Revista E - Setembro 2025

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Revista E | setembro de 2025 nº 3 | ano 32

Antônio Pitanga Ator e diretor celebra força ancestral na arte

Correria boa Grupos de corrida promovem saúde e interação social

Bienal de dança Diferentes corpografias desenham o presente

Estação hip-hop Exposição traça história do movimento em São Paulo

25.9 ------5.10.2025

mais de 17 países e 10 estados brasileiros representados + ações formativas show discotecagem instalação

Campinas (SP)

ingressos à venda app Credencial Sesc SP, sescsp.org.br e bilheterias

CAPA: Balles temari (século 20), da coleção de Claire Coudair. Composta por 13 itens de tecido reciclado, seda, algodão e bordados, a obra integra a exposição PLAY – Bienal Têxtil de Clermont-Ferrand, edição 2024-2025, em exibição no Sesc Pinheiros de 24/8 a 25/1/2026. A exposição apresenta um diálogo entre técnicas de produção têxtil e o universo lúdico de jogos e brincadeiras. No Brasil, é resultado de uma parceria entre o Sesc São Paulo e a FITE – Bienal Têxtil de Clermont-Ferrand, integrando a programação da Temporada França-Brasil 2025. Mais informações em sescsp.org.br/francabrasil2025

Crédito: Nilton Fukuda

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Portal do Sesc (QR Code ao lado)

Educação como caminho de paz

Foi há exatos 79 anos, em setembro de 1946, que o Sesc – Serviço Social do Comércio iniciava sua trajetória. Criada no cenário do pós-guerra por iniciativa dos empresários do comércio de bens, serviços e turismo, a entidade surgiu com a missão de promover o bem-estar dos trabalhadores do setor, seus familiares e da sociedade em geral.

APP Sesc São Paulo para tablets e celulares

Legendas Acessibilidade

Em estabelecimentos de uso coletivo é assegurado o acompanhamento de cão-guia. As unidades do Sesc estão preparadas para receber todos os públicos.

Sua criação representou a formalização do compromisso firmado pelo empresariado no ano anterior, por meio da elaboração e assinatura da Carta da Paz Social, documento que estabelecia princípios e apontava direções para a construção de um projeto nacional que compreendia a paz como resultante de ações sociais e educativas permanentes.

Celebrando quase oito décadas de atuação, o Sesc está presente hoje em todo o estado de São Paulo, com 43 unidades dedicadas a qualificar o tempo de lazer de seu público frequentador. A diversidade de programações ofertadas abrange os campos das artes, esportes, turismo, saúde e alimentação, promovendo convivência, troca de experiências e aprendizado. Ao sustentar essa ação emancipadora, o Sesc reafirma, ano após ano, os valores que inspiraram sua fundação.

Abram Szajman Presidente do Conselho Regional do Sesc no Estado de São Paulo

Dançar e existir

Incontáveis e improváveis são os caminhos que se percorrem na elaboração das artes e, de modo especial, das expressividades do corpo. Caso da dança, que se apropria das mais diversas experiências para elaborar, pelo movimento, um jeito de se comunicar com o mundo. Desde as brincadeiras de infância, passando pelas vivências sociais e culturais, tudo se soma como um repertório de possibilidades infinitas para a dança.

Lembranças, sons, histórias, dores e alegrias, vínculos e rupturas transformam-se em matéria-prima e ganham novos sentidos traduzidos em passos, coreografias e propostas cênicas, numa construção permanente do sentido de si e do coletivo. Dançar para compreender, para constituir, para lembrar e esquecer, para aceitar ou ressignificar, dançar para ser e coabitar.

Reportagem desta edição da Revista E propõe uma reflexão sobre os caminhos da dança nos tempos atuais. Ao ouvir diferentes bailarinos e coreógrafos, o texto apresenta um panorama dessa arte plural em sua essência, percorrendo as trilhas tão diversas daqueles que tomam a dança como um modo imprescindível de existir e de se expressar. Desejo boa leitura e faço o convite para que acompanhem as programações da Bienal Sesc de Dança, realizada também neste mês, na unidade do Sesc Campinas e em outros espaços da cidade.

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC

Administração Regional no Estado de São Paulo Av. Álvaro Ramos, 991 – Belenzinho

CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO

Presidente: Abram Abe Szajman

Diretor do Departamento Regional: Luiz Deoclecio Massaro Galina

Efetivos: Arnaldo Odlevati Junior, Benedito Toso de Arruda, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, José Roberto Pena, Manuel Henrique Farias Ramos, Marcus Alves de Mello, Milton Zamora, Paulo Cesar Garcia Lopes, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva, Valterli Martinez, Vanderlei Barbosa dos Santos.

Suplentes: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Antonio Cozzi Junior, Antonio Di Girolamo, Antônio Fojo Costa, Antonio Geraldo Giannini, Célio Simões Cerri, Cláudio Barnabé Cajado, Costabile Matarazzo Junior, Edison Severo Maltoni, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vilter Croqui Marcondes, Vitor Fernandes, William Pedro Luz.

REPRESENTANTES JUNTO AO CONSELHO NACIONAL

Efetivos: Abram Abe Szajman, Ivo Dall’Acqua Junior, Rubens Torres Medrano Suplentes: Álvaro Luiz Bruzadin Furtado, Marcelo Braga

CONSELHO EDITORIAL | Revista E Adauto Fernando Perin, Adriana Cruz Macedo, Adriana Martins Dias, Adriano Ladeira Vannucchi, Aline Ribenboim, Ana Paula Neves Cabral de Vasconcellos, André Luiz Santos Silva, Andrea de Oliveira Rodrigues, Andressa Kelly Ribeiro Ivo, Antonio Carlos F Barbosa, Beatriz Peres Machado de Oliveira, Bruna Gavioli Ramos, Camila Casseano Damazio, Christi Lafalce, Cinthya de Rezende Martins, Claudia Dias Perez Machado, Cristiane Toshie Komesu, Cristina Balland, Cristina Berti Ribeiro, Debora Cravo Domingues Freitas, Edson da Silva Horacio, Eduardo Blaz Cicoti, Elmo Sellitti Rangel, Fabia Lopez Uccelli dos Santos, Fabiano Maranhão, Fabio Saraiva Teles, Fabricio Floro, Fernanda de Souza Borges, Fernanda Porta Nova Ferreira da Silva, Fernanda Soares Nogueira, Fernando Mesquita Oliveira, Filipe Ferreira Gomes Luna, Flavia Carolina Salvini Ferreira, Flavio Aquistapace Martins, Francisca Meyre Martins Vitorino, Gabriela Camargo das Graças, Geraldo Soares Ramos Junior, Gislene Lopes Oliveira, Giulia Maria de Campos Manocchi, Gleiceane Conceição Nascimento, Guilherme de Sousa Oliveira, Guilherme Domingues Gonçales, Gustavo Nogueira de Paula, Helton Henrique Cassiano, Henrique Fernandes de Souza, Isabela Cavichioli Jovenasso, Ivan Lucas Araujo Rolfsen, Ivy Beritelli Jose de Souza, Jackeline Reis Ferreira Simon Costa, Janete Bergonci, Jean Guilherme Paz, Joao Carlos Doescher Fernandes, Joao Ricardo Cotrim Dias, Jose Gonçalves da Silva Junior, José Mauricio Rodrigues Lima, Julia Parpulov Augusto dos Santos, Juliana Neves dos Santos, Juliana Viana Barbosa, Kelly Dos Santos, Lara Fernandes Andrade Teodoro, Laudo Bonifacio Junio, Leandro Aparecido Pereira, Luana Brito Lima, Luiz Fernando Figueiredo, Maite Neris de Lacerda Soares, Marcelo Baradel, Maria Rizoneide Pereira dos Santos, Marina Borges Barroso, Mateus Castilha, Milena Ostan da Luz, Mirele Carolina Ribeiro Correa, Monique Mendonça dos Santos, Natalia da Silva Martins, Nicole Pereira da Fonseca Conceição, Priscila dos Santos Dias, Pyter Santos, Rachel Amoroso Gonsalves, Rafael Lima Peixoto, Rani Bacil Fuzetto, Renan Cantuario Pereira, Renan Cesar de Abreu, Renata Barros da Silva, Rodrigo de Sousa Melo, Rubens Tamashiro, Sabrina Carla Tenguan, Sara Maria da Silva, Silmara Lobo Ortega, Silvia Aguilhar da Cruz, Silvia Cristina Garcia, Sofia Calabria Y Carnero, Talita Ferreira dos Santos, Talita Rebizzi, Tamara Demuner, Tatiana Busto Garcia, Thais Cristina Kruse, Thais Ferreira Rodrigues, Thiago Fabril de Oliveira, Tommy Ferrari Della Pietra, Vinicius Pereira de Oliveira, Vitor Penteado Franciscon, Viviane Machado Lemos, William Galvão de Souza, Wilton Queiroz Marcos.

Coordenação-Geral: Ricardo Gentil

Coordenação-Executiva: Ligia Moreli e Silvio Basilio

Editora-Executiva: Adriana Reis Paulics • Edição de Arte e Diagramação: Estúdio Thema (Marcio Freitas e Thea Severino) • Edição de Textos: Adriana Reis Paulics, Marcel Verrumo, Maria Júlia Lledó e Rachel Sciré • Revisão de Textos: Pedro P. Silva • Edição de Fotografia: Nilton Fukuda • Repórteres: Agnes Sofia Guimarães, Lucas Rolfsen, Lucas Veloso, Lúcia Nascimento, Marcel Verrumo, Maria Júlia Lledó e Rachel Sciré • Coordenação

Editorial Revista E: Adriana Reis Paulics, Marina Pereira, Marcel Verrumo e Rachel Sciré • Propaganda: Edmar Júnior, Jefferson Santanielo, Julia Parpulov e Vitor Penteado • Apoio

Administrativo: Juliana Neves dos Santos e Talita Ferreira dos Santos • Arte de Anúncios: Alessandra Soares, Alexandre do Amaral, Claudio Santos, Humberto Mota, Jucimara Serra, Luiz Felipe Santiago e Veluma Carmo da Silva • Supervisão Gráfica: Rogerio Ianelli • Criação Digital Revista E: Cleber Paes e Rodrigo Losano • Circulação e Distribuição: Vanessa Zago

Jornalista responsável: Adriana Reis Paulics (MTB 37.488).

A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social

Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios. Esta publicação está disponível para retirada gratuita nas unidades do Sesc São Paulo e também em versão digital, em sescsp.org.br/revistae e no aplicativo Sesc SP para tablets e celulares (Android e IOS).

Entre os destaques de setembro, Sesc São Paulo incentiva a prática esportiva e a adoção de hábitos saudáveis para todas as pessoas durante a Semana Move

Pesquisadora dedicada à saúde mental e gênero, Valeska Zanello alerta para a urgência de repensarmos os modelos de relacionamento vigentes na sociedade brasileira

Diferentes propostas e linguagens da dança refletem questões como ancestralidade, corpo presente, infâncias, gênero e outros temas da atualidade

Das pesquisas sobre poesia e relações de gênero à cultura produzida nas periferias, o legado da ensaísta, escritora e imortal da Academia Brasileira de Letras Heloísa Teixeira

Exposição no Sesc 24 de Maio convida o público a embarcar numa viagem às origens do hip-hop no Brasil, movimento cultural que chegou em São Paulo nos anos 1980

Diferentes públicos aderem a grupos de corrida para cuidar da saúde e do bem-estar, além de reforçar laços sociais e interagir com a cidade

dossiê entrevista dança bio gráfica

Micheli Karoly (Entrevista); Dani Paiva/ABL (Bio); Nikton Fukuda (Gráfica)

Atriz, cantora e diretora, Larissa Luz fala sobre começo da carreira na axé music, reconhecimento no teatro musical e incentivos para novas gerações

Artigos de Rosane Borges e Wilson Gomes refletem sobre os efeitos das transformações digitais sobre a democracia

Maurício de Almeida (conto) e Pedro Gonçalves (ilustrações)

em pauta encontros inéditos

Com mais de seis décadas de carreira, ator e diretor Antônio Pitanga destaca participação no Cinema Novo, processo criativo, Movimento Negro e longevidade

Conheça cinco lugares em São Paulo para avistar horizontes com diferentes paisagens naturais e urbanas

Marcos Villas Boas

CURADORIA

Odile Burluraux, Suzana Sousa e Aline Albuquerque

SESC POMPEIA

Rua Clélia, 93 - São Paulo sescsp.org.br/pompeia

Até 18 de janeiro de 2026

Terça a sexta, das 10h às 21h. Sábado, domingos e feriados, das 10h às 18h. Grátis. Livre. Galpão.

A exposição oferece recursos de acessibilidade.

Exposição que integra a Temporada França-Brasil 2025

Exposição que integra a Temporada França-Brasil 2025

Organizadores

Patrocinadores Organizadores

Patrocinadores

Exposição que integra a Temporada França-Brasil 2025

Organizadores

Patrocinadores

Exposição organizada em colaboração com o Musée d’Art Moderne de Paris, Paris Musées

Exposição organizada em colaboração com o Musée d’Art Moderne de Paris, Paris Musées

Realização

Realização

Realização Exposição organizada em colaboração com o Musée d’Art Moderne de Paris, Paris Musées

Os artistas da companhia circense sul-africana Zip Zap Circus apresentaram histórias da Cidade do Cabo e de seus personagens no espetáculo Moya, montagem com acrobacias, malabarismos aéreos, trapézio, dança e outras linguagens. O espetáculo marcou a abertura da temporada da oitava edição do CIRCOS – Festival Internacional Sesc de Circo, realizada entre os dias 8 e 24 de agosto em unidades do Sesc São Paulo, com atividades de difusão e reflexão sobre essa arte milenar.

O Sesc, ao lado de parceiros públicos e privados do Brasil e América Latina, oferece uma programação que incentiva todas as pessoas, em especial as mais jovens, a terem um estilo de vida mais ativo e saudável.

Aulas Abertas

Treinos Esportivos

Práticas Corporais

Bate-Papos

Apresentações de Atletas

Participe de atividades gratuitas em todas as unidades do Sesc!

COORDENAÇÃO
INICIATIVA COOPERAÇÃO

DOSSIÊ

Na Semana Move, diversas atividades gratuitas convidam todos os públicos a se engajarem na prática esportiva e atividade física.

Chamado para se movimentar

13ª edição da Semana Move promove a prática do esporte e das atividades físicas em todas as unidades do Sesc São Paulo

Um convite ao movimento é o que propõe a Semana Move, que chega à 13ª edição, entre os dias 22 e 28/9, em todas as unidades da capital e grande São Paulo, interior e litoral. As atividades são gratuitas e incentivam pessoas de todas as idades a se engajarem na prática esportiva, promovendo a saúde e a qualidade de vida.

Realizada desde 2013, a Semana Move é uma iniciativa da ISCA (International Sport and Culture Association), coordenada no continente americano pelo Sesc São Paulo, com o apoio institucional da

UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e o engajamento de uma rede de parceiros. Na centralidade dessa ação, está a promoção do esporte e das atividades físicas dentro e fora das organizações participantes, fomentando as práticas em diversos espaços comunitários.

O mote desta edição é Geração Movimento, lema de uma campanha direcionada ao público jovem e pensada para estimular as novas gerações a praticarem atividades físicas, reforçando a importância

do movimento em tempos de uso excessivo das telas e do aumento do sedentarismo. Ao dialogar com as juventudes, a Semana Move também mostra como exercitar o corpo promove a saúde mental, a inclusão social e a formação de hábitos saudáveis ao longo de todas as fases da vida.

“A Semana Move integra um conjunto de ações do Sesc São Paulo, composto por projetos e programas permanentes que promove a prática esportiva e a atividade física na sociedade. Além de essencial ao fomento à saúde e ao bem-estar social, fortalece encontros entre os participantes, a descoberta de novos espaços urbanos e a atuação do Sesc”, destaca Carol Seixas, gerente na Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo. As atividades da programação serão divididas em seis blocos, dialogando com os diferentes públicos do Sesc e as diversas modalidades de atividades da instituição: “Move Academia”, “Move Esportes”, “Move Água”, “Move Zen”, “Move Comunidade” e “Move Empresa”.

Entre os destaques, uma caravana com a seleção brasileira de ginástica rítmica visita as unidades de Bauru, Ipiranga, Interlagos e Jundiaí, entre os dias 25 e 28/9. Na ocasião, a seleção vai apresentar coreografias que mesclam técnica, arte e expressão na fita, arco, bola e maças. No Sesc Sorocaba, em Jogando com a atleta: Tênis de mesa, os participantes da recreação de tênis de mesa têm a oportunidade de trocar bolinhas com a mesa-tenista olímpica e paraolímpica Bruna Costa Alexandre, dia 27/9, às 14h. Confira a programação completa em sescsp.org.br/semanamove

DOSSIÊ

Em mais uma edição do Museu em Festa, diversas atividades culturais serão realizadas para todos os públicos no Parque da Independência.

DIA DE FESTA NO MUSEU

Como parte da comemoração dos 130 anos do Museu do Ipiranga-USP, o Sesc Ipiranga se junta à instituição em mais uma edição do evento Museu em Festa. No dia 7/9, das 9h às 18h, o Parque da Independência vai ser palco de uma celebração à diversidade cultural, inclusão, acessibilidade e cultura popular. Entre as atrações, a performance CHUYMA: Reconstrução Ancestral, com Carolina

Velasquez, recria rituais a partir das memórias e das narrativas familiares dos participantes, às 10h30, no Espaço Esplanada. Ao longo do dia, a celebração contempla aulas de dança, oficinas de desenho e pintura, intervenções circenses e literárias, caminhada de observação de aves, entre outras atividades. Consulte a programação completa em: sescsp.org.br/ipiranga

Cinemas negros em foco

Em sua 4ª edição, a mostra OJU – Roda Sesc de Cinemas Negros destaca o protagonismo de pessoas e narrativas negras no audiovisual brasileiro, entre os dias 3 e 11/9, em 19 unidades do Sesc São Paulo. Na programação, serão exibidos 25 títulos, entre longas e curtasmetragens. Também serão realizados debates, oficinas, rodas de conversa e apresentações. A abertura acontece no Cinesesc, dia 3/9, quinta, às 20h, com a pré-estreia do filme Suçuarana (2024), de Clarissa Campolina e Sérgio Borges. No longa, a personagem Dora, uma mulher de espírito nômade, busca seu espaço no mundo. Acesse mais informações em: sescsp.org.br/oju

PÉTALAS DE SUSTENTABILIDADE

Como parte da celebração dos 50 anos da unidade, o Sesc Interlagos realiza a 13ª edição do Pétala por Pétala, feira de práticas socioambientais, em dois finais de semana de setembro (6 e 7/9, 13 e 14/9). Com o tema Pisar a terra, a atividade acontece no Viveiro de Plantas e busca inspirar reflexões sobre os desafios socioambientais contemporâneos e compartilhar experiências inspiradoras que promovam uma relação mais equilibrada e responsável com a natureza. A programação inclui vivências, oficinas, rodas de conversa, intervenções artísticas e práticas corporais. A Rede de Sementes do Vale do Ribeira, de Eldorado (SP), o Fundo Agroecológico (FUA), de Parelheiros (SP) e o Ateliê Arte Mangue Marajó, de Soure, Ilha do Marajó (PA), estão entre os expositores. Saiba mais: sescsp.org.br/petalaporpetala

Feira de práticas socioambientais, a 13ª edição do Pétala por Pétala reúne expositores, oficinas, rodas de conversa e outras atividades.

