uma série de outras possibilidades que eu acho que o teatro virtual tem.

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O teatro tem essa mesma função desde sempre: ele serve para a gente, de alguma forma, compreender melhor as relações humanas

Quais seus outros projetos para este ano?

Você dará sequência ao projeto O Teatro de Onde eu Venho, que celebrou seus 50 anos de tablado, em 2022, no Sesc Consolação, com a peça O Canto do Cisne e a peça Gongorê, junto ao seu neto Miguel Abati?

A gente terminou de fazer a temporada no Sesc Consolação de O Canto do Cisne, e vai continuar fazendo porque é uma peça que comemora os meus 50 anos de carreira. E temos já garantido que vamos fazer o Pawana [livro que faz um comovente depoimento da caça a baleias e agressão à natureza por meio de um relato de viagem; Cosac Naify, 2009, 1ª ed.], de Le Clézio, prêmio Nobel de Literatura. Um texto fantástico que dialoga muito com Moby Dick [obra-prima do escritor norte-americano Herman Melville (1819-1891)], porque é sobre dois caçadores de baleia. Acho que tem a ver com o momento em que estamos vivendo, onde a natureza é colocada em risco, assim como a sobrevivência da raça humana. Também vamos começar os cursos no Ágora. Welington [Andrade] ministra o terceiro núcleo do Teatro e Texto em Cena, que é uma experiência genial de imersão, com teatro, cinema, almoço, conversa, leitura dramática. Também teremos os cursos de interpretação – tanto de iniciação, quanto de aperfeiçoamento – que, normalmente, eu realizo aqui. Fora do teatro, talvez eu faça uma ou duas séries. O Teatro Ágora volta a ter esse espaço da construção de conhecimento, a partir de um pensamento contemporâneo, com pessoas que estão de alguma forma debruçadas sobre o momento que a gente está vivendo. Tentamos colaborar um pouco com o movimento teatral, sem nenhuma pretensão ou presunção, mas simplesmente colocando, de alguma forma, uma lenha a mais na fogueira.

Você já disse em muitas oportunidades que o teatro é uma atividade vital. De que forma?

O teatro é uma atividade vital, e eu sinto necessidade de sempre afirmar isso porque não é só uma atividade econômica. Não é só um aspecto da indústria cultural.

O teatro é uma atividade vital porque é através dele que a gente aprende. Através da imitação você conhece o outro, é assim desde sempre. Se você vir uma criança, ela vai imitar o pai para poder entendê-lo, ou vai imitar o irmão. É a partir da imitação que você conhece o outro, assim como os nossos ancestrais pintavam na pedra para poder conhecer aquele outro. Imitavam pelo desenho para conhecer aquele animal que ele precisava dominar. Ou vestiam-se com a pele de um animal para poder parecer com ele, entender sua alma, seu espírito. E o teatro tem essa mesma função desde sempre: ele serve para compreendermos melhor as relações humanas, as relações sociais, um homem em relação ao diferente. Trabalha a alteridade, aquilo que não é você, que é o outro, seja ele o que for. E o teatro, a partir da imitação, a partir desse jogo, serve para isso. Ao buscar o teatro pelo viés da atividade econômica, esquece-se dessa razão vital do teatro, que é a do mútuo conhecimento, de você se entender a partir do outro. Por isso que eu acho que é muito importante essa característica de assembleia que o teatro tem. É lá que você vai encontrar aquela pessoa que se queria encontrar, ou aquela pessoa que você não queria encontrar e vai ter que conversar, vai ter que trocar ideias. O próprio ato teatral, independentemente do conteúdo, já é uma ação social extremamente importante. Agora, no palco, a história que é contada, é transformada em alguma metáfora que vai me ajudar a me compreender no mundo. Por isso, o teatro não é um luxo, não é um produto comercial, como a sociedade mercadológica quer transformá-lo. A beleza do teatro está em outro sentido, em outro lugar. Pelo menos é o que eu busco no teatro, e fico muito feliz quando encontro.

Assista ao vídeo com trechos da Entrevista com o ator, diretor e professor Celso Frateschi, gravada no Teatro Ágora, no bairro do Bixiga, no Centro da cidade de São Paulo.

O teatro não é um luxo, não é um produto comercial, como a sociedade mercadológica quer transformá-lo.
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A beleza do teatro está em outro sentido, em outro lugar

Pra você que gosta de corridas de rua não pode

ficar de fora das etapas de São Paulo do Circuito Sesc de Corridas 2023.

Ao todo, são 11 etapas espalhadas pelas unidades na capital, interior e litoral, são provas para todos os gostos e níveis: 3km / 4km / 5km / 6km / 7,5km / 10km.

Confira o calendário das próximas corridas, programe-se e participe!

23 de Abril - Campo Limpo

7 de Maio - Bertioga

4 de Junho - Rio Preto

1 de Julho - Consolação

30 de Julho - Catanduva

6 de Agosto - Interlagos

24 de Setembro - Presidente Prudente

22 de Outubro - Santos

26 de Novembro - São Carlos

3 de Dezembro - Araçatuba

Acompanhe as inscrições de cada etapa em: sescsp.org.br/projetos/circuito-sesc-de-corridas

fronteiras

Reunião de pauta na redação da Agência Mural de Jornalismo, localizada na região central da capital paulista.

Produção jornalística feita pelas periferias aponta para a diversidade de contextos sociais e fontes de informação, provocando impactos positivos nos territórios

NOTÍCIAS sem

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Foto: Léu Britto 25 | e cidadania

Se desconhecemos o que acontece em nosso entorno, deixamos de exigir direitos, cobrar mudanças e, também, valorizar representantes e celebrar manifestações culturais do espaço onde estamos inseridos. Assim, tendo em sua essência o compromisso de informar, o jornalismo se configura como uma importante ferramenta da vida em sociedade, na medida em que permite à população conhecer, acompanhar, discernir, fiscalizar e cobrar melhorias do poder público.

No entanto, dados recentes do Atlas da Notícia –iniciativa do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), mantenedor do Observatório da Imprensa em parceria com Volt Data Lab –contabilizaram mais de 4 mil municípios brasileiros como desertos e quase "desertos de notícias", considerando os que possuem somente um ou dois veículos. Além disso, apenas 2.605 municípios do país – menos da metade do total das cidades brasileiras – possuem seus próprios veículos de comunicação.

Apesar disso, em seu levantamento mais recente, feito entre agosto de 2021 e fevereiro deste ano, o Atlas da Notícia mostra que houve uma redução de 8,9% no número de desertos de notícias na região Sudeste do Brasil, e um avanço de 6,7% no número de registros de veículos online. Uma sinalização positiva de mudança, impactada, em parte, pelo surgimento de iniciativas midiáticas criadas para realizar a cobertura jornalística em regiões de menor escala territorial – muitas delas distantes dos grandes centros urbanos ou nas periferias das cidades, o que vem sendo chamado de "jornalismo hiperlocal".

Rádios comunitárias e, principalmente, conteúdos digitais (como sites, redes sociais e podcasts jornalísticos) estão derrubando fronteiras e, inclusive, pautando a mídia tradicional. Conhecida também por “jornalismo de proximidade” e por “jornalismo periférico”, essa prática busca informar, criar vínculos entre quem produz e quem consome notícias, além de provocar reflexões feitas por e para diferentes territórios.

AMPLIFICAR CONTEXTOS

Entre alguns exemplos de iniciativas online concebidas por jornalistas das periferias de São Paulo está a Agência Mural. Criada, primeiramente, como um blog, em 2010, por um grupo de estudantes e recémformados que participaram de uma formação de jornalismo cidadão e educação midiática, o blog ganhou grande repercussão no estado ao valorizar pautas de interesse das periferias da Grande São Paulo, ouvir uma diversidade de fontes locais e desconstruir estereótipos comumente reforçados por mídias tradicionais. O blog Mural ficou hospedado no site da Folha de S.Paulo até 2022.

Em 2015, o trabalho dos “muralistas”, como se denominam, ganhou novo alcance com a criação da Agência Mural de Jornalismo das Periferias. “A gente faz um jornalismo profissional, e ele precisa contemplar o local, o micro e o macro. Ou seja, o local pode ser um distrito, e o hiperlocal, um bairro dentro desse distrito. Então, a Agência Mural faz jornalismo pelas periferias e para as periferias a partir da ótica local e hiperlocal”, define Vagner de Alencar, diretor de jornalismo da agência.

Com mais de 2,6 milhões de acessos às reportagens e entrevistas nas áreas de educação, emprego, política, cultura, entre outros temas, a Agência Mural ainda produz conteúdos jornalísticos para suas redes sociais, seu canal no YouTube e para tocadores de áudio.

No perfil da Agência Mural no Instagram (@agenciamural), pautas que abrangem as zonas norte, sul, leste e oeste da Grande São Paulo.

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Divulgação: instagram.com/agenciamural 27 | e

No Instagram do Desenrola e Não Me Enrola (@desenrola_), reportagens, perfis, entrevistas sobre temas diversos, tais como: tecnologia, cultura e economia.

Entre 2021 e 2022, foi a vez do podcast Próxima Parada e, recentemente, Tamo em Crise, fruto de uma parceria com o Greenpeace, que mostra como as mudanças do clima afetam a vida dos moradores das quebradas. “A gente é nativo digital e, por isso, precisa apostar nesses formatos e canais para chegar a mais jovens das periferias”, explica Alencar.

Outra ação que também nasceu a partir de um blog foi o projeto Desenrola e Não Me Enrola, com reportagens sobre a cena cultural das periferias da cidade de São Paulo. A ideia surgiu em 2012, fruto da observação dos estudantes de jornalismo Ronaldo Matos e Thais Siqueira, moradores do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo. “Na faculdade, Thais e eu tivemos o primeiro choque de realidade: todos os estudantes vislumbravam trabalhar em redes de TV, jornais e rádios tradicionais. Era esse o destino e a perspectiva de futuro de atuação profissional. A gente também percebeu que muitas pessoas moravam nas periferias, mas não gostavam de falar o nome do bairro. Então, a gente já percebia isso como um problema do jornalismo, uma vez que as pessoas tinham dificuldade de se aceitar e de falar do seu território”, recorda Ronaldo Matos, jornalista, educador e editor do Desenrola e Não Me Enrola.

SINTONIZA AÍ!

Criada e dirigida pela União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS), a Rádio Heliópolis nasceu em 1992, com o objetivo de organizar os moradores da maior favela da cidade de São Paulo em um mutirão para construção de casas. No começo, a programação chegava ao público por meio de alto-falantes “cornetas”, instalados em dois pontos da comunidade.

Até que em 1997, transformou-se em rádio comunitária, com frequência modulada (FM), sintonizada por comunidades do entorno – por lei, uma rádio comunitária tem a permissão de um alcance de um quilômetro. Hoje, a Rádio Heliópolis também publica notícias e veicula sua programação cultural pelo site e redes sociais. "A Rádio Heliópolis

Foi apenas depois do contato desses dois amigos com os movimentos culturais e sociais nas periferias, principalmente os saraus, que perceberam, “com a cabeça de jornalista”, diz Matos, “que aquele movimento não era um processo de declamação de poesia, mas de incentivo à leitura, ao livro, à construção de novos imaginários sobre o lugar onde essas pessoas moravam”. A partir desse momento, pensaram em criar um blog para contar essas histórias. “Uma das primeiras reportagens que a gente fez demonstrava um pouco do que seria a linha editorial do Desenrola: mostrar iniciativas, pessoas e projetos que promovem transformação social nas periferias e que produzem o futuro de políticas públicas”, complementa Matos.

Para dar conta da cobertura jornalística nas periferias da cidade, o Desenrola criou, em 2014, o projeto anual Você Repórter da Periferia, voltado para jovens entre 16 e 25 anos, e destinado à pesquisa e criação de espaços para o exercício das identidades culturais de jovens periféricos, utilizando o jornalismo como um elemento pedagógico para produção de conhecimento. Em 2017, o blog abriu novas frentes, tornando-se um portal de notícias que ampliou sua linha editorial, hoje com conteúdos sobre o fazer cultural nas periferias, mas também sobre moradia, trabalho, convivência e outros desafios dos territórios periféricos.

nasce em 1992 como instrumento de valorização da arte, da cultura e do fortalecimento do território. Ao longo dos anos, as demandas, desafios e conquistas foram destaques na grade de programação da rádio, trazendo uma narrativa de empoderamento e autovalorização, colocando a favela como potência e exemplo de articulação, mobilização e organização social pela garantia de direitos", explica Reginaldo José, coordenador da rádio e liderança no território.

