Revista E - Novembro 2025

Page 1


Revista E | novembro de 2025 nº 5 | ano 32 | edição especial

COP30 Brasil

Nilson Gabas Junior aponta desafios do país no evento

Casa sustentável Como arquitetura e urbanismo respondem à crise climática

Cinema verde Produções audiovisuais refletem sobre o meio ambiente

Sebastião Salgado

Por trás das lentes, fotógrafo viu a essência da natureza

Apresentações, debates, cursos, oficinas e feiras que celebram as produções culturais de adolescentes e jovens como potências criativas e transformadoras.

sescsp.org.br/juventudesarteterritorio

MAIS DE 50 ATIVIDADES EM 26 UNIDADES DO SESC SÃO PAULO COM

GEOVANI MARTINS | JUVI

CHAGAS

AYOMI DOMENICA | TASHA & TRACIE

BATALHA DA ALDEIA | SIDNEY SANTIAGO

VITOR BRITTO | ANDREZA DELGADO

MESSIAS FERREIRA

NGKS | MALOKAS SP | MICROFONE ABERTO | KATMIRA

FRREDA | TAWANE THEODORO | POETA GABRIELA

COLETIVO FUTURE K

NICOLE AMARAL | PEDRO CAMPANA | DIKO LOPES NEGUEBA J SHEIIK | LPT ZLATAN

FAVELA MOVE | A COLETIVA | ESQUADRILHA MARGINALIA | JUPTA | MEFURIA DJ URU | MC TH | MC DAMA DA LUA | JUJU SARAIVA | MAX B.O E MUITO MAIS!

Leia também a revista em versão digital na sua plataforma favorita:

Portal do Sesc (QR Code ao lado)

CAPA: Detalhe de uma folha com líquen, na Reserva Natural Sesc Bertioga. Condições ambientais específicas, como baixa luminosidade e alta umidade, favorecem o desenvolvimento de líquens, bioindicadores da qualidade do ar. Essas sucessões em que um organismo cresce por cima do outro caracterizam a vida na Mata Atlântica. Foto realizada na Reserva Natural Sesc Bertioga. Aprecie outras imagens desse ensaio fotográfico na seção

Gráfica desta edição.

Crédito: Nilton Fukuda

APP Sesc São Paulo para tablets e celulares

Legendas Acessibilidade

Compromisso com a sustentabilidade

O Sesc – Serviço Social do Comércio tem como missão promover o bem-estar dos trabalhadores do comércio, serviços e turismo, bem como de seus familiares. Criado em 1946 por iniciativa dos empresários do setor, atua de forma contínua para oferecer qualidade de vida ao seu público prioritário e à comunidade em geral, por meio de uma programação diversificada nas áreas de lazer, cultura, esportes, turismo, saúde e alimentação.

Esse propósito se concretiza nas ações desenvolvidas nos centros culturais e esportivos distribuídos por todo o estado, que oferecem cursos, oficinas, debates, encontros e apresentações artísticas. Todas as atividades são pautadas pela valorização da diversidade, pelo estímulo aos múltiplos saberes e pela promoção do convívio social.

Comprometido com o presente e o futuro do planeta, a entidade adota a sustentabilidade como um de seus eixos estruturantes. Em suas unidades, práticas de gestão ambiental, projetos de educação voltados à preservação dos recursos naturais e ações que incentivam hábitos conscientes, reforçam o compromisso da instituição com a construção de um mundo mais equilibrado e solidário.

Em estabelecimentos de uso coletivo é assegurado o acompanhamento de cão-guia. As unidades do Sesc estão preparadas para receber todos os públicos.

Ao investir de forma permanente em iniciativas que integram cultura, educação, cidadania e sustentabilidade, o Sesc reafirma sua contribuição para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, próspera e humana.

Abram Szajman Presidente do Conselho Regional do Sesc no Estado de São Paulo

Planeta, a casa de todos nós

A pauta da sustentabilidade se impõe como uma das mais urgentes do nosso tempo. A crise climática e seus impactos evidenciam a necessidade de repensarmos hábitos, modos de produção e formas de convivência. Mais do que um conceito, sustentabilidade é hoje um compromisso ético com o presente e com as gerações futuras. Um chamado à ação que envolve governos, empresas, instituições e cada cidadão.

Nesta edição especial da Revista E, a sustentabilidade é abordada de modo abrangente e ampliado. Nas diferentes seções, o tema é destacado a partir de perspectivas e recortes distintos, demonstrando a transversalidade da pauta ambiental. Uma das reportagens apresenta iniciativas que surgem nas cidades, especialmente nos setores da arquitetura e do urbanismo, apontando caminhos para mitigar os efeitos da crise climática e buscar soluções para uma vida mais equilibrada e harmônica com o meio ambiente.

São projetos que inspiram, mostram soluções possíveis e reforçam a importância da criatividade e da colaboração na construção de espaços mais humanos e sustentáveis. Afinal, diante desse grande desafio contemporâneo, é necessário reafirmar a potência da força transformadora do conhecimento e da ação coletiva na busca por um futuro mais justo, solidário e sustentável. Boa leitura!

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC

Administração Regional no Estado de São Paulo Av. Álvaro Ramos, 991 – Belenzinho

CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO

Presidente: Abram Abe Szajman

Diretor do Departamento Regional: Luiz Deoclecio Massaro Galina

Efetivos: Arnaldo Odlevati Junior, Benedito Toso de Arruda, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, José Roberto Pena, Manuel Henrique Farias Ramos, Marcus Alves de Mello, Milton Zamora, Paulo Cesar Garcia Lopes, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva, Valterli Martinez, Vanderlei Barbosa dos Santos.

Suplentes: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Antonio Cozzi Junior, Antonio Di Girolamo, Antônio Fojo Costa, Antonio Geraldo Giannini, Célio Simões Cerri, Cláudio Barnabé Cajado, Costabile Matarazzo Junior, Edison Severo Maltoni, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vilter Croqui Marcondes, Vitor Fernandes, William Pedro Luz.

REPRESENTANTES JUNTO AO CONSELHO NACIONAL

Efetivos: Abram Abe Szajman, Ivo Dall’Acqua Junior, Rubens Torres Medrano Suplentes: Álvaro Luiz Bruzadin Furtado, Marcelo Braga

CONSELHO EDITORIAL | Revista E Adriana Martins Dias, Alessandra Gonçalves da Silva, Aline Ribenboim, Ana Cristina Amaia Batista Mendes de Souza, Ana Paula Neves Cabral de Vasconcellos, Antônio Carlos F Barbosa, Barbara Caroline da Silva Ramos de Freitas, Bruno Salerno Rodrigues, Cinthya de Rezende Martins, Cleizer Aliete Marques de Moraes, Corina de Assis Maria, Cristiane Toshie Komesu, Cristina Berti Ribeiro, Danilo Cymrot, Diego Polezel Zebele, Elisangela da Silva Pimenta, Fabia Lopez Uccelli dos Santos, Fernanda Porta Nova Ferreira da Silva, Flavio Aquistapace Martins, Francine Sayuri Segawa, Francisca Meyre Martins Vitorino, Gabriela Camargo das Graças, Geraldo Soares Ramos Junior, Gleiceane Conceição Nascimento, Gustavo Faria, Helton Henrique Cassiano, Henrique Sampaio dos Santos, Ivan Lucas Araujo Rolfsen, Ivy Beritelli Jose de Souza, Ivy Granata Delalibera, Jacy Helena Almeida Silva, Janaina Welle, Joana Rocha Eça de Queiroz, Juliana Fernandes Silveira, Juliana Goncalves Ramos, Juliana Neves dos Santos, Lara Fernandes Andrade Teodoro, Leandro Aparecido Pereira, Leonardo Calix Soares, Marcelo Baradel, Maria Rizoneide Pereira dos Santos, Mariane Cristina dos Santos, Marina Borges Barroso, Milena Ostan da Luz, Olga Balboni, Priscila dos Santos Dias, Renata Barros da Silva, Renata Crivoi de Castro, Ricardo Lemos Antunes Ribeiro, Sandra Ribeiro Alves, Sara Maria da Silva, Sheila Mara Travain, Talita Ferreira dos Santos, Thiago da Silva Costa, Wendell de Lima Vieira.