Matheus
José Maria (Dia de festa no Museu)
Lilla
Jessica Brokaw (Pétalas de sustentabilidade)

DOSSIÊ

Mulheres em pauta

A Fundação Perseu Abramo e o Sesc São Paulo realizam o lançamento da 3ª edição da Pesquisa Mulheres e Gênero nos Espaços Público e Privado, realizada em parceria entre as duas instituições. O evento será no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo (CPF), no dia 23/9, às 10h30, e contará com a presença de Laís Wendel Abramo - Secretária Nacional de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Lívia Sant’Anna Vaz - promotora de justiça do Ministério Público do Estado da Bahia,

Jacqueline Teixeira - antropóloga, professora doutora no Departamento de Saúde e Sociedade da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), com mediação de Manoela Cruz - socióloga e comunicadora. A pesquisa busca acompanhar recuos e avanços sociais em relação ao enfrentamento às desigualdades de gênero, ao longo de três décadas, investigando realidades e percepções sobre questões como: violência, saúde, trabalho e cuidados, assim como a compreensão de novas demandas relacionadas às mulheres na sociedade.

No Sesc Bertioga, o Festival da Integração promove um conjunto de atividades para estimular convívio social e trocas entre mais de 1.700 pessoas idosas que frequentam o Sesc São Paulo.

JUNTOS PELA LONGEVIDADE

Entre os dias 3 e 14/9, o Festival da Integração reúne no Sesc Bertioga 1.720 pessoas idosas que frequentam as unidades do Sesc São Paulo (capital, interior e litoral) e de instituições do entorno. A iniciativa promove práticas reflexivas, vivências e intercâmbio de experiências entre os participantes, compondo um conjunto de atividades para estimular o convívio social

sociabilização e a integração. Desde 1980, o Festival da Integração é realizado com o propósito de estimular a sociabilização, a atuação cidadã e a vivência em diferentes processos socioeducativos. Atualmente, é parte das ações do programa Trabalho Social com Pessoas Idosas (TSPI) do Sesc São Paulo, que completa 62 anos de trajetória. Conheça o programa em sescsp.org.br/tspi

Estrela da música caipira

O Selo Sesc lança o disco Relicário Inezita Barroso (ao vivo no Sesc 1978) neste mês, em celebração ao centenário de uma das mais importantes artistas da música brasileira. O álbum é o registro do show de Inezita em 4 de agosto de 1978 no Sesc Consolação, e revela uma artista transitando entre a música caipira e a urbana. Clássicos como “Ronda”, “Chão de Estrelas” e “Marvada Pinga” figuram entre as faixas. O álbum também reflete a vivência de Inezita Barroso na Casa de Inezita, restaurante que unia gastronomia e música popular, reafirmando-a como pesquisadora e guardiã da memória musical brasileira. Disponível nas principais plataformas de áudio a partir de 12/9. Mais informações em sescsp.org.br/selosesc

FAÇA SUA CREDENCIAL PLENA

A Credencial Plena do Sesc é um benefício gratuito para pessoas com registro em carteira, que são estagiárias, temporárias, se aposentaram ou estão desempregadas há até dois anos em empresas do comércio de bens, serviços e turismo e seus dependentes familiares. Com a Credencial Plena você tem acesso prioritário e descontos na programação e serviços pagos do Sesc.

Qual é a validade da Credencial Plena?

A Credencial Plena tem validade de até 2 anos - para estagiários a validade da Credencial corresponde ao período de vigência do estágio e para desempregados a validade é de até 24 meses após a baixa na carteira de trabalho.

Como fazer a Credencial Plena?

On-line pelo aplicativo

Credencial Sesc SP ou pelo site centralrelacionamento.sescsp.org.br Se preferir, nesses mesmos canais, é possível agendar horários para realização desses serviços presencialmente, nas Centrais de Atendimento das unidades.

Quem pode ser dependente na Credencial Plena?

• Cônjuge ou companheiro

• Filhos, enteados, irmãos e netos até 20 anos ou até 24 anos, se estudantes

• Pai e mãe

• Padrasto e madrasta

• Avôs e avós

Relacionamento com Empresas

É o programa que facilita o acesso ao credenciamento dos funcionários das empresas parceiras dos ramos do comércio de bens, serviços e turismo. Nessa parceria, além do credenciamento, os aproximamos de nossa vasta programação e serviços. Saiba mais em sescsp.org.br/empresas

Acesse o texto "Tudo o que você precisa saber sobre a Credencial Plena do Sesc"

Ricardo Ferreira
Micheli Karoly

entrevista

Entre o silêncio e a cumplicidade

Psicóloga e filósofa, Valeska Zanello problematiza as relações de gênero na contemporaneidade apontando caminhos para a desconstrução das masculinidades

Imagine uma prateleira de supermercado. No lugar de gêneros alimentícios, mulheres: brancas, pretas, amarelas, indígenas, gordas, magras, novas, velhas. Essa imagem é usada pela pesquisadora Valeska Zanello, professora da Universidade de Brasília (UnB), para explicitar o modo como se dão as relações entre homens e mulheres na nossa sociedade. Algumas mulheres sempre estarão nos lugares mais nobres da prateleira. Enquanto, a todas as outras, estão reservados os lugares de menor destaque.

Mas se engana quem acredita que estar no topo é uma vantagem. “A prateleira elege os homens como avaliadores físicos e morais das mulheres. Então, não existe um lugar bom, existem os menos ruins. As mulheres vão envelhecer, engordar, e ainda vão estar sob o julgo de serem avaliadas e escolhidas por homens”, explica Zanello. Se eles crescem aprendendo a se amar e admirar mutuamente, ao mesmo tempo em que objetificam sexualmente e desumanizam as mulheres, elas são socializadas para competir umas com as outras. Nesse processo, a saúde mental de todas as pessoas é abalada, mas não é difícil imaginar quem sai pior dessa situação.

Se o desafio é descolonizar as formas de amar que nos são ensinadas desde a infância, também há lados positivos nessa perspectiva: as emoções, como os comportamentos, são assimiladas e transmitidas culturalmente e,

portanto, podem ser transformadas. Encontrar outras fontes de recursos afetivos, além de amar e admirar mulheres, é um trabalho para todas as pessoas. Já para os homens, o desafio é romper com o silêncio entre eles próprios, e aprender a cuidar mais e melhor.

Nesta Entrevista, Valeska Zanello conta um pouco da própria história e de seu percurso como pesquisadora dedicada à saúde mental e gênero, além de enfatizar a urgência de repensarmos os modelos de relacionamento vigentes na sociedade brasileira.

A capa do livro Saúde mental, gênero e dispositivos (2018) é um quadro pintado pela sua avó. E por trás dessa pintura existe um fato familiar interessante. Poderia contar essa história?

Minha avó foi uma mulher, como várias de sua geração, que aprendeu que, numa sociedade patriarcal, você precisa desenvolver estratégias de sobrevivência. Meu avô comprou esse quadro em uma viagem de trabalho e o pendurou na sala, onde ele e a família faziam as refeições. Ele era um homem patriarcal, como grande parte dos homens eram e ainda são. Em uma das viagens dele, meus tios, minha mãe e minhas tias pediram para a minha avó fazer uma festa em casa. Tiraram o quadro da parede e o colocaram em um canto, para não correr o risco de estragá-lo durante a festa. Mas havia um prego onde guardaram o quadro e, no dia seguinte, na hora de

Desde o diagnóstico, o que é considerado sintoma é diferente para homens e mulheres. Por isso, o letramento de gênero dos profissionais de saúde é tão importante.

arrumar a casa, minha avó percebeu o furo. Como ela explicaria para o marido o que tinha acontecido? Ela decidiu, então, colocar um esparadrapo atrás da tela e pintar uma árvore, uma araucária, para disfarçar o espaço em branco. Não tinha nada a ver com a paisagem, mas ficou lindo. Depois, meu avô, todas as vezes que se sentava para jantar ou almoçar, dizia: “Maria, que estranho, esse quadro só tinha uma árvore”. E minha avó respondia: “tá doido, Zanello, sempre foram duas árvores”. Não sei se meu avô chegou a descobrir sobre a festa, mas ele nunca falou nada. Essa história se relaciona com a responsabilidade das mulheres pela manutenção do bem-estar dos outros. Mas faço um adendo: chegou a hora de deixar os homens aprenderem a lidar com o mal-estar. Essa não é uma gestão emocional que as mulheres devem fazer, elas estão cansadas desse trabalho invisível, da gestão das relações.

Sua avó contornou a situação de um jeito incrível. Mas o patriarcalismo, que é o sistema de dominação das mulheres pelos homens, dentro de casa, tende a adoecê-las. Como as relações com o trabalho doméstico e o cuidado (seja dos filhos ou de outras pessoas da família) afetam a saúde mental das mulheres?

Uma tirinha do meu livro Masculinidade e dispositivo da eficácia (2025) mostra uma situação sobre socialização: um menino e uma menina brincam dentro de casa, fazem bagunça, há vários brinquedos no chão. A mãe, então, se aproxima deles e fala: “recolham essa bagunça, seu pai está chegando”. As crianças aprendem, assim, que o homem é como um rei. Em outra cena, será servido um frango no almoço, as crianças avançam na comida, e a mãe fala para eles não comerem a sobrecoxa, porque aquela é a parte preferida do pai. De novo, o homem é o rei. Ou, ainda, frases como: “abaixa essa televisão, seu pai quer ler”. Ou quando as crianças estão brincando

de videogame com o pai e a mãe diz: “filha, vem ajudar a colocar o jantar na mesa”. Nessa cena, o menino aprende que ele ainda não ocupa o lugar do rei, mas é essa a promessa. Chegou a hora de descolonizar as mulheres desse lugar onde são responsáveis o tempo inteiro pelo bem-estar do outro. E chegou a hora de os homens se desafiarem na gestão das próprias emoções e do comportamento, de se autorresponsabilizarem. O trabalho com as masculinidades é muito importante, mas difícil, porque os homens têm privilégios com o sistema hierárquico que é o patriarcado capitalista. As mulheres podem até reproduzir o sistema, mas são os homens que lucram com ele. O letramento de gênero permite sonhar com outros modelos possíveis e problematizar o mundo como ele está hoje, mostrando que talvez a realidade vivida por muitas mulheres sequer seja a desejada.

Nesse sentido, como pensar os modelos de casamento?

Muitas mulheres entram no casamento não por gostarem do homem, mas por se sentirem escolhidas, por acreditarem que vão mudar o homem com o tempo. Mas esse é um esforço fadado ao fracasso, uma aposta perigosa e, em geral, malsucedida, que faz com que as mulheres tenham dificuldade de sair das relações e maternem esses homens. Eles podem se dedicar às próprias vidas, porque têm alguém cuidando deles. Isso é exploração: vai desde o trabalho doméstico e a gestão emocional até o presente da mãe do marido que tantas vezes é a esposa quem compra. Isso requer energia e tempo de vida. Enquanto a mulher se dedica à gestão do cotidiano, o homem faz um curso para ascender no trabalho, e isso impacta a velhice e a aposentadoria. Há uma expropriação direta: financeira, emocional, comportamental. Ser solteira, em uma sociedade sexista, pode preservar a mulher. Entretanto, para os homens, o maior fator de risco é ser solteiro, viúvo ou separado.

De quais modos a cultura e a arte contribuem para reforçar ou transformar as realidades de gênero? A arte pode ser subversiva, a cultura também, porque o caráter ficcional possibilita entender a realidade como se a própria ficção fosse real e, assim, capaz de criar novas possibilidades. A arte também causa estranheza, mal-estar. Em Brasília, por exemplo, a atriz Adriana Lodi criou a peça Senhora P, com várias cenas baseadas no meu livro sobre saúde mental e gênero. Em uma delas, há um estupro no casamento: ela reproduz a cena desse sexo sem vontade, comum na vida de mulheres heterossexuais, e pede para todo mundo fechar os olhos. Na sequência, pede às mulheres que já passaram por aquela situação para abrirem os olhos. E quase todas abrem. Muitas vão às lágrimas.

A arte tem um papel fundamental de transformação, de intervenção social e de promoção de letramento de gênero. Mas também pode ser campo de reprodução de um sistema. Há muito tempo, fiz uma pesquisa sobre músicas sertanejas com uma ex-aluna, e muitas letras dessas músicas focam na competição entre mulheres, por exemplo. Contudo, se há potência para reforçar e validar, também há para subverter e transformar.

As emoções são fruto de contextos socioculturais. Se elas não são universais, podem ser remodeladas?

Sim! Esse é o tema do meu próximo livro. A antropologia das emoções nos mostra que as emoções não são universais: elas são fruto de modelos culturais, aprendidas no processo de socialização. Há uma incorporação das regras sociais e as emoções transmitem isso. O neoliberalismo vende que você faz de si o que quiser. Mas isso não é verdade: os estudos sobre as emoções mostram que são necessárias três gerações para mudar uma configuração emocional. São processos lentos, que vão contra a cultura do fast (rápido). Porém, se elas são aprendidas, podem ser descolonizadas.

Nos últimos anos, tem ganhado força a ideia de que os trabalhos de cuidado e o trabalho doméstico deveriam ser remunerados. Como você analisa essa questão?

Eu ainda não tenho uma posição fechada, porque há vários pontos a favor, mas também algumas críticas interessantes. Por exemplo: quando você paga, a não ser que pague muito bem, será que os homens começariam a fazer também os trabalhos domésticos e de cuidado? A mulher, quando cozinha, é só uma cozinheira. O homem, quando cozinha, é chef. A mulher, quando costura, é costureira. E ganha uma ninharia. O homem, quando costura, é stylist. Se a mulher receber um salário mínimo por essas tarefas, talvez os homens acreditem que o problema esteja resolvido.

Por isso, tendo a ser mais a favor da ideia de redistribuir as tarefas, porque o cuidado não é algo secundário. No nosso país, essa distribuição é muito desigual: quem mais dá cuidado, inclusive vendendo a força de trabalho para o ato de cuidar mal remunerado, sendo muitas vezes expropriadas do autocuidado, são as mulheres negras. E quem mais recebe cuidado e menos cuida são os homens brancos e proprietários. Receber cuidado é fator de proteção à saúde mental e por isso são necessárias políticas públicas em diversos níveis. No entanto, existe um processo de transição e, nesse processo, o trabalho invisível e não pago das mulheres deve ser quantificado.

Micheli Karoly

A nossa dificuldade de dizer “não” vem principalmente do fato de vermos nosso reflexo no olhar do outro rachar. Há um

luto narcísico: nem todo mundo vai te amar e te admirar, mas esse é um buraco no espelho que você precisa atravessar.

Micheli Karoly

Já existem tentativas nesse sentido de considerar esse trabalho, por exemplo, no valor da pensão. Se o homem não leva o filho ao médico, então a mulher será remunerada para isso, pelo tempo em que não está trabalhando e se dedicando para subir na carreira, por exemplo. A mulher que largou o trabalho para cuidar da casa e dos filhos também precisa ter a garantia da aposentadoria. Nesse caso, de fato, é preciso ter um salário, mas esse não pode ser o ponto final: é um caminhar para a transformação.

Você trabalhou em clínicas psiquiátricas e percebeu diferenças grandes de diagnóstico para homens e mulheres com sintomas semelhantes. Como isso acontece?

Fiz várias pesquisas em um hospital psiquiátrico quando comecei a estudar saúde mental e gênero. Havia muito preconceito quando eu falava sobre essas relações, os meus colegas diziam: “mas o que tem a ver gênero com saúde mental?”. Riam e desqualificavam. Mas é preciso transformar o ordinário em extraordinário, estranhar aquilo que é habitual. Quando pesquisei os prontuários, os diagnósticos e os sintomas descritos, havia muitas discrepâncias. Para as mulheres, obesidade era entendida como um sintoma, mas muitos homens gordos não eram vistos do mesmo modo. Para as mulheres, hiperdesejo sexual ou falta de desejo não eram entendidos como problemas. Mas, para os homens, todas as questões ligadas à sexualidade eram vistas como sintomas. O fato de não trabalhar, no caso dos homens, era entendido como sintoma. No caso das mulheres, não. Para elas, aparecia como sintoma o desprazer com as tarefas domésticas. Quando eu li aquilo, pensei: “vão me amarrar aqui se descobrirem o meu desprazer com as tarefas domésticas”. O diagnóstico a partir dos sintomas também era diferente. No caso das mulheres, em geral, eram transtornos de humor. No caso dos homens, eram casos severos, retardos severos, mas sobretudo psicose. Desde o diagnóstico, o que é considerado sintoma é diferente para homens e mulheres. Por isso, o letramento de gênero dos profissionais de saúde é tão importante.

Como você entende as ligações entre racismo, classismo e sexismo na nossa sociedade? Tudo está interligado. Não consigo pensar um modelo de saúde mental no Brasil sem levar em consideração a tríade entre sexismo, racismo e classismo. O sistema, o patriarcado capitalista, necessita da hierarquia de gênero e de raça para sobreviver. Então, se não houver uma expropriação, uma exploração do trabalho pelo dispositivo materno das mulheres, o trabalho invisível e não pago, se as mulheres pararem de fazê-lo, esse sistema

Um grande desafio para os homens é decidir se eles realmente querem participar da desconstrução do sexismo

quebra. Se as pessoas negras deixarem de vender sua mão de obra baratíssima, quebra. Não basta diversidade: são necessárias políticas de promoção de igualdade. São duas interfaces que precisam ser contempladas, mas atualmente há um apagamento da discussão sobre igualdade. Esse discurso atende a muitas empresas que, inclusive, possuem políticas de diversidade, contratando pessoas negras, pessoas homossexuais, pessoas trans, mas se for analisada a distribuição de poder, a desigualdade continua lá. Retomando a questão da saúde mental: gênero e raça são fatores de risco para a saúde mental em sociedades sexistas e racistas. Não só por essas pessoas terem mais sofrimento e apresentarem mais transtornos, mas também por serem hiperdiagnosticadas e hipermedicamentalizadas.