A rádio comunitária também realizou uma parceria com o Sesc Ipiranga (situado a três quilômetros de Heliópolis) no projeto Sesc Ipiranga na Comunidade, em 2020. Fruto de uma cooperação entre a Rádio Heliópolis e a UNAS, o projeto entrou ao vivo no programa Bairro Educador, com pautas sobre saúde, bem-estar, cultura, educação, literatura, esporte e cidadania voltadas para a comunidade onde moram mais de 200 mil pessoas.

Divulgação: instagram.com/desenrola_
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MULTIPLICAR ATORES

Paralelamente ao trabalho de produção jornalística da Agência Mural e do Desenrola e Não Me Enrola, há também nessas iniciativas o foco em formação de novos colaboradores nas periferias, a partir de programas de educação midiática. Recentemente, a Agência Mural oficializou duas áreas de atuação: a Mural Jornalismo, voltada à produção de conteúdo, e a Clube Mural, que sistematiza a área de formação. “Quando a gente seleciona correspondentes locais, eles passam por uma formação do que é periferia, como produzir conteúdo hiperlocal. Conceitos, práticas e ações que a gente já fazia antes, mas de forma orgânica. Agora, a gente vai estruturar isso e todos os processos seletivos passarão pelo Clube Mural”, conta Alencar.

A preocupação com a produção de conteúdo feita pelo portal Desenrola sempre caminhou junto à formação dos jovens que participaram do Você Repórter da Periferia. “Foi aí que a gente começou a aprimorar e a fazer tanto o processo de produção jornalística como também o processo da educação midiática. A gente começou a elaborar um pouco mais a nossa metodologia, que nasceu das técnicas e conceitos do jornalismo tradicional, mas a gente também enraizou o jornalismo feito a partir das periferias”, conta o cofundador do Desenrola.

ACELERADORA DE MUDANÇAS

Entre os impactos positivos gerados por ações do jornalismo comunitário, está o de apontar problemas locais e ir em busca de respostas do poder público para solucioná-los, como por exemplo questões de infraestrutura, que são posteriormente resolvidos por subprefeituras. “Vemos um impacto real na vida do morador”, resume o diretor de jornalismo da Mural.

Outro ponto de destaque é a repercussão que essas iniciativas ganham nos grandes veículos de imprensa. “Hoje a gente vê que as mídias tradicionais precisam tomar a decisão de contratar jornalistas das periferias, e isso vem acontecendo em alguns casos. Essas mídias têm que entender que elas não conseguem falar sobre periferias como a gente fala. Por isso, a importância de parcerias com jornais e portais”, destaca o editor do Desenrola.

Outra iniciativa é a cobertura jornalística do perfil da Alma Preta Jornalismo no Instagram (@almapretajornalismo): agência de jornalismo especializada em pautas antirracistas.

Tanta visibilidade gera ainda, por consequência, o interesse dos educadores para utilizar o conteúdo gerado por essas agências em sala de aula, além de render convites para participar de seminários e outras atividades nas universidades. “Queremos levar o debate da educação midiática para dentro de organizações, como Fábricas de Cultura e o próprio Sesc [Leia mais em Articular trocas e parcerias]”, acrescenta.

Segundo Reginaldo José, coordenador da Rádio Heliópolis, o trabalho da rádio teve grande contribuição na transformação da região, pois "conta com uma equipe de locutores voluntários que, em sua maioria, são moradores que conhecem as demandas locais, colocando-as em pauta nas programações e provocando o poder público para, em conjunto com os moradores, solucionar diversas questões".

Neste contexto, a cientista social e mestre em comunicação, Raquel Quintino, observa que quem não mora nas periferias e tem acesso a esses conteúdos também ganha com essa mudança de perspectiva sobre as vivências desses territórios, e com toda a “capacidade literária, poética e política” que habita essas regiões. Em 2011, para sua dissertação de mestrado intitulada Comunicação Comunitária e Direito à Moradia, pela Universidade Metodista de São Paulo, ela produziu um programa de rádio na área do Chafik, em Mauá, município do ABC paulista. Batizado de O outro lado da cidade, o programa foi feito em parceria com a Associação pelo Desenvolvimento da Habitação do Brasil (ADEHAB) e com a colaboração da Rádio Z FM. Em 20 edições, o projeto contou com uma equipe de repórteres comunitários e, a partir dele, como observa a pesquisadora, começou-se a ampliar a mente e o olhar sobre quem é esse "outro".

O coordenador da Rádio Heliópolis complementa: "as rádios comunitárias, apesar de serem de pequeno porte, têm uma enorme potência por promover o debate da comunidade para a comunidade. Por isso, são potentes instrumentos de informação, mobilização e valorização dos artistas, empreendedores e da cultura local, dando oportunidade aos seus colaboradores, ouvintes e telenautas do acesso à maior fonte de poder: o conhecimento.".

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Divulgação: instagram.com/almapretajornalismo

cidadania / para ver no sesc

ARTICULAR TROCAS E PARCERIAS

Territórios do Comum chega à segunda edição com ações voltadas à cidadania em suas múltiplas dimensões

Criar pontes. Este é o fio condutor da ação Territórios do Comum, realizada pelo Sesc São Paulo desde 2021, e que este ano chega à sua segunda edição, entre os meses de março e abril. A ação em rede oferece um conjunto diverso de atividades que partem da leitura dos territórios e propõem reflexões sobre bem comum, e estratégias de diálogo e articulação comunitária, numa perspectiva transversal, abordando questões de acessibilidade, sustentabilidade e geração de renda.

O projeto estimula processos

educativos continuados, entendendo que cada ação educativa, seja um mutirão ou uma roda de conversa, pode ser deflagradora de transformações que favoreçam grupos e comunidades, por meio de propósitos comuns compartilhados.Tais propostas buscam contribuir para a valorização de iniciativas cidadãs e colaborativas, garantindo o direito de acesso a uma vida digna – social, ambiental e economicamente mais justa.

"Com a intenção de valorizar iniciativas cidadãs e colaborativas,

pretende-se fortalecer o sentido de participação da sociedade na construção de modos de viver mais dignos, justos e sustentáveis", explica Virginia Chiaravalloti, assistente da Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.

Realizada entre os dias 25/3 e 2/4, a programação do Territórios do Comum reúne cursos, oficinas, bate-papos e outros conteúdos socioeducativos. Confira os destaques e saiba mais em sescsp. org.br/territoriosdocomum

CaramujaPesquisa, Memória e
/
Audiovisual
Foto: Ivan Bonifácio
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O Colóquio - comunicação e tecnologias sociais nas periferias propõe um espaço de trocas entre iniciativas sociais ligadas ao jornalismo social.

24 DE MAIO

Caminhos para construção de uma moda sustentável, acessível e cidadã

Bate-papo sobre a cadeia produtiva do vestuário, considerando a moda como uma atividade capaz de potencializar o desenvolvimento territorial e ampliar a cidadania. Dia 25/3, sábado, das 14h às 15h30.

INTERLAGOS

Racismo ambiental, justiça climática e a comunicação nos territórios à margem Ciclo formativo que propõe um diálogo a partir da troca de experiências entre iniciativas de comunicação nos contextos periférico, favelado, ribeirinho, quilombola e indígena. Dias 1º e 2/4, sábado e domingo.

SANTOS

Encontro de comunidades caiçaras

Reunião de sete comunidades afetadas pelo porto de Santos, num espaço de fortalecimento de redes e fomento de discussões com moradores da região. Dia 1º/4, sábado, das 10h às 18h.

TAUBATÉ

Mutirão-construção de jardim sensorial no Centro Dia

Oficina-mutirão para instalação das estruturas do futuro jardim sensorial do Centro Dia para Pessoa com Deficiência. Dias 28 e 29/3, terça e quarta, das 10h às 18h.

CENTRO DE PESQUISA E FORMAÇÃO

Colóquio - comunicação e tecnologias sociais

nas periferias

Intercâmbio entre iniciativas sociais ligadas ao jornalismo local, articulando mídia e tecnologia em prol do exercício cidadão, da

denúncia e da produção cultural em territórios periféricos. Entre os convidados, membros das iniciativas Desenrola e Não Me Enrola e Agência de Notícias das Favelas, entre outras. De 31/3 a 1/4. Saiba mais: centrodepesquisaeformacao. sescsp.org.br.

Francisca Torres Rojas
Artista trans não binário Camil Machado, cofundador do Coletivo Cabeças, participa de um bate-papo sobre moda sustentável e acessível, em 25/3, no Sesc 24 de Maio.
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para ver no sesc / cidadania

os

SENTIDOS

AOrquestra Sinfônica Municipal de São Paulo executava os primeiros acordes da peça O Último Tango em Vila Parisi, em 1987, quando uma cena impensável, ainda que ensaiada, ocorreu diante do público: em movimentos rápidos e precisos, o regente se dirigiu à violinista Chang Chung Mei e a tirou para dançar. A musicista reagiu com surpresa, levantouse e, sem que os demais instrumentistas parassem de tocar, deu início à coreografia conduzida pelo maestro – o compositor, escritor e professor Gilberto Mendes (1922-2016). A ação cênica teve ainda a participação do violinista e ator Jean Pierre Kaletrianos. Os três dançaram juntos, mas, aos poucos, simularam também uma disputa com arcos fazendo as vezes de espadas, conferindo ao espetáculo as nuances dramáticas características da dança e do gênero musical tradicional da Argentina. Por fim, quando o trio se desfez e os violinistas retornaram às suas posições, foi a vez do regente reassumir a batuta.

Tal inventividade em cena é uma das características que fazem do compositor um dos mais importantes nomes da música contemporânea erudita de vanguarda, no Brasil e no exterior. Notável pela abertura a diversos sons e estilos musicais, Gilberto Mendes esteve à frente da transformação da música de concerto no Brasil ao criar, em 1962, o Festival Música Nova – que permanece

A busca pela liberdade criativa que guiou o músico e maestro Gilberto Mendes POR MANUELA FERREIRA
em todos
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Nilton Silva
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O maestro, em 2010, durante a gravação de A Música de Gilberto Mendes (Selo Sesc): o álbum teve direção e produção musical do compositor e regente Jack Fortner (1935-2020).

como a mais longeva mostra internacional de música contemporânea das Américas. Foi também signatário do Manifesto Música Nova, publicado em 1963 pelo compositor Rogério Duprat (1932-2006). Sob forte influência do movimento concretista, o texto defendia uma posição estética oposta ao nacionalismo, à época predominante nas orquestras e escolas de música brasileiras.

“A atuação de Gilberto Mendes não se limitou à música: seu interesse por literatura, teatro, cinema, política, além de sua relação visceral com a cidade de Santos e sua atividade incansável como agitador e organizador cultural, estão incorporados em sua música e são fatores importantes de sua grande riqueza e originalidade”, definiu o escritor e professor Lorenzo Mammì, curador da exposição Gilberto Mendes 100, que celebra o centenário do compositor [Leia mais em Compondo novos mundos].

DOR E MELODIA

Aquela apresentação músico-teatral marcada pelos passos de tango fez parte da edição do Festival Música Nova de

1987, e foi, também, a estreia de um dos trabalhos mais aclamados da trajetória do artista. Além da citação ao filme O Último Tango em Paris (1972), do cineasta italiano Bernardo Bertolucci (1941-2018), Gilberto Mendes elaborou o título da sua composição comovido pelo noticiário socioambiental. Vila Parisi, antigo bairro operário de Cubatão (SP), na Baixada Santista, pertencia ao “Vale da Morte” – como ficou conhecida mundialmente a zona ao redor do polo industrial do município, declarada uma das regiões mais poluídas do planeta pela Organização Mundial da Saúde (OMS), na década de 1980.

Em sua autobiografia Uma Odisséia Musical: Dos Mares do Sul à Elegância Pop/Art Déco (Edusp, 1994), o músico escreveu: “Misto de abertura trágica à la Brahms e divertimento à la Mozart , [ O Último Tango em Vila Parisi ] é evidentemente uma música de protesto. Não sou propriamente um compositor de música politicamente engajada, como o foram, por exemplo, Hanns Eisler (1898-1962) e Cornelius Cardew (1936-1981). Mas sou uma pessoa politicamente engajada. E minha música, sempre que tomo uma posição política, reflete, em parte, essa atitude”.

Nilton Silva
Em contínuo diálogo com outros meios de expressão artística, como artes visuais, literatura, cinema, teatro etc., [ele] levou o fazer musical a limites criativos singulares
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Mirna Azevedo, pianista
Outro registro de Gilberto Mendes durante a gravação do álbum A Música de Gilberto Mendes (Selo Sesc), em 2010.

LIRISMO ICONOCLASTA

Não era a primeira vez, contudo, que o compositor olhava para a Baixada Santista com especial preocupação e afeto. Em Vila Socó meu amor (1984), que figura entre suas peças para coro mais conhecidas, Gilberto Mendes homenageou as vítimas do incêndio que devastou a localidade cubatense (atual Vila São José), em fevereiro de 1984, causando a morte de 93 pessoas. Diz a letra: “Não devemos esquecer os nossos irmãos da Vila Socó, transformados em cinzas, lixo em pó. A tragédia da Vila Socó mostra como o trabalhador é explorado, esmagado sem nenhum dó”.