Coordenação-Geral: Ricardo Gentil

Coordenação-Executiva: Ligia Moreli e Silvio Basilio

Editora-Executiva: Adriana Reis Paulics • Edição de Arte e Diagramação: Lucas Blat • Edição de Textos: Adriana Reis Paulics, Marcel Verrumo, Maria Júlia Lledó e Rachel Sciré • Revisão de Textos: Pedro P. Silva • Edição de Fotografia: Nilton Fukuda • Repórteres: Adriana Terra, Ligia Scalise, Lilian Silva, Lucia Nascimento, Luna D’Alama, Maria Júlia Lledó, Marina Pereira e Rachel Sciré • Coordenação Editorial

Revista E: Adriana Reis Paulics, Marina Pereira, Marcel Verrumo e Rachel Sciré • Propaganda: Edmar Júnior, Jefferson Santanielo, Julia Parpulov e Vitor Penteado • Apoio Administrativo: Juliana Neves dos Santos e Talita Ferreira dos Santos • Arte de Anúncios: Alexandre Amaral, Gabriela Batista Borsoi, Glauco Gotardi, Leandro Vicente, Michel Jesus, Ricardo Kawazu, Rodrigo Losano e Wendell de Lima Vieira • Supervisão Gráfica: Rogerio Ianelli • Criação Digital Revista E: Cleber Paes e Rodrigo Losano • Circulação e Distribuição: Vanessa Zago

Jornalista responsável: Adriana Reis Paulics (MTB 37.488).

A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social

Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios. Esta publicação está disponível para retirada gratuita nas unidades do Sesc São Paulo e também em versão digital, em sescsp.org.br/revistae e no aplicativo Sesc SP para tablets e celulares (Android e IOS). Fale conosco: revistae@sescsp.org.br

Diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi e membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Nilson Gabas Junior fala sobre bastidores e expectativas da COP30 Entre os destaques de novembro, o Circuito Sesc de Esportes realiza sua primeira edição em 36 cidades no estado de São Paulo, com atividades para todos os públicos

Propostas adotadas pela arquitetura e urbanismo respondem à necessidade de adaptação das cidades frente aos efeitos da crise climática

Ao fazer denúncias ou fabular futuros possíveis, produções audiovisuais dedicam-se a questões ambientais e buscam sensibilizar novos públicos

dossiê entrevista arquitetura

O legado do fotógrafo e cofundador do Instituto Terra, Sebastião Salgado, que retratou rincões do planeta e nuances da humanidade

Banho de floresta em passeio visual pela Reserva Natural Sesc Bertioga, uma das últimas áreas contínuas de Mata Atlântica no litoral paulista

Nilton Fukuda (Entrevista e Gráfica); Matheus José Maria (Bio)

Artigos de Luiz

Roberto Ramos e JP Amaral apresentam reflexões e soluções diante do aquecimento global e seus efeitos sobre infância e velhice

Arquiteta e articuladora ambiental, Eduarda Batista fala sobre justiça climática, direito à moradia e presença das mulheres no debate político das agendas ambientais

Paulo Bruno (HQ)

em pauta encontros inéditos

Jornalista e cofundadora da agência Amazônia Real, Kátia Brasil joga luz para a urgência de novas coberturas midiáticas capazes de escutar a voz de lideranças indígenas e quilombolas

Do futebol ao samba, conheça a importância cultural das várzeas de São Paulo, territórios que preservam a identidade e a história da cidade

Giuliana Pereira Agnelli Estrella

No espetáculo EXÓTICA – On the Brown History of European Dance [EXÓTICA – Sobre a História Racializada da Dança Europeia], a diretora Amanda Piña invoca artistas que fizeram sucesso nos palcos europeus do início do século 20, como La Sarabia (1878-1988), Nyota Inyoka (1896-1971), François “Féral” Benga (1906–1957) e Leila Bederkhan (1903-1986). Como num teatro de variedades, decorado por uma recriação do clássico cenário de ópera, os performers se alternam em cenas para resgatar o legado de criadores que tiveram suas trajetórias apagadas da narrativa em torno da dança ocidental, percebidos como "exóticos" por não serem brancos. A produção foi apresentada nos dias 4 e 5 de outubro, no Teatro Municipal José de Castro Mendes, em Campinas, pela Bienal Sesc de Dança 2025.

MOVIMENTO QUE APROXIMA

Aulas abertas, vivências, torneios e encontros com atletas acontecem em 36 cidades da Grande São Paulo, interior e litoral do estado. Uma programação diversa, com modalidades olímpicas e paralímpicas, gratuita para todas as pessoas. atletismo basquete futebol ginástica artística ginástica rítmica judô skate tênis de mesa vôlei vôlei de praia

sescsp.org.br/circuitosescdeesportes

SINDICATOS DO COMÉRCIO DE BENS, SERVIÇOS E TURISMO PREFEITURAS MUNICIPAIS

DOSSIÊ

Ações voltadas à atividade física e práticas esportivas chegam a diversas cidades paulistas na 1ª edição do Circuito Sesc de Esportes

Encontro marcado com os esportes

Circuito Sesc de Esportes desembarca em cidades do interior, litoral e Grande São Paulo com uma programação para todos os públicos

De 6/11 a 14/12, o esporte será protagonista em 36 cidades do estado de São Paulo. A 1ª edição do Circuito Sesc de Esportes visa ampliar o acesso e incentivar a prática de esportes e atividades físicas em localidades no estado que não contam com unidades do Sesc. O Circuito oferece vivências esportivas em diversas modalidades, como atletismo, judô, basquete, vôlei, futsal, natação, skate, tênis de mesa e ginásticas (rítmica e artística), além de suas versões paralímpicas. Também serão realizados bate-papos com atletas e especialistas. As atividades são voltadas para todos os públicos, desde crianças a idosos.

“O Circuito Sesc de Esportes tem como prioridade promover ações que fortalecem vínculos comunitários, ampliam a presença do Sesc em novos territórios e reforçam o compromisso de democratizar o esporte como direito de todos”, reforça Carol Seixas, gerente da Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo do Sesc São Paulo.

Cada unidade do Sesc participante do Circuito realiza uma programação esportiva para, pelo menos, uma cidade de seu entorno. Ao longo de mais de 30 dias de evento, grandes nomes do esporte estarão presentes na programação,

como Fofão, do vôlei, Janeth, do basquete, Pâmela Rosa, do skate, Alisson, do vôlei de praia, Julia Soares, da ginástica artística, e Luizão, do futebol. Com o tema Movimento que aproxima, o Circuito Sesc de Esportes busca estimular o bem-estar e a vida ativa, reafirmando o papel da instituição como parceira das comunidades na promoção do esporte, da saúde e da integração social.

O Circuito Sesc de Esportes tem como prioridade promover ações que fortalecem vínculos comunitários e reforçam o compromisso de democratizar o esporte como direito de todos

Carol Seixas, gerente da Gerência de Desenvolvimento FísicoEsportivo do Sesc São Paulo

DOSSIÊ

GIRO DE EXPOSIÇÕES

O Sesc Avenida Paulista abre no dia 14/11 a exposição Cartas à Memória, que se debruça sobre historicidade da identidade asiática. A mostra soma-se a outras três exposições que também entraram em cartaz neste mês nas unidades do Sesc na capital. Em Antípodas – Tão distantes, tão próximos, no Sesc Vila Mariana, celebram-se os 130 anos do Tratado de Amizade Brasil-Japão, conectando os países por meio da intersecção entre arte, tecnologia, ciência e sociedade. No Sesc Ipiranga, Letras & Filetes: Memória afetiva e latinidades

apresenta o universo das letras pintadas à mão, historicamente presentes nos cartazes de mercado, nas carrocerias de caminhões e nas embarcações ornamentadas. Após temporada no Museu de Arte do Rio (MAR) e no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab), Ònà Irin: caminho de ferro desembarcou no Sesc Belenzinho. Mostra individual da artista Nádia Taquary, ela parte da joalheria afro-brasileira para entrelaçar arte contemporânea, ancestralidade e espiritualidade. Saiba mais em sescsp.org.br/exposicoes

RAÍZES NO TURISMO

Desde outubro, o Sesc Registro realiza o projeto Rotas de Memória e Turismo de Base Comunitária no Vale do Ribeira, para fortalecer o protagonismo e as identidades culturais de comunidades tradicionais – indígenas, quilombolas, caiçaras, ribeirinhas e caboclas. Além disso, o projeto promove a preservação do patrimônio natural e cultural da região. A programação inclui cursos, oficinas e mapeamentos que abordam o Turismo de Base Comunitária como prática de autogestão e valorização dos territórios. As ações são parte do projeto nacional Sesc Raízes, que propõe processos educativos dedicados à sustentabilidade, memória e fortalecimento das comunidades locais, e também dos mestres e mestras da cultura, artesãs e artesãos, monitores ambientais e agentes da cultura regional. Confira a programação em sescsp.org.br/registro

Saúde sexual

De 25/11 a 6/12, o Sesc São Paulo promove o projeto Contato –Ações para promoção da saúde sexual e prevenção das ISTs e aids. Atividades gratuitas em diversas unidades destacam a importância do acesso a informações sobre saúde, atualizadas e confiáveis. Trazem também a importância do direito à expressão, à segurança, ao acolhimento e ao respeito em todas as relações, além da promoção de saúde sexual, considerando a diversidade e os diferentes ciclos de vida de cada pessoa. A obra do artista plástico Leonilson (1957-1993), a criação de projetos culturais e a sexualidade depois dos 50 anos estão entre os temas de intervenções, rodas de conversa e oficinas que compõem a programação. Mais informações em sescsp.org.br/contato

Cursos, oficinas e outras ações fazem parte da programação do projeto Rotas de Memória e Turismo de Base Comunitária no Vale do Ribeira, realizado pelo Sesc Registro.