As mulheres aprendem a priorizar as necessidades e desejos de todos, menos os próprios. Isso se relaciona a questões de saúde mental e sentimentos de culpa. De que modo a culpa mantém as mulheres reféns? Essa é a base do dispositivo materno, do heterocentramento. Existem pedagogias que nos ensinam, no “tornar-se mulher”, a sempre priorizar necessidades, desejos e anseios dos outros, em detrimento dos nossos. A ponto de muitas mulheres não saberem sequer do que gostam. Elas desaprendem. Há um apagamento da própria subjetividade. Priorizar os outros o tempo inteiro tem um preço enorme. É muito difícil encontrar uma mulher não psicoterapeutizada ou mesmo no processo de descolonização afetiva que não sinta culpa quando diz “não”. Um homem, quando diz “não”, não é visto como egoísta, ele só está sendo homem. Uma mulher, quando diz “não”, é lida como egoísta, malévola. A nossa dificuldade de dizer “não” vem principalmente do fato de vermos nosso reflexo no olhar do outro rachar. Há um luto narcísico: nem todo mundo vai te amar e te admirar, mas esse é um buraco no espelho que você precisa atravessar.

O letramento de gênero permite sonhar com outros modelos possíveis e problematizar o mundo como ele está hoje, mostrando que talvez a realidade vivida por muitas mulheres sequer seja a desejada

Dói, mas é libertador. Para os homens, o desafio é o oposto: priorizar um pouco os outros e aprender a cuidar, porque eles cuidam muito pouco e muito mal. A metáfora para os homens, no processo de “tornar-se homem”, é o egocentramento, traduzido em “primeiro eu, segundo eu, terceiro eu, décimo o outro”. É pior do que o egoísmo. O desafio deles é se dispor a cuidar mais e melhor, e romper com a cumplicidade com outros homens.

Sobre essa questão das masculinidades: aprender a cuidar deve ser algo ensinado desde a infância, não? Meninos brincando de cuidar de bonecos, por exemplo. Exato, porque um dia eles vão ser pais. Aprender a varrer, aprender a lavar louça, até para não se tornar um adulto disfuncional. Um amigo, quando se separou, me ligou do mercado desesperado: ele precisava de uma vassoura e não sabia qual comprar. Parecia que estava em Marte, entendeu? E isso é ruim para toda a sociedade.

O que é o silêncio cúmplice dos homens?

A forma como os homens são socializados na “casa dos homens” (essa é uma metáfora do sociólogo francês Daniel Welzer-Lang) parte da ideia de que eles, em uma casa com vários cômodos, passam de um cômodo a outro ao serem testados por outros homens. Quem avalia as mulheres na prateleira são eles, mas quem os avalia são eles próprios. A masculinidade é homoafetiva e homossociável. Os homens querem ser admirados, amados e aprovados por outros homens. Geralmente os que chancelam os outros são os mais velhos, com mais experiência sexual, mais ricos, ou seja, aqueles já chancelados na virilidade laborativa. Mas

não existe um quarto final: a masculinidade está sempre à prova. O homem precisa sempre se exibir perante os pares, provar algo, performar comportamentos que ele mesmo considera inadequados, como os de objetificação sexual de mulheres e de piadas sexistas. E dentro dessa casa existe o silêncio cúmplice, uma cumplicidade entre os homens. Se o meu brother, por exemplo, trai a esposa, que também é minha amiga, e eu minto para essa mulher dizendo que ele está comigo, eu sou cúmplice da traição. Se eu vejo o meu brother sendo um canalha que engravidou uma mulher e nunca pagou pensão e eu não falo nada, sou cúmplice. Se eu estou num grupo de WhatsApp masculino, recebo nudes de mulheres, acho aquilo uma babaquice e não falo nada, eu sou cúmplice. Se eu estou no trabalho e vejo um colega assediando as colegas, fazendo piadinha sexista, e não falo nada, eu sou cúmplice. Se eu vejo um homem, numa reunião de trabalho, mesmo que seja o chefe, cortando a fala das mulheres, roubando as ideias delas, e não faço nada, eu sou cúmplice.

E como isso pode mudar?

Um grande desafio para os homens é decidir se eles realmente querem participar da desconstrução do sexismo. Não é fazer palestra ou falar no lugar das mulheres, querer aparecer, porque isso não muda em nada a violência sofrida por elas. O desafio é muito maior: envolve aprender a cuidar mais e melhor, além de romper a cumplicidade com outros homens. E, ao romper a cumplicidade, eles precisam saber que vão se tornar alvos da violência praticada por esses mesmos homens, da violência que antes era direcionada apenas às mulheres. Mas essas transformações são necessárias. Minha vida é dedicada a impulsioná-las.

16 longas e 10 curtas-metragens

Exibições, oficinas, bate-papos e encontros que celebram a potência de filmes realizados e protagonizados por pessoas negras.

No CineSesc e em mais 18 unidades do Sesc na capital, interior e litoral do estado de São Paulo. 3 a 11 de setembro de 2025 sescsp.org.br/oju

Cena do espetáculo Detrás del Sur: danzas para Emanuel (Por trás do Sul: Danças para Emanuel), da companhia de dança colombiana Sankofa, dirigido por Rafael Palacios, narra a saga da diáspora africana nas Américas e está na programação da 14ª Bienal Sesc de Dança.

Steven Pisano

DO PRESENTE Corpografias

Ancestralidade, infâncias, diversidade de corpos e estado de presença pautam a dança na contemporaneidade

Ocorpo é “a esfinge a ser interrogada”, segundo provocação feita pela filósofa italiana Silvia Federici. Afinal, é por meio dele que cada indivíduo expressa sua identidade, sua cultura, suas relações e interações com o ambiente onde está inserido. Para os povos originários, o corpo não se limita à existência humana pois estende-se para rios, montanhas, céus e florestas – ou seja, o corpo está em contínua expansão. No cenário das artes, particularmente na criação em dança, o corpo, em toda sua pluralidade, abarca as principais questões presentes na atualidade. No palco ou nas ruas, coreografias convocam o público não somente à fruição artística, mas também a um estado de presença, a reflexões sobre gênero, comunidade, ancestralidade e, sobretudo, a um resgate da imaginação.

“A gente não pode falar do que está acontecendo nas danças no mundo hoje sem entender que tipo de corpo produz, assiste e inventa essas danças. E isso tem a ver com a tecnologia”, pontua Helena Katz, professora no curso Comunicação das Artes do Corpo e no Programa em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Para a pesquisadora, crítica de dança há quatro décadas, as transformações da tecnologia sobre o corpo é um dos eixos que norteiam a expressão artística hoje, interferindo não só no encontro com o público, como também na curiosidade por diferentes propostas.

“Toda linguagem artística necessita de pluralidade e de divergência. Necessita disso que o uso abusivo das telas nos impede. Quem quer dissenso nas redes? Quem quer pluralidade? Só quero encontrar meus ecos. Então, isso escorre das telas para a vida. Mas a gente precisa se encontrar com essa arte plural”, defende a professora. Em resposta, temporadas, circuitos e festivais, como a Bienal Sesc de Dança [leia mais no boxe Todos os passos], descortinam possibilidades desse contato entre públicos de diferentes gerações e repertórios e criadores, que fazem de seus corpos uma força criativa e catalisadora de diálogos.

Dedicado ao público da primeira infância, familiares e cuidadores, o espetáculo de dança Pinhé… E Outras Formas de Abraço?, do Núcleo Nascedouro (Campinas-SP), é resultado de uma pesquisa sobre a cultura popular e a cultura da infância.

ESTADO DE PRESENÇA

Nascida e criada na cidade de Sabará (MG), a artista multidisciplinar e arte-educadora Malu Avelar teve sua formação artística na capital, Belo Horizonte, no Centro de Formação Artística do Palácio das Artes (CEFAR) e no Grupo Jovem Compasso. Na cidade de São Paulo, onde reside, observa que, durante muito tempo, o lugar de contemporaneidade não esteve disponível para os corpos negros. “Sou uma pessoa preta e meu olhar está dentro de um circuito de corpos dissidentes, de pessoas LGBTQIAPN+. É muito comum ouvir que artistas negros não fazem dança contemporânea. Então, acho que esse é um dos maiores desafios do meu trabalho hoje, porque dentro do que enxergo como coreografia, há uma abstração, e isso não é dado como uma arte negra”, analisa.

Em seu trabalho, dança e artes visuais conversam com um pensamento estético que, para a artista, “talvez fuja do que o próprio público está acostumado”. E é a partir dessa perspectiva e vivência que Malu Avelar

desenvolveu três trabalhos: a pesquisa e performance 1300° (Qual é a saúde de um vulcão?), a obra relacional e instalativa Sauna lésbica, apresentada na 35ª Bienal de São Paulo, e o mais recente, Cordão. Este último será apresentado na 14ª edição da Bienal Sesc de Dança, neste mês, no Sesc Campinas, e dialoga com o legado do cantor e compositor Geraldo Filme (1927-1995).

“Eu tenho uma preocupação política, ancestral, espiritual e artística com a minha comunidade. Acho que Cordão é um pedido de bênção e de licença para o meu ancestral, mas com uma criticidade pertinente para a contemporaneidade e para essa cena da dança contemporânea paulistana que não enxerga o samba como contemporaneidade”, ressalta.

A artista também observa em sua pesquisa um manifesto ao estado de presença. “Uma das coisas que eu mais pontuo é que não vou ser um quadro para você levar para casa; não sou um livro que você vai comprar na livraria e nem uma música que você vai dar play no Spotify. Não vou trazer uma dramaturgia

em palavras. Então, eu entrego a presença. Esse é um lugar que, atualmente, é muito problemático. A gente tem uma influência grande da tecnologia nos nossos fazeres, o que pode ser bom, mas depende de como a gente dialoga com isso”, reflete.

PONTOS DE CONTATO

A fricção entre diferentes pensamentos e linguagens acompanha a história da dança. “Sempre houve uma conversa entre a dança do palácio e a dança fora do palácio. Ao longo dos séculos, vai acontecendo esse trânsito entre diferentes formas de pensamento em dança que começam a se encostar. Se você olhar para a história do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, atrelada à história do balé clássico, vai ver coreógrafos se interessando pelas danças que eram chamadas de ‘locais’, como se o teatro não estivesse na mesma localidade, ou seja, havia essa distinção social”, explica a professora Helena Katz.

A partir do século 20, ganha força a fusão entre diferentes pensamentos da dança, a exemplo de grupos que passaram a incorporar linguagens diversas, como o balé clássico, a dança contemporânea e as danças populares. Nos últimos anos, também vem sendo construído um espaço para que novas propostas dialoguem e subam ao palco. Fundadora do Núcleo Nascedouro (Campinas-SP), Letícia Michelani é formada em dança, pesquisadora das infâncias e da cultura popular. Seu trabalho combina esses conhecimentos para a criação de espetáculos voltados ao público infantil. “Trabalho com educação infantil e toco com as Caixeiras das Nascentes, um grupo popular de percussão formado por mulheres que tocam Caixa do Divino, em Campinas (SP),, e por muito tempo, eu me dediquei a pesquisar a relação entre dança, cultura popular e dos povos tradicionais”, conta.

Também formada em dança, a arte-educadora Wanessa Di Guimarães integra o Núcleo Nascedouro. “Pesquisei cultura popular, mas no meu caso, eu

Criado por Patrick Ziza, artista e coreógrafo nascido em Ruanda e radicado no Reino Unido, o espetáculo Dandyism (Dandismo), que conta no Brasil com a participação do coreógrafo Ricardo Januário, faz da soma entre dança e moda uma reflexão sobre resistência, identidade e gênero.
Artista, pesquisador e curador, Tiyê Macau acredita na dança como um espaço de discussão sobre binariedade e ancestralidade, para criação de outros imaginários.
Amandyra

me dediquei, durante um tempo, ao Jongo, que é uma manifestação de origem Bantu, bastante presente na região sudeste do Brasil”. Juntas, Letícia Michelani, Wanessa Di Guimarães e a artista da dança Bibiana Marques, criaram a obra Pinhé… e Outras Formas de Abraço, que estreou em 2023, dedicado à primeira infância (crianças de zero a três anos). A ideia surgiu de vivências e observações, somada a uma pesquisa da gestualidade infantil, das movimentações do universo sonoro e corporal da cultura popular, da cultura da infância e de resgates da memória familiar das criadoras.

“Nossa grande preocupação veio dessa atuação dentro das escolas, observando como se dava a construção dos vínculos entre os pequenos e os adultos, e como ela é dificultada pelo excessivo tempo despendido em frente às telas. Também, pela distância física desses corpos atravessados pela virtualidade e pela escassez de tempo livre para uma vivência afetiva e significativa”, explica Di Guimarães. O resultado é um espetáculo – que também será apresentado na 14ª edição da Bienal Sesc de Dança – que se torna uma “celebração ao brincar em coletivo, à proximidade, à presença, ao pegar no colo e dançar junto”, complementa a artista.

Em cena, brincadeiras da cultura popular, desafios rítmicos, brincadeiras de mão e de colo são experimentadas pelas crianças e também pelos adultos que as acompanham. “Nesse cotidiano atual, tão cheio de estímulos, mas tão pobre de experiências, principalmente para os pequenininhos, nós desejamos uma dança que mobilize oportunidades. Uma dança que nos provoque nesse lugar do afeto, do lúdico, da invenção, da transformação e dessa reconexão do nosso corpo com o nosso íntimo, com a nossa comunidade, cultura, família e com a natureza”, defende Wanessa Di Guimarães.

ZONAS DE ENCONTRO

“Um lugar de recomposição de imaginários”, assim é a dança na contemporaneidade, para o artista, pesquisador e curador Tiyê Macau. Seu trabalho busca com a ancestralidade semear outras cosmologias e desenhos de futuro diante de um esgotamento de narrativas da cultura ocidental. “A ancestralidade

para mim não é um tema, é um modo de vida. É repensar, também, como se faz dança, já que se abre a discussão para esses corpos que, de alguma maneira, pelo capitalismo, não são corpos que produzem e, por isso, são esquecidos”, constata.

A dança também é um espaço de criação onde o artista coloca em questão a binariedade e a exclusão de corpos. “Que corpo é esse que dança para além dos corpos cis? Há um tempo, eu tenho pensado muito nessa dissociação do meu corpo, enquanto humanidade, não só por ser um corpo trans e preto e nordestino – e isso já é um lugar de desumanidade dentro da lógica ocidental –, mas também pensando nas cosmologias que me formam. Eu sou uma pessoa de comunidade. Sou uma pessoa formada por povos da terra, por saberes dos mais velhos”, reflete o artista.

Macau ainda coreografa novas possibilidades de relação entre seres humanos e outras espécies, como propõe no espetáculo Brinquedo: Onde surgem os sonhos?, que integra a programação da Bienal Sesc de Dança deste ano. Criada em parceria com o artista Ruan Francisco, a obra é dividida em três atos e mistura encantaria, fauna, palavra, dança e memória. “A gente entra e escuta os passarinhos, as cigarras, mas não as enxerga. Então, o Brinquedo vem desde uma instância de a gente estudar o som, como uma dinâmica de comunicação com o invisível, a entender essa comunicação interespécie também, de pensar como é que o som vira um dispositivo de incorporação de memórias, como a memória de um território. E como é que isso se reorganiza no corpo a partir da dinâmica do brincar e do brinquedo”, propõe.

Em comum, coreógrafos, dançarinos e outros fazedores e pensadores da dança lançam um exercício coletivo, diante de um contexto de transformações digitais e revoluções culturais: voltar ao corpo e recuperar a capacidade de sonhar. “Eu tenho pensado que a arte da cena promove encontros. Seja para pensar em proximidade e em alteridade, ou para propor confluência. Tenho pensado que são as danças que têm se colocado na insistência do encontro. E isso expande o palco, isso expande um festival, porque vai para uma intenção de diálogo. Acho que a dança cênica, nesse momento, é sobre ser uma zona de encontro”, resume Macau.

TODOS OS PASSOS

Espetáculos de 17 países e ações formativas compõem a programação da 14ª edição da Bienal

Sesc de Dança

Uma profusão de diálogos e temas conecta a criação em dança ao redor do mundo. Tendo em vista este cenário, a 14ª edição da Bienal Sesc de Dança, no Sesc Campinas, aproxima diversos público das propostas de criadores de diferentes estados brasileiros e de outros 16 países, que refletem sobre o contexto contemporâneo das linguagens da dança. Sob o olhar curatorial da equipe de programação do Sesc São Paulo e do artista Flip Couto, o festival reúne criadores e grupos renomados e emergentes numa programação composta por espetáculos e ações formativas.

Para esta edição, foi desenhado um panorama das danças cênicas, populares, experimentais, comunitárias e urbanas, além da cultura de ballroom – movimento cultural originado na comunidade LGBTQIAPN+ negra e latina da cidade de Nova York (Estados Unidos), nos anos 1970, e que também influenciou a cena artística brasileira. Entre os temas em destaque na Bienal, estão: memória, ancestralidade, resistência colonial – a exemplo

Na programação da 14ª Bienal Sesc de Dança, o espetáculo DARKMATTER [Matériaescura] (Holanda/Bélgica) aponta para mecanismos de preconceito.

do Brasil, Chile e Guadalupe –, e a relação com o vestuário e o alimento, que também aparece nas obras como lugar de potência e desconstrução de padrões. Na programação, realizada entre os dias 25/9 e 5/10, uma série de atividades ainda propõe experiências que colocam o público em movimento.

“A edição da Bienal Sesc de Dança deste ano reafirma a dança como elemento fundante na criação de comunidades e na valorização social, envolvendo públicos de diferentes contextos e apresentando modos plurais de fazer e pensar a criação em dança”, afirma Maitê Lacerda, que integra a equipe de dança da Gerência de Ação Cultural do Sesc e compõe a curadoria da 14ª edição da Bienal Sesc de Dança.

Confira alguns destaques da programação:

CAMPINAS

Minas de Ouro

Brasil (Rio de Janeiro-RJ)

Carmen Luz

A performance busca compartilhar histórias, resgatar memórias e quebrar paradigmas quanto ao corpo da mulher negra sambista. Dia 29 e 30/9, segunda e terça, às 11h. Praça Bento Quirino.