Em depoimento ao pianista, professor e amigo José Eduardo Martins, publicado na edição de dezembro de 1991 da revista Estudos Avançados, da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto Mendes detalhou suas referências. “Com minha música, pretendi ter feito alguma coisa in memoriam dos mortos por aquela verdadeira bomba de Hiroshima que foi a explosão da Vila Socó. Por isso a lembrança, no título, do [diretor francês] Alain Resnais (1922-2014), da imensa piedade pelo destino dos homens, que seu extraordinário filme [Hiroshima meu amor (1959)] comunica. Meu colega Celso Delneri dirigia um coral feminino no Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da USP e me havia pedido uma música. O horror diante da terrível notícia deu-me o impulso”, comentou Mendes.

ODISSEIAS MUSICAIS

Gilberto Mendes começou a estudar música aos 19 anos, no Conservatório Musical de Santos. Foi aluno da pianista Antonietta Rudge (1885-1974) e recebeu orientações profissionais do compositor Claudio Santoro (1919-1989). Em 1949, compôs sua primeira obra para voz e piano a partir do poema Episódio, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Seis anos depois, lançou Peixes de Prata (1955), com poesia de Antonieta Dias de Moraes (1916-1999), também para canto e piano. Ao se vincular ao Manifesto Música Nova, passou a ser porta-voz da poesia concreta paulista, encabeçada pelo grupo Noigandres, composto pelos poetas Haroldo de Campos (1929-2003), Décio Pignatari (1927-2012), Augusto de Campos e, posteriormente, por Ronaldo Azeredo (1937-2006) e José Lino Grünewald (1931-2000).

É nesse período que ganha reconhecimento como um dos pioneiros, no Brasil, no campo da música concreta e da música aleatória, no qual elementos da

composição são deixados ao acaso – e cujo expoente foi o compositor e teórico musical norte-americano John Cage (1912-1992). Com Moteto em Ré Menor (1967), rebatizado como Beba Coca-Cola, levou o poema vanguardista de Décio Pignatari para vozes corais –no encerramento da obra, o coro declama a inusual “cloaca”, última palavra dos versos concretistas. Outras composições do período, como Santos Football Music (1968) e Vai e vem (1969) também despontaram pela atitude crítica, contestatória e libertária.

À FRENTE DO FUTURO

Para o pianista, compositor e arranjador André Mehmari, alguns aspectos da trajetória de Gilberto Mendes são proeminentes a ponto de dialogar com o seu próprio trabalho, influenciando-o. “Há inquietude musical, vontade de procurar livremente caminhos musicais que não se enquadrem em estéticas muito fechadas. Percebo que nele não há julgamentos excessivos. Há curiosidade e vontade de aprender. Existe uma criança ali dentro, um olhar puro diante das coisas e dos sons, algo que para muitos se perde ao longo da vida – essa relação direta com a matéria do som e com a própria criação musical”, analisa o artista, que participou do Festival Música Nova pela primeira vez aos 13 anos, época em que, prodigiosamente, começava a compor. “Podemos ver que Gilberto Mendes, pela sua obra, nunca firmou o barco em um único cais, navegando por muitos mares diferentes”, pontua.

A pianista e professora Mirna Azevedo, por sua vez, considera que Mendes desbravou caminhos significativos para a formação de novos compositores e intérpretes ao contribuir para a expansão de perspectivas expressivas, especialmente através de uma aproximação irrestrita com o pensamento artístico de qualquer natureza. “Sua concepção musical destemida e progressista, que busca extrapolar os limites do tradicional, do convencional, ou mesmo do estereótipo da música erudita, pode ser considerada como fonte de possibilidades criativas que instigam não apenas a composição e a performance, mas também, a apreciação musical”, reflete a docente.

Dentre as facetas da profícua trajetória do compositor, Mirna Azevedo destaca a abordagem simples, extrovertida, calorosa, participativa e desmistificada da música erudita trazida por Mendes. “Em contínuo diálogo com outros meios de expressão artística, como artes visuais, literatura, cinema, teatro etc., [ele] levou o fazer musical a limites criativos singulares", acrescenta.

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Gilberto Mendes 100, exposição em cartaz no Sesc Santos, litoral do estado, revisita, ao longo de cinco áreas temáticas (ou ilhas), diversos aspectos da vida e obra do artista, sob curadoria de Lorenzo Mammi. O primeiro espaço, dedicado a Santos Football Music, aprofunda-se em uma de suas composições experimentais mais complexas e ambiciosas; a segunda ilha aborda a relação com a cidade de Santos, terra natal do músico; o terceiro recorte é voltado para as composições experimentais da década de 1960, à exploração de grafismos musicais e ao diálogo com a poesia concreta; na quarta área da mostra, o foco é a relação de Gilberto Mendes com o teatro, como compositor de música de cena e, também, como criador daquilo que ele próprio gostava de definir como “música-teatro”.

Por fim, na quinta ilha, a relação do maestro com a música para o cinema é examinada a partir de uma de suas composições mais importantes: Ulysses em Copacabana Surfando com James Joyce e Dorothy Lamour (1988). As diferentes áreas são conduzidas por depoimentos do próprio Gilberto Mendes, reunidos pelo filho Carlos Mendes – e acessíveis em telas distribuídas no espaço expositivo.

SANTOS

Gilberto Mendes 100

Curadoria de Lorenzo Mammì

Até 30/4, de terça a sexta, das 10h às 21h30, sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h30. Livre. GRÁTIS.

Mais informações: sescsp.org.br/ exposicao-gilberto-mendes-100

para ver no sesc / bio

COMPONDO NOVOS MUNDOS

Em cartaz no Sesc de Santos (SP), terra natal de Gilberto Mendes, exposição celebra a memória e revisita os caminhos experimentais do artista

SESCTV Música Nova, uma homenagem

O programa exibe o concerto de despedida do Ensemble Música Nova, gravado no Sesc Santos, em 2017, sob a regência do maestro norte-americano Jack Fortner, com um repertório que homenageia o compositor Gilberto Mendes e o Festival Música Nova. 4/3, às 22h

Gilberto Mendes e a Música Nova (2017)

O documentário dirigido por Marcelo Machado homenageia o compositor com depoimentos de representantes da música instrumental contemporânea, além de peças relevantes que recuperam sua importância na cena artística. 18/3, às 22h

Para Bubu (1981), de Eliane Ghigonetto Mendes: óleo sobre tela da "eterna esposa" do maestro.
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Isabel Carvalhaes / Acervo

gráfica

PARÁBOLAS DO BRASIL

Em cartaz no Sesc Pompeia, exposição propõe debate sobre a ideia de “país do futuro” e a exclusão de indígenas e afrobrasileiros da arte moderna

POR LUNA D’ALAMA

Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
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Operários (1933), de Tarsila do Amaral: óleo sobre tela.

Parábola é uma palavra com múltiplos significados, que podem vir das ciências exatas ou das humanas. No primeiro caso, descreve uma trajetória geométrica de ascensão e queda. No segundo, consiste numa narrativa alegórica que transmite uma mensagem moral ou religiosa. Quando se revê a história do Brasil sob um viés crítico, essas duas interpretações do termo parábola podem ser consideradas. Ao se pensar em quais narrativas construíram as noções identitárias de “país do futuro”, vê-se desenhado o movimento descendente que representou, por exemplo, a exclusão, durante séculos, dos indígenas e afro-brasileiros da cultura hegemônica. Deste modo, a ausência dessas múltiplas vozes pode ser compreendida como o ponto baixo dessa parábola.

A celebração do bicentenário da Independência, em 2022, trouxe para o tempo presente a reflexão e a oportunidade de revisitar o passado, possibilitando o protagonismo de narrativas historicamente apagadas e, assim, redesenhando essa parábola numa curvatura ascendente. Esse debate que permeia a sociedade em diversas frentes do pensamento também inspira os artistas, que levam para a subjetividade os questionamentos sobre a construção da própria identidade e do projeto de nação. “No contexto dos 200 anos da Independência, buscamos olhar criticamente para a construção do Brasil a partir da lente do conflito e de narrativas contra-hegemônicas, das lutas de diversos grupos e das formas que eles encontraram para resistir e construir comunidades frente a um processo violento de modernização, cujos fantasmas ainda assombram o presente”, explica Yudi Rafael, mestre em culturas latino-americanas e ibéricas. Para ele, a pluralidade de agentes e linguagens reflete a própria pluralidade brasileira. “A diversidade de vozes desafia lugares-comuns das narrativas nacionais, a partir de perspectivas muitas vezes invisibilizadas ou apagadas do debate em torno da arte e de seu cânone.”

Em cartaz no Sesc Pompeia até início de abril, a exposição A Parábola do Progresso revisita e ressignifica dilemas do presente, memórias e processos de desenvolvimento, para que se possa construir um outro futuro, uma outra realidade e uma outra

cidadania, com experiências mais enraizadas na terra e nos saberes ancestrais. “A exposição interroga a noção de progresso, termo que integra o lema positivista da bandeira nacional e se encontra também subjacente ao conceito de modernismo”, afirma Yudi Rafael, que assina a curadoria adjunta ao lado de André Pitol, sob coordenação curatorial da jornalista e crítica de arte Lisette Lagnado.

Com participação de quase cem artistas modernos e contemporâneos, a exposição é composta por mais de 600 obras organizadas num espaço que representa cinco territórios dialógicos: Acervo da Laje (Salvador - BA), Aldeia Kalipety (São Paulo - SP), Casa do Povo (São Paulo - SP), Quilombo Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim - MA) e SAVVY Contemporary – The Laboratory of Form-Ideias (Berlim - Alemanha).

A mostra propõe ao visitante estabelecer seu próprio percurso numa dinâmica de deslocamento circular que funciona em ambos os sentidos, e pode ser vista a partir de qualquer ponto. “A unidade do Sesc Pompeia é considerada o sexto território, aquele que convida os outros cinco a habitarem o mesmo espaço e a dividir o que os aproxima ou diferencia”, diz o curador adjunto André Pitol. São iniciativas sociais inspiradoras que têm em comum a articulação de práticas e produções culturais numa perspectiva de cuidado, sensibilização e convivência. “Procuramos iluminar contradições que ainda persistem por meio de narrativas hegemônicas, possibilitando vislumbrar a construção de outra história que deixe entrever apagamentos e elementos ignorados”, completa Monica Carnieto, gerente do Sesc Pompeia.

POMPEIA

A Parábola do Progresso

Curadoria: Lisette Lagnado (geral), André Pitol e Yudi Rafael (adjunta)

Até 2/4. Terça a sábado, das 10h às 21h. Domingos e feriados, das 10h às 18h. GRÁTIS. sescsp.org.br/parabola-do-progresso

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gráfica
Coleção Acervo da Laje, Salvador (BA)
Sem título (2021), de Paulo Telles: impressão fotográfica em papel fine art.
Coleção do artista
Sem título - quão-demorado-e-quão-árduo-e-quão-distante (2021), de Leo Asemota: dois relógios de quartzo.

Cabeça, corpus e membros (2022), de Rosangela Rennó: instalação com textos, duas pinturas e quatro objetos do acervo do Museu Penitenciário Paulista (MPP) e quatro impressões digitais da série Cicatriz (1996-1998), realizadas a partir de negativos fotográficos do MPP: todas as impressões são cópias de exibição.

Rodrigo Reis
Coleção Galeria Jaider Esbell de Arte Indígena Contemporânea, Boa Vista (RR) Makunaimî devolve a Muirakitã ao centro da terra (2019), de Jaider Esbell: tinta acrílica sobre tela.
Coleção Gilberto Chateaubriand, Rio de Janeiro. Fotografia: Vicente de Mello
A crucifixão (1922), de Vicente do Rego Monteiro: óleo sobre tela. Madalena Schwartz / Acervo Instituto Moreira Salles À direita, Manabu Mabe (1975), e à esquerda Emanoel Araújo (1981), ambos trabalhos de Madalena Schwartz: impressão fotográfica em papel fine art.
Madalena Schwartz / Acervo Instituto Moreira Salles
À direita, Elza Soares (1973), e à esquerda, Tomie Ohtake (1975), ambos trabalhos de Madalena Schwartz: impressão fotográfica em papel fine art.
Coleção particular
Coleção da artista. Fotografia: Rodrigo Reis Mapa 1. Da série Rastros da Fuga – Acidentes Corpográficos (2017-2018), de Tieta Macau. Técnica mista: carimbo de suor, saliva, fluidos corporais sobre tecido de algodão cru, com intervenção de carvão, verniz, costura com búzios, miçangas e palha da costa. Ao lado esquerdo, Samba (1925), Emiliano Di Cavalcanti: óleo sobre tela. Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Fotografia: Romulo Fialdini Coleção do artista Acima, O Guarani (2016), de Gilvan Barreto: vídeo digital – trilha sonora adaptada por Pupillo e Carlos Trilha.
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Na imagem à esquerda, O índio e a suassuapara (1951), de Victor Brecheret: escultura em bronze.
gráfica

RESISTÊNCIA CINE

Cinemas de rua ocupam a cidade de São Paulo como espaços coletivos de convivência, cinefilia e memória POR

LUNA D’ALAMA

Anos depois de trabalhar na televisão, Carlos Donaldo Costa decidiu abrir uma produtora de vídeos. Com três estúdios para gravação e testes de comerciais, o local recebia, desde 2012, até 300 pessoas diariamente. Mas então veio a pandemia, em março de 2020. “Tudo se tornou online e mudou de repente. Fiquei um ano e meio na dúvida sobre o que fazer. Em 2022, tive a ideia de construir um cinema, o Cine LT3, e o inaugurei em agosto”, conta.