Em Cartas à memória, no Sesc Avenida Paulista, o público encontrará fotografias, registros audiovisuais, pinturas, documentos e esculturas.

DOSSIÊ

PROTAGONISMO JUVENIL

Diferentes manifestações das culturas juvenis ganham destaque no projeto Juventudes: Arte e Território, que ocorre de 29/11 a 7/12. A programação reafirma o compromisso com a valorização das expressões artísticas e culturais produzidas por jovens

de diversos territórios, trazendo a pluralidade das juventudes contemporâneas. No Sesc Belenzinho, a abertura reúne uma mesa de conversa com Juvi Chagas, Ayomi Domenica, Vitor Britto, além do show da dupla Tasha & Tracie. Apresentações, debates, cursos, vivências, oficinas, feiras e outras atividades integram a programação realizada em 24 unidades do Sesc São Paulo na capital e no interior. Confira em sescsp.org. br/juventudesarteeterritorio

Em cartaz no Sesc Consolação, o musical Jeca – Um povo ainda há de vingar, do Grupo 59 de Teatro, traz personagens e cenários inspirados nas letras do álbum Refazenda (1975) de Gilberto Gil.

Refazenda em musical

O álbum Refazenda , lançado por Gilberto Gil há 50 anos, inspirou o Grupo 59 de Teatro na montagem de Jeca – Um povo ainda há de vingar , musical original em cartaz no Sesc Consolação até 23/11. No espetáculo, personagens, paisagens e situações descritas nas letras das canções do álbum de Gil ganham vida no palco. Jeca é a jornada de um homem do povo a partir da

conexão com suas origens. Com 10 atores e quatro músicos em cena, a peça tem direção de Kleber Montanheiro, dramaturgia de Lucas Moura da Conceição, poemas cênicos de Marcelino Freire e direção musical de Marco França. Todas as canções são interpretadas ao vivo, além de composições autorais em diálogo com as faixas do álbum. Saiba mais em sescsp.org.br/consolacao

FAÇA SUA CREDENCIAL PLENA

A Credencial Plena do Sesc é um benefício gratuito para pessoas com registro em carteira, que são estagiárias, temporárias, se aposentaram ou estão desempregadas há até dois anos em empresas do comércio de bens, serviços e turismo e seus dependentes familiares. Com a Credencial Plena você tem acesso prioritário e descontos na programação e serviços pagos do Sesc.

Qual é a validade da Credencial Plena?

A Credencial Plena tem validade de até 2 anos - para estagiários a validade da Credencial corresponde ao período de vigência do estágio e para desempregados a validade é de até 24 meses após a baixa na carteira de trabalho.

Como fazer a Credencial Plena?

On-line pelo aplicativo

Credencial Sesc SP ou pelo site centralrelacionamento.sescsp.org.br Se preferir, nesses mesmos canais, é possível agendar horários para realização desses serviços presencialmente, nas Centrais de Atendimento das unidades.

Quem pode ser dependente na Credencial Plena?

• Cônjuge ou companheiro

• Filhos, enteados, irmãos e netos até 20 anos ou até 24 anos, se estudantes

• Pai e mãe

• Padrasto e madrasta

• Avôs e avós

Relacionamento com Empresas

É o programa que facilita o acesso ao credenciamento dos funcionários das empresas parceiras dos ramos do comércio de bens, serviços e turismo. Nessa parceria, além do credenciamento, os aproximamos de nossa vasta programação e serviços. Saiba mais em sescsp.org.br/empresas

Acesse o texto "Tudo o que você precisa saber sobre a Credencial Plena do Sesc"

Ricardo Ferreira

80 anos do Teatro Experimental do Negro (TEN)

Criado por Abdias Nascimento, o grupo teatral TEN foi um projeto revolucionário que fez do palco um espaço de resistência, contestando o mito da democracia racial no Brasil e ampliando os caminhos para a luta antirracista e a representatividade negra nas artes cênicas do país.

apoio cultural e pesquisa: coedição:

Em clima de COP30

Diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, Nilson Gabas Junior revela bastidores da Conferência do Clima da ONU e adianta como deve ser a participação e os desafios do Brasil no evento

Com a aproximação da COP30, a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada de 10 a 21 deste mês, em Belém, no Pará, aumentam o interesse sobre o evento e a curiosidade a respeito de seus possíveis desdobramentos. A Conferência das Partes (Conference of the Parties, em inglês) é considerada um dos principais espaços de debate sobre o clima no mundo. Negociações relevantes como o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris foram firmadas nessas conferências, cuja realização deve reunir países dedicados a discussões de medidas de enfrentamento à crise climática.

Na cidade sede, alguns espaços precedem a atmosfera do evento. Exemplo disso é o Museu Paraense Emílio Goeldi, um dos principais centros de pesquisa e divulgação de ciência na Amazônia, que recebe mais de 500 mil visitantes anualmente. Desde 2024, esse equipamento público promove uma série de seminários preparatórios e articulações para a realização da COP. Durante a conferência, aliás, essa instituição será um ambiente estratégico, recebendo embaixadas estrangeiras, a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), o BID

(Banco Interamericano de Desenvolvimento), a OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), além de órgãos brasileiros, incluindo a equipe do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Diretor no terceiro mandato do Museu Paraense Emílio Goeldi, além de membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pesquisador titular do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Nilson Gabas Junior participou do Fórum Movimentos pela Regeneração – em direção à COP30, no Sesc Pinheiros, evento no qual tratou dos desafios do Brasil no enfrentamento às mudanças climáticas.

Nesta Entrevista, Gabas Junior, que é jornalista por formação, doutor com dois pós-doutorados e estudioso da área de linguística indígena, reflete sobre o significado desta COP para a agenda climática e para o Brasil, especialmente para o território amazônico. Também compartilha bastidores do evento e aborda como instituições científicas nacionais, a exemplo do Museu Paraense Emílio Goeldi, têm contribuído com a mitigação das mudanças climáticas.

A conservação não pode estar desatrelada do desenvolvimento.
É esse ponto de equilíbrio que a gente está tentando encontrar.

O que significa a COP30 ser sediada na capital paraense, na região amazônica, onde está a maior floresta tropical do planeta?

Se você comparar esta COP com as demais, a gente está falando de um evento com um contexto específico. O mundo vem passando por uma transformação muito rápida de dez anos para cá em termos de emissão de CO₂. Posso até chamar de descaso com o meio ambiente. As pessoas não estão prestando atenção nele e ele está gritando para nós. O fato de a Conferência do Clima ser em Belém, na Amazônia, e de as comunidades tradicionais estarem se preparando para participar dela, de uma maneira contundente, vai fazer com que essa COP seja distinta de todas as outras. Espero que o nível das discussões leve em consideração as demandas dos povos tradicionais. E me refiro não apenas aos povos tradicionais da Amazônia, mas aos povos tradicionais que habitam florestas tropicais no mundo todo. Isso porque, nelas, as mudanças climáticas são mais acentuadas ou têm uma capacidade maior de mitigação caso sejam preservadas. Lembrando que, nesses lugares no mundo, há populações relativamente densas.

Qual é a sua maior expectativa para esse evento?

Minha expectativa é de uma participação popular das comunidades que são e têm sido diretamente afetadas pelas mudanças climáticas. Nós tivemos, nos dois últimos anos, as duas maiores secas na Amazônia, o que foi catastrófico para as comunidades ribeirinhas, que vivem do extrativismo, da produção de farinha e de açaí, da retirada do peixe. Isso teve um impacto muito forte. O governo teve que entrar com programa assistencial para poder ajudar essas pessoas a sobreviverem. Essas pessoas, que são as mais afetadas, têm consciência de que você precisa ter um embasamento científico na tomada de decisões.

Quais são os desafios enfrentados por essas populações que vivem em florestas tropicais e o que o senhor tem visto em relação a elas nas preparações para a COP30?

Tomando como exemplo a Amazônia, trata-se de um local de acesso e de infraestrutura difíceis. Não dá para construir uma estrada onde você quiser. Já começa daí a problemática de transporte dessa região. Então, as demandas por infraestrutura, escola, internet, energia, por capacidade de desenvolvimento a partir do conhecimento tradicional imbricado com o conhecimento científico são coisas que têm sido pensadas e discutidas. Tenho visto, nas preparatórias para o evento, encaminhamentos e propostas de solução nesse sentido. Se essas discussões forem seriamente conduzidas, a COP30 tem tudo para ser um ponto que desperte o mundo em relação à consciência ambiental.

Como o Brasil poderá contribuir com a conferência?