DARKMATTER (Matériaescura)

Holanda/Bélgica

Cherish Menzo

A partir do conceito astronômico de “matéria escura”, substância hipotética que formaria grande parte do Universo, o espetáculo explora mecanismos de distorção para questionar

para ver no sesc / dança

A Belíssima Casa de Odara apresenta: O GRANDE BAILE!, atividade realizada no Sesc Campinas, com inspiração no ballroom

imagens preconcebidas sobre os corpos. Dias 30/9 e 1º/10, terça e quarta, às 21h30.

Exótica – On the brown History of European Dance (Exótica – sobre a história racializada da dança europeia) Áustria, México, Chile

Amanda Piña

O espetáculo propõe um trabalho de re-historiografia: resgata o legado desses criadores europeus do início do século 20, tidos como exóticos por não serem brancos, e

do que seria a história racializada da dança europeia. Dia 4/10, sábado, às 19h; 5/10, domingo, às 15h. Teatro Castro Mendes.

A Belíssima Casa de Odara apresenta: O GRANDE BAILE!

Brasil (São Paulo - SP)

Casa de Odara

Referência na cena ballroom e na construção de espaços culturais para corpos dissidentes, o espetáculo propõe uma viagem pelas camadas culturais que formam o imaginário social e histórico da ballroom Dia 4/10, sábado, às 17h.

Chico Cerchiaro/Cia das Letras

Quebradeira das TRADIÇÕES

Escuta e escrita da imortal e intelectual Heloísa Teixeira desvelaram poesias, feminismos e a diversidade de conhecimentos

POR AGNES SOFIA GUIMARÃES

As terças-feiras da Academia Brasileira de Letras (ABL) começaram a transformar-se em julho de 2023, quando Heloísa Teixeira (1939-2025) tornou-se a décima mulher a ocupar uma cadeira na instituição. Isso porque a imortal, como são chamados os membros da ABL, decidiu que não entraria no prédio sozinha. Ela levou consigo a Universidade das Quebradas para seu novo endereço de trabalho.

Projeto de extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade das Quebradas está em sua 16ª edição e foi criada por Heloísa para promover um espaço de trocas de saberes entre a academia e quem produz cultura fora do campus. Participam desde estudantes já matriculados no ensino superior até pessoas que não possuem vivência no ensino formal, mas que produzem literatura à sua maneira ou, quando ainda não são iniciados, querem aprender técnicas de escrita literária.

“Criamos a Quebradas para quebrar mesmo o muro das universidades. Heloísa dizia assim: ʻEu nem estou preocupada com as periferias, elas estão inteiras e criativas. Eu estou preocupada com o fechamento da universidade. Eu quero que ela abra e se volte para o mundo’”, recorda Numa Ciro, professora que participou da criação do projeto com Heloísa, sua amiga e orientadora no doutorado.

Mesmo após o falecimento de Heloísa, a Universidade das Quebradas prossegue, agora sem a sua imortal.

A crítica literária, pesquisadora, professora e ensaísta, chamada carinhosamente de Helô, faleceu aos 86 anos, no dia 28 de março de 2025, em um momento de reinvenção contínua. Isso é o que a mantinha atualizada e, ao mesmo tempo, vanguardista.

“Ela era uma intelectual que não tinha medo de se deslocar, de sair da zona de conforto para descobrir outros lugares de produção de conhecimento. Sempre me dizia: ʻLilia, o conhecimento está nas quebradas, está em outro lugar, e a gente tem que se deslocar para esses lugares’”, conta a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, amiga de longa data de Heloísa.

POÉTICAS EM TRANSE

Heloísa Teixeira nasceu no interior do estado de São Paulo, em Ribeirão Preto, mas se mudou para o Rio de Janeiro aos quatro anos de idade. Era filha de um médico e professor baiano e de uma dona de casa mineira. Influenciada pelo pai, que era professor universitário, formou-se em letras clássicas e vernáculas na Faculdade de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), em 1961. Especializou-se em teoria da literatura com o

crítico literário Afrânio Coutinho (1911-2000), que também seria seu orientador de mestrado. Em 1979, tornou-se doutora em literatura brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, em 1984, mudou-se para os Estados Unidos, onde fez o pós-doutorado na Universidade de Columbia, na cidade de Nova York.

Os títulos acadêmicos de Heloísa, no entanto, não revelam por si só a efervescência cultural e política que marcou a trajetória da professora emérita de Teoria Crítica da Cultura da Escola de Comunicação da UFRJ. Nos anos 1960 e 1970, sua residência era ponto de encontro de artistas e intelectuais da época. No documentário Helô (2023), o cineasta Luiz Buarque de Hollanda Filho, conhecido como Lula Buarque, e filho mais velho de Heloísa, convida a intelectual a revisitar a própria trajetória, a partir dos vários endereços onde a família viveu, todos sempre repletos de gente, entre visitas rotineiras e hóspedes de longa estadia.

Um exemplo é a casa que tinha com o primeiro marido, o advogado e galerista Luiz Buarque de Hollanda (1939-1999), uma residência modernista projetada pelo arquiteto Zanine Caldas (1919-2001), na região do alto do Jardim Botânico, na capital fluminense. O local foi palco de uma festa de Réveillon, de 1967 para 1968, eternizada no livro 1968: o ano que não terminou (1988), escrito por Zuenir Ventura, amigo de Helô, que retrata a festa como um momento alegórico do Brasil da época.

“Eu acho que o documentário conseguiu captar esse espírito dela, meio beatnik, meio contracultura, que se manteve até o fim”, explica Lula Buarque. “Ela era capaz de captar várias linhas de pensamentos e de pensadores. Pegar um pouco de um, um pouco do outro, para construir aquele pensamento que é um pouco caótico, meio anárquico, mas na verdade, no final das contas, você pode dizer que é um pensamento poético até”, complementa.

Entre as veredas intelectuais de Heloísa, algo que se destaca é sua dedicação à poesia marginal, sendo uma das primeiras pesquisadoras sobre o tema. Em meio à turbulência política dos anos de chumbo da ditadura, Helô identificou uma nova geração de artistas que não pediam licença para declamar poemas em locais públicos e sem compromisso com escolas literárias tradicionais, ao mesmo tempo em que imprimiam, de forma artesanal, suas obras em folhetins ou papéis baratos: era a geração mimeógrafo dos anos 1970.

Quando Heloísa Teixeira tomou posse, em julho de 2023, na Academia Brasileira de Letras (ABL), a professora e pesquisadora levou consigo o projeto Universidade das Quebradas.

Como resultado da sua pesquisa, organizou uma antologia poética, intitulada 26 poetas hoje (1976). A obra traz trabalhos de artistas até então desconhecidos, e que hoje são celebrados pela crítica literária, como Ana Cristina Cesar (1952-1983), Torquato Neto (1944-1972) e Leila Míccolis. “Foi uma poesia que surgiu com perfil despretensioso e, aparentemente, superficial, mas que colocava em pauta uma questão tão grave quanto relevante: o ethos de uma geração traumatizada pelo cerceamento de suas possibilidades de expressão e pelo crivo violento da censura e da repressão militar”, escreveu Heloísa no ensaio “A poesia marginal”, presente na antologia.

Leila Míccolis já tinha uma relação estreita com a poesia desde a adolescência, mas atuou por dez anos como advogada trabalhista, enquanto não deixava de publicar seus poemas no circuito literário independente. Em meados dos anos 1970, quando passou a se dedicar exclusivamente à literatura, a poeta foi apresentada a Heloísa por um amigo. Juntas, iniciaram uma parceria longeva, em que Helô prefaciou alguns dos livros da escritora e a convidou para refletir sobre as transformações literárias que ambas testemunharam.

“Em um dos meus livros, Sangue cenográfico (1997), ela constrói um polo Leila-Ana Cristina, em que conta como a poesia da Ana é meio sonsa, feminina, e a minha é mais intelectual”, recorda Míccolis. “Antes da minha poesia, não tinha essa forma agressiva de escrever. Foi um verdadeiro escândalo na época. Tínhamos que escutar da crítica especializada que isso não era poesia”, recorda.

No ensaio “Democratização da cultura: Heloísa Buarque de Hollanda e a crítica brasileira nos anos 1970”, os pesquisadores André Botelho e Caroline Tresoldi, especialistas na crítica literária de Heloísa, destacam o pioneirismo da autora ao retratar a democratização da cultura no país, a partir da sua própria tese de doutorado: Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde (1960/1970). Publicada como livro em 1980, a tese retrata os movimentos culturais que Helô testemunhou.

“Ela foi pioneira na valorização dos indícios simbólicos de que uma parte considerável das mudanças produzidas pelos movimentos são transformações que ocorrem nos próprios movimentos e com seus participantes. Ideologias, regras, instituições, formas de organização etc. retroagem sobre seus membros e estruturas, modificando o ambiente das ações e as características dos atores, suas motivações, atitudes, ideologias e outros fatores”, descreveram os autores.

Ela era uma intelectual que não tinha medo de se deslocar, de sair da zona de conforto para descobrir outros lugares de produção de conhecimento
Lilia Schwarcz, historiadora e antropóloga

OUTRAS REVOLUÇÕES

Já consagrada como professora e pesquisadora, Heloísa não deixou de acompanhar novos processos de mudança nem de fazer parte deles. Com a internet e a popularização de debates feministas de diversas correntes, quis compreender a genealogia dos movimentos no país, iniciando processos editoriais que buscavam reunir os principais nomes de diferentes vertentes. Foi quando publicou o livro Explosão feminista (2018), pela editora Companhia das Letras, antologia que reúne textos de diversas autoras. Além disso, coordenou a série Pensamento feminista (2019), pela editora Bazar do Tempo.

A historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz acompanhou o processo de edição da Explosão feminista . Para ela, a maior riqueza dessa obra é a diversidade de perspectivas. “Ao invés de abafar as discussões, Helô incluía o conflito nas produções coletivas que ela realizava, criando um gênero único de edição, a partir do lugar dela, como uma pessoa de recepção e de tentativa de inclusão”, observa.

A relação da Heloísa com o projeto Universidade das Quebradas mostra como ela era uma pessoa sempre
inquieta para querer ouvir. Ela falava muito sobre a nossa dificuldade de ouvir as pessoas.
Lula Buarque, cineasta e filho

A poetisa recifense Luna Vitrolira conheceu Heloísa em 2016, durante um festival literário. Estabeleceram uma amizade na qual Luna se referia à mentora como “vozinha literária”. Escritora desde a adolescência e hoje mestra em teoria da literatura, ela foi uma das novas autoras da coletânea 29 poetas hoje uma releitura da coletânea de 1976, mas dessa vez, somente de autoras mulheres. A obra foi organizada por Heloísa e publicada pela Companhia das Letras, em 2021.

Para Vitrolira, a principal contribuição de Heloísa, para além de romper com os estereótipos sobre a escrita feminina, foi usar as novas vozes como uma denúncia dos vieses patriarcais na crítica e no mercado editorial. “Eu acho que ela até se distanciou bastante da ideia de definir ‘o que é uma escrita feminina’. Ela prefere dizer que existe um contexto social, político, econômico e artístico, portanto é preciso que a gente olhe para uma demanda que atravessa todas essas camadas, que é urgente e não é vista. Porque existe uma coisa chamada patriarcado e uma coisa chamada machismo, sistemas opressores que estão silenciando as vozes dessas produtoras de arte, cultura e literatura”, explica.

VOLTAR A NASCER

Os novos feminismos também permitiram a Heloísa Teixeira rever as estruturas que a perseguiram. Casou-se cedo com o primeiro marido, Luiz Buarque de Hollanda, mas o casamento não sobreviveu ao final dos anos 1960. Mesmo após o segundo matrimônio, com o fotógrafo João Carlos Horta, que durou mais de cinquenta anos, até a morte dele, em 2020, assinava como Heloísa Buarque de Hollanda.

Até que, depois dos 80 anos, ela busca fazer um movimento de conectar-se à mãe e às mulheres da família, uma “mátria linear”, conforme definiu no documentário O nascimento de H. Teixeira (2024), que acompanha esse processo desde seu início. A diretora Roberta Canuto

conta que, a princípio, o filme tinha como objetivo resgatar a crítica literária de Heloísa sobre a poesia marginal. Mas após a protagonista compartilhar seu desejo por um novo sobrenome, outra ideia ganhou força ao ser abordada no filme, que se tornou um meio de registro e afirmação. “Eu entendi aquilo como uma mudança muito coerente de uma mulher que sempre teve uma trajetória feminista, lutando por tantas questões de gênero. Foi um registro que se tornou um rebatismo”, conclui Canuta.

Foi como Heloísa Teixeira que a intelectual assumiu a cadeira na ABL, lugar que ocupou, consciente dos seus desafios. Em seu discurso, apontou, por exemplo, para a desigualdade de gênero na instituição. Reconhecia, porém, a importância da Academia para a defesa e difusão do potencial da língua portuguesa, um compromisso que ela considerava como geopolítico.

Ao incluir a Universidade das Quebradas dentro da ABL, Heloísa trouxe outras formas de pensar a literatura e a escrita, outras formas de pensar que estão mais próximas daquilo que representa populações ainda marginalizadas pela instituição. Assim pensa a escritora e pesquisadora Clátia Vieira, mestra em relações étnico-raciais pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-Rio). “A Heloísa busca desconstruir, propõe que a gente traga para cá a nossa escrita como ela é. As pessoas falam da falta de oralidade, mas isso sempre houve. Só que a gente falava para o outro escrever sobre a gente. E agora, a gente é que está escrevendo. E aí, quando a gente escreve, a gente escreve com muito mais propriedade sobre as nossas dores e realidades”, reflete Vieira.

Para Lula Buarque, sua mãe também convidava as pessoas ao processo de escuta como forma de desafiar a indiferença. “A relação dela com o projeto Universidade das Quebradas mostra como ela era uma pessoa sempre inquieta para querer ouvir. Ela falava muito sobre a nossa dificuldade de ouvir as pessoas. Para mim, essa é uma grande lição que fica”, compartilha.

para ver no sesc / bio

LETRAS EM MÚLTIPLAS DIMENSÕES

Sesc São Paulo promove acesso à literatura e aproxima escritores de público em atividades nas suas unidades e nas plataformas digitais

De forma permanente em sua programação, o Sesc São Paulo expande as reflexões e acessos aos livros e à literatura. Em palestras, cursos, encontros e outras ações, o público pode conhecer autores, trocar experiências literárias com outros leitores e até aprender e aperfeiçoar a própria escrita.

A literatura está presente também nas plataformas digitais, expandindo a experiência do Sesc para além dos espaços físicos de

suas unidades. Entre os destaques de setembro, por exemplo, o SescTV exibe o documentário A escrita delas (Vanessa de Araújo Souza, 2023), que investiga se há uma escrita feminina, a partir do depoimento de autoras de diferentes épocas, como Heloísa Teixeira, Nélida Piñon (1934-2022), Conceição Evaristo e outras.

As Bibliotecas e os Espaços de Leitura das unidades do Sesc também fomentam o acesso ao livro e à leitura, além da formação de leitores. Nesses locais com um acervo de mais de 80 mil títulos, é possível emprestar e consultar periódicos e obras da literatura brasileira e estrangeira, de diferentes gêneros e temas – juvenil, infantil, artes, quadrinhos, história, filosofia, educação, entre outros.

Confira os destaques:

14 BIS

Clube do Livro: Canção para Ninar Menino Grande

Bate-papo e leitura da obra da escritora Conceição Evaristo, com mediação de Maria Carolina Casati.

Dia 30/9. Terça, das 19h30 às 21h.

AVENIDA PAULISTA

Sarau Neomarginais

Apresentação poético-musical que combina poesia, música e manifesto.

Dia 19/9. Sexta, das 19h30 às 20h30.

BELENZINHO

Contos de Meninas e Mulheres Negras para Encantar Palavras

Cia. Caruru

Nesta mediação de leitura, entre cantigas, brincadeiras e narrativas protagonizadas por meninas e mulheres negras, as palavras ganham corpo e criam um espaço onde a infância encontra espelho, afeto e imaginação.

Até 14/9. Sábados e domingos, sessões das 13h às 17h.

SESCTV

A escrita delas (2023)

Dir. Vanessa de A. Souza

Documentário discute a diversidade presente na escrita feminina, com participação de Heloísa Teixeira, Nélida Piñon (1934-2022) e Conceição Evaristo. Dia 19/9, às 22h. Também disponível em sesctv.org.br/aescritadelas

Heloísa Teixeira é uma das escritoras que ajudam a investigar a literatura feminina no documentário A escrita delas (Vanessa de A. Souza, 2023), do SescTV

CULTURA DE RUA

Um passeio visual pela história do hip-hop, com movimentos, traços e sons que surgiram nos Estados Unidos e se enraizaram no Brasil

POR RACHEL SCIRÉ

A estação São Bento foi o ponto de encontro dos jovens que transformaram o hip-hop em cultura nacional.

Nilton Fukuda

Nos vagões de trens transformados em telas por grafiteiros, nos encontros de b.boys e b.bgirls pelas esquinas da cidade ou nas block parties (festas de rua) comandadas por DJs, é possível perceber como o hip-hop é uma cultura de rua que se desenvolveu a partir da realidade urbana. Em São Paulo (SP), seu epicentro foi a estação São Bento, na região central, onde cerca de dois mil jovens se reuniam aos sábados, durante a década de 1980, para compartilhar informações, sociabilizar e criar expressões próprias inspiradas em manifestações originadas nos Estados Unidos.

O ponto de partida do movimento é a cidade de Nova York, nos anos 1970, mais especificamente o sul do Bronx, distrito afetado por tensões e exclusões, como a pobreza, o desemprego, a brutalidade policial, as brigas de gangues e o racismo. Essa realidade hostil seria reinterpretada pela juventude em termos estéticos, a partir de redes culturais, como mostram imagens de dançarinos em movimento e vagões pintados, clicadas pelos fotógrafos Martha Cooper e Henry Chalfant.

“Eles foram os primeiros a enxergar aquilo como uma manifestação artística que estava acontecendo em Nova York”, explica o artista Gustavo Pandolfo, da dupla OSGEMEOS, um dos curadores da exposição HIP-HOP 80’sp – São Paulo na Onda do Break, em cartaz no Sesc 24 de Maio [leia mais no box Próxima estação: hip-hop].