Autodenominado “um cinema de bairro como antigamente”, o espaço em Perdizes, na zona oeste, tem apenas 35 lugares, com poltronas de meio século que vieram de uma sala desativada em Franca (SP).

A atmosfera retrô e nostálgica, porém, é contrastada por equipamentos tecnológicos, como um projetor digital 4K e um sistema de som 7.2, além de recursos de acessibilidade para cadeirantes.

O proprietário do Cine LT3 diz que os espectadores são, principalmente, moradores da região, cinéfilos e pessoas que conheceram seu novo projeto pela mídia. “Achava que o público apareceria espontaneamente, logo após a inauguração. Mas esse é um trabalho de formiguinha, de mostrar que trazemos bons filmes, num circuito mais cultural e alternativo, que não concorre com streamings e blockbusters. Ao apresentarmos produções de arte e nacionais [como Marte Um e Carvão, ambos de 2022], fortalecemos a cultura do cinema”, destaca Costa, que oferece três sessões diárias, além de cinedebates quinzenais entre público, produção e direção.

O LT3 faz parte de um movimento de retomada do cinema de rua na

cidade de São Paulo que, segundo Costa, acontece mais por um ideal e por amor à sétima arte do que por um retorno financeiro. Outro empreendimento do gênero, inaugurado em julho do ano passado, é o Cineclube Cortina, que mescla sua programação audiovisual com shows, festas, restaurante e bar. O local, erguido onde funcionava um estacionamento na Praça da República, região central, prioriza filmes nacionais, clássicos, títulos fora do circuito comercial e mostras temáticas. Tudo isso, visto pelos espectadores em 80 espreguiçadeiras de madeira e tecido.

“Os cinemas de rua estão muito ligados à sociabilidade, à formação de cinéfilos e ao (re)descobrimento do cinema nacional e/ou independente. São uma alternativa ao circuito hegemônico, que está presente, sobretudo, nos shoppings. O convívio social do jovem hoje é digital, e a sociabilidade do cinema também mudou. Por isso, acho interessantes esses movimentos que entendem que exibir um filme, por si só, já não basta”, avalia a jornalista e pesquisadora Ana Paula Sousa, professora de cinema e audiovisual da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e autora do recém-lançado O cinema que não se vê: a guerra política por trás da produção de filmes brasileiros no século XXI (Fino Traço, 2023), além de ser coordenadora, desde 2016, do Fórum Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

RENASCIDO NA PRAÇA

A cidade de São Paulo concentra a maioria de seus cinemas de rua na

região central, na Avenida Paulista e imediações, e na zona oeste. São locais como o Petra Belas Artes, o Espaço Itaú de Cinema (Augusta), o Cine Marquise, o CineSesc, o Cinesala e o Reserva Cultural (batizado inicialmente de Cine Gazeta, cuja inauguração, em 1966, contou com a presença da atriz italiana Sophia Loren). Pelo estado, há projetos com propostas semelhantes em Santos (Cine Arte Posto 4) e em Campinas (Espaço Cultural Casa do Lago), entre outros municípios.

Entre os cinemas de rua (ou de galeria) que fizeram parte do patrimônio histórico e arquitetônico da capital paulista, e que fecharam nos últimos anos, estão: Gemini, Top Cine, Art Palácio, Metrópole, Marrocos, Copan, Paissandu e Bijou. Este último, porém, renasceu em janeiro de 2022 como Cine Satyros Bijou, na praça Roosevelt, no Centro. O lugar havia funcionado como cinema entre 1962 e 1996, e ultimamente abrigava uma escola de teatro. “Em 2019, soubemos que ela sairia de lá e que o local poderia virar uma igreja ou um bar-balada. Foi aí que a gente se intrometeu. Conseguimos o apoio de pessoas importantes, como a atriz Patricia Pillar – cujo nome batiza a sala. São mais de 80 lugares, com as poltronas vermelhas originais, todas restauradas”, afirma Ivam Cabral, um dos fundadores da companhia teatral Os Satyros e administrador do Satyros Bijou, ao lado do também dramaturgo e diretor Rodolfo García Vázquez.

Durante a ditadura militar, o então proprietário do Cine Bijou, Francisco Coelho, anunciava filmes clássicos na programação, mas exibia produções censuradas pelo regime. “Ele foi um grande

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revolucionário. Como forma de homenagear a resistência naquela fase, e também o trabalho da Patricia, passamos na sessão inaugural Zuzu Angel (2006). Aliás, privilegiamos o cinema nacional em 70% da nossa programação. O restante são longas estrangeiros, de arte, inéditos e os que não chegam ao circuito comercial”, explica Cabral, cuja expertise no audiovisual começou em 2014, com a produtora Satyros Cinema e a realização de filmes como A Filosofia na Alcova (2017), detentor do recorde de filme brasileiro em cartaz por mais tempo no país.

O Satyros Bijou, segundo o novo proprietário, busca oferecer ao público, para além das exibições, uma experiência coletiva.

“Queremos que a ida ao cinema seja de conversa e de troca. Os cinéfilos, em geral, pensam muito, falam pouco e quase não têm lugares de encontro – são redutos solitários. Aqui, olhamos nos olhos do espectador, dizemos: ‘Seja bemvindo(a)’, ‘Boa sessão!’. Buscamos uma comunicação mais informal e humana que a vivenciada em uma sala comercial”, destaca.

Na visão de Cabral, o cinema é um espaço de aprendizado, reflexão e celebração. “Ele concentra os atributos que nós, cidadãos, precisamos para viver em comunidade e sociedade. E os cinemas de rua, particularmente, guardam tradições, histórias e memórias. Preservá-los, portanto, é uma questão coletiva que deveria ser garantida pelo poder público.

O Centro – que até os anos 1990 era o mediador de toda a cultura da cidade – ainda tem muitos lugares como esse, que podem e devem ser recuperados”, analisa o administrador do Satyros Bijou.

PERDA E RESISTÊNCIA

Inaugurado em 1993, o Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta, é um dos que resistem bravamente na região. Em fevereiro, porém, seu anexo do outro lado da rua (com duas salas e capacidade para cerca de 120 pessoas) fechou as portas. A última de suas 93 mil sessões exibiu gratuitamente

o documentário

A Última Floresta (2021), de Luiz Bolognesi, sobre a resistência do povo Yanomami. O terreno, que ajudou a revitalizar os arredores

Andre Stefano
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Tradicional cinema de rua da cidade de São Paulo, o Cine Bijou reabriu em 2022 como Cine Satyros Bijou, na praça Roosevelt.

há três décadas, foi vendido para uma incorporadora e deve virar um edifício residencial. A proprietária do Café Fellini, instalado no anexo desde 1995, chegou a criar um abaixo-assinado (que reuniu cerca de 50 mil assinaturas) contra a demolição do imóvel.

Apesar dessa perda, o Espaço Itaú Augusta mantém suas três maiores salas no endereço principal. Na militância pelos cinemas de rua, em cidades como São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Fortaleza (CE) e o diretor de programação da rede, Adhemar Oliveira, acredita que as salas de cinema migraram para os shoppings por um movimento de insegurança e de medo da violência, numa sociedade gradeada. “O cinema é um elemento efetivo do tecido urbano, da valorização da rua. Não

é apenas um lugar onde se veem filmes, mas um epicentro que movimenta também as quadras ao redor, que eleva o status de uma rua. Além disso, o cinema de rua está ancorado em ver a realidade que o cerca”, observa.

De acordo com Oliveira, as cidades – e os cinemas de rua – precisam de vias mais seguras, policiamento, educação, convivência, distribuição de renda, investimentos em imóveis (para que não se deteriorem) e, principalmente, a presença e circulação de pessoas contra uma arquitetura do abandono. Para Rodrigo Gerace, doutor em cinema e assistente na Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo, o cinema de rua reitera a importância da sétima arte como fruição cultural e prática

social, e não meramente como consumo. “Ele está alinhado a uma experiência audiovisual expandida e a um senso de coletividade. São espaços que convidam o público a entrar, tomar um café e discutir um filme, no contexto da pré e da pós-exibição”, ressalta Gerace.

Cecília Ferreira De Nichile, doutoranda em meios e processos audiovisuais e assistente da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo, complementa que o cinema de rua está ligado à ocupação do espaço público, à interação social, ao diálogo e ao debate sobre filmes. “É também uma experiência nostálgica que inclui fazer parte da rua, e por meio da qual é possível imergir e ser abarcado, como num hiato de tempo em que a vida fica em suspenso”, afirma Cecília.

Marcelo Scandura Poli
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Inaugurado em 2022, o Cine LT3 se autodenomina "um cinema de bairro como antigamente", e fica em Perdizes, zona oeste da capital.

cinema / para ver no sesc

DIVERSO E ACESSÍVEL

Com 43 anos de existência, CineSesc abriga longevidade, pluralidade e programação diversa

Inaugurado em setembro de 1979, o CineSesc é um dos cinemas de rua mais tradicionais da cidade de São Paulo, localizado na Rua Augusta, região central da capital. Para além da exibição de filmes, sua programação reúne mostras, festivais, debates, atividades formativas e cursos sobre a sétima arte. O espaço oferece, também, recursos de acessibilidade, como tradução em Libras, audiodescrição e legendas open caption . “Ir ao cinema pode ser uma experiência rica e democrática. E cinemas de rua, como o CineSesc, nos dão essa oportunidade. O trajeto, a imprevisibilidade da vida urbana, o encontro com amigos e desconhecidos, a sala escura com 273 lugares, tudo isso se soma às narrativas audiovisuais que nos tocam. Nestes tempos em que saímos de um isolamento social traumático, espaços de cultura como esse exercem um papel fundamental”, aponta Graziela Marcheti, coordenadora de programação do CineSesc.

Fique por dentro da programação completa do CineSesc: sescsp. org.br/cinesesc. Confira alguns destaques de março e abril:

CINESESC

Mostra Spielberg

Conhecido pela sensibilidade em criar narrativas para o público infantojuvenil, o diretor norteamericano Steven Spielberg passou a intercalar esse tipo de cinematografia com dramas históricos. Um dos protagonistas do movimento Nova Hollywood, Spielberg é celebrado com uma seleção de 11 longasmetragens, como Tubarão (1974), A Cor Púrpura (1985) e A Lista de Schindler (1993). De 2 a 8/3.

Sessão 35mm

The Edukators – Os Educadores Dir.: Hans Weingartner, Alemanha, 2004, 127 min, ficção, 14 anos Peter e Jan são educadores e anarquistas que invadem casas de pessoas ricas, nunca para roubar, mas para dar um pré-aviso de que seus dias de luxo estão contados. Dia 14/3. Terça, às 20h30.

OJU – Roda Sesc de Cinemas Negros

Para destacar a potência poética

e política do audiovisual, a mostra apresenta filmes dirigidos por cineastas negras(os). Também haverá exibição na plataforma Sesc Digital. Consulte a programação completa: sescsp.org.br/ cinemasnegros. De 15 a 22/3.

Mostra de Cinema de Tiradentes SP

Exibição de curtas, médias e longas-metragens brasileiros que foram destaque na programação da Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2023, e que ainda estão inéditos no circuito nacional. De 23 a 29/3

49º Festival Sesc Melhores Filmes

Em abril, o mais antigo festival de cinema de São Paulo, criado em 1974, apresenta, em exibições presenciais e online, as produções mais significativas que passaram pelas telas de São Paulo no ano passado. A votação, aberta ao público, aconteceu no mês de fevereiro. Conheça a programação: melhoresfilmes. sescsp.org.br. De 5 a 26/4.

Ricardo Ferreira
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Inaugurado em 1979, o CineSesc é um dos cinemas de rua mais tradicionais da cidade de São Paulo: ponto de encontro, mostras, debates, oficinas e outras atividades.