O Brasil tem muito a ensinar a outros países em termos de legislação ambiental. Somos um país cujas leis e regras são bastante fortes e contundentes. Existem tentativas espúrias de usar e abusar do meio ambiente de uma maneira destrutiva, como o PL da Devastação [Projeto de Lei nº 2.159/2021, que altera as regras para o licenciamento ambiental no país]. Mas considerando a legislação, o marco regulatório ambiental brasileiro consiste em um avanço em relação aos outros países no que se refere à preservação e ao uso. Há também a nossa Lei de Inovação [Lei nº 10.973/2004] que embasa a tomada de decisão sobre o uso dos ativos da biodiversidade, que é bastante avançada em relação a outros países.

Se o Brasil pode dar esses bons exemplos, qual seria a principal mensagem do país na COP30?

Eu acredito que essa fala vai ser vinculada à necessidade de se proteger o bioma, afirmando que isso é possível. Dados científicos comprovam que não é mais necessário derrubar floresta para produzir e ter gado, já que o grande causador de queimadas, grilagem de terras e desflorestamento é a criação de gado de corte. E a gente sabe que essa produção já melhora muito se você tiver a terra plantada e tratada de uma certa maneira. A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) é muito bem-sucedida na avaliação dessas tecnologias. O grande nó que ainda temos refere-se a como recuperar áreas já degradadas. A ciência tem se debruçado muito sobre isso para tentar reverter esse quadro. Sabe-se que o que já foi desflorestado [no país] é suficiente para realizar uma produção agrícola e agropecuária destinada a prover o Brasil e o mundo. No caso, muito mais o mundo, porque a gente exporta mais grãos e carne do que consome. Existe, portanto, degradação. E o mercado interno não está vendo muito essa produção.

Existe alguma proposta específica que o Brasil pretende levar à COP30?

Tudo isso pode ser usado como exemplificação e embasamento para uma grande ação que a gente sabe que o governo brasileiro vai colocar na mesa: a criação de um fundo internacional voltado à proteção das florestas e da sociodiversidade. As pessoas que protegem a floresta –grandes proprietários ou não, pois há quem possui e mantêm reserva legal – precisam ter algum tipo de recompensa. Se não tiver, elas vão passar o correntão [técnica que usa correntes presas a tratores para promover o corte de vegetação], desmatar e colocar gado ou plantar soja, que são coisas absolutamente inadequadas. Manter a floresta em pé é muito mais valorizado, e se tiver uma recompensa econômica de um fundo, isso vai ajudar a frear o problema atual. Nós precisamos ter mais unidades de conservação e terras indígenas. Há indígenas no Mato Grosso, Bahia, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul... E há aqueles que conseguem comprovar, por meio de cemitérios centenários, que determinada terra pertencia a eles. Ninguém vai tomar a terra do fazendeiro que está lá e fazer

O grande nó que ainda temos refere-se a como recuperar áreas já degradadas.
A ciência tem se debruçado muito sobre isso para tentar reverter esse quadro.

uma terra indígena em detrimento do que já foi investido na região. Trata-se de manter um programa de criação de unidades de conservação e de terras indígenas vis a vis a recompensa não apenas econômica, mas ambiental, que isso traz. Nada mais justo do que o mundo nos ajudar a ter uma compensação para que se mantenha a floresta, para que a proposta de desmatamento zero até 2030 seja efetivada e, a partir daí, termos mais unidades de conservação e áreas, que já foram degradadas, recuperadas.

Como o trabalho científico realizado pelo Museu Goeldi, do qual o senhor é diretor, contribui com essa demanda?

Nós somos uma instituição que vai completar 160 anos na Amazônia em 2026 e, desde que nascemos, a nossa imbricação com populações tradicionais tem sido crescente. Os trabalhos científicos desenvolvidos envolvem consultas e, cada vez mais, a autoria de membros das comunidades tradicionais, o que nos traz uma respeitabilidade muito grande porque acabamos sendo veiculadores dessas vozes. Com essa vertente científica, o Museu se firma como uma instituição amazônica que olha para os problemas e tenta apontar soluções a partir dos estudos desenvolvidos.

O senhor poderia citar um exemplo?

Há mais de 30 comunidades tradicionais morando no entorno da Flona de Caxiuanã [Floresta Nacional de Caxiuanã], onde fica localizada a nossa estação científica. Estamos falando de três municípios com um dos menores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil: Portel, Melgaço e Breves. Temos um programa de formação para professores darem aulas às crianças dessas comunidades. Não basta fazer pesquisa na região. É necessário levar o resultado às comunidades, que precisam saber o que está acontecendo, entender aquilo e por que essa produção também ajuda a valorizá-las.

Até 2015, não tinha escola de segundo grau por ali. Fiz uma negociação com os prefeitos e essa nossa base serviu de sede para ser a escola, um ponto central aonde se chega de canoa e que dispõe de acesso à internet.

Essa iniciativa pode ser replicada?

Isso é uma coisa pequena, mas exponencia e se multiplica pela Amazônia como um todo. Outras populações de florestas tropicais no mundo, na Indonésia, no Congo, devem ter problemas semelhantes. Uma vez que a gente consiga colocar esse pessoal para conversar e mostrar para o mundo o que está acontecendo com as mudanças climáticas, esse vai ser o grande recado. Afinal, se continuar nesse ritmo, o que vamos delegar para os nossos jovens e deixar como herança para esse mundo?

Como o Museu participará da COP30?

Realizamos uma série de seminários que resultaram em algumas propostas. Pretendemos levá-las a comissões em instâncias superiores até chegar à esfera diplomática, que é onde o grande debate acontecerá. Discutimos a questão do extrativismo e de possibilidades econômicas para a Amazônia, além de outro tema bastante importante para a região: tecnologias sociais. Lembrando que na imbricação de conhecimento tradicional com conhecimento científico, pode-se desenvolver novos processos, produtos e tecnologias. Claro que isso não precisa ser em uma escala global, mas em uma escala que vai fazer a diferença para a comunidade que está vinculada àquela tecnologia e, para tal finalidade, temos várias parcerias.

Em que ações é preciso prestar atenção no que se refere à consciência ambiental?

Nós somos péssimos consumidores, já começa por aí. Consumimos muito mal, consumimos o que a mídia e as grandes empresas de publicidade nos trazem e nos fazem consumir. E não se trata apenas de consumir produtos,

mas também as próprias mídias sociais. A gente precisa ter um olhar mais crítico para as mídias sociais. Eu destaco a interlocução e a capacidade fascinante que elas têm de fazer com que povos de diferentes lugares interajam. Só que existe um outro lado que precisa ser olhado de uma maneira crítica: elas não são reguladas. Onde existe a possibilidade de se fazer uma regulação, critica-se como uma inviabilização da liberdade de expressão. Esse é um grande debate atual que imbrica na consciência ecológica e humanitária. Nós precisamos nos olhar no mundo, na nossa relação com o mundo, com a Terra. Existem bens de consumo que a natureza nos provê, mas o uso que a gente faz deles precisa ser repensado.

E sob o ponto de vista tecnológico? Há ações que o Brasil pratica que podem servir de exemplo a outros países?

Sob o ponto de vista tecnológico, também estamos bastante desenvolvidos. Existe a ação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) de monitoramento de queimadas e devastação da floresta amazônica, além de outros biomas, como o cerrado. Dois grandes programas coletam dados há mais de 30 anos: DETER (Detecção de Desmatamento em Tempo Real) e PRODES (Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite). Um programa mede o desflorestamento e as queimadas mês a mês, e o outro, fornece o índice anual. Nenhum país no mundo tem esse monitoramento sobre sua biodiversidade, suas florestas. O Brasil é, portanto, um grande exemplo a ser seguido, e a gente precisa continuar a fazer valer a lei porque não adianta apenas ter lei.

O país também perdeu investimento pelo descumprimento de leis e crimes ambientais. Quais foram as consequências?

Nós passamos quatro anos com um dos maiores índices de devastação, de grilagem de terras e de queimada da Amazônia. Um dos impactos disso foi a suspensão do Fundo Amazônico [mecanismo financeiro que busca captar doações para investimentos em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal]. Foram três anos de suspensão das doações desse fundo, que ficou sem funcionar por conta desse desastre ambiental causado pelo governo anterior. Para conseguir fazer valer as leis e o monitoramento, você tem o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), e até a Polícia Federal e a Força Nacional fazendo intervenções, se for o caso. Você viu o que aconteceu e ainda está acontecendo com os

Yanomami? Primeiro, em termos de pandemia, a falta de cuidado com as populações, depois, em relação à mineração nas terras dos Yanomami e à proposta de mineração em terra indígena? Isso foi uma coisa que nós conseguimos brecar. Fazer valer as leis – comando e controle – é uma decisão fundamental para conseguir preservar, mas não só. É fundamental usar [as terras e os recursos naturais] conscientemente, da maneira adequada. A conservação não pode estar desatrelada do desenvolvimento. É esse ponto de equilíbrio que a gente está tentando encontrar.

Como encontrar esse ponto de equilíbrio na Amazônia?