A negociação da condição marginalizada imposta também se revela no modo como DJs se apropriaram de tecnologias para produzir música, sem depender de formas tradicionais de instrumentação. Assim, exploraram novas sonoridades ao manipular discos de vinil e o canto falado dos mestres de cerimônia, os MCs. Ao mesmo tempo, essas práticas revisavam experiências culturais afrodiaspóricas, com destaque para as gravações de funk e soul, mas também para o cinema blaxploitation e as iniciativas de organização política dos negros estadunidenses.

No Brasil, a popularização do hip-hop aconteceu por meio dos veículos de comunicação de massa, como o cinema e a televisão. Filmes como Wild

Nilton

Style (1983), Beat Street (1984) e Breakin’ (1984) influenciaram jovens dançarinos a formar seus próprios grupos de break. A dança foi o primeiro elemento a ganhar visibilidade no país, e b.boys e b.girls tornaram-se atrações de programas de auditório, além de ocupar as ruas da cidade. Já o rap chegou em meio aos embalos de James Brown (1933-2006), Michael Jackson (1958-2009), Tim Maia (1942-1998) e Sandra Sá, no contexto da black music , em bailes promovidos por equipes de som, como Chic Show, Zimbabwe e Black Mad.

Na metade dos anos 1980, a juventude negra e periférica que assumiria a transformação do hip-hop em cultura nacional descobre o espaço da estação São Bento, atraída pelo piso que favorecia os giros e movimentos de dança. Ali, também trocariam recortes da imprensa, fitas k7 e VHS, traduções de textos, letras de rap, traços de grafite. “Existe uma tradição de procurar livros, discos, materiais e compartilhar com outras pessoas. É a materialização do ‘quinto elemento’ da cultura hip-hop, que é a busca por

conhecimento. A gente faz isso institivamente”, explica Rooneyoyo O Guardião, memória viva do hip-hop paulistano. “Eu aprendi com o J.R. Blaw [articulador na São Bento] a não guardar a informação para si e a agregar pessoas”, explica a pioneira Sharylaine, ao comentar a sua atuação para o fortalecimento da coletividade feminina no rap.

É seguindo essa batida que o hip-hop promove a consciência sobre a realidade e o autoconhecimento, sempre de forma coletiva e imerso em experiências locais. “É curioso perceber o improviso, a forma como as pessoas criavam as próprias roupas e tênis, a mistura de sprays para fazer uma cor. Tudo isso gerou uma originalidade muito forte, uma linguagem brasileira do hip-hop que também é mostrada aqui [na exposição]”, aponta o artista Otávio Pandolfo, de OSGEMEOS. Ao relembrar os tempos da São Bento, quando começou como b.boy e se eternizou como MC, Thaíde revela: “nós não tínhamos ideia de que o hip-hop no Brasil se tornaria tão grande, mas sempre acreditamos na grandeza de cada um que estava exercendo a cultura”.

Painel feito a partir de imagens do fotógrafo Henry Chalfant, que registrou vagões de trens grafitados em Nova York, nas décadas 1970 e 1980.
Os jovens Marcos Telesforo, Fernando, DJ Hum, Thaíde, Who e Marcelo, na estação São Bento.
Sérgio Amaral/Estadão Conteúdo

Da esquerda para a direita, a equipe curatorial da exposição HIP-HOP 80’sp – São Paulo na Onda do Break: em pé, Thaíde, Sharylaine, KL Jay, Otávio Pandolfo (OSGEMEOS), Rose MC, Gustavo Pandolfo (OSGEMEOS). Abaixados: ALAM Beat e Rooneyoyo O Guardião.

À esq., painel com rádios-gravadores portáteis e manequins com os uniformes das grupos que frequentavam a São Bento nos anos 1980.

Nelson Triunfo em roda de break na Rua 24 de Maio (1984).
O grupo Electric Boogies (1984) dançando pelas ruas de São Paulo.

Lizard, um dos personagens do cartunista underground Vaughn Bodē (1941-1975), que influenciou grafiteiros em Nova York. Ao fundo, fotos de Martha Cooper, que documentou o nascimento do hip-hop na cidade de Nova York.

Nilton Fukuda
Dançarinos na cidade de Nova York, na década de 1980.
Filipetas de bailes onde aconteciam os primeiros shows de rap.
Nilton Fukuda

para ver no sesc / gráfica

PRÓXIMA ESTAÇÃO: HIP-HOP

Exposição no Sesc 24 de Maio revive expressões que marcaram a cidade de São Paulo na década de oitenta

utilizado por Pepeu e Mike para criar "Melô do Bastião", a fita master do álbum Hip-hop cultura de rua (1988), uma das coletâneas que marcou época, além de documentos do produtor Milton Sales que, entre outras iniciativas, uniu os quatro integrantes do Racionais MC's.

Para contar o início das expressões artísticas do hip-hop nos Estados Unidos, na década de 1970, a exposição inclui objetos e obras de acervos internacionais. Entre eles, fotografias inéditas de Martha Cooper – que documentou o nascimento do hip-hop na cidade de Nova York –, o documentário Style Wars (1983), de Henry Chalfant, e gravações exclusivas do artista visual Michael Holman, que imortalizou as primeiras batalhas de break.

A esquina da rua 24 de Maio com a Dom José Gaspar é o marco zero do hip-hop brasileiro. Foi ali, nos anos 1980, que os movimentos quebrados, robóticos e dinâmicos de dançarinos, como Nelson Triunfo e o grupo Funk & Cia. hipnotizaram jovens, curiosos e trabalhadores no Centro da capital paulista. “Muitos dançarinos e artistas começaram naquela esquina, então faz todo sentido realizar a exposição HIP-HOP 80’sp – São Paulo na Onda do Break no Sesc 24 de Maio”, destaca Gustavo Pandolfo, da dupla OSGEMEOS.

A mostra, inaugurada em 24 de julho, segue a tradição coletiva da cultura hip-hop e foi idealizada por OSGEMEOS e Rooneyoyo O Guardião. Além deles, integram a curadoria b-boy ALAM Beat, Thaíde, Sharylaine, Rose MC e DJ KL Jay. O acervo é composto por mais de três mil itens de coleções pessoais, que vão de peças de roupas a adereços, passando por equipamentos de som, fitas K7 e VHS, vinis, desenhos, fotografias, recortes da imprensa, panfletos de eventos, entre outras relíquias. Entre as preciosidades, o tape-deck

Segundo o diretor do Sesc São Paulo, Luiz Deoclecio Massaro Galina, a realização de HIP-HOP 80’sp reitera o compromisso do Sesc “com a valorização e a historicização de matrizes culturais diversas, caracterizadas pela combinação entre contestação e inventividade, por entender que nas transgressões estéticas reside a semente de necessárias transformações sociais”. O público também poderá vivenciar essa cultura como espaço de aprendizado e troca por meio de uma programação educativa que prevê oficinas de DJ, grafite, dança e rodas de conversa.

24 DE MAIO

HIP-HOP 80’sp – São

Paulo na Onda do Break

Até 29 de março de 2026. Terça a sábado, das 9h às 21h. Domingos e feriados, das 9h às 18h. GRÁTIS. sescsp.org.br/hip-hop80sp

Piano, obra que marca as influências da cultura hip-hop na formação da dupla OSGEMEOS.
Nilton Fukuda

Assista na TV ou em sesctv.org.br/noar

Episódios disponíveis semanalmente em youtube.com/sesctv

esporte

NO CORRE

Grupos de corrida promovem saúde e bem-estar, além de possibilitarem novas formas de ver, viver e interagir com a cidade
POR LUCAS VELOSO

Sábado de manhã. O relógio marca 16ºC na Praça Roosevelt, no Centro de São Paulo. Um grupo de 14 pessoas se reúne e faz uma rodada de apresentações, incluindo os pronomes de identificação de gênero de cada participante. Em seguida, inicia-se o aquecimento físico para a atividade do dia. Entre um “estica aqui” e “alonga ali”, o educador físico propõe um desafio coletivo para espantar o frio: amarelinha africana. Na caixa de som, toca a música que embala os pulos sincronizados entre 16 quadrados. Enquanto cantam a sequência “Minuê, minuê / le gusta la dancê/ Le gusta la dancê/ la dança, minuê”, os pés se equilibram em movimentos coordenados. Depois de três repetições, o grupo atravessa a avenida Consolação em direção ao Elevado Presidente João Goulart, conhecido como Parque Minhocão.

Esse é o início do treino do grupo Trans no Corre, um coletivo formado majoritariamente por pessoas trans, que se reúne para praticar corrida. A iniciativa nasceu da conexão entre cinco pessoas trans e, com o tempo, ganhou força ao reconhecer a importância de criar um espaço seguro e acolhedor para a participação de mais pessoas LGBTQIAPN+ no esporte. “Chamamos gente que nunca tinha feito exercício na vida, mas que, desde a infância, foi apartada desses ambientes. Em outros espaços, às vezes, bastava um erro de pronome para que a pessoa não voltasse”, relata Gael Penha, um dos idealizadores.

A proposta é garantir um ambiente onde ninguém se sinta deslocado. “Queríamos evitar que a pessoa viesse uma vez, passasse por uma experiência ruim e não voltasse”, Evelson

de Freitas

No Sesc Interlagos, pessoas de todas as idades, com experiência ou não, participam do Circuito Sesc de Corridas, programa realizado pelo Sesc São Paulo, com etapas em todo o estado, ao longo do ano.

acrescenta Penha. Criado em 2022, o grupo viu a demanda pela corrida crescer entre seus participantes, que incluem pessoas trans e cis.

O Trans no Corre reflete uma tendência: o interesse pela corrida de rua tem aumentado significativamente no Brasil. Segundo dados do Google Trends, houve um crescimento constante nos últimos anos. Em 2020, a média anual de buscas pelo tema era de 26 pontos na escala da plataforma. Cinco anos depois, em 2025, o índice já alcançou 75 pontos, um salto que indica a popularização do interesse pela prática. Esse movimento começou a se consolidar a partir de 2022 e ganhou força especialmente em 2024 e 2025, acompanhando um movimento global de valorização do esporte e da atividade física ao ar livre.

Quando se fala em competições, os números também não param de subir. “O cenário é de um crescimento sem precedentes”, resume o presidente da Federação Paulista de Atletismo, Joel Oliveira. O ano de 2023 já havia registrado um recorde histórico: 734 provas homologadas no estado. Em 2024, houve um crescimento de 40% de provas, mas nesse ano, promete ir além. Entre janeiro e agosto, foram emitidos 599 “permits” – autorizações técnicas para a realização de eventos –, uma alta de 49% em relação ao mesmo período do ano passado. A projeção é de que 2025 termine com mais de mil corridas oficiais.

Outro aspecto é a descentralização: o número de cidades paulistas com corridas homologadas saltou de 80, em 2022, para 146, em 2024. As provas acontecem majoritariamente

nas ruas, mas parques como o Villa-Lobos e o Ceret se tornaram polos na capital. O perfil dos participantes também se mantém estável, 70% têm entre 35 e 60 anos, e a divisão por gênero é equilibrada, com ligeira maioria masculina.

LUGAR DE TODOS

Aos 65 anos, a empreendedora social Neide Santos está à frente do Projeto Vida Corrida, no Capão Redondo, na zona Sul de São Paulo, projeto que incentiva a prática da corrida entre mulheres e crianças, e confirma o que os números indicam. “É incrível como a corrida se espalhou por todo o Brasil. Hoje você encontra grupos no Rio de Janeiro (RJ), em Belo Horizonte (MG) e em outras capitais, reunindo pessoas que treinam sem preocupação com

performance”, exemplifica. “Venho de uma época em que todos treinavam para melhorar tempos e resultados. Hoje, o foco é qualidade de vida e isso me deixa muito feliz”, resume.

Outra lembrança que Santos destaca é o crescimento do interesse das mulheres pela corrida, um público que, segundo a empreendedora, muitas vezes não encontra tempo na rotina para cuidar de si, devido às demandas familiares e profissionais. “No início dos anos 2000, pouco mais de 800 corredoras completavam a São Silvestre, uma das competições mais tradicionais do país. Já em 2023, foram mais de 14 mil”, destaca. A última edição, em 31 de dezembro de 2024, reuniu cerca de 37.500 corredores, número recorde, de acordo com a organização. “Participo de competições com mais de duas mil vagas. Em minutos, elas se esgotam”, observa. “O futebol pode ser o esporte mais amado do Brasil, mas o mais praticado é a corrida de rua.”

A relação da corredora com a modalidade começou por acaso, aos 14 anos, ainda no colégio, quando foi chamada para substituir uma colega no revezamento 4x100. Naquele dia, em 1974, deixou o handebol e nunca mais parou de correr. A medalha que recebeu nessa primeira prova marcou o início de uma paixão que se fortaleceu por décadas. Para ela, a corrida tinha um valor especial, já que, ao contrário dos esportes coletivos, não exigia companheiros nem equipamentos sofisticados, apenas o próprio corpo e a vontade de se movimentar.

Depois que pegou gosto, passou a treinar de madrugada, por volta das cinco horas, antes do trabalho. Logo, outras mulheres

da região começaram a se juntar a ela, reconhecendo na corredora uma líder e exemplo. Esse movimento, nascido de forma espontânea, consolidou-se na década de 1990 com a criação do projeto Vida Corrida. Desde então, mais de cinco mil pessoas já passaram pela iniciativa que hoje atende, semanalmente, cerca de 800 mulheres e crianças.

MÚLTIPLOS BENEFÍCIOS

Formado em educação física e especializado em treinamento esportivo e natação, Ademir Paulino está envolvido com a corrida há mais de três décadas. Hoje, comanda uma assessoria esportiva em São Paulo e treina cerca de 600 pessoas. Ao longo da carreira, acompanhou de perto duas grandes ondas de crescimento da modalidade no país: a primeira, no início dos anos 2000, e a segunda, mais recente, após a pandemia.

Para o educador, a motivação que leva cada vez mais pessoas a aderirem à prática vai além da busca por performance. “O que aconteceu foi a conscientização de colocar a atividade física como parte fundamental da vida”, afirma. A corrida, segundo o especialista, é um esporte simples e acessível, que facilita a entrada de novos praticantes. “A pessoa pode começar com o tênis que tiver, com a roupa que for, que já está dentro do esporte. É algo que facilita muito a adesão.”

Quando o assunto é saúde, os benefícios são amplos e visíveis. “Você melhora a autoestima, a qualidade de vida, evita doenças relacionadas à saúde mental”, elenca Paulino. O fortalecimento

de músculos e ossos, o aumento da longevidade e a contribuição para o desenvolvimento humano também estão entre os ganhos.

Acostumado a treinar corredores, Paulino destaca que praticar a corrida de forma gradativa é essencial. Nas primeiras experiências, ele recomenda evitar correr todos os dias, permitindo que o corpo tenha tempo para se recuperar. Também orienta os praticantes a não aumentarem a distância ou o tempo de treino de forma brusca. “O ideal é que o aumento seja gradual, permitindo que o corpo se adapte às atividades”, aconselha.

O educador sugere evitar começar correndo sozinho. Caso não seja possível contratar um treinador, a dica é buscar um grupo de corrida, em que a motivação e a orientação fazem diferença. Ele lembra ainda que a corrida é um esporte de impacto e, por isso, a qualquer sinal de dor ou dúvida, deve-se buscar um especialista. “Faça uma avaliação antes de começar. Isso pode prevenir lesões no futuro.” Cuidados assim são essenciais para garantir a longevidade na prática.

OCUPAR A CIDADE

Com a prática da corrida iniciada em 2020, a assistente administrativa Niya Hari Ferreira de Morais, moradora da Vila Formosa, na zona Leste de São Paulo, passou a conhecer melhor a cidade. “Descobri ainda mais o Centro, muitas partes da zona Sul e da própria região onde eu moro”, conta. Para ela, estar nas ruas vai além do exercício físico: é explorar, desmistificar e mostrar que corpos trans também são corpos atléticos e saudáveis. Ocupar

De azul, a empreendedora social Neide Santos está à frente do Projeto Vida Corrida, no Capão Redondo, zona Sul de São Paulo: iniciativa fomenta a prática da corrida entre mulheres e crianças da região.
Nilton Fukuda

as ruas como exercício de cidadania também é um dos objetivos de Francisco Carlos da Silva, o Fran Kauê, morador da Vila Corberi, periferia da zona Leste da cidade. Em uma das ruas da região, ele criou um espaço para práticas esportivas e para a convivência. Munido de latas de tinta e de boa vontade, pintou marcas e raias no chão, criando uma pista improvisada que hoje é símbolo de resistência e pertencimento. “Naquele momento, entendi que não era só sobre corrida, era sobre mostrar para as crianças que elas também podem ocupar esses espaços”, ressalta.

A iniciativa começou de forma simples e, rapidamente, ganhou a adesão de jovens e famílias da comunidade, que hoje praticam corrida nas faixas pintadas. Além de treinar, passaram a enxergar a rua como um local seguro, de encontro e de aprendizado. “A pista virou um ponto de referência. As crianças não vêm só para correr, elas vêm para aprender sobre disciplina, respeito e convivência”, explica.

Para Kauê, ocupar o espaço público com o corpo em movimento também é um ato político. “Sempre mostram a periferia como lugar de violência, mas aqui a gente mostra outra realidade. Aqui tem esporte, tem cultura, tem gente com talento e vontade de mudar de vida”, afirma. “A corrida não é só sobre performance, é sobre criar oportunidades e abrir horizontes. E se essa rua já mudou a vida de algumas crianças, para mim, já valeu a pena.”

CONSTRUIR COMUNIDADES

“Obcecada por corrida” é como se define a influenciadora Nathalia Guarienti, que até pouco tempo atrás corria sozinha. Por trabalhar em casa e sentir falta de um passatempo social, decidiu conhecer um clube de corrida. Logo no primeiro contato, apaixonou-se pela atmosfera, pelas pessoas e pela coletividade. A experiência fez com que percebesse que havia dezenas de grupos espalhados por

São Paulo. Foi então que surgiu um desafio: conhecer o maior número possível de clubes na cidade.

Desde então, Guarienti já frequentou 27 clubes, sendo 24 em São Paulo, dois em Lima, no Peru, um em Tóquio, no Japão, e um em Seul, na Coreia do Sul. A cada encontro, registra não apenas a corrida, mas também a experiência que cada grupo proporciona. “Ocupar a cidade pelo esporte virou o meu jeito favorito de viver nela”, afirma. Entre as lembranças mais marcantes, cita a primeira vez que correu no Centro de São Paulo, quando descobriu que podia haver beleza naquela região à noite.