BiblioSesc

Projeto de incentivo à leitura que oferece gratuitamente empréstimo e consulta de livros, jornais e revistas. As bibliotecas móveis atendem as regiões de Campo Limpo, Interlagos, Itaquera, Santana, Osasco e São Caetano, em São Paulo.

sescsp.org.br/bibliosesc

Beto Assem

educação POVOS INDÍGENAS E

Mais de dez anos após a aprovação da lei que determinou a obrigatoriedade da inclusão de temáticas relacionadas à cultura afro-brasileira e indígena no currículo da educação básica, pouco ainda se sabe sobre a historicidade dos Yanomami, Guarani, Pataxó, Guajajara e mais de 300 etnias originárias do território brasileiro – e por consequência, pouco se valoriza seus conhecimentos, práticas culturais e tecnologias.

Neste cenário, permanecem o descumprimento e a ausência de políticas públicas que protejam essas comunidades que habitam de Norte a Sul do país, a exemplo da atual tragédia humanitária vivida pelos Yanomami, principalmente pelas crianças, que enfrentam severos problemas de saúde, resultado do garimpo ilegal na região amazônica.

A fim de compreendermos esse quadro e apontar outros caminhos, o recém-lançado Povos Indígenas Entre Olhares, coletânea de 13 artigos sobre o panorama histórico e atual da situação indígena no Brasil, propõe um diálogo interdisciplinar entre antropólogos, historiadores, educadores, profissionais da saúde, historiadores da arte e professores indígenas. Resultado da parceria entre as Edições Sesc São Paulo e a Editora Unifesp, o livro foi orga-

nizado por André Roberto de A. Machado e Valéria Macedo. Neste Em Pauta, são publicados excertos de dois dos artigos presentes na obra.

No primeiro, Por que ensinar história e cultura indígenas?, o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Antonio Simplicio de Almeida Neto, foca nas discussões em torno da Lei 11.645/2008, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura indígena nas escolas de educação básica. Enquanto isso, Poty Poran Turiba Carlos, autora do povo Guarani, com vasta experiência como professora e gestora de unidades escolares públicas, assina o texto Escolarizar os Guarani ou ‘guaranizar’ a escola?, no qual defende a importância do envolvimento da comunidade indígena em todos os assuntos concernentes à escola.

EDIÇÕES SESC SÃO PAULO

Povos Indígenas Entre Olhares (Edições Sesc São Paulo e Editora Unifesp, 2023)

Organização: André Roberto de A. Machado e Valéria Macedo sescsp.org.br/edicoes

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Não é fake news. Tampouco pós-verdade. Trata-se de realidade factual e objetiva: em 30 de abril de 2017, como foi amplamente noticiado, indígenas da etnia Gamela foram atacados no interior do Maranhão com requintes de crueldade, sofrendo golpes de facão e ferimentos a bala. Conforme dados do Ministério da Saúde sobre suicídio, entre 2011 e 2016 “a taxa de mortalidade entre os índios é quase três vezes maior (15,2) do que o registrado entre os brancos (5,9) e negros (4,7)” [Ministério da Saúde divulga 1° boletim de suicídio no país; é a quarta causa de morte entre jovens”, 21 set. 2017]; de acordo com o relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em 2016, dos 118 assassinatos de indígenas ocorridos naquele ano no Brasil, informados pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), 18 ocorreram no Mato Grosso do Sul e 44 entre os Yanomami (Roraima e Amazonas); confinando mais de 700 indígenas em uma área de 1,7 hectare, em 21 de agosto de 2018, o governo federal revogou a criação de novos limites para a Terra Indígena Guarani no Jaraguá, município de São Paulo, alegando “erro administrativo” por ter sido demarcada “sem a participação do estado de São Paulo” [G1, Índios encerram manifestação e Parque do Jaraguá é reaberto em SP, 16 set. 2017], o que inviabilizaria projetos de concessões privadas dos parques estaduais; os

dados dos DSEI no relatório do Cimi aqui mencionado indicam que houve aumento da mortalidade de crianças indígenas menores de 5 anos de idade, de 599 óbitos (2015) para 735 (2016), tendo como causas prováveis: “pneumonia; gastroenterite de origem infecciosa presumível; pneumonia não especificada; septicemia não especificada; morte sem assistência; desnutrição proteico-calórica grave não especificada” [Cimi, Violência contra os povos indígenas no Brasil]. Vidas precárias... Eis uma expressão que possivelmente sintetiza essa pequena amostra de ocorrências trágicas que recaem sobre a população indígena no Brasil.

Desse modo, alguns questionamentos são pertinentes e mesmo inevitáveis quando se propõe um olhar minimamente sensível e crítico sobre a questão indígena no Brasil. Por que para alguns a vida dessas pessoas pouco ou nada importa? Por que essa violência não nos horroriza tanto? Por que é tão pouco noticiada? Por que não ganha maior repercussão no horário nobre dos meios de comunicação de massa? Por que tais informações não repercutem tanto quanto a morte dos não indígenas, mais especificamente dos brancos? Por que esses assassinatos brutais ou a simples falta de assistência à desnutrição de crianças indígenas são naturalizados? Por que o horror é admitido para determinado grupo social? Por que esses indivíduos parecem não ser vistos como cidadãos ou, simplesmente, como humanos? Por que a perda de suas vidas não é lamentada? Por que essas mortes não provocam forte comoção social? Enfim, o que torna essas vidas tão precárias?

No livro Quadros de guerra (Civilização Brasileira, 2015), ao discutir a violência presente nas relações sociais e políticas contemporâneas, a filósofa Judith

Por que ensinar história e cultura indígenas?
POR ANTONIO SIMPLICIO DE ALMEIDA NETO
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O entendimento de que a educação escolar incide diretamente na construção das relações sociais tem implicações no sentido dado ao ensino de história e cultura indígenas, obrigatório por lei.

Butler observa justamente o fato de que “há ‘sujeitos’ que não são exatamente reconhecíveis como sujeitos e há ‘vidas’ que dificilmente – ou, melhor dizendo, nunca – são reconhecidas como vidas”. Embora todas as vidas sejam, por princípio, precárias, nem todas são percebidas ou reconhecidas como tais, de modo que apenas a algumas se confere valor, o que as torna passíveis de luto. No mesmo livro, Butler afirma que “sem a condição de ser enlutada, não há vida, ou, melhor dizendo, há algo que está vivo, mas que é diferente de uma vida. Em seu lugar, ‘há uma vida que nunca terá sido vivida’, que não é preservada por nenhuma consideração, por nenhum testemunho, e que não será enlutada quando perdida”.

Parece ser esse o caso aqui discutido, o de um grupo social cuja perda não é passível de luto, cuja vida não é percebida como vida e, portanto, não nos afeta em sua precariedade, perda, sofrimento e dor, provocados pelos não indígenas ou pelo próprio Estado, que deveria protegê-los. Mais que isso, é como se tais vidas fossem “perdíveis”, por assim dizer, e consideradas uma ameaça às outras vidas “vivas”, de modo que sua destruição passasse a ser até desejável. Consideramos que essas questões são graves e dizem respeito aos diversos âmbitos da sociedade, inclusive à educação escolar e seu currículo, seja porque o modo de socialização promovido pela instituição escola tornou-se predominante ou hegemônico ao longo do século 20 e ainda o é nos dias atuais, como propõem autores como os sociólogos Guy Vincent e Bernard Lahire [Sobre a história e a teoria da forma escolar, Educação em Revista, 2001], seja porque aquilo que os alunos aprendem dentro e fora da sala de aula é aspecto constituidor daquilo que se tornam, de sua identidade e subjetividade e, portanto, da maneira como percebem a si e ao outro, com que lidam com essas precariedades.

O entendimento de que a educação escolar incide diretamente na construção das relações sociais tem implicações no sentido dado ao ensino de história e cultura indígenas, obrigatório por lei. Às perspectivas tradicionalmente propostas, de caráter determinista, essencialista e meramente conteudista, sugerimos uma abordagem que provoque o

deslocamento das representações que eclipsam a compreensão das precariedades mencionadas (...).

A Lei Federal 11.645/2008, que determinou a obrigatoriedade do “estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena [...] em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras”, conforme o texto oficial, guarda uma expectativa de rompimento com certa tradição no trabalho com a temática indígena, presente no currículo escolar desde o século 19, como bem notou a historiadora Circe Bittencourt [no capítulo História das populações indígenas na escola: memórias e esquecimentos, do livro Ensino de história e culturas afro-brasileiras e indígenas, Amilcar Pereira e Ana Maria Monteiro (orgs.), Pallas, 2013]. Observa-se que, durante as décadas que atravessaram o século 20, a tradição escolar situou os povos indígenas quase que exclusivamente na colonização portuguesa na América, excluindo-os dos demais períodos históricos ou inserindo-os em conteúdos que tratavam do folclore nacional. (...)

Antonio Simplicio de Almeida Neto é graduado em história pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP). É professor no Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde atua no Programa de Pós-Graduação em História (mestrado acadêmico) e no ProfHistória (mestrado profissional em ensino de História).

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Observa-se que, durante as décadas que atravessaram o século 20, a tradição escolar situou os povos indígenas quase que exclusivamente na colonização portuguesa na América

escola?

Muito eu poderia contar aqui sobre as lutas de professores Guarani e de outros povos indígenas por nossos direitos a uma escola diferenciada, reconhecidos pela Constituição Federal. Mas no Brasil, não basta existirem as leis, é preciso conseguir que elas sejam cumpridas. O desafio de fazer uma escola diferenciada é ainda maior do que a falta de apoio das políticas públicas, pois a própria ideia de escola e o modo como ela produz e reproduz conhecimentos já são desafios para os indígenas. É sobre isso que vou refletir aqui, a partir de minha experiência em escolas das aldeias na capital de São Paulo, tanto na Terra Indígena Jaraguá (no bairro do Jaraguá) como em duas aldeias na Terra Indígena Tenonde Porã (em Parelheiros).

O maior problema da educação escolar indígena é: para que existe a escola? Sempre pergunto isso para os professores e a comunidade. Para que você quer uma escola? Para que serve a escola? O que os alunos vão aprender? Para que estamos formando o aluno? Para o mercado de trabalho? Para ser mão de obra dos jurua, os brancos? Formar para trabalhar na aldeia? Para um aluno que vai morar na aldeia, que vai subsistir na aldeia, é necessário que ele saiba inglês, logaritmo, cosseno, química? É mais necessário que ele saiba construir uma casa, fazer uma roça, ou não é? Todas essas questões não são apenas para os professores: é a comunidade que precisa responder para que serve a escola e para que ela a quer na aldeia.

Uma das coisas que desejávamos da escola na aldeia era proteger e valorizar a nossa cultura, já que a escola dos jurua é nociva para as culturas indígenas, pois busca homogeneizar e padronizar todos os alunos.

Queremos continuar sendo diferentes, por isso que se fala em educação diferenciada. Primeiro, porque vemos cada aluno como um só, como um ser único na face da Terra. Esse aluno vai lidar com a educação do seu próprio jeito. Então, cada um dos professores precisa olhar para os alunos, um por um.

(...) Outra coisa difícil é saber onde acaba a tradição e onde começa a educação escolar indígena. Existem dois tipos de educação. Uma é aquela do dia a dia, em que as crianças aprendem a ser indígenas no cotidiano, e os jurua, os brancos, aprendem a ser não indígenas. Essa é uma educação não formal, que acontece a todo tempo, a qualquer hora e lugar. Já a educação formal traz na própria palavra a forma, o formato: ter um horário para começar, um horário para terminar, uma didática e muitas regras específicas. Assim, quando pegamos aspectos da educação não formal e tentamos colocar na educação formal, geramos muitos efeitos nos conhecimentos e na formação das pessoas. Por exemplo: o que acontece na sociedade jurua quando bebês com quatro meses vão para a creche?

Tem as cuidadoras e o diretor que começam a pensar em uma didática para ensinar os bebês. Os professores ou cuidadores vão ler histórias para as crianças e, através dessas histórias, apresentar o mundo para elas. De quem era esse papel antes? Primeiro, dos avós e dos pais. Antigamente, era papel dos avós e dos pais passarem a história do mundo. As histórias, as cantigas, as brincadeiras eram todas ensinadas por eles também. Com a vida moderna, os pais precisam trabalhar, os avós precisam trabalhar também, e as crianças ficam com um profissional que também está trabalhando para cuidar delas. O que acontece é que essa parte que era tradicional do povo jurua, de contar histórias para bebês e crianças se desenvolverem, está escolarizada e transformada em escolarização. Nós, Guarani, não queremos isso, não queremos que a parte mais tradicional seja escolarizada.