A força do desenvolvimentismo a qualquer custo envolve mineração, uso da água, estabelecimento de rodovias e hidrelétricas. Projetos de hidrelétricas de grandes proporções que foram pensados nas décadas de 1970 e 1980, para Amazônia, não servem. [A Usina de] Tucuruí é um grande exemplo do que o lago Tucuruí atingiu e devastou [localizada no rio Tocantins, no Pará, a hidrelétrica abastece toda a região Norte do país]. Mas o Brasil é muito bem-visto em termos de conservação, tanto na produção de dados científicos quanto na legislação e no marco legal sobre a biodiversidade.

O que é essencial para efetivar os trabalhos desenvolvidos pelo Museu?

Entendendo a história do Museu Paraense Emílio Goeldi, não tem quem não se convença de que é necessário produzir cientificamente. Me refiro a uma ciência ampla que envolva a ciência ocidental, mas também a sapiência tradicional para encontrar caminhos. Sozinho não tem solução: eu, como diretor, não faço nada sozinho. Para se implementar políticas, não apenas com as comunidades tradicionais, é sempre por meio do diálogo. Então, nós temos parcerias interinstitucionais fantásticas e fundamentais não só com instituições de Belém, mas com outros estados e países. Uma instituição por si só “não faz verão”, precisa trabalhar capilarmente, de maneira interinstitucional, e até fora da sua região.

Assista a trechos da Entrevista com o pesquisador Nilson Gabas Junior, realizada no Sesc Pinheiros, em agosto de 2025.

reinventar A CIDADE

Pedro Mascaro

Do desenho à edificação, a arquitetura do Sesc Franca apresenta preocupação com a geografia e o meio ambiente, assim como as características da cultura do território.

Abordagem sistêmica, soluções baseadas na natureza e novas tecnologias se apresentam como respostas da arquitetura e do urbanismo aos efeitos da crise climática sobre o espaço urbano

arquitetura

Acondição humana de viver coletivamente, em agrupamentos, fez nascer, desde os primórdios da história, diferentes modelos do que hoje chamamos de cidades. Como descreve o historiador britânico Ben Wilson em seu livro Metrópole – A história das cidades, a maior invenção humana (Companhia das Letras, 2024), data de 4000 a.C. a primeira cidade de que se tem registro: Uruk (termo que significa "a cidade"), na antiga Mesopotâmia, atual Iraque. Erguida em uma região pantanosa, o que foi estratégico para a agricultura e a pesca, Uruk já apresentava, de acordo com o historiador, um desenho de ruas e casas para a criação de um microclima urbano capaz de mitigar o sol mesopotâmico.

Ou seja, há mais de sete mil anos, as condições do clima e da natureza já orientavam projetos arquitetônicos e urbanísticos. No entanto, a partir da Revolução Industrial e, principalmente, da modernização das cidades no século 20, os fatores ambientais ficaram em segundo plano na expansão de áreas urbanas. A cultura do automóvel, dos arranha-céus, dos shoppings e dos e condomínios fechados desenhou outro projeto de cidade. No entanto, hoje, eventos climáticos extremos colocam em xeque o atual modelo, levando a sociedade a questionar qual o papel da arquitetura para reverter esse cenário.

“Nós estamos entendendo que, neste momento, no qual já se tem um consenso científico do que causa a mudança climática e do que deve ser feito no sentido de reverter o processo, é necessário rever nossas práticas, nossas proposições e, principalmente, a maneira como concebemos, ao longo do século 20, nossa relação com a natureza”, constata o arquiteto e urbanista Renato Anelli, um dos curadores da 14ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, organizada pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), realizada entre setembro e outubro deste ano.

Em resposta ao avanço das alterações climáticas no litoral, intervenções sustentáveis em regiões costeiras poderiam criar um ecossistema híbrido, que é ao mesmo tempo barreira, habitat, paisagem e espaço comunitário. Esse é o caso do projeto espanhol LIFE COSTAdapta, a ser realizado nas Ilhas Canárias, apresentado na 14ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo.

A partir do tema Extremos: arquitetura para um mundo quente, a curadoria da Bienal selecionou propostas para enfrentar o aquecimento global e adaptar as cidades – mais de 200 trabalhos de 30 países, de todos os continentes. Na exposição, destaca-se o legado do arquiteto chinês Kongjian Yu, que faleceu em setembro, no Brasil, mundialmente reconhecido por cunhar o conceito de “cidadeesponja”. “Desde o século passado, Yu vinha trabalhando esse tema que também encontra ressonância aqui, com pessoas que estão adotando soluções baseadas na natureza. Se você olhar do ponto de vista do fenômeno, o conceito é muito claro: você tem que atuar nas bacias hídricas. Cuidar das nascentes, ralentar os fluxos de água para evitar as inundações, a jusante e acomodar as águas nas regiões mais baixas, a fim de que as águas cheguem mais limpas e mais lentamente aos seus destinos", explica a arquiteta Anália Amorim, professora da Escola da Cidade e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

Cidades-esponja seriam capazes de absorver as águas das chuvas, abastecer os lençóis freáticos e dar vazão ao excedente para áreas alagáveis, como as várzeas. Uma alternativa que precisaria ser escalável no Brasil, onde 87% da população vive em áreas urbanas, o equivalente a 177,5 milhões de pessoas, segundo o Censo de 2022. “É muito mais complexo virar uma cidade esponja, mas a gente vai ter que enfrentar esse desafio”, reforça Anelli, que também é diretor de cultura do Instituto de Arquitetos do Brasil de São Paulo (IABsp).

INTEGRAR CONHECIMENTOS

Outra resposta aos efeitos climáticos, que têm agravado os períodos de seca e de chuva em pequenas e grandes cidades, vem do conhecimento de povos originários e quilombolas. Tecnologias

ancestrais cada vez mais adaptadas e incorporadas pela arquitetura. Na Bienal, a instalação Nhandero “Nossa Casa Mundo”, realizada pela Associação Casa Floresta, em parceria com o povo Guarani M’bya da comunidade Tekoa Kalipety, na Terra Indígena Tenondé Porã (SP), apresentou ao público técnicas construtivas ancestrais. No material expositivo da obra, Karai Isaque, da aldeia Kalipety, conta que a casa tradicional dos Guarani é fresca no tempo quente, protegida da água da chuva e ventilada. Liderança indígena da mesma aldeia, Jerá Guarani, que integrou o comitê curatorial da 14ª Bienal, complementou: “por isso somos ensinados desde pequenos a pegar, tirar, cortar, caçar, pescar, arrancar somente o necessário”.

A partir desses saberes e fazeres, a arquitetura contemporânea vem pesquisando e criando outras formas de habitação das áreas urbanas. Um exemplo é o trabalho da rede colaborativa de arquitetura

Sem Muros, que defende uma arquitetura integrada social, ambiental e economicamente. Recentemente, ao criar um projeto de cozinha comunitária para a aldeia Yakã Porá, do povo Guarani M'bya, em Ubatuba, em Ubatuba, litoral norte de São Paulo, a rede não só trabalhou com a comunidade e recursos naturais

locais (estrutura de bambu, coberta de palha), como também agregou outros conhecimentos ao projeto.

“A cobertura do teto é de uma palha da região, a guaricanga, que antigamente se usava para cobrir as casas da aldeia, mas que com o tempo começou a desaparecer no território. Então, como a gente cuida disso? E para além disso, como implementar o tratamento das águas, para que possam ir para um lago com peixes e, ainda, irrigar a guaricanga? Ou seja, trazemos também uma tecnologia para esse espaço. No final, é sobre ir conectando esses processos”, conta a arquiteta e urbanista Flávia Burcatovsky.

Outros projetos da rede Sem Muros – como a Casa Viva, no Butantã, zona Oeste da cidade, cujo solo é 100% permeável – seguem esse olhar que integra natureza e comunidade. “A permacultura é uma base muito importante para a gente, porque ela é uma metodologia de planejamento de assentamentos humanos mais sustentáveis. E essa metodologia tem uma visão sistêmica”, explica o arquiteto e urbanista Tomaz Lotufo. Isso significa, segundo o arquiteto, “que você não está olhando o objeto a ser construído e, sim, a água, o vento, o ar, as questões

Na exposição Water future scenarios: sustainable water urbanism (Cenários do futuro da água: urbanismo baseado na sustentabilidade da água), na Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, cinco projetos chineses lançam propostas e reflexões sobre ambientes hídricos em escalas nos espaços urbanos.

CADA LUGAR É ÚNICO. CADA LUGAR DEVE, PORTANTO, TER SEU ENFRENTAMENTO [AOS

EFEITOS DA CRISE CLIMÁTICA], A PARTIR

DO PONTO DE VISTA DO PROJETO, COM

MUITO CUIDADO, COM MUITA

APROXIMAÇÃO

DO CONTEXTO DE CADA SITUAÇÃO.