EXERCÍCIO EM FAMÍLIA

Organizado pela Prefeitura de São Paulo, o Circuito Popular de Corrida de Rua registra um crescimento expressivo na procura. Até agosto deste ano, já foram mais de 9.100 inscrições, superando com folga as 6.665 registradas em todo o ano

Ao lado da filha, a contadora Flávia Lima celebra a prática da corrida como uma tradição que reúne familiares e amigos em provas como o Circuito Popular de Corrida de Rua.
Nilton Fukuda

anterior. A contadora Flávia Lima viu nas competições uma chance de reunir a família e os amigos. Ela participou das primeiras provas em 2018, mas só retomou o hábito no ano passado,, após uma caminhada de Dia das Mães com a filha. Pouco depois, descobriu o Circuito Popular, e levou o companheiro e a filha para o evento. Em semanas, a experiência virou tradição familiar. Hoje, mãe, tias, primos e amigos começaram a se juntar para as atividades. Nos cálculos, ela garante já ter levado mais de 20 pessoas para correr pela primeira vez.

Responsável por toda a logística, da inscrição à retirada dos kits, a contadora organiza um grupo de oito a dez participantes por prova, sem foco em performance. “É um hobby, sem nenhuma obrigação de ter um bom desempenho em toda corrida”, diz. “Algumas provas terminam em piqueniques no parque para celebrarmos mesmo. Aí, aproveitamos para comer e rir em família”, comemora.

Quem também vive no corre é o músico e compositor Viegas, cofundador do Corre Kilombo, coletivo que promove a corrida e a caminhada como espaços de acolhimento à comunidade negra. O artista também entende a atividade física como algo fundamental para o corpo, seja pelos benefícios à saúde, seja pelas interações coletivas que proporciona. “Costumo falar que temos a necessidade de praticar alguma atividade. Muitas pessoas acham isso chato, mas acredito que, às vezes, elas só não encontraram o esporte delas”, observa. “No meu caso, e para muitas pessoas, a corrida criou um lugar de acolhimento. O esporte salva, me salvou e pode salvar você também”.

para ver no sesc / esporte

MOVIMENTO COTIDIANO

Iniciativas ao longo do ano nas unidades do Sesc São Paulo fomentam a corrida e outras práticas esportivas para públicos de todas as idades

A corrida ocupa um lugar permanente nas ações do Sesc São Paulo, sendo incorporada de forma contínua a seus programas e projetos. “Em consonância com os valores da instituição, as atividades de corrida são programadas para promover a saúde e o bem-estar entre nossos frequentadores, por meio de projetos pontuais, como palestras e vivências, e programas permanente, como os Clubes de Corrida e o Circuito Sesc de Corridas”, destaca Carol Seixas, gerente na Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo.

Iniciativa integrante do Programa Sesc de Esportes, o Clube da Corrida é um curso permanente dedicado a essa modalidade, entendendo-a como uma manifestação cultural capaz de transmitir valores ligados ao esporte e à convivência. É voltado tanto para quem deseja iniciar quanto para quem busca aperfeiçoar seu desempenho. Atualmente, conta com 67 turmas distribuídas em 32 unidades do Sesc São Paulo, atendendo 2.650 participantes.

Outro destaque é o Circuito Sesc de Corridas, que incentiva a prática tanto para o público prioritário do Sesc quanto para a comunidade em geral. Ao longo do ano, são realizadas corridas em diversas cidades do estado de São Paulo, promovendo a saúde e encontros entre visitantes

e alunos de diversas unidades do estado. As informações sobre cada etapa podem ser acompanhadas nas páginas e redes sociais das unidades do Sesc.

Confira outros destaques:

AVENIDA PAULISTA

(Re)Correr incentiva novos passos

O projeto convida iniciantes a explorar a corrida, com treinos, debates e clínicas com atletas. Até dezembro de 2025. GRÁTIS. Informações em sescsp.org.br/avenidapaulista

IPIRANGA

Corrida Fora da Caixa Realizada mensalmente, aos domingos, propõe unir prática esportiva e reflexão sobre a cidade. Dia 21/9, domingo, concentração às 7h30 (Portaria 3 – Rua Xavier Curado, Sesc Ipiranga). Saída às 8h. Percurso aproximado de 10 km. GRÁTIS. Saiba mais em sescsp.org.br/ipiranga

SANTO ANDRÉ

Corrida das Lanternas

A Semana MOVE 2025 começa iluminando Santo André com o retorno da tradicional Corrida das Lanternas, que marcou gerações nos anos 1960. Dia 23/9, terça, às 20h. GRÁTIS. Informações em sescsp.org.br/santoandre

DIGITAL DEMOCRACIA

Nas primeiras duas décadas do século 21, o desenho da sociedade e de suas instituições sofreu grandes alterações com o uso das redes sociais, da inteligência artificial e de outras ferramentas capazes de utilizar um gigantesco volume de dados na internet para os mais diversos fins. Por um lado, abriu-se caminho para vozes historicamente silenciadas, a exemplo de jovens indígenas que passaram a compartilhar sua realidade e reivindicações sem intermediários, nas redes. Por outro, pavimentou-se uma via de disseminação de fake news, polarização ideológica e discursos de ódio. Nesse cenário, de que forma a expansão das novas tecnologias vem afetando a democracia?

Autor de A democracia no mundo digital: histórias, problemas e temas (Edições Sesc São Paulo, 2025), o professor e pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Wilson Gomes chama a atenção, primeiramente, para as maneiras como as novas tecnologias vêm sendo utilizadas em diferentes contextos geopolíticos. “A chamada democracia digital depende de uma escolha: a decisão de usar os recursos digitais –plataformas, redes, dados, algoritmos, automações –para fortalecer valores, práticas e instituições democráticas. Mas essa decisão só pode ser tomada por sociedades convictas de que a democracia é a melhor forma de governo. Quando essa convicção vacila e os regimes são atacados, os mesmos recursos podem ser empregados com igual eficácia para solapar os fundamentos da vida democrática”, alerta.

Para a professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Rosane Borges, “esse laço indissolúvel entre tecnologia e política em nosso tempo” aponta para sintomas de uma crise democrática em curso. “Sob o manto da liberdade de expressão, do fim da censura (expediente tão caro para nós) proliferam discursos que legitimam racismos, xenofobia, mixofobia [medo ou aversão à mistura, especialmente em contextos sociais e culturais], sexismo e múltiplas formas de discriminação. De uma cultura democrática espera-se equilíbrio na ação comunicativa, hoje densamente midiatizada. Direito à comunicação e, nos dias de hoje, à emissão, tornaram-se um imperativo.”

Consequentemente, segundo o professor Wilson Gomes, nos encontramos diante de uma encruzilhada. “Há os que acreditam que a guerra pelos usos sociais das tecnologias foi vencida pelos inimigos da democracia – que as plataformas, os algoritmos e os fluxos digitais estão, irremediavelmente, capturados por lógicas autoritárias, mercadológicas ou identitárias intolerantes. Mas há, também, os que veem na resistência institucional, nas pesquisas emergentes, na regulação pública e nos novos experimentos democráticos digitais um caminho viável para reverter o jogo.”

Neste Em Pauta, Gomes e Borges refletem e questionam o papel paradoxal das tecnologias para as democracias.

Entre sabotagem e inovação: o futuro da democracia digital

A rigor, não existe algo como “a democracia digital”. O que existem são regimes democráticos e a ideia de democracia viva nas instituições e nos corações e mentes dos cidadãos. A chamada democracia digital depende de uma escolha: a decisão de usar os recursos digitais – plataformas, redes, dados, algoritmos, automações – para fortalecer valores, práticas e instituições democráticas. Mas essa decisão só pode ser tomada por sociedades convictas de que a democracia é a melhor forma de governo. Quando essa convicção vacila e os regimes são atacados, os mesmos recursos podem ser empregados com igual eficácia para solapar os fundamentos da vida democrática.

A partir de 2016, com o Brexit e a eleição de Donald Trump [para a presidência dos Estados Unidos], e mais visivelmente no Brasil, a partir de 2018, assistimos a uma reconfiguração preocupante do campo democrático. O impulso de inovação cívica e participação digital, que marcou as décadas anteriores, foi desacelerado ou abandonado. Iniciativas de deliberação pública e consulta digital perderam prioridade diante da radicalização política, da polarização e da fragmentação hostil da esfera pública. Tornou-se cada vez mais difícil manter canais de argumentação racional e cooperação entre diferentes, sobretudo em ambientes digitais. A deliberação foi substituída pela guerra de narrativas, e o engajamento, pela militância moralizada.

Nesse cenário, não apenas se esvaziou o entusiasmo por projetos democráticos digitais – eles passaram a ser frontalmente inviabilizados pelo uso coordenado e intencional das mesmas tecnologias para fins antidemocráticos. O ciclo de inovação foi interrompido e, em seu lugar, emergiu um ciclo de sabotagem: campanhas digitais orientadas por dados, estrategicamente construídas para desinformar, radicalizar

e deslegitimar. O caso brasileiro é exemplar: em 2018, a extrema-direita soube combinar logística de WhatsApp, redes de desinformação, produção em massa de fake news e comunicação direta com bases mobilizadas, contornando tanto o jornalismo tradicional quanto o escrutínio institucional.

Ao lado da manipulação da informação, um segundo eixo de ameaça consolidou-se: a profissionalização da campanha política digital, que passou a operar com perfis psicométricos, bots [robôs virtuais], microdirecionamento, propaganda disfarçada e técnicas de engenharia afetiva. A datificação da política não serviu apenas para sofisticar campanhas eleitorais – serviu para desfigurar as condições epistêmicas do debate público e dissolver os mecanismos tradicionais de controle democrático.

O que temos, portanto, não é o fracasso de uma promessa chamada democracia digital. É a constatação de que o digital não é em si virtuoso nem vicioso. Tudo depende da direção ética, política e institucional que se imprime aos seus usos. A democracia digital nunca foi inevitável, nem está garantida. É uma escolha. E, na última década, muitos dos que fizeram essa escolha foram justamente os que buscavam sabotar a democracia, não aperfeiçoá-la.

Essa virada também se refletiu no campo acadêmico. Se antes predominavam estudos sobre potencialidades do digital para a democracia – participação, deliberação, transparência –, hoje floresce uma agenda de investigações sobre ameaças digitais à democracia. Fake news, teorias da conspiração, radicalismo algorítmico, manipulação automatizada, violência simbólica e discursiva tornaram-se objetos centrais de pesquisa. A democracia digital, enquanto campo de estudos, passou a incluir sua própria linha defensiva.

Mas essa mudança de foco não deve ser confundida com derrota. É, antes, um sinal de maturidade. O que se consolidou nos últimos anos é a compreensão de que a democracia precisa desenvolver mecanismos imunológicos contra as novas formas de sabotagem digital. E é justamente aí que reside o próximo ciclo de inovação democrática: desenvolver tecnologias, instituições e práticas capazes de proteger o espaço público, garantir o direito à informação de qualidade e preservar a autonomia dos cidadãos frente à manipulação invisível.

Estamos, assim, diante de uma encruzilhada. Há os que acreditam que a guerra pelos usos sociais das tecnologias foi vencida pelos inimigos da democracia –que as plataformas, os algoritmos e os fluxos digitais estão, irremediavelmente, capturados por lógicas autoritárias, mercadológicas ou identitárias intolerantes. Mas há, também, os que veem na resistência institucional, nas pesquisas emergentes, na regulação pública e nos novos experimentos democráticos digitais um caminho viável para reverter o jogo.

A pergunta, portanto, não é se a democracia digital está ultrapassada ou se a tecnologia fracassou em democratizar a política. A pergunta é: quem está vencendo a batalha pelos usos públicos das tecnologias digitais? Como na fábula do lobo, ganhará aquele que decidirmos alimentar. Ainda é possível alimentar o lobo democrático – com convicção cívica, ação institucional, inovação política e responsabilidade pública.

Por fim, é importante salientar que, apesar de tudo, a democracia digital é uma ideia e uma experiência cujo tempo, definitivamente, chegou. Primeiro, porque não há mais como recuar até um momento anterior à transformação digital da vida, inclusive da vida pública e do Estado. Não há retorno possível – nem desejável – a um mundo prévio às sucessivas revoluções digitais, à datificação e aos avanços acelerados da inteligência artificial. Preparados ou não, o digital nos alcançou em cheio. Segundo, porque não temos escolha a não ser tentar dobrar usos e recursos digitais para reforçar valores, meios, modos e instituições da democracia, inclusive enfrentando todas as tentativas de empregar os mesmos recursos e dispositivos contra a vida democrática. A democracia digital não é um destino – e isso aprendemos nos últimos anos –, mas uma tarefa a ser realizada pelos democratas.

O que se consolidou nos últimos anos é a compreensão de que a democracia precisa desenvolver mecanismos imunológicos contra as novas formas de sabotagem digital

Wilson Gomes é coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), professor de Teoria da Comunicação, além de pesquisador e orientador no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, todos esses na mesma instituição. Desde 1989, ensina, pesquisa e orienta na área de comunicação, nas especialidades de comunicação e política, e democracia digital. É autor de Transformações da política na era da comunicação de massa (Paulus, 2004 e 2008), A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc São Paulo, 2025), entre outros livros, e colunista do jornal Folha de S.Paulo.

Desafios para conter uma ação comunicativa destituidora

Tornou-se moeda corrente a constatação de que vivemos tempos de recessão democrática. A dita desdemocracia – termo cunhado pelo cientista político e professor russo Vladimir Gel'man – é expressão que se presta à exorbitância: são várias as perspectivas e prismas que vêm analisando o nosso tempo pelo viés do déficit democrático, mobilizando setores diversos a repensarem em novos figurinos para o exercício da vida pública.

Que as democracias agonizam em várias partes do mundo, disso ninguém mais duvida. Esta parece ser a preocupação que vem tirando o sono de analistas ao redor do planeta, a exemplo dos professores da Universidade de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, autores do best-seller Como as democracias morrem? (2018), e do espanhol Manuel Castells, com o livro Ruptura: a crise da democracia liberal (2018). Como a democracia chega ao fim (2018), de David Runciman, completa o trio das obras que venderam mais que cerveja no carnaval. A prescrição do remédio para a ascensão do autoritarismo tornou-se invariável: a necessidade premente da criação de frentes democráticas.

É com assustadora frequência que testemunhamos nos tempos que correm a combinação nefasta do liberalismo econômico com o conservadorismo reacionário, uma espécie de casamento por interesse que vem se mostrando o principal fiador desse quadro de destruição e horror. Essa face aberrante e intolerável só ganha tais contornos porque a combinação que a sustenta (liberalismo iliberal e conservadorismo reacionário) faz conexão com imaginários arcaicos que deitam raízes na escravidão e no patriarcado. Além das preocupações com a perda de musculatura da democracia, causa espanto a decadência do liberalismo, que hoje se reduz ao liberalismo econômi-

co, responsável por soterrar os ideais do liberalismo político (liberdade de autonomia individual, tolerância, diversidade, pluralidade).

A ascensão do populismo e da extrema-direita vêm perturbando o que as democracias liberais ocidentais avaliavam como inabalável: a fortaleza do ideal liberal como um dique capaz de conter o medo e as forças autoritárias. Chega-se a afirmar que experimentamos uma debilidade sistêmica do liberalismo.

Num quadro como esse, de pós-globalização, de desdemocracia, de liberalismo iliberal, de populismo autoritário, de avanço dos nacionalismos xenófobos, como pensar a democracia no ambiente digital? Como reagir à índole antidemocrática que se instalou no tecido nervoso do ambiente das redes sociais, que acabam sendo, ao fim e ao cabo, antissociais? Como reposicionar o debate, tão febril em nossos dias, sobre os destinos da democracia, tomando como nexo prioritário as Big Techs?

Já afirmei em outros momentos que se tornou irrefutável o relevante papel das redes sociais para a troca informativa que se quer veloz, em fluxo contínuo, para a instituição de um lugar em que a profusão de ações momentâneas, cambiantes e fluidas desenha um espaço plural de inovações comunicacionais possíveis, enredando-nos em nós de inventivas projeções. Uma das principais responsáveis por selar novos pactos comunicativos, visto que a relação emissor-receptor se modificou substantivamente, as redes sociais colaboram para que múltiplas formas do falar e do se expressar teçam o emaranhado discursivo do qual somos produtores e consumidores, os chamados “prosumer”, figura tão em voga nos nossos dias, consagrada tanto pelo mercado quanto pela academia.

Em meio às maravilhas e benefícios da técnica – que originariamente tem o destino de decidir bem –, pomos sob o exame da crítica às redes sociais para, a partir desse lugar, pensar a marcha do mundo nos nossos dias; examiná-las criticamente. Aqui, corresponde ao próprio sentido etimológico do termo crítica, que é o de pôr em crise. Um dos aspectos que nos permitem pôr as redes sociais em crise diz respeito à estridência do mundo, visto que nessa ambiência comunicativa sentimo-nos livres para tudo dizer, demonstrando a força destrutiva de racismos, homo e transfobia, sexismo, patriarcado, etarismo, capacitismo e outras formas de discriminação correlatas. Não podemos ficar indiferentes ao fato de que os dizeres destituidores transmitidos em escala vertiginosa na internet e fora dela ganham eco na sociedade de tal forma a constituir o agir comunicativo da esfera pública, demandando por novos acordos para o exercício da democracia.

Eis os sintomas da crise: sob o manto da liberdade de expressão, do fim da censura (expediente tão caro para nós) proliferam discursos que legitimam racismos, xenofobia, mixofobia, sexismo e múltiplas formas de discriminação. De uma cultura democrática espera-se equilíbrio na ação comunicativa, hoje densamente midiatizada. Direito à comunicação e, nos dias de hoje, à emissão, tornaram-se um imperativo. De acordo com Marilena Chauí, a democracia possui uma forma sociopolítica definida pelos princípios da isonomia (igualdade dos cidadãos perante a lei) e da isegoria (direito de todos para expor suas opiniões). Não é à toa que o direito à imagem, à honra, à privacidade, à informação e à liberdade de expressão estão inscritos na lápide dos direitos fundamentais, intensamente requeridos nos dias que correm e mais facilmente alcançáveis por força dos formidáveis recursos de comunicação.