(...) Quando comecei a dar aulas, há 16 anos, passei por três escolas diferentes: no Tekoa Ytu, Terra Indígena Jaraguá, onde fui professora e vice-diretora; na Tenonde Porã, onde também fui professora e

Escolarizar os Guarani ou “guaranizar” a
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POR POTY PORAN TURIBA CARLOS

vice-diretora; e na escola da aldeia Krukutu, onde fui vice-diretora. Em todas elas, sempre tentei ensinar também fora da sala de aula. Saímos para andar na aldeia, e aí eu vejo um inseto e digo: “Olhem, crianças, olhem este inseto!”. E pergunto: “Como ele é? Como vive?”. E elas vão conversando, vão formulando, falando sobre o inseto, abrindo o mundo no seu pensamento. Aí um dos alunos chega e me pergunta: “Mas, professora, a gente não vai estudar?”. Já estamos estudando, mas a imagem na cabeça das pessoas é de que estudar é só em sala de aula, com a lousa. É a referência.

A gente busca valorizar a plantação, a culinária, o artesanato e outros ensinamentos que podem ser feitos fora da sala de aula, apresentando os conteúdos escolares de outras formas. É muito melhor do que ensinar entre quatro paredes, com as crianças sentadas nas cadeiras, com hora para começar e acabar. As crianças aprendem muito mais brincando do que copiando da lousa ou ouvindo explicações. Os alunos indígenas não se acostumam com esse jeito, e vão logo embora, ou nem entram na aula. E aí os professores ficam achando que existe alguma coisa errada com eles. Mas o problema é esse jeito jurua de ensinar. Certa vez, ouvi de uma liderança indígena que os jurua são o povo das caixas, é tudo para encher caixa: o pensamento é uma caixa, a casa é uma caixa, o carro é uma caixa, as escolas são caixas empilhadas uma em cima da outra...

Outra questão difícil é a da formação. O Estado exige que os professores tenham currículo, tenham formação para dar aula. Mas o Estado não fornece essa formação, principalmente formação para a escola diferenciada. Na educação indígena, o profes-

sor pode ter só o ensino médio para dar aula, mas muitos se sentem bastante desamparados quando começam a trabalhar. São poucos os que têm formação em áreas específicas, como geografia e história. Então, ficamos dependendo de professores não indígenas, que acabam reproduzindo o modo jurua de pensar e ensinar.

Houve uma única iniciativa de licenciatura indígena no estado de São Paulo, entre 2005 e 2009, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Mas apenas uma turma foi formada, da qual eu participei, e depois o curso fechou. As relações com a Secretaria de Educação do estado nem sempre são fáceis. Em geral, acabam querendo enquadrar as escolas e os professores indígenas no calendário e nas dinâmicas das outras escolas da rede pública. A gente quer formar professores que não apenas saibam ler e escrever, mas que saibam transmitir nossos conhecimentos. (...) Em vez de escolarizar os Guarani, nosso desafio é “guaranizar” a escola. Sempre!

Poty Poran Turiba Carlos, do povo Guarani, possui licenciatura no curso de Formação Universitária do Professor Indígena para Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp). É moradora da Terra Indígena Jaraguá e membro do Fórum de Articulação dos Professores Indígenas do Estado de São Paulo (Fapisp). Foi uma das coordenadoras do curso de extensão Por uma Licenciatura Indígena no Estado de São Paulo, ministrado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em 2018 e 2019.

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A gente quer formar professores que não apenas saibam ler e escrever, mas que saibam transmitir nossos conhecimentos

POLIFONIA na avenida

À frente da Grande Rio, campeã na Sapucaí em 2022, os carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad declaram sua paixão pelo samba, refletindo sobre alegorias, territorialidade e novas linguagens artísticas

POR LUNA D’ALAMA

Aos 11 anos, Gabriel Haddad desfilou pela primeira vez no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, e se apaixonou pelo Carnaval. O deslumbramento com as fantasias da infância foi tanto que virou profissão. Desde 2020, ele e o parceiro de uma década, Leonardo Bora, são os carnavalescos da Acadêmicos do Grande Rio. Com um enredo sobre Exu – orixá de religiões de matrizes africanas considerado mensageiro entre as divindades e os seres humanos – a dupla venceu o Carnaval carioca de 2022 no grupo especial.

Os carnavalescos da Acadêmicos do Grande Rio, Leonardo Bora (esquerda) e Gabriel Haddad (direita).

Doutorando em história da arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Haddad repetiu a parceria com Bora para desenvolver as fantasias da terceira temporada do programa The Masked Singer Brasil, na Rede Globo. Além disso, uma obra de arte assinada por eles – composta por um desenho do faraó Ramsés e um conjunto com sete esculturas gigantes chamadas Exunautas – integrou a exposição Desvairar 22, no Sesc Pinheiros. No fim do mês passado, ambos viram, novamente, a Grande Rio entrar na avenida, desta vez com um enredo em homenagem a Zeca Pagodinho, num desfile que conquistou o 6º lugar do grupo especial no Carnaval do Rio de Janeiro.

Neste Encontros, Haddad e Bora falam sobre a profissão e a arte que os unem, refletindo sobre identidades, territórios e visões de Brasil que as escolas de samba interpretam em forma de enredo a cada Carnaval.

SER CARNAVALESCO

Leonardo Bora – O que é ser carnavalesco é uma pergunta que nos acompanha e atormenta diariamente. Há uma série de pesquisas acadêmicas, principalmente da antropologia, que tentam compreender isso. O professor Nilton Silva dos Santos, da Universidade Federal Fluminense (UFF), categoriza o carnavalesco como um exemplo das novas profissões híbridas e fluidas da contemporaneidade, uma espécie de artista que transita por diversas linguagens. Há pessoas que o comparam a um diretor de cinema ou de ópera. Mas o fato é que não existe uma homogeneidade: se todos os

carnavalescos do Rio de Janeiro ou de São Paulo fossem entrevistados, cada um narraria uma trajetória profissional totalmente diferente, e uma visão diferente sobre quais são as atribuições dessa carreira. A rigor, é um trabalho artístico que concentra muitas linguagens, tanto visuais quanto narrativas. E o carnavalesco pode ser autor do enredo, que é a história que vai ser contada pela escola, que vai se transformar em samba por meio do trabalho dos compositores e que, depois, vai se desdobrar em fantasias, figurinos e carros alegóricos.

EXU PROTAGONISTA

Gabriel Haddad – A gente levou primeiro Exu para a comissão de frente, em 2018, na Acadêmicos do Cubango [escola de samba de Niterói-RJ]. Ele encerrou o desfile em 2019, também na Cubango, que estava no grupo de acesso. E depois [já em 2021, mas com o desfile adiado para 2022 por conta da pandemia], a gente definiu que Exu tinha que ser o enredo da

escola [Grande Rio, que venceu o desfile do grupo especial no ano passado]. O enredo foi muito bem aceito, apesar das críticas de que poderíamos fazer algo pesado. Exu é movimento, é energia e potência. A gente explicou tanto isso no enredo, que veio um samba que conquistou todo mundo. E essa energia tomou conta da Sapucaí.

ETERNO RETORNO

LB – [O carnaval] é um ciclo ininterrupto, um eterno retorno. Tão logo um desfile termina, outro começa. Um novo enredo começa a ser desfiado em narrativa escrita, um novo conjunto visual passa a ser pensado. As escolas de samba vivem essa pulsão anualmente. O desfile é apenas o ponto culminante, o momento mais esperado de um ciclo e ritual que tem desdobramentos ao longo de um ano de vida social que ocorre nas quadras, nas ruas, nas avenidas, nos ateliês, nos barracões.

GH – A escola de samba é um organismo vivo, múltiplo e diverso,

AS ESCOLAS INTERPRETAM O PAÍS ANUALMENTE, E COMPREENDER AS DIMENSÕES DISSO NOS LEVA

Diego Mendes
A UM SEM-FIM DE REFLEXÕES SOBRE A ARTE BRASILEIRA Leonardo Bora, carnavalesco 67 | e encontros

que tem funções, festejos e pessoas frequentando o ano inteiro, de fevereiro a fevereiro. É uma relação que a gente tem por um ano, renovada a cada enredo. E essa relação acaba se desdobrando também nas ações da escola na quadra, na escolha do samba-enredo, nos ensaios.

VISÕES DE BRASIL

LB – Escola de samba é essa vivência comunitária riquíssima, onde tantos saberes se correlacionam, disputam, e que narra histórias muito poderosas, visões de Brasil. As escolas interpretam o país anualmente, e compreender as dimensões disso nos leva a um sem-fim de reflexões sobre a arte brasileira. Um desfile de escola de samba é uma manifestação artística potente, política – por excelência –, plural, polifônica. É algo vivo, que expressa múltiplos falares de tantos territórios que, cotidianamente,

permanecem na invisibilidade. São manifestações majoritariamente pretas, periféricas, outrora criminalizadas, como a gente ainda vê com o funk e o rap. Por mais que haja registros fílmicos, transmissão televisiva e fotos, o que fica é o rito que acontece na avenida, na madrugada. [O desfile de abril de 2022] foi uma espécie de transe coletivo, a escola [Grande Rio] desfilou de maneira impecável, foi uma emoção e uma pulsação muito grandes, o que mostra a potência que é uma escola de samba e o conjunto de saberes que ela encerra.

PLATAFORMAS DISTINTAS

GH – [Antes de trabalhar para o The Masked Singer Brasil, da Rede Globo] a gente já tinha feito algumas criações tanto para teatro quanto para shows. Mas essa é nossa primeira vez criando algo específico para a televisão. No programa, a gente tem [que

A ESCOLA DE SAMBA É UM ORGANISMO VIVO, MÚLTIPLO E DIVERSO, QUE TEM FUNÇÕES, FESTEJOS E PESSOAS

FREQUENTANDO O ANO INTEIRO, DE FEVEREIRO A FEVEREIRO

contar] uma história para cada fantasia, e a gente pensa também na personalidade dos personagens. No Carnaval, são as fantasias para serem vistas dentro de um conjunto, de uma ideia maior de espetáculo, [enquanto que] no The Masked Singer é uma fantasia única que tem protagonismo no palco.

IDENTIDADES E TERRITÓRIOS

LB – Cada escola de samba possui noções identitárias diferentes das demais, e essas identidades são móveis, construídas ao longo do tempo, [envolvendo] uma ideia de tradição e memória. São essas identidades que nos ajudam a compreender os territórios e a vida social de cada escola. A Grande Rio, por exemplo, tem características diferentes da [Acadêmicos do] Cubango, da [Acadêmicos do] Sossego, da Mocidade Unida do Santa Marta. Cada uma dessas escolas pelas quais a gente já transitou como carnavalescos é expressa em territórios diferentes. [Ao mesmo tempo que nosso] trabalho é de criação artística e também de campo, [há] uma espécie de etnografia que cada enredo permite que a gente desenvolva. Uma territorialidade não apenas física [e geográfica], mas também simbólica.

PAGODE É SAMBA

LB – [O enredo Ô, Zeca, o pagode onde é que é? Andei descalço, carroça e trem, procurando por Xerém, pra te ver, pra te abraçar, pra beber e batucar] é uma brincadeira, uma provocação, até porque a gente sabe que o enredo ficaria conhecido como Zeca Pagodinho. É um enredo com várias

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Gabriel Haddad, carnavalesco
encontros

camadas, um agradecimento ao título inédito da escola [em 2022] e uma saudação a São Jorge, já que a escola se concentrou no dia dele [23 de abril]. O enredo [deste ano] continua expressando a nossa inquietação em pensar as religiosidades populares no Brasil. E é metalinguístico, porque fala da história do samba. A gente fala na avenida, especialmente, do movimento do pagode. O próprio Zeca diz: “Pagode é samba, samba é pagode. É tudo a mesma coisa!”. Mas, a partir desses olhares hierárquicos que envolvem a própria noção do subúrbio, [o pagode] foi considerado algo menor. É um enredo que vai muito por esses descaminhos, onde se perder é fundamental.

GH – Nosso enredo é uma crônica que procura Zeca Pagodinho por esses subúrbios do Rio de Janeiro. E ele é muito inquieto, está aqui agora e, dali a 10 minutos, em outro lugar,

e você já não o encontra mais, não sabe onde ele está, não consegue falar com ele. É uma brincadeira que a gente fez nesse sentido, para que a gente pudesse narrar esses diversos subúrbios dentro do desfile, essas diversas visões de Rio de Janeiro que o Zeca tem em suas músicas e composições. A gente passa um dia [inteiro] procurando por ele, até que o encontra em Xerém [distrito de Duque de Caxias], numa roda de samba.