Anderson Freitas, arquiteto e professor da Escola da Cidade

locais de disponibilidade de materiais, a produção de alimentos e como é possível, por meio da construção, fortalecer a economia”. Dessa forma, complementa, “a arquitetura nasce de uma visão contextual”.

DESCENTRALIZAR SOLUÇÕES

A partir da observação da incidência de luz e da corrente de ar num espaço fechado, os engenheiros Amadeu Oliveira Coimbra, Ernesto August Boeckmann e Antônio de Góes criaram, nos anos 1920, um elemento que se tornaria um dos símbolos da arquitetura brasileira: o cobogó. Batizada com a inicial dos últimos sobrenomes de cada um, a invenção consiste em um tijolo vazado que permite iluminação e ventilação naturais em construções. A primeira construção com cobogós é de 1930, a Caixa d’água de Olinda (PE), e desde então, eles se tornaram uma alternativa ao calor extremo ao proporcionarem conforto térmico e eficiência energética em casas e prédios.

Atualmente, esses elementos construtivos vazados assumem diversas formas e desenhos, e podem ser feitos a partir de diferentes materiais, como resíduos coletados em caçambas de obras. Frequentemente,

estão em projetos que seguem práticas sustentáveis, somados a outros elementos arquitetônicos que atendem a uma preocupação com a escolha e a gestão de materiais, desde a concepção da edificação até a operação. Neste ano, um relatório lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e pela Aliança Global para Edifícios e Construção, mostrou que um número cada vez maior de países trabalha para utilizar materiais de baixo carbono, melhorar a eficiência energética e adotar energias limpas e renováveis nos edifícios. Isso porque o setor de construção ainda consome 32% da energia global e contribui para 34% das emissões globais de gases de efeito estufa.

“O que se constrói hoje é o que se pensou ontem, e o que a gente pensa hoje é o que vai ser feito amanhã. Então, vivemos um desafio enorme. Todas essas questões urgentes fazem a gente repensar como os edifícios do futuro vão ser”, analisa o arquiteto César Shundi do escritório SIAA, que em parceria com o escritório Apiacás, é responsável pelo projeto do Sesc Franca, no interior do estado de São Paulo. Para o projeto dessa unidade que, neste mês, completa um ano da sua inauguração, Shundi ressalta a importância do reconhecimento da geografia do território como ponto de partida. “A ideia central do projeto, mais até do que do próprio edifício, é

O projeto chinês Tank Shangai, apresentado na Bienal Internacional de Arquitetura de SP, mostra o Tank Shanghai Art Center, que ocupa uma antiga zona industrial às margens do Rio Huangpu, que passou por um longo e rigoroso processo de descontaminação para ser transformado em espaço de lazer para a comunidade.

sua relação com o meio urbano e com as características da própria cidade. O terreno fica numa encosta, portanto, pensamos em um edifício que se encaixa nessa topografia e que não só a respeita, como a utiliza como elemento de organização desse espaço”, explica.

Outra questão avaliada, segundo o arquiteto Anderson Freitas, do escritório Apiacás, foi como esse projeto de grande escala, com uma multidiversidade de programas, se relacionaria com a cidade. “E aí, me chama a atenção uma discussão muito importante. Um problema que a gente tem que enfrentar daqui para frente: entender que cada lugar é único. Cada lugar deve, portanto, ter seu enfrentamento [aos efeitos da crise climática], a partir do ponto de vista do projeto, com muito cuidado, com muita aproximação do contexto de cada situação”, pondera Freitas, que também é professor da Escola da Cidade.

Novas tecnologias foram mais uma ferramenta usada para atender às necessidades de gestão energética, hídrica e de resíduos na unidade de Franca. “Desde dispositivos para economia de energia, por meio de equipamentos de automação, até outros que permitem a economia e o reúso de água. A utilização de tecnologias para um prédio, o mais eficiente possível, também se somou a boas práticas básicas da arquitetura – recursos que não são invenções novas, mas que integradas a todo esse aparato tecnológico dão um bom resultado. Como proporcionar ventilação e iluminação naturais”, explica o arquiteto Bruno Salvador, do escritório SIAA.

No final, além de uma criteriosa análise do contexto ambiental, social, cultural e econômico da região para o desenvolvimento de um projeto que incorpora tecnologias de diferentes origens, o grupo de arquitetos aponta outra condição fundamental. “A arquitetura é um bem durável. Nesse sentido, a gente pode contribuir para esses equipamentos urbanos que têm longa permanência, longo tempo de inter-relação com as cidades. Por isso, é nosso dever projetar esses equipamentos de forma cada vez mais amigável em relação ao meio ambiente”, conclui o arquiteto Pedro Barros, do escritório Apiacás.

REFLORESTAR IMAGINÁRIOS

Quando reparamos no trabalho minucioso do joão-debarro, que espera uma trégua do período de chuvas

arquitetura

para construir seu ninho, percebemos a inteligência de outros seres que, a partir da observação do clima e de recursos naturais, como barro, palha, raízes e galhos, são capazes de criar abrigos que protegem e duram. Outras espécies também se encarregam de criar suas próprias arquiteturas diante das especificidades dos territórios que ocupam. Recuperar essa perspectiva, enquanto seres que fazem parte da natureza e não a subjugam, revela outra maneira de nos relacionarmos com a cidade e os espaços que nela ocupamos e construímos.

Essa visão sistêmica nos permitiria, segundo o arquiteto Tomaz Lotufo, perceber a importância de três elementos essenciais à vida: o verde, as águas e o solo. “A gente precisa de parques, de praças, de quintais e de ruas permeáveis. Precisa de um planejamento para as cidades que garanta um solo esponjoso, que tenha matéria orgânica em constante decomposição para não compactar. Com isso, a gente tem infiltração da água e essa bomba maravilhosa que é a árvore, vai bombeando a água que entra no solo. A evaporação é devagar e ela equilibra a temperatura da cidade”, explica.

Em São Paulo, diversas iniciativas se encarregam de apresentar soluções baseadas na natureza [Leia em Cuidar da casa] com o intuito de mitigar os efeitos climáticos a partir da preservação desses três elementos. “Tem gente abrindo nascente em praça, fazendo agroflorestas urbanas, hortas urbanas, casas com sistemas de permeabilidade”, elenca Lotufo. Soluções que, mesmo em pequena escala, servem de exemplo como outro modelo urbano possível, e podem se expandir a partir de políticas públicas.

É preciso, ainda, que a população caminhe pelo próprio bairro e que estenda o passo para conhecer outras regiões. Como escreveu o historiador Ben Wilson em Metrópoles, “uma cidade tem de ser experienciada por meio dos sentidos – é preciso olhá-la, sentir seu cheiro, tocá-la, caminhar por ela, lê-la e imaginá-la – para apreender sua totalidade”. E assim, reivindicar o direito à cidade, previsto na lei no 10.257/2001, “entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. Afinal, conclui a professora Anália Amorim: “quando a gente mexe na cidade, a gente está mexendo, na realidade, no planeta inteiro.”

CUIDAR DA CASA

Na arquitetura das unidades, em ações educativas permanentes e nas programações, o Sesc São Paulo fomenta a cultura da sustentabilidade

Pouco tempo depois das primeiras conferências internacionais voltarem-se a políticas de preservação do meio ambiente, o Sesc São Paulo realizava suas primeiras incursões alinhadas aos valores da sustentabilidade. Já na década de 1970, houve a inauguração do Sesc Interlagos, na época denominado Centro Campestre, e a elaboração de projetos envolvendo os tópicos da ecologia e do meio ambiente. Nesse compasso, a arquitetura das unidades na capital, interior e litoral do estado de São Paulo sempre visaram uma preocupação com território, acessibilidade e integração, além da preservação de áreas verdes, redução e reuso de água, eficiência energética e gestão de resíduos.

O compromisso com a responsabilidade socioambiental no Sesc São Paulo se apresenta desde a concepção dos projetos, passando pela construção, até a manutenção de suas instalações físicas. Materiais certificados, sistemas de ventilação cruzada, aproveitamento da iluminação natural e dispositivos para uso racional da água e da energia são alguns dos recursos utilizados para reduzir o impacto ambiental e promover o conforto dos usuários.

Com o objetivo de reduzir o consumo de energia e ampliar o uso de fontes limpas, o Sesc ainda investe em soluções como iluminação LED, sensores de presença, automação predial e equipamentos de alta eficiência. Ao todo, 20 unidades dispõem de placas de aquecimento solar usadas no aquecimento da água do chuveiro e na climatização da água da piscina. A unidade de Franca, por exemplo, opera com painéis solares, que geram parte da energia consumida, e no Sesc Guarulhos, o esgoto gerado passa por um processo interno de tratamento, desde sua inauguração, em 2019. Já em Jundiaí, o projeto arquitetônico da unidade apostou na transparência, com a utilização do vidro, o que permitiu melhor aproveitamento da luz natural e, por consequência, do consumo de energia. A mesma lógica foi aplicada na circulação do ar, com sistema de ventilação cruzada.

arquitetura

para ver no sesc / arquitetura

Na arquitetura do Sesc Jundiaí (foto) e de outras unidades no interior, litoral e capital do estado de São Paulo, o Sesc assume um compromisso com acessibilidade, integração, preservação de áreas verdes, redução e reuso de água, eficiência energética e gestão de resíduos.