Mais do que instantaneidade de informações, compartilhamentos, trocas online, plasticidade dos conteúdos, as redes sociais sinalizam para pedaços de nossa história em que se divisa o projeto de civilização com o qual (des)acordamos, o que significa dizer que as formas de regulação não são meramente um modo de censura, mas uma forma de subscrevermos um projeto em que a humanidade de cada um e de

Não podemos ficar indiferentes ao fato de que os dizeres destituidores transmitidos em escala vertiginosa na internet e fora dela ganham eco na sociedade de tal forma a constituir o agir comunicativo da esfera pública, demandando por novos acordos para o exercício da democracia

todos/as/es seja assegurada. No contexto de capitalismo de cassino, os conglomerados de tecnologia franqueiam a possibilidade do exercício dos racismos, do sexismo, do patriarcado e do politicídio. Tais formas aberrantes de comunicação e expressão contribuem para debilitar ainda mais a democracia, o que só reafirma o laço indissolúvel entre tecnologia e política em nosso tempo. Apuremos nossa audição para os ruídos que de lá, do ambiente digital, nos chegam, frequentemente sancionados pela experiência cotidiana atravessada pela alterofobia.

Rosane Borges é jornalista, escritora, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professora convidada do Diversitas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É coordenadora da Escola Longa, uma experiência de educação online. Escreve regularmente no jornal Folha de S.Paulo, é articulista do blog da editora Boitempo, autora de diversos livros publicados, entre eles: Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro (2004), Mídia e racismo (2012), Esboços de um tempo presente (2016) e Fragmentos do tempo presente (2021).

CAMINHOS Abre

Cantora, atriz, diretora e apresentadora, Larissa Luz faz de sua

trajetória artística multifacetada uma ferramenta de mudança social

POR MARIA JÚLIA LLEDÓ

Durante a infância em Salvador, a artista Larissa Luz gostava de brincar de criar. Filha única, encontrava nas palavras que lhe foram apresentadas pela mãe, professora de literatura, companhia e acalanto. Também percebeu que com as palavras poderia fazer música, e assim o fez com as poesias de Carlos Drummond

de Andrade (1902-1987) e Cecília Meireles (1901-1964). Mas foi quando a menina escreveu seus próprios versos que notou como pareciam melódicas cambalhotas a saltar-lhe da boca. Nascia, naquele momento, a compositora. Apoiada pela família, Larissa Luz enveredou pela música e pelo teatro, e a partir da adolescência passou a buscar

oportunidades que a levariam ao reconhecimento na cena artística brasileira contemporânea.

Entre 2007 e 2012, foi cantora da banda Ara Ketu, que há mais de 40 anos agita a história do axé na música brasileira, mas se consagrou mesmo nos palcos do teatro, interpretando personagens famosos

A atriz e cantora Larissa Luz como a personagem Bibiana, em espetáculo musical inspirado no best-seller Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior, encenado no Teatro Raul Cortez, do Sesc 14 Bis, em 2024.

pela resiliência e coragem. Em seu espetáculo de estreia, Gonzagão, a lenda (2012), interpretou as mulheres que marcaram a vida d’O Rei do Baião. Já em Elza (2018), interpretou a cantora Elza Soares (1930-2022) em premiada atuação. Desde 2024, atua como a protagonista Bibiana na adaptação para os palcos do best-seller de Itamar Vieira Júnior, em Torto Arado –o musical (2024). Pelo papel, recebeu indicações dos prêmios APCA e Shell de Melhor Atriz. Larissa Luz também lançou dois discos autorais – Território conquistado (2016) e Trovão (2019) –,

atuou no cinema, onde coleciona alguns papeis – e apresentou, de 2022 a 2024, o programa de televisão Saia Justa, no canal GNT.

Aos 38 anos, a multiartista ainda realiza outros trabalhos como diretora, produtora e curadora. “Me dispus a ser multiartista e me tornar uma personalidade que pudesse transitar entre diversos estilos e linguagens artísticas”, explica. Neste Encontros, Larissa Luz conta como foi o começo da carreira, a importância do legado de Elza Soares, e o que gostaria de deixar para futuras gerações.

BRINCADEIRA

Minha mãe é professora de literatura e esse foi o começo da minha relação com a arte. Todo esse meu envolvimento com a arte partiu da literatura. Minha mãe me apresentou livros muito cedo. Enquanto filha única, com os livros e com os jogos, fui adentrando esse universo lúdico da criação. Criar histórias e mundos se tornou meu passatempo favorito. Um portal se abriu e nunca mais se fechou. Então, comecei a escrever e a ler poesia muito nova. Das poesias, comecei a musicar poemas de [Carlos] Drummond, de Cecília Meireles. Depois, passei a escrever e musicar os meus próprios poemas, foi aí que descobri que estava compondo.

PROFISSIONAL

Sempre fui muito obstinada. Então, pedi para a minha mãe para fazer aulas de canto e de teclado. Comecei a cantar e minha professora me colocou para fazer apresentações em shoppings. Até que uma professora da escola

me chamou para fazer parte de um grupo de dança, o Interarte, que tinha música também. Era uma companhia profissional, que cantava em navio de cruzeiro. Todo mundo já era mais velho e eu entrei com 15 anos. Corri atrás para aprender com tantas pessoas, tantos bailarinos e profissionais incríveis. Nessa idade, eu já estava cantando profissionalmente, ganhando cachê. E com 18 anos, entrei no Ara Ketu.

ARA KETU

Em Salvador, eu vivi um momento em que a cena do axé estava muito embranquecida. Eu fui parar num teste, não sabia o que era e, depois de muitas etapas, soube que era para o Ara Ketu. Eu não entendia muito do axé, eu era roqueira. Mas o Ara Ketu tinha uma história negra muito forte e um projeto social incrível. Achei que estando ali, eu poderia ser uma mudança de paradigma, uma representação imagética para inspirar nosso povo. Porque o axé é totalmente negro, e é mais do que justo que ele seja representado pelos negros e pelas mulheres negras. Foi um grande aprendizado [trabalhar no Ara Ketu], mas chegou um momento onde eu precisei ter mais liberdade criativa. Por isso, resolvi sair e seguir carreira solo.

ÁFRICA

A gente bebe de uma fonte inesgotável chamada Mãe África, que para a gente não tem uma definição única, porque viemos de um berço muito rico e múltiplo em possibilidades artísticas. Eu gosto de experimentar essa fusão rítmica que a África nos permite,

partindo do pressuposto de que estamos no Brasil, e de que somos brasileiras e brasileiros. Sempre tive problemas em encaixar minha música numa prateleira. Para mim, tudo faz parte desse universo da música negra. Minha música é uma fusão de ritmos negros.

MÚLTIPLA

Me dispus a ser multiartista e me tornar uma personalidade que pudesse transitar entre diversos estilos e linguagens artísticas. Estou sempre pensando em estratégias para que essas diversas de mim possam estar agindo em confluência, para que as pessoas me entendam enquanto uma personalidade que

consegue tanto criar um arranjo, uma produção musical, uma letra, uma música, mas também atuar, cantar.

Tudo isso para comunicar o que eu acredito: fazer da minha arte uma ferramenta de transformação social.

MUSICAIS

Gonzagão (2012) foi o primeiro grande projeto no teatro. Quando eu cheguei no Rio de Janeiro, João [Falcão, diretor e dramaturgo] me viu dando uma entrevista e Laila [Garin, atriz] estava saindo do elenco para fazer Elis. Aí, ele falou: “Vamos chamar você para entrar no lugar de Laila em Gonzagão”. Fiz uma leitura rápida [da peça], ele já gostou e ali eu comecei um

grande percurso dentro do teatro musical. João foi um grande mestre, uma das primeiras pessoas que me sacou enquanto atriz, e que me deu uma oportunidade no escuro. Ele também falava: “Tem uma Elza [Soares, cantora] aí, tem alguma coisa”. Aí, fui trilhando esses passos e fiz a Ópera do Malandro (2014) com ele também. Depois cheguei em Elza (2018). Eu achava que tinha tudo a ver comigo, porque a gente está falando de artistas que falam do Nordeste, de artistas que discutem de pautas e causas como feminismo e racismo. Histórias que, de alguma forma, diziam respeito àquele propósito inicial, de transformar, e de contribuir para fomentar e fortalecer a cultura do nosso país.

No premiado

no

em 2018.

musical Elza, apresentado
Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, Larissa Luz assina direção musical, além de dar voz e corpo à resiliência da cantora Elza Soares, que assistiu ao espetáculo

ELZA

Eu brinco que Elza [Soares] e eu nos aproximamos até virarmos uma só. Porque ela me conheceu cantando no edital da Natura e me falou um monte de coisa linda: “Eu me vi ali, no palco. Você tem uma coisa que eu tenho também. Vamos nos aproximar, nos conhecer e trocar ideia no Rio”. Aí, eu a chamei para participar do meu disco Território conquistado e ela topou, foi uma querida. Logo na sequência, me chamaram para fazer o musical [Elza]. Ela queria realmente se ver ali. Comecei a estudar muito como ela ria, falava, quais eram suas indignações. Percebi coisas muito profundas como essa “não mágoa” de um sistema que a oprimiu durante toda a vida. Elza queria que fosse um espetáculo do qual as pessoas saíssem acreditando no poder de resiliência dela, na força que ela teve para vencer e que se sentissem encorajadas. Para mim, isso foi um norteador de vida. Despertou um “lugar Elza” dentro de mim, para onde vou quando estou cansada, desmotivada ou desacreditada.

BIBIANA

[Torto Arado – O musical (2024)] Foi bem desafiador porque a gente conhece a Bibiana do livro. É uma personagem que estava ali no papel – não sei como ela é, como ela anda, também não sei como é que ela sente. Tive que dar um corpo para aquela pessoa que está ali, em linhas. Fiquei muito honrada com o convite, me senti convocada. A obra é extremamente necessária. É fictícia, mas fala de um povo real, de um povo que vive e sofre com a disputa de terras, sob a premissa do medo. A obra de Itamar [Vieira

NÃO ME IMPORTO DE ASSUMIR ESSA RESPONSABILIDADE DE SER ALGUÉM QUE ESTÁ TRABALHANDO PARA CONSTRUIR UM CENÁRIO

MELHOR PARA AS MENINAS

PRETINHAS QUE VÃO CHEGAR AQUI

NESSE MUNDO DE PEITO ABERTO

Júnior, escritor] reflete a realidade de uma forma muito intensa. Ver uma obra de literatura fazer um sucesso desse e reverberar da forma que está reverberando é uma satisfação sem tamanho, porque faz a minha vida valer a pena. Me faz acreditar na arte e entender por que estou fazendo arte.

LEGADO

Acho que a gente está construindo –eu e outras da minha geração –um cenário um pouco melhor para as meninas que estão vindo. Não me importo de assumir essa responsabilidade de ser alguém que está trabalhando para construir um cenário melhor para as meninas pretinhas que vão chegar aqui nesse mundo de peito aberto. Eu não quero que elas passem por coisas

que eu passei, que Elza [Soares] passou, que outras de nós passamos lá atrás. Espero que elas estejam mais seguras de si, da sua beleza, da sua importância, sabendo muito mais sobre a sua cultura, coisas que a gente não via muitas vezes nos livros, e que elas entendam melhor as referências artísticas e culturais que constroem e construíram sua história e ancestralidade. Para que elas partam de outro lugar e que tenham segurança para ser o que elas realmente são.

A multiartista Larissa Luz participou da reunião do Conselho Editorial da Revista E, no dia 30 de julho de 2025. A mediação do bate-papo foi de Adriana Macedo, que integra a equipe de teatro da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo.

Laura W. Rosenthal

inéditos

ESTUDO PARA UMA QUEDA

POR MAURÍCIO DE ALMEIDA

ILUSTRAÇÃO PEDRO GONÇALVES

1. Neste quarto, a insônia sabe a cigarro.

E o cão dorme na cama.

Não encontro jeito na cadeira, os joelhos doem e os olhos ardem – e as coisas espalhadas sobre a mesa não propõem invenção, mas desordem. Na folha em branco que tenho à frente, penso em improvisar traços e, ao acaso da repetição, forjar um corpo prestes a um passo improvável. Não há lastro e o propósito, mesmo sugerido, é irrelevante. Nesse processo, desviar o traço, rasurá-lo se necessário, para tencionar, no espaço ao mesmo tempo restrito e ilimitado do papel, um corpo que almeja antes o salto que a queda, confundindo com linha tênue a divisão entre causa e consequência.

A intenção, sempre posta, jamais é suficiente.

2. O cão levanta a cabeça, os olhos baços e úmidos pervagam ao acaso, o bocejo explicita os dentes (poucos) e é seguido por um gemido lamurioso. Penso que se levantará, mas, como fez algumas vezes já, espreguiça-se antes de procurar jeito aos ossos, sem dúvida incômodos.

A madrugada volta ao silêncio e, ao enrolar-se sobre si, o cão fecha os olhos.

Próxima à janela, a mesa em que me encontro é suficiente para uma porção de lápis, um maço de folhas e apetrechos diversos cuja utilidade é menos interessante que a forma. Avesso ao sono, observo, entre os traços quase retilíneos dos prédios, a lua posta e cheia e o decalque de suas crateras.

3. Situada na província de Medina, Khaybar é um centro populacional a noroeste da Arábia Saudita conhecido por seus campos vulcânicos, chamados harrats. Ao longo de séculos, as composições e os estilos de erupção conformaram inúmeras crateras: Harrat Khaybar parece a planície luar.

Essa extensa região também acumula evidências pré-históricas da atividade humana: ao sul, estruturas habitacionais, funerárias e ritualísticas construídas a partir de rochas basálticas; ao norte, nos vales de Shuwaymis, por onde correm leitos de rios sazonais, encontram-se, nas vertentes escarpadas, diversos petróglifos neolíticos. Camelos, antílopes, íbex, leões e leopardos, cenas de caça: consta que os primeiros registros humanos de cães domesticados estão nesses petróglifos de Shuwaymis.

4. Nesta folha em branco, poderia criar primeiro um contexto turvo ou noturno à hesitação desse corpo ainda informe, porque, embora inevitável, esse passo que intento talvez não aconteça: desbastar o grafite com o estilete sobre a folha e espalhar com o dedo o granulado fino e cinza, esfumaçando o paradeiro que, por ser desconhecido, convoca. Ou traçar antes os pés em disposição imprópria como se estranhassem o próprio peso, como se experimentassem desde já o vazio da queda, ou, ainda, iniciar pelos braços, esticados e agudos, como se perfurassem o ar.

inéditos

5. Ou abandonar o papel e os lápis todos, esquecer em uma gaveta a parafernália que me acompanha nessa tarefa inglória de criar (o quê?, para quê, afinal?) e me deitar junto ao cão, recolhermo-nos a esse espaço compartilhado e comungarmos juntos esta madrugada pontuada pela lua, encontrarmos nessa convivência o suficiente, porque, neste momento, tudo é mera iminência: o cão está morrendo. E, no entanto, insisto no desenho do qual me foge o primeiro traço. A quem importa, senão a mim, a aflição do cachorro?, a quem importa, senão a mim, a lua pregada no céu?, se inúmeras aflições e insônias essa mesma lua já testemunhou sobre a face da Terra.

6. Por isso, ainda que seja quase insuportável o exercício de rabiscar uma folha e explicitar o sentido de um gesto, pondero ser melhor início esquadrinhar o papel para conter o espaço (supor contê-lo) com perpendiculares e transversais, e, aos poucos, encurvar os traços verticais e assim direcionar o olhar à imprecisão da queda ainda só imaginada, conquanto não permita a geometria tal intuito, como se bastassem linhas para cercar o inapreensível.

7. Em minha mão, um lápis carcomido no qual o grafite, afiado, reluz estático.

8. Feitos com paus, pedras ou ossos, os petróglifos são incisões talhadas nas rochas. Nos painéis de Shuwaymis, os cães são profusos e acompanham os homens em ação. Vislumbra-se o adestramento desses animais tanto pelas funções que assumem quanto por linhas estendidas entre os pescoços dos cães e a cintura das figuras humanas, espécie de coleiras. Originário de Israel, a principal característica do Cão de Canaã é ser uma raça feral, isto é, após a domesticação, ter voltado ao estado selvagem. Nesse caso específico, estima-se que o processo ocorreu há mais de dez mil anos: os hebreus eram acompanhados por cães dessa raça no pastorear de rebanhos. O cerco romano à Jerusalém, em 63 a.C., devolveu esses animais ao deserto de Israel e à vida selvagem. Quinze anos perfazem sua expectativa de vida. No que tange a compleição, a altura e o peso são médios, a pelagem lisa, orelhas eretas, sendo a característica mais distintiva a cauda espessa com ponta curvada sobre as costas. Essa qualidade específica permite inferir serem cães de Canaã aqueles talhados nos petróglifos de Shuwaymis.

9. Em pouco a madrugada esmaecerá e um traço de sol repousará sobre essa folha provavelmente ainda em branco, e, somente então, alcançará o cão, cujos passos arrastados carregaram a madrugada nas inúmeras vezes em que se levantou descomposto, a coluna encurvada em parábola, os ossos do tórax em traços paralelos, as patas quase não aguentando o corpo. Desconheço sua origem, nosso encontro ocorreu ao acaso, e, por isso, em uma contagem imprecisa, infiro que o cão ultrapasse dezesseis anos. O porte pequeno e frágil, a pelagem ocre, irregular e desgrenhada, o prognatismo que desloca a mandíbula à frente da maxila, é inútil investigar as raças das quais decorre – galgo? terrier? – e nada posso para confortá-lo. Apenas ouço reverberarem seus ganidos no silêncio que antecede a manhã.

10. Talvez iniciar pelo rosto, lapidar com a paciência a pedra de um sorriso incerto, alinhar os olhos em diagonal projetando o corpo, ou, ao contrário, esboçar o queixo acentuado para cima, porque não convém penitência, ainda que seja um corpo grave por saber-se já em queda. Por isso, quem sabe, distorcer a anatomia para sugerir nervosismo aos braços estendidos e às pernas afastadas, extrapolar a proporção das mãos espalmadas e dos pés pontiagudos (eis o impulso), tangenciar o grotesco porque, apesar do equilíbrio, o arrebatamento deve reger o movimento. Deve?

11. Não se sabe o que motivava o homem neolítico a talhar rochas e compor petróglifos nem os usos desses desenhos. Tampouco compreendo a razão do que faço. A técnica e a estética pouco interessam, pois nada servem a questões sem respostas: o que de mim ficará nesse registro? Que pretensão mobiliza meu ato, como se meu lastro (a aflições e essas luas todas) figurassem parte ou exemplo da humanidade? Que homem sou entre os homens?

12. Por que razão me preocupo tanto com a permanência? Pois é disso que tratam, afinal, essas questões obviamente sem respostas, a hesitação que me paralisa.