ENTRE PONTES E TEIAS

LB – A gente gosta muito dessas pontes [com outros profissionais, do samba ou não]. A gente gosta muito de pensar na ideia de rede, de teia, estabelecendo conexões. Tanto que a gente começou num coletivo. Então, essa ideia de um trabalho colaborativo, que permite a conexão de diferentes linguagens, territórios, espaços de produção,

nos estimula muito como artistas. Pensando na conexão do barracão com a sala de aula, do barracão com outras fábricas onde são produzidos espetáculos, com ateliês de outros artistas que colaboram com o nosso trabalho e acabam participando do nosso desfile. É sempre esse movimento que nos torna inquietos.

Ouça, em formato de podcast, a conversa com os convidados Gabriel Haddad e Leonardo Bora, que estiveram presentes na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E, no dia 19 de janeiro de 2023. A mediação é de José Mauricio Lima, mestre em história da arte e assessor de imprensa do Sesc Pinheiros.

Carol Quintanilha
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Sete esculturas gigantes chamadas Exunautas foram criadas pela dupla de carnavalescos, e fizeram parte da exposição Desvairar 22, em cartaz no Sesc Pinheiros até janeiro deste ano.
inéditos

PARA TODAS AS PESSOAS QUE AMEI

POR MONIQUE MALCHER ILUSTRAÇÕES ELISA RIEMER

Sufoquei todas as palavras.

Não tiveram espaço para o mostrar dos espinhos, das fraturas e das pernas que sempre dançam no escuro. Ensinei meu bebê, esse invisível que seguro a cada partida de alguém, a chorar abaixo da frequência das baleias para que nada o capture.

Sou avessa ao amor que se faz mentira no anzol. Será que minha vida amorosa é conhecer a mesma pessoa em corpos diferentes até aprender as lições de minhas prisões?

Dancei com meu filho na escuridão que me revive boca a boca, na claridade do quarto escuro. Saramago riu de minha história. Calma, enxergar se faz na luta de conviver com o que nos fura a menina, dos olhos. O vento sibilou histórias de antigo lugar, o meu território, que nunca mais meu corpo quis visitar.

Toco chão de poeiras, rodo maçanetas carcomidas, entro em salas e tudo é meu território antes que aceite que tudo que é meu ao mesmo tempo não precisa morar comigo. Não consigo descolar o bebê dos meus braços, sinto que todos vocês que beijei na boca rodaram a cabeça de meu menino. Meu despertador é a quebra do pescoço de quem mal se sustenta para enxergar o mundo.

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O caminho do meio morre na encruzilhada.

Morro também ao revirar fotos, cartas e mensagens tolas. A certeza que não só os homens e mulheres e pessoas que amei foram as responsáveis pelo rasgo que vejo no espelho onde dormem todas as almas. Elas me revelam o segredo de que também sangrei como dança de centopeia que golpeia o rabo da próxima e da próxima e da próxima que é infinita dança do golpeio. O que me fizeram e o que fiz com o que me fizeram. Peço licença nesses dias dos que namoram para me retirar do círculo. Que o sal me acompanhe, mesmo agora que ando com os cílios e com as mãos.

Não sei a quem dei o poder de meus pés, não sei.

Procurei nas caixas de sapatos antigas, nas gavetas com pedaços de contas perdendo sua tinta no papel rascunho amarelo, nos plugues esquecidos que não encaixam em nada que preciso, nas pontas de cabelos que guardei das luas que cortei para crescer as mechas, mas era minguante e na minguante não se espera florescer. Fui contra a autoridade lunar, mas hoje a lua me pediu desculpas vendo meus cabelos beijando a bunda.

Fui contra minhas próprias falhas e diabruras.

Aprendi que machuco, e hoje quis parar. Eu quis, juro.

No final a loja funerária tem o lucro de todos os meus pedaços. Sou eu que morro quando delego para quem amei meus cuidados todos, mesmo que precise e queira que seja de um certo modo e parte do externo.

O amor nunca mais aniversariou.

Quando acendo uma vela, ela sempre faz o que faz meu bebê: chora e molda uma escada impossível de desbravar. Construo saídas falsas, porque ainda não estou pronta para dizer adeus. Cortei meus pés na noite dos amantes e nas noites que antecederam a data. Sufocar as palavras era não dar de comer para o descanso que me faltava, e quero dormir para amar nas madrugadas.

Jamais esquecer que na minha boca ainda vivem todas as pessoas que ousei amar, porque é perigoso encruzilhar e depois saber que não há meio termo, é tudo passagem. Morte ou vida, escolho todo dia porque sou filha do homem que chacoalha o instrumento que guia as almas que se perderam do mais importante: de si mesmas.

As palavras sentiram minhas mãos afrouxando o sufoco

antes de ser tarde demais.

Monique Malcher é escritora e artista plástica nascida em Santarém, no Pará, e reside em São Paulo. Com o livro Flor de Gume (2020), publicado pela Editora Jandaíra, ganhou o prêmio Jabuti na categoria Contos. Mestre em antropologia (UFPA) e doutoranda interdisciplinar em ciências humanas (UFSC), Monique também pesquisa literatura e quadrinhos produzidos por mulheres.

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depoimento

RACISMO ESTRUTURAL

Silvio Almeida cresceu entre mulheres pretas, influência fundamental para sua formação. Foi em casa que ele recebeu os primeiros conhecimentos a respeito de raça e racismo, uma vez que sua família sempre foi consciente das dificuldades e entraves nas relações étnico-raciais. Paulistano, da região central, dedica sua vida à luta contra a discriminação racial.

É advogado, filósofo, escritor e pesquisador, com uma extensa biografia profissional que transita entre a atividade de professor e ativista em favor dos direitos humanos. Também é fundador e presidente do Instituto Luiz Gama, organização cujo foco é a promoção da igualdade racial e luta contra o racismo estrutural. Em janeiro deste ano, tomou posse como ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Durante o Sempre um Papo, projeto realizado pelo Sesc Vila Mariana em dezembro de 2022, com mediação do jornalista Chico Pinheiro, Silvio Almeida apresentou suas contribuições analíticas, organizadas no livro Racismo Estrutural (Jandaíra,

2018). A obra é considerada um dos mais importantes estudos sobre os impactos do racismo na estrutura social, política e econômica da sociedade brasileira.

cenário

Um ato de racismo é uma cena. E nos concentramos na cena. Porém, para ter cena, tem que ter cenário, ator, script. O Aranha [ex-goleiro do Santos que, em 2014, foi chamado de “macaco” e “preto fedido” por torcedores do Grêmio] foi ofendido por um grupo de torcedores e, ao olhar para essa situação, percebi que as pessoas estavam olhando para a cena, mas não estavam preocupadas com o cenário, ou seja, o que torna aquela cena possível. Por que alguém consegue identificar um ato como esse como sendo de racismo? É porque as pessoas que estão olhando aquilo já têm a questão da raça como um pressuposto fundamental. Eu não conseguiria identificar que aquilo é racismo se eu não tivesse a raça como elemento que me vai me permitir dar sentido para aquilo. Para aquela cena ser possível, é preciso que haja uma organização do futebol que estabeleça uma divisão social e racial do trabalho

Advogado, filósofo, escritor e pesquisador, Silvio Almeida reflete sobre a luta antirracista e aponta caminhos para um país com mais equidade
POR ANA CRISTINA PINHO FOTO MATHEUS JOSÉ MARIA
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depoimento

em que os brancos organizam o jogo e os negros jogam. É preciso que haja também toda uma crônica esportiva que vai reforçar, do ponto de vista ideológico, o papel e o lugar dos sujeitos na hora do jogo. Aquela cena se tornou possível porque havia uma estrutura.

conexões

O livro Racismo Estrutural, não traz um conceito inovador. Ele apresenta uma proposta de organizar um debate que já existia desde os anos 1960. Nele, a questão racial é colocada como elemento analítico e não apenas como uma questão moral e, assim, nos permite não apenas olhar para os casos de racismo, mas olhar, também, para a constituição de quatro elementos fundamentais do nosso mundo: o Estado – no mundo contemporâneo, a política passa pela estatização da vida; o direito, como elemento de racionalização, de classificação e de limitação do papel dos sujeitos em relação a si mesmo e ao mundo; a ideologia, ou seja, os processos de constituição dos sentimentos e da forma de pensar e ver o mundo; e, por fim, a economia, que são as relações de produção e de reprodução da vida material e da existência. O livro apresenta como raça e racismo se

conectam com esses elementos que configuram a estrutura social.

processo

O racismo não é um ato, não é um evento, mas um processo. Assim, ele constitui uma complexidade de ações, ou omissões, de atos de fato, que têm como consequência, e resultado fundamental, a criação da raça. O racismo, portanto, cria a raça, ele cria esse elemento que vai ser utilizado para classificar e dar sentido para a vida dos indivíduos. É a partir dos contextos históricos e políticos que a raça tem efeitos. Assim, esse processo de constituição de raça que conhecemos hoje funciona como um elemento de diferenciação dentro de um universo controverso em que a igualdade formal é dada.

imigrantismo

O problema racial no Brasil começa a partir do século 19, mais precisamente a partir da abolição. É nesse momento que há um reposicionamento do Estado brasileiro, da economia no cenário mundial, e do direito. Ao se inserir dentro do conceito de capitalismo internacional, o Brasil passa a se preocupar com a formação do mercado de trabalho. Nesse sentido, a raça tem papel fundamental, uma vez que agora há

uma necessidade de se classificar as pessoas e determinar qual é o lugar do negro, do indígena e do branco. Para isso, dois grandes movimentos ideológicos foram fundamentais: o imigrantismo, ou seja, aquilo que torna branco quem vem de fora, uma vez que não existia branco na América Latina. E o outro elemento foi o bandeirantismo.

superação

A discussão sobre racismo hoje está ligada à ascensão da extrema direita e às manifestações de fascismo presente em lugares que você não via. O debate sobre a questão racial parte de um outro lugar, diferentemente do que aconteceu nos anos de ditadura militar, no pós-guerra, diferentemente do que a produção intelectual brasileira disponibilizou a partir dos anos 1930 com Gilberto Freyre. Muito do que está acontecendo no Brasil hoje é parte de uma conexão com a extrema direita no mundo inteiro. O mundo que a gente quer abrir em direção ao futuro é um mundo que precisa superar a raça como um elemento de classificação das pessoas. Essa é a nossa luta.

símbolos

O supremacismo branco, aquele que vem da Europa e dos Estados Unidos, está associado à ideia da

A GRANDE PERGUNTA QUE PRECISA SER FEITA É:

CONDIÇÕES
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POR QUE NEGROS E INDÍGENAS ESTÃO VIVENDO AS
MAIS PRECÁRIAS DA VIDA SOCIAL?

A QUESTÃO NÃO É SOBRE SER OU NÃO SER RACISTA, MAS SIM O QUE TORNA POSSÍVEL O RACISMO E A AÇÃO DO RACISTA

linha de corte, da impossibilidade de convivência, do extermínio, da eliminação. Há, então, uma virada de chave, inclusive simbolicamente, de negociação dos símbolos que não sejam ligados ao extremismo, ao fascismo, à extrema direita, à louvação dos elementos tidos como brancos e ao repúdio total a tudo que é cultura negra e indígena. Isso está sendo alimentado, criando uma nova forma de se pensar a questão racial no Brasil.

estrutural

Cenas de agressões racistas só são possíveis porque existe uma configuração de mundo que torna a raça possível e, portanto, dá sentido para esse tipo de agressão. Se não existisse a raça como algo subjacente a essas relações sociais, não faria sentido falar de racismo, pois o racismo não surge naquele momento, ele é anterior. Os indivíduos envolvidos nas cenas de racismo são classificados como racialmente distintos. Assim, a raça é o elemento que configura a nossa subjetividade, a nossa consciência e o nosso inconsciente. Todos nós somos constituídos a partir da racialização, ou seja, o racismo nos constituiu enquanto sujeitos. A questão não é sobre ser ou não ser racista, mas sim o que torna possível o racismo e a ação do racista. As teorias liberais estão

muito preocupadas com a intenção. A grande pergunta que precisa ser feita é: Por que negros e indígenas estão vivendo as condições mais precárias da vida social?

lutas

Como o racismo é um processo histórico e político, ou seja, de conflitos, as lutas sociais e as reivindicações vão fazendo com que esses elementos constitutivos da estrutura social também tenham de se adaptar, se modificar e se transformar. Poucas pessoas têm dúvida em relação a como as políticas de ações afirmativas e de cotas raciais só acontecem por conta de uma luta política muito forte e importante dos movimentos negros. A luta política fez com que esses espaços fossem abertos. Vejam a questão ambiental, por exemplo. Para viver do jeito que vivemos, estamos destruindo as condições de existência do planeta. Você imagina, então, o que a gente faz com a questão racial e com pessoas cuja vida, dentro desse sistema de classificação, vale menos. E as consequências da destruição do meio ambiente nós sabemos quem é que sofre.

ancestralidade

A nossa luta, a luta política, é de um lugar que tenta unir a dimensão do passado, presente e futuro. A gente

se define a partir do futuro. Nossos ancestrais da diáspora africana estavam sempre pensando em abrir as portas para o futuro. E eles se fizeram a partir dessa dimensão do futuro, mas carregando consigo os mortos. Os efeitos da política de cotas no Brasil são radicais. Nossa estrutura de universidade é muito melhor, por exemplo, do que nos Estados Unidos. Nós temos universidade pública, e nossa defesa a ela tem que ser total. Isso significa que a universidade é parte de um projeto político central, de formação das pessoas que vão dirigir o Brasil. Então, se você mudar a maneira de ingresso e a composição racial da universidade, você embaralha e muda também o processo de criação da raça. Essa foi a sacada genial do movimento negro: pedindo para entrar na universidade.