Desde 2012, as novas unidades tiveram projetos desenvolvidos com o apoio de consultoria para certificação ambiental, um sistema global que avalia a sustentabilidade de construções e os empreendimentos, avaliados em categorias – como eficiência hídrica, energia, materiais e transporte. Entre as unidades que já receberam a certificação LEED [sigla, em inglês, para Leadership in Energy and Environmental Design, ou Liderança em Energia e Design Ambiental em português], estão Sorocaba e Avenida Paulista. Para além das estruturas prediais do Sesc São Paulo, a sustentabilidade está presente nas áreas verdes cultivadas e preservadas – 4.600.000 metros quadrados, o equivalente a 562 campos de futebol –, incluindo a Reserva Natural Sesc Bertioga, uma área protegida com cerca de 60 hectares de Mata Atlântica, localizada na zona urbana.

A cultura da sustentabilidade também se encontra em ações educativas permanentes e programações a partir de encontros presenciais e virtuais, vivências, oficinas, cursos e nos Centros de Educação Ambiental (CEAs). Criados com o objetivo de oferecer ao público espaços permanentes para a realização de atividades educativas relacionadas às questões socioambientais, os CEAs estão presentes no Sesc Bertioga, Guarulhos e Mogi das Cruzes, para visitação espontânea ou mediada. Ao final, a sustentabilidade atua como um eixo transversal às ações culturais, educativas, sociais e operacionais do Sesc São Paulo, e fomenta reflexões sobre diferentes maneiras de produzir, consumir, habitar, comunicar, alimentar, deslocar e se relacionar no (e com o) planeta.

Laura Rosenthal

Por trás das LENTES

Das montanhas mineiras, Sebastião Salgado cruzou tempos e espaços registrando a crueza do ser humano e do planeta

POR LÍGIA SCALISE

Ao longo das últimas décadas, o mundo enxergou, pelas lentes de Sebastião Salgado (1944–2025), um retrato profundo da condição humana. O fotógrafo brasileiro documentou, com sensibilidade e rigor, algumas das realidades mais marcantes do nosso tempo: o êxodo de refugiados de guerra, o corpo exausto dos trabalhadores das minas, os povos originários da Amazônia e as paisagens ainda intocadas em diferentes continentes. Suas imagens mesclam a crueza da vida com a beleza natural do que resiste. Cada clique carrega um testemunho do sofrimento, mas também da dignidade, da fé e da esperança.

Há, contudo, outro Sebastião Salgado, menos conhecido: aquele das conversas nos bastidores das montagens, das risadas cúmplices entre amigos e parceiros de uma vida inteira. Esse era o Tião, o amigo de muitos, o pai do cineasta Juliano e do pintor Rodrigo, e o grande amor da arquiteta, curadora e ambientalista Lélia Wanick Salgado, sua companheira de todas as jornadas. Em diferentes momentos e territórios, retratos revelam a imagem do homem por trás da câmera, consagrando-o em suas diferentes nuances.

GÊNESE EM AIMORÉS

Tudo começou na pequena cidade de Aimorés, interior de Minas Gerais. Lá estava a fazenda de gado do pai, o céu aberto sobre a Mata Atlântica, o rio ainda navegável e o trem carregado de minério que partia mundo afora. Foi nesse cenário que Sebastião Salgado nasceu e cresceu, cercado por sete irmãs, num vilarejo sem luz elétrica, entre banhos no Rio Doce e a escuta atenta àqueles que o cercavam. Afonso Borges, jornalista, escritor e amigo, conta que Tião adorava lembrar e contar a história dos caminhoneiros que ligavam os rádios nas baterias dos carros, aos domingos, e transformavam a praça em palco. Foi ali que ele aprendeu suas primeiras cantigas.

“O Tião nunca deixou as ‘mineirices’ para trás”, recorda Borges. “Já com mais de 80 anos, ainda cantava músicas da infância. Tinha uma memória incrível para letras. Cantava com aquela voz grave e levava essas canções para onde fosse. Imagine esse homem, camuflado por 30 dias numa montanha em Ruanda ou viajando pela Amazônia, clicando e cantarolando músicas de menino. Tião viveu em Paris, rodou boa parte do mundo, mas sempre dizia com orgulho: ‘nunca saí de Aimorés’”.

O TIÃO DA LELINHA

Sebastião Salgado tinha 15 anos quando deixou Aimorés para estudar em Vitória (ES). Foi lá que conheceu Lélia, estudante de piano e, segundo depoimentos do fotógrafo, a menina mais linda que já tinha visto. Foi amor à primeira vista. E foi também o começo de uma parceria que atravessaria seis décadas. “Todo sábado, a gente ia comer pizza depois do cinema. Comprávamos uma garrafa de cerveja daquelas grandes e fazíamos nossos projetos de vida. Do dia que nos conhecemos até a partida dele, foram 61 anos juntos. Juntos mesmo, em todas as decisões, nos momentos difíceis e nos felizes”, conta Lélia Wanick Salgado.

A vida a dois ganhou novos contornos quando Salgado conquistou uma bolsa de mestrado em economia e o casal se casou e se mudou para São Paulo (SP). Pouco depois, em 1969, tomaram uma decisão ainda mais ousada: buscar segurança na França, em tempos de ditadura no Brasil. “Hoje, eu vejo que o mais sério da nossa relação foi a aposta que fizemos de acreditar na vida. Fizemos isso quando nos casamos, quando saímos do país, quando ele largou tudo para viver de fotografia. Apostamos nas escolhas que vinham do nosso coração”, reflete.

Na época, Sebastião Salgado trabalhava na Organização Internacional do Café, em Londres, e tinha uma carreira sólida como economista. Estava prestes a assumir um cargo no Banco Central e se preparar para o doutorado. Mas algo tinha mudado desde o dia em que pegou a câmera fotográfica que Lélia havia comprado para seus estudos em arquitetura. Sua primeira foto foi um retrato dela, sentada de perfil à janela. Depois disso, não largou mais a câmera. “Ele estava angustiado, dividido entre a estabilidade e o desejo crescente de fotografar. Fazia isso como hobby, mas queria mais. Até que um dia saímos para conversar, e eu disse: ‘a gente tem que viver a vida que gosta de viver, Tião’. Foi quando ele tomou coragem e pediu demissão. Voltamos para Paris sem dinheiro, mas com o desejo de recomeçar a nossa vida do zero.”

Juliano, primogênito do casal, destaca o papel essencial da mãe na trajetória do pai. “O Sebastião sempre foi um homem inteligente e visionário, mas tudo que construiu foi ao lado da Lélia. Ela cuidava da curadoria, dos livros, das exposições, da agenda, dos contratos, da casa e dos filhos. Eles encontraram felicidade ao colocarem a vida a serviço da transformação social”, ressalta. Lélia Salgado conta que precisou aprender a lidar com as longas ausências do marido. “Nas primeiras viagens dele, eu mal dormia

de tanta angústia. Uma vez, após deixá-lo no aeroporto rumo à África, parei o carro na estrada e chorei até cansar. Foi quando disse a mim mesma: ‘você só vai chorar se algo ruim acontecer com ele’. Isso me sustentou por toda nossa vida e serviu de exemplo para os nossos filhos.”

Cineasta, escritor e produtor de cinema, Juliano conta que sentiu muito a ausência do pai, mas essa relação ganhou novos contornos na vida adulta. “Durante as filmagens do documentário O Sal da Terra (2014), que dirigi com Wim Wenders, é que nos aproximamos de verdade. Quando Sebastião se viu pelo meu olhar, ele se emocionou. Eu também. Ali nos reconectamos como pai e filho e como dois homens adultos”, relembra. Nos momentos de descanso, o cineasta conta que o futebol era uma paixão compartilhada em casa. “Assistir aos jogos do Paris Saint-Germain com o Sebastião era uma diversão. Ele reunia os amigos, sofria e se divertia para valer.”

O amor do fotógrafo pela família não passava despercebido. Beto Marubo, liderança indígena com quem Sebastião Salgado dividiu longas expedições na floresta amazônica, testemunhou seu afeto incontáveis vezes. “Nunca vi um amor tão marcante. Ele falava de sua família, dos filhos, e principalmente da Lélia, todos os dias. Era um sentimento de paixão mesmo. Um amor grande, presente, vivo, e que me inspirou profundamente.”

RIGOR E ESPONTANEIDADE

Metódico e pragmático, Salgado era movido pelo rigor em seu trabalho. “Falava sozinho enquanto montava as fotos. Reclamava da luz, elogiava uma sombra, murmurava com as nuvens sobre a previsão do tempo. Era um perfeccionista, cheio de planilhas e esquemas, que tentava prever cada detalhe da viagem. A gente ria ao vê-lo discutindo com a foto, como quem conversa com uma velha amiga. Tião também cantava o tempo todo”, relembra Beto Marubo.

Em uma de suas expedições pela Amazônia, o jornalista Leão Serva, que também o acompanhava, se surpreendeu com outro hábito curioso: “Ele levava sacos e mais sacos de laranja para a floresta. Dizia que chupar uma laranja logo pela manhã era um hábito sagrado para a saúde. O interessante é que ele calculava o número exato de laranjas para que não faltasse nem para ele, nem para quem estivesse por perto”, conta.

Serva também se recorda das habilidades do amigo com a marcenaria – inclusive para improvisar um vaso

sanitário de madeira que pudesse levar nas viagens, devido às dores no joelho. “Ele tinha várias queixas e sequelas no corpo por conta das viagens que fez ao longo da vida. Mas, mesmo depois dos 70, mantinha uma energia invejável. Caminhava horas e horas sem cansar. Era difícil acompanhar o Sebastião, ele sempre foi um homem forte e ágil”, descreve o jornalista e amigo.

Outro traço que fazia do fotógrafo o Tião que todos conheciam – e que não arrefeceu com o tempo –era sua curiosidade genuína pelas pessoas. “Ele queria saber o nome, a história, a comida favorita, o jeito de pensar de cada um que conhecia. E não fotografava ninguém antes de escutar e conquistar a confiança delas”, destaca Beto Marubo.

Tião era aquele que aprendia com as pessoas e com suas vivências, e tinha uma capacidade ímpar para observar o ser humano. Marubo relembra um dos momentos mais marcantes de sua vida ao lado do amigo: “Na cultura do meu povo, a gente não consola

alguém em luto com abraços. Então, quando meu pai morreu, eu não esperava esse tipo de gesto. Mas o Sebastião me chamou para o lado de fora da aldeia e disse: ‘eu sei que vocês não se abraçam, mas eu quero que você sinta esse abraço, Beto’. E me abraçou. Foi como sentir o abraço do meu próprio pai”, compartilha.

Juliana Braga, gerente na Gerência de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc (GEAVT), que trabalhou com Sebastião Salgado em diversas exposições nas unidades do Sesc São Paulo, relembra o quanto o fotógrafo era assertivo. “Sebastião tinha convicção. Quando ele e Lélia tomavam uma decisão, era difícil mudar. Mas ele sempre era muito justo.” Ela ainda se emociona ao recordar um momento especial: “Estávamos visitando o Sesc 24 de Maio, no Centro de São Paulo, e um grupo de estudantes se aproximou. Foi um alvoroço. Ele, que não gostava de selfie, foi de uma delicadeza absurda com os garotos. Atendeu a todos com carinho e se divertiu. Com o tempo, aprendi que ele era um homem muito racional e prático, mas também sensível”, conta.

Sensibilidade e rigor foram duas importantes diretrizes no trabalho do fotógrafo Sebastião Salgado. Alexanre

Para Álvaro Razuk, arquiteto que acompanhou mais de 25 montagens de exposições, o mais fascinante eram as histórias do fotógrafo por trás das imagens. “Jamais vou me esquecer dele contando como conseguiu registrar o atentado ao presidente americano Ronald Reagan, ou como enfrentou um elefante correndo em sua direção durante uma de suas viagens. Sebastião era um excelente contador de histórias e, ao mesmo tempo em que falava com naturalidade e orgulho de suas expedições pelos lugares mais extremos do mundo, gostava de reforçar que era um homem simples, vindo da roça”, relembra.

DE VOLTA ÀS ORIGENS

Foi na década de 1990, ao retornar à fazenda da família, em Aimorés (MG), que Sebastião e Lélia Salgado realizaram seu maior sonho: o Instituto Terra. “Eles fizeram dali não só um projeto de reflorestamento. É mais do que isso: é um símbolo para o planeta, uma lição de esperança”, explica o jornalista Afonso Borges. A região havia sido desmatada por pastos e o solo estava árido e exposto, mas voltou a verdejar. Desde 1998, já foram plantadas três milhões de árvores e o reflorestamento de mais de mil hectares recuperou mais de duas mil nascentes da bacia do Rio Doce.

“A ideia do instituto foi minha. Sempre amei plantas, inspirada pelo jardim da minha mãe. Esta atividade ajudou o Tião a sair da depressão, porque ele não aguentava mais ver tanta desumanização mundo afora”, conta Lélia. Hoje, é Juliano quem assume a presidência do instituto – há 27 anos, uma organização não governamental voltada para a restauração ecossistêmica, educação ambiental e desenvolvimento rural sustentável da região –, dando continuidade ao legado dos pais.

Leonardo Merçon, fotógrafo que trabalhou por uma década no Instituto Terra, recorda a generosidade e esmero do mestre na fotografia. “Ele cobrava, sim, porque amava aquilo. Cada detalhe importava. Mas também ensinava com paciência, compartilhava conhecimento. A floresta era como uma extensão da família, para ele. Era ali que ele via o futuro da humanidade e nos fazia acreditar nisso também.”

SINFONIA FOTOGRÁFICA

Leão Serva conta que, semanas antes de morrer, Sebastião Salgado estava animado com o projeto de um novo livro – uma coletânea de retratos de indígenas feita ao longo de décadas. “Não era só o livro de retratos. Ele

estava envolvido em vários projetos simultaneamente. Estava finalizando uma espécie de sinfonia fotográfica concebida para uma orquestra francesa e articulando uma exposição inédita, programada para a primavera de 2026, em Los Angeles (Estados Unidos), com fotografias feitas em países da antiga União Soviética, da época em que produziu a exposição Trabalhadores”, revela o amigo.

O fotógrafo vinha revisitando seu extenso acervo, garimpando imagens com o olhar maduro de quem carregava meio século de fotografia, mas sua saúde já estava fragilizada. Em uma ligação, reclamou de dores profundas, atribuídas a um novo remédio que havia melhorado suas plaquetas, mas não os glóbulos brancos. Disse que faria novos exames. “Sebastião não era de se queixar, mas disse que estava muito cansado. A energia não era mais a mesma. E me pediu algo que levo como um compromisso de vida: cuidar de um projeto que sonhamos juntos para a minha aldeia, de implementar um sistema de energia solar”, conta Beto Marubo.

Uma leucemia grave, provocada por complicações da malária, que contraiu em 2010, na Indonésia, quando realizava o projeto Gênesis, estava cada vez mais resistente aos tratamentos. Mesmo assim, ele acompanhou de perto a preparação da exposição artística do filho caçula, Rodrigo, que nasceu com síndrome de Down. “Era um momento muito importante para nossa família”, conta Lélia. “As pinturas do Digo foram transformadas em mosaicos, colocadas nas janelas de uma antiga igreja dessacralizada, como se fossem vitrais. Trabalhamos por dois anos nesse projeto. Tião queria muito estar presente na montagem e até pediu que eu levasse uma cama para ele. Mas não dava. Ele ficou em casa, aos cuidados da nossa assistente, e, de lá da montagem, mandei fotos para ele acompanhar. Quando voltei, Tião estava tão fraquinho que mal conseguia falar, mas me disse: ‘As fotos estão lindas. Tudo está lindo’.”

Sebastião Salgado faleceu no dia 23 de maio, aos 81 anos, em Paris, um dia antes da abertura da exposição do filho. Lélia conta que a família pensou em adiar o evento, mas sabia que a decisão teria desagradado o fotógrafo. “Pelo Rodrigo, ele faria qualquer coisa. Por isso, a exposição aconteceu, e Rodrigo encontrou conforto e alegria ao lado do irmão mais velho, Juliano”, lembra. “Tião partiu com a certeza de que tudo estava pronto”, finaliza Lélia. Cumprindo a vontade de Tião, suas cinzas foram depositadas no Instituto Terra e agora adubam a muda de uma peroba. “Vai virar uma árvore maravilhosa, um símbolo de vida”, completa Lélia.

PRESENÇA ETERNA

Fotógrafo Sebastião Salgado foi figura

constante na programação do Sesc São Paulo

Nas últimas décadas, o Sesc São Paulo foi palco de inúmeras programações com o fotógrafo Sebastião Salgado. Entre os destaques, estiveram as mostras Êxodos (Sesc Pompeia), Gênesis (Sesc Belenzinho e Sesc Araraquara), Gold – Mina de Ouro Serra Pelada (Sesc Avenida Paulista, Sesc Guarulhos e Sesc Birigui) e Amazônia (Sesc Pompeia), a última, uma imersão visual e sonora na floresta e nas culturas indígenas, realizada em parceria com Lélia Wanick Salgado.

Em duas edições, obras do artista foram apresentadas na capa da Revista E. A primeira foi em setembro de 2013, com o registro de um grupo de indígenas waurá

pescando na lagoa Piyulaga, próximo à