13. Abandonar o corpo (o projeto, o intento) à tranquilidade de um esquecimento. Com traços breves e circulares, desenho o cão enrolado sobre si mesmo.

Maurício de Almeida é antropólogo e autor de Beijando dentes (Record, 2008), livro de contos vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2007, A instrução da noite (Rocco, 2016), romance vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2017 na categoria melhor livro do ano estreante com até 40 anos, e do livro de contos Equatoriais (Maralto Edições, 2023).

Pedro Gonçalves é ilustrador, quadrinista e mineiro de Belo Horizonte. Seu trabalho explora distorções anatômicas e cores vibrantes. Publicou de forma independente as HQs Desejo de licantropia (2023) e Sonhos intranquilos de um pós-apocalipse (2024).

PRESENTE ANCESTRAL

Em mais de seis décadas de carreira, ator e diretor Antônio Pitanga divide suas histórias enquanto celebra a beleza do agora

POR LUCAS ROLFSEN

Aatuação de Antônio Pitanga no longa-metragem Bahia de Todos os Santos (dirigido por Trigueirinho Neto, 1960) não foi apenas uma ocasião para o artista firmar uma parceria inesquecível com Glauber Rocha (1939-1981), que conheceu nos bastidores das filmagens, dando início à sua participação no movimento Cinema Novo, nas décadas de 1960 e 1970. Foi também com esse trabalho que Antônio Luiz Sampaio adotou seu sobrenome artístico, assumindo o nome de seu personagem no longa.

Ator e diretor, Pitanga atravessou sua carreira de mais de 65 anos como um artista indissociável da história cultural brasileira. No cinema, trabalhou em obras como Os fuzis (Rui Guerra, 1964), Zuzu Angel (Sérgio Rezende, 2006) e Oeste outra vez (Érico Rassi, 2024). Atrás das câmeras, dirigiu os longas Na boca do mundo (1979) e Malês (2024), título que marca seu retorno à direção após um hiato de mais de quatro décadas. Na televisão, atuou em dramaturgias desde os anos 1960, tendo integrado o elenco de telenovelas como A próxima vítima (1995), O clone (2001) e Celebridade (2003). Em 2019, sua jornada foi celebrada no Carnaval do Rio de Janeiro, no enredo Antônio Pitanga, um negro em movimento, da escola de samba Unidos do Porto da Pedra.

Como condensar a trajetória desse griô de 86 anos, nascido em Salvador (BA), no Pelourinho?

“Não sou o dono da verdade, sou um mensageiro, tenho uma missão. O maior e mais

importante aprendizado é jamais perder minha ancestralidade”, apresenta-se. “Continuo de pé, acreditando na força, no olhar, e na labuta, produzindo, trabalhando”, pontua o artista.

Neste Depoimento, Pitanga fala sobre sua vida em Salvador, as dificuldades de lidar com o mundo que se apresentava, suas visões e os caminhos que fizeram dele uma figura fundamental no audiovisual brasileiro. “Jamais me empolguei pela vitrine da sedução. Como lutador, a capoeira do Pastinha [Vicente Ferreira Pastinha, conhecido como Mestre Pastinha (1889-1981)] me serviu. Jogar bola três vezes por semana, ler, estar perto da minha história, isso é a coisa mais importante para me manter vivo”, destaca.

pelourinho

Sou filho de Maria da Natividade, uma mulher neta de um homem escravizado. Aos 12 anos, ela já era empregada doméstica. Quem nasce no Pelourinho, na Bahia, não nasce por acaso: até para me batizar, foi difícil. Minha mãe me batiza na única igreja construída pelos negros: a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos [criada em 1709]. Me colocou muito jovem na Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim, dos dez aos 15 anos. Saí munido de todas as profissões que você possa imaginar: marceneiro, carpinteiro, alfaiate. Aprendi linotipia, além de estudar e me formar no colegial. Fiz um concurso para o Telégrafo Inglês [The Western Telegraph Company]. Essa formação foi me dando estrutura e possibilidade para que fosse alguém.

pitanga

Me acho sempre inaugurador de amigos: Othon Bastos, Helena Ignez, João Augusto [João Augusto Azevedo Filho, autor, ator e diretor teatral (1928-1979)]. Vindo do trabalho [na Western] para casa, vi atores se movimentando em um clube onde negro não entrava. Esse universo me fascinou. Sem poder entrar, essa aproximação aconteceu esperando eles saírem [do clube]. Criou-se uma amizade, e fui convidado para o teste do filme Bahia de Todos os Santos, em 1958, para ser o [personagem] Pitanga. Nasce aí o Pitanga.

família glauber

O longa Bahia de Todos os Santos desencadeia o Cinema Novo: Glauber vai entrevistar o Trigueirinho, e surge uma amizade entre Glauber e eu, que me faz a pergunta clássica: “Você quer ser ator?”. Eu poderia ter dito: “Já sou ator, estou trabalhando”, mas falei: “Quero sim”. [Glauber disse]: “Você tem que fazer teatro”. Respondi que teatro era para rico, teatro era de tarde. Morava em pensão, minha mãe tinha acabado de morrer. Ele me levou para a casa da família [e me apresentou] à Dona Lúcia [Lúcia Mendes de Andrade Rocha (1919-2014)], ao pai, Adamastor, à irmã Anecy Rocha e à mulher, Helena Ignez. Isso tudo, para que eu tivesse garantida a refeição, antes de ir para a escola de teatro. corpo

Quando entro para o círculo dos amigos do Glauber, que eram: Jorge Amado (1912-2001), Carybé (1911-1997), Jean Pierre

NÃO SOU O DONO DA VERDADE, SOU UM MENSAGEIRO, TENHO UMA MISSÃO. O MAIOR E MAIS IMPORTANTE APRENDIZADO É JAMAIS PERDER MINHA ANCESTRALIDADE.
Antônio Pitanga em cena, no espetáculo Embarque imediato, em 2020, no Sesc Consolação, no qual contracena com o filho e ator Rocco Pitanga.

Verger (1902-1996), João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), me torno também uma cabeça pensante [do movimento Cinema Novo]. Sou convidado para fazer o [personagem] Firmino Bispo dos Santos [no filme Barravento (1962)] e tanto o Cinema Novo quanto a interpretação são inaugurais. Faço cinema antes do teatro, e tem ali, nos personagens que protagonizava, uma maneira que não é Brecht [Bertolt Brecht, dramaturgo e poeta alemão (1898-1956)], não é Stanislavski [Konstantin Stanislavski, ator, diretor, pedagogo e escritor russo (1863-1963)], não é Grotovski [Jerzy Grotowski, diretor polonês (1933-1999)]. É uma interpretação genuinamente brasileira: o corpo que dança, o corpo que grita, o corpo que fala.

identidade

O Cinema Novo era político e cultural, contra todo tipo de preconceito racial, feminicídio e invisibilidade. Entrei como uma ferramenta necessária: eu era, exatamente, o povo. Meu primeiro personagem é um líder sindical, no Bahia de Todos os Santos, do movimento dos estivadores. Se você vai entender o [personagem] Pitanga, nesse movimento inaugurador, ele não está sozinho. Em 1949, antes de ir para o colégio interno, vi [o grupo] Filhos de Gandhy. Não podia haver desfile de negros. Eles se reúnem, são estivadores e irrompem o coração da Bahia, em Salvador, com um desfile monumental. Você vai compondo, por meio de vivências, à sua maneira.

dança

Meu movimento foi esculpido por meio dessas situações que presenciei. Então, não é uma coisa solta, é um grito. Meu professor de capoeira foi um dos maiores professores de que pouco se fala: Mestre Pastinha. Meus personagens dançam e, pela minha dança, estou colocando alguma coisa. E eles foram muito importantes para a construção de uma interpretação cinematográfica genuinamente brasileira.

lutas

Você começa a entender, desde cedo, qual é o lugar do negro: existe lugar de negro? Estou falando do século 20, mas aqui no século 21, continua a mesma coisa. Nos pontos estratégicos de poder, o negro não está. Você encontra um aqui, outro ali. A gente nem percebe. Acabei de fazer um filme chamado Malês (2024), e têm reitores que não sabem da rebelião de escravizados. A população brasileira não sabe que já tivemos um presidente negro no Brasil chamado Nilo Peçanha (1867-1924), em 1909, não tem isso no currículo, não está na banca dos saberes.

juventude

Com o seu aguçamento, a juventude me possibilita banhar nesse movimento e não ficar no passado. Meu tempo é hoje. Eu trago a memória do passado, mas vivo o hoje e tenho uma relação que me engrandece, me enriquece e até rejuvenesce. Essa juventude tem feito exatamente isso: me recebido para dialogar, interagir. E eu não venho como o dono da verdade.

família

Eduquei os meus filhos, dona Camila e seu Rocco Pitanga, porque me separei muito cedo e, na conversa que tive com a Vera Manhães, que é a mãe dos dois, ela me disse: “Pitanga, você tem melhores condições econômicas e, psicologicamente, está melhor do que eu, por que esse negócio de separar e a mãe ter que ficar com os filhos? Por que você não fica?”. Então, de repente, em 1986, eu estava com duas crianças. Comprei uma casa. Procurei um bom advogado. Tinha um irmão [de consideração], que já nos deixou, o Ziraldo (1932-2024). Conversando com ele, disse: “Se eu morrer, você vai tomar conta das crianças e da casa deles”.

longevidade

A velhice pode estar depositada em um corpo de 32 anos, na pessoa que desiste de tudo. É um comportamento que você constrói: não é porque tem rugas, cabelo branco, que é velho. É a tua cabeça que envelhece. O teu corpo só vai envelhecer se sua cabeça permitir. Eu não tenho tempo para isso: dizer que a velhice me cansa, me dá reumatismo. Acho que fui atropelando tudo isso que a carcaça permite.

Assista a trechos desse Depoimento com o ator Antônio Pitanga, realizado no Sesc Campo Limpo, em junho de 2025.

ALMANAQUE

Ao infinito e além

Em meio às transformações da cidade de São Paulo, novos traços desenham horizontes que surpreendem moradores e turistas

São Paulo é uma cidade em mutação. Percorrer suas ruas, cruzando suas ermas vielas ou grandes avenidas, é frequentemente se deparar com o novo, com espaços que atravessam o tempo se reconstruindo, modificando e sendo modificados pelas gentes que os desbravam, por suas relações e afetos. Se a poesia concreta brota de suas esquinas, nasce um convite para a prosa em seus horizontes infinitos, ora emoldurados por janelas de metrôs, carros e ônibus; ora vistos de prédios comerciais e de lares; por vezes imensos ou interrompidos por paredões de concreto.

Para além da garoa, os aléns de São Paulo também se transformam, acompanhando o movimento urbano, os anseios daqueles que reconstroem o hoje com olhos no amanhã. Tons de verde se misturam aos cinzas das construções, acolhidos pelo céu que se transmuta. Mirar os horizontes paulistanos é imaginar o porvir de tempos que amanhecem. Neste Almanaque, apresentamos horizontes paulistanos, vislumbrando o infinito dos seus tempos e espaços.

Moradores e turistas se reúnem na Praça Pôr do Sol, no Alto de Pinheiros, zona Oeste da cidade, para contemplar as nuances do fim de tarde.

Vegetação nativa faz a moldura para diferentes paisagens no Sesc Interlagos.

HORIZONTE NATURAIS

Visitantes de todas as idades podem desfrutar da programação, dos serviços e dos espaços do Sesc Interlagos, unidade parque com 453 mil metros quadrados e que completa 50 anos em 2025. Além do contato com a natureza em espaços lúdicos que promovem diferentes estímulos e vivências, famílias são convidadas a imergir em um oásis verde na zona Sul da cidade.

Lá é possível deixar os olhos viajarem pelo horizonte diante do lago e da represa Billings, observar pequenos animais que habitam a vegetação de Mata Atlântica e admirar o firmamento.

Sesc Interlagos. Av. Manuel

Alves Soares, 1100 - Parque Colonial, São Paulo - SP. sescsp.org.br/interlagos

ALMANAQUE

ENCONTRAR O CÉU

O Pico do Jaraguá, ponto mais alto da cidade, está na zona Oeste de São Paulo com 1.135 metros de altitude. O local turístico está situado no Parque Estadual do Jaraguá, área de conservação que protege os resquícios de Mata Atlântica da região. Pelas trilhas e mirantes do parque, o visitante tem contato com espécies da fauna e da flora do bioma, enquanto desfruta de uma vista panorâmica da cidade de São Paulo, observando horizontes onde o verde encosta no céu.

Pico do Jaraguá. Rua Antônio Cardoso Nogueira, 539, Vila Chica Luisa, São Paulo - SP. picodojaragua.com.br

SOB O CREPÚSCULO

No Alto de Pinheiros, na zona Oeste de São Paulo, o horizonte da Praça Pôr do Sol (Praça Coronel Custódio Fernandes Pinheiros) é um convite para se reunir com a família e os amigos e contemplar o entardecer, muitas vezes marcado por um céu com diferentes tonalidades de cores. Aos finais de semana, é comum encontrar grupos de todas as idades em áreas gramadas, em meio a árvores remanescentes da Mata Atlântica, onde cantam pássaros desse bioma. A praça oferece pistas para caminhada, parquinho e muretas de cimento para se sentar. O passeio pode ser complementado com visitas a pontos turísticos da região, como o Instituto Tomie Ohtake, a Praça Panamericana e o Beco do Batman.

Praça Pôr do Sol. Praça Coronel Custódio Fernandes Pinheiros, 334 - Alto de Pinheiros, São Paulo - SP. pracapordosol.com

A perspectiva de uma maquete surpreende os visitantes que sobem ao Pico do Jaraguá para observar a cidade de São Paulo de outro ângulo.

Da Serra da Cantareira, é possível avistar o desenho de um horizonte que intercala edifícios e morros, onde sobressai um céu multicor.

ACOLHIDO PELA NATUREZA

Na zona Leste de São Paulo, o Parque Ecológico do Tietê é uma oportunidade para toda a família caminhar, andar de bicicleta, fazer piqueniques e desfrutar dos horizontes verdes da cidade. Inaugurada em 1982, com projeto paisagístico do arquiteto Ruy Ohtake (1938-2021), a área de proteção ambiente está localizada na várzea do Rio Tietê e oferece uma opção de lazer construída em um contexto de combates a inundações. Entre quatis, macacos-prego e outros animais que habitam o parque, o visitante pode admirar um cenário, onde a natureza é protagonista.

Parque Ecológico do Tietê.

Rua Guirá Acangatara, 70 –Engenheiro Goulart, São Paulo - SP. parqueecologicodotiete.com.br

DO ALTO DAS PEDRAS

Na Serra da Cantareira, zona Norte da capital, estão horizontes que atraem milhares de visitantes, todos os anos, graças à beleza natural. Um dos passeios mais procurados é o núcleo Pedra Grande, com quatro trilhas de diferentes níveis de dificuldade, incluindo trajetos que variam de aproximadamente 300m a outros mais íngremes, com mais de 9km. Do alto, é possível contemplar a natureza e a vista de áreas urbanas.

Parque Estadual da Cantareira. R. do Horto, 1799 - Horto Florestal, São Paulo – SP. guiadeareasprotegidas. sp.gov.br/parqueestadual-cantareira

de preservação ambiental, o Parque Ecológico do Tietê é uma alternativa de lazer e fruição de área verde preservada.

Área

Somos todos bailarinos

Ato 1

A primeira lembrança que tenho da dança sou eu, muito pequeno, dançando em frente à televisão. Lembrança essa confirmada pela minha mãe. Depois vieram os bailes nas festas de casamento, aniversários, escola e festas juninas. Eu, sempre dançando. Daí para uma sala de aula de dança clássica (não havia outras práticas àquela época) foi um passo. O primeiro espetáculo de dança a que assisti, num teatro, foi Do homem ao poeta, da Cisne Negro Cia. de Dança. Na época, década de 1980, eu já fazia aulas de dança e meu contato se deu, primeiramente, pela prática. Depois, pela experiência como público. No começo, eu mais dançava do que assistia à dança. Falta de informação, questões econômicas e de locomoção, entre outros fatores, dificultavam o acesso aos espetáculos. Depois, comecei a frequentar os teatros, mais como público do que como praticante de dança e, aos poucos, descobri outros modos de vivenciar a dança, seja praticando, assistindo, discutindo, pensando ou escrevendo a respeito.

Ato II

Cena 1 – Sesc Interlagos (1999/2000)

Após uma apresentação dos alunos da Escola Municipal de Bailado de um espetáculo do repertório dos balés românticos, uma senhora, saindo do teatro, aos prantos, me confessou:

Foi a coisa mais linda que vi em toda a minha vida!

Cena 2 – Sesc Pompeia (2001/2002)

Um menino que vendia balas em frente ao Sesc, na área de Convivência, sentado no chão, ao lado da caixa de balas, assistia, com os olhos vidrados, à Ruth Rachou falando sobre Martha Graham, enquanto bailarinos demonstravam a técnica moderna desenvolvida pela artista.

Cena 3 – Sesc Santo Amaro (2018/2019)

Numa intervenção de dança, durante a Virada Cultural, vários cadeirantes e pessoas neurodivergentes dançavam com os bailarinos, com as crianças e funcionários em um grande baile.

Cena 4 – Em qualquer lugar e em qualquer tempo do século 20/21

Após um espetáculo de dança(s) contemporânea(s):

Não entendi nada!

Eu também não, mas adorei!

Ato III

Há diversas maneiras pelas quais as pessoas podem se relacionar com a(s) dança(s). A relação pode começar pela experiência sensível, no sentido da beleza percebida pelo espectador. Pode partir de uma vivência corporal, ou seja, pela prática do movimento; pode se dar pela busca de um entendimento, ao querer dar um sentido àquela manifestação, ali apresentada, e que, por sua vez, provoca e exige outras formas de entendimento. Não importa por qual entrada a dança nos afeta, o que importa é que ela nos faz sentir – bem ou mal; gostar ou não; entender ou instigar sentidos. Pensar, experimentar, ler e escrever, assistir à dança são as diversas maneiras da dança existir e resistir. Assim, somos todos bailarinos.

Ato IV

Termino esse experimento coreográfico-discursivo pois preciso ir para a aula de dança. Até o próximo ato e a próxima dança.

Marcos Villas Boas é praticante, público e pensador de dança. Formado em filosofia e linguística, mestre em comunicação e semiótica. Atua na área de programação de dança do Sesc São Paulo desde 1998.

sescsp.org.br

CONHEÇA O 24 DE MAIO
Nelson Kon (foto); Estúdio Thema (colagem)

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