Assista, na íntegra, ao bate-papo Racismo

Estrutural, com participação de Silvio Almeida e mediação de Chico Pinheiro. A atividade foi realizada em dezembro de 2022, no Sesc Vila Mariana, pelo projeto Sempre um Papo

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ALMANAQUE

Museus de grandes novidades

Com temas criativos e acervos diversos, espaços expositivos recém-abertos ou pouco conhecidos ocupam a capital paulista

Oano de 2022 foi marcado pela reabertura do Museu do Ipiranga, na zona sul de São Paulo, após nove anos fechado para reforma. Mas a capital paulista também vem sendo cenário, nos últimos tempos, da inauguração de novos espaços expositivos, como o Museu das Favelas, na região central, e o Museu das Culturas Indígenas, na zona oeste. Em janeiro de 2023, foi a vez do Galpão dos Bonecos, que abriu com um acervo de duas companhias teatrais da cidade. Conheça essas três novidades paulistanas, além de outros museus que despertam a curiosidade e a criatividade do público. Bom passeio!

FAVELA NO ASFALTO

Aberto em novembro de 2022, dentro do Palácio dos Campos Elíseos (sede do governo paulista entre 1915 e 1965), na região central, o Museu das Favelas foi criado para dar visibilidade e protagonismo às pessoas e manifestações culturais dessas áreas urbanas. Originário de uma planta espinhosa comum na caatinga, o termo “favela” batizou um morro na Guerra de Canudos (BA), no fim do século 19. Ao retornarem para o Rio de Janeiro, os soldados lá fundaram o Morro da Favela, atual Morro da Providência, no bairro da Gamboa, zona central da capital fluminense. Para ampliar o olhar do público sobre o que é uma favela, o novo centro cultural dos Campos Elísios apresenta duas exposições: a ocupação-manifesto Favela-Raiz – que reverencia a

ancestralidade, as tradições e os afetos de seus habitantes – e Identidade Preta: 20 anos de Feira Preta, em comemoração ao maior evento de cultura negra da América Latina. O local oferece, ainda, atividades culturais e educativas para falar da potência, dos movimentos artísticos e dos conhecimentos que atravessam esses territórios onde vivem milhões de brasileiros.

MUSEU DAS FAVELAS

Palácio dos Campos Elíseos. Entrada pela Rua Guaianases, 1.024, Campos Elíseos, São Paulo (SP). GRÁTIS museudasfavelas.org.br

Fotografia de Luan Batista para a instalação Visão Periférica, que integra a exposição Favela-Raiz, em cartaz no Museu das Favelas.

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EXPERIÊNCIA LÚDICA

Inaugurado em janeiro deste ano pelas companhias Pia Fraus e BuZum!, na zona oeste da capital, o Galpão dos Bonecos convida crianças e adultos a contemplarem um museu cheio de grandes brinquedos, curtir uma apresentação teatral e ainda pôr a mão na massa em oficinas criativas. O espaço reúne um acervo com mais de 800 fantoches, marionetes e mamulengos (forma popular de bonecos no Brasil, nascida no Nordeste) que foram confeccionados e manipulados entre 1998 e 2015, em espetáculos dentro e fora do país. Com 38 anos de existência, a Pia Fraus já rodou 23 nações,

enquanto o grupo BuZum! – criado em 2010 – surgiu com a proposta de levar espetáculos dentro de um ônibus para regiões com pouco acesso ao teatro, chegando a 11 estados brasileiros e países como a Bolívia. Até junho, a programação funciona aos domingos, a partir das 11h. Em março, será apresentado semanalmente o espetáculo O Grande Perigo, sobre a história da tartaruga Tata, que nasce na areia e, em seu retorno ao mar, enfrenta vários perigos em busca da mãe.

GALPÃO DOS BONECOS

Rua Coriolano, 622, Vila Romana, São Paulo (SP). instagram.com/galpaodosbonecos

O Galpão dos Bonecos reúne um acervo com mais de 800 fantoches, marionetes e mamulengos das companhias teatrais BuZum! e Pia Fraus.

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Luan Batista (Museu das Favelas); Rafael Sampaio (Galpão dos Bonecos).

ALMANAQUE

MUNDO DE CRIATIVIDADE

Imagine um piano dobrável, óculos com retrovisores e uma cadeira que vira tábua de passar roupa. Essas e outras curiosas invenções já se tornaram protótipos, foram patenteadas por brasileiros e reunidas no acervo do Museu das Invenções, que expõe mais de 500 itens. Detentor da marca de primeira instituição do gênero na América

À LUZ DE SP

Instalado desde 2005 num casarão do século 19, na região central, o Museu da Energia de São Paulo apresenta um rico acervo que relembra a chegada da eletricidade à capital, passando pela fundação da companhia Light, em 1899, o surgimento dos bondes elétricos e

Latina, o lugar – também chamado de Inventolândia – foi fundado em 1996, por iniciativa da Associação Nacional dos Inventores (ANI). O espaço passou por reformulações e reabre neste mês. Há inovações em diversas categorias, como jogos, música, construção civil e produtos automobilísticos. Num percurso de duas horas, por dois andares, os visitantes podem não apenas tocar nos objetos,

mas também experimentar o funcionamento deles, despertando o gosto pela ciência e se inspirando com tanta criatividade.

MUSEU DAS INVENÇÕES

Rua Doutor Homem de Melo, 1.109, Perdizes, São Paulo (SP). GRÁTIS para crianças menores de 5 anos, mulheres acima dos 60 e homens com mais de 65.

museudasinvencoes.com.br

da iluminação pública, as mudanças na arquitetura, na urbanização e nas dinâmicas do Centro. Essa invenção da humanidade trouxe também a possibilidade de vida noturna e transformou a cidade num local de permanência, e não mais só de passagem. O museu – que tem mais duas unidades no estado, uma em Itu e outra em Salesópolis – fica em frente ao Sesc Bom Retiro, e o

público pode aproveitar para fazer os dois passeios no mesmo dia.

MUSEU DA ENERGIA DE SÃO PAULO

Alameda Nothmann, 184, Campos Elíseos, São Paulo (SP). GRÁTIS para crianças com até 7 anos, professores, idosos, guias turísticos, moradores da região central e outras categorias.

Maquetes, fotografias e outras peças compõem o acervo do Museu da Energia de São Paulo.
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SABERES ANCESTRAIS

O Museu das Culturas Indígenas foi aberto, em julho de 2022, para proteger, valorizar e divulgar o patrimônio cultural indígena do Brasil. Localizado na zona oeste da capital paulista, o prédio de sete andares abriga exposições, centro de pesquisa e auditório. O local reúne, principalmente, as histórias, a criação artística e os saberes tradicionais de diferentes etnias, num diálogo plural entre indígenas

e não indígenas, na maior metrópole do país. O espaço, que se encontra em expansão, apresenta atualmente três exposições temporárias: a coletiva Ocupação Decoloniza – SP Terra Indígena ; a mostra Ygapó: Terra Firme , do artista Denilson Baniwa, um dos nomes mais importantes da arte indígena contemporânea; e Invasão Colonial ‘Yvy Opata’ A Terra Vai Acabar , do artista Xadalu Tupã Jekupé. Um local único para o público ouvir esses povos, a partir do lugar de fala

deles, e conhecer outras narrativas dos povos originários.

MUSEU DAS CULTURAS INDÍGENAS

Rua Dona Germaine Burchard, 451, Água Branca, São Paulo (SP). GRÁTIS para indígenas, crianças com até 7 anos, professores e grupos de escolas públicas, entre outras categorias. Às quintas, entrada gratuita para todos os públicos. museudasculturasindigenas.org.br

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Obra da exposição Invasão Colonial ‘Yvy Opata’ A Terra Vai Acabar, do artista Xadalu Tupã Jekupé, em cartaz no Museu das Culturas Indígenas.

Muros e pontes

Cheguei à cidade de São Paulo em 2006, vindo de Taquaritinga, interior do estado, sem nunca ter entrado em um metrô ou trem. No primeiro trajeto de metrô, estava acompanhado do meu irmão – já residente na capital. Quando entrei naquela fila, que se afunilava gradativamente conforme os vagões se aproximavam, ouvi a campainha tocar. Ele entrou, e eu não. Por sorte, entendi o sinal dos dedos girando, eles diziam para encontrá-lo na próxima estação.

Em outro episódio no trem, desacompanhado e ainda sentindo a estranheza a cada pedido de ajuda, notava a aparente indiferença das pessoas ao meu redor. Eu estava no fundo do vagão quando chegamos à estação lotada, todos entraram no veículo, e eu não consegui sair. Precisei descer duas estações depois, alongando em trinta minutos a minha viagem.

Seria São Paulo a famosa “selva de pedras”? Uma cidade que, de tanto fluxo e tanta gente, nos transforma em seres invisíveis e frios? Me parecia que sim.

Ao longo do tempo, fui conhecendo um pouco mais a cidade, suas regiões e as figuras que nela habitam. Na universidade, fiz parte de grupos de extensão universitária, cujo princípio era promover a interação transformadora entre a instituição de ensino e outros setores da sociedade. Resumíamos como: “Romper os muros da universidade”. Mais impactante!

O primeiro projeto tinha por objetivo formar uma cooperativa de produtos de limpeza no Jardim Keralux, ao lado da USP Leste. Deu errado. E, de fato, não havia chance de sucesso, pois não construímos vínculo algum com o local, tampouco tínhamos conhecimento técnico para viabilizar a ideia.

Depois de um tempo, fiz parte de um projeto que visava criar bancos comunitários em quatro regiões da cidade, de modo a fomentar o desenvolvimento local. E, assim, somando outras vivências e trabalhos, conheci a Izilda, a Ilda e várias mulheres incríveis do Jardim Apuanã, na zona norte, com o trabalho dos mutirões e a preocupação do movimento de moradia com o pós-morar. Depois, vieram o Djalma e a Dora, na Cidade Tiradentes, na zona leste, bem como o saudoso Senhor Batatinha, de Taipas, e a Sueli, do Jardim Damasceno, ambos no noroeste da capital, além de tantas outras pessoas importantes de diversos lugares, que fizeram e fazem toda a diferença até hoje.

Em cada um desses momentos, rodas e prosas, o olhar para a localidade estava presente. Afinal, como diria Frei Betto: “A cabeça pensa onde os pés pisam”. A partir dessas trocas, fui percebendo que territórios não são apenas perímetros geográficos, mas memórias, relações, pessoas e coletividades que compõem um espaço e que lá dialogam, conflitam, produzem, cuidam-se e se fortalecem para encarar o cotidiano. Essa interação cheia de afetos e lutas coletivas potencializa os sentidos de comunidade. Portanto, ao me aproximar de tais trajetórias, percebi que São Paulo não é só um lugar, são muitos, que aquecem e acolhem, também.

Hoje, no Sesc, faço parte de uma equipe que compõe a ação Territórios do Comum, com o objetivo de desenvolver atividades por meio de processos educativos continuados, voltadas aos temas cidadania e desenvolvimento local, a partir da articulação e construção conjunta, com iniciativas sociais dos territórios onde as unidades do Sesc São Paulo se encontram. Complexo, né? Tudo isso me remete à ideia de “romper os muros” e ao trecho da música Pesadelo, de Paulo Cesar Pinheiro e Mauricio Tapajós (1943-1995): “Quando um muro separa, uma ponte une”.

Espero que nós possamos contribuir para a construção de mais pontes e para a ruptura dos muros, fortalecendo os fazeres comunitários e utilizando como base o diálogo, a criação de vínculos e a integração real. Consigo sentir isso nas ações do Territórios do Comum… E é animador!

Ricardo Ponzio Scardoelli é graduado em gestão de políticas públicas e trabalha como assistente técnico na Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.

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MARÇO 2023 AF_EM-CARTAZ-Março2023_1602_V15.indd 1 16/02/23 19:16 RETIRE GRATUITAMENTE SEU GUIA NAS UNIDADES DA CAPITAL E GRANDE SÃO PAULO Confira a programação completa: sescsp.org.br Fique por dentro do que é destaque na programação deste mês!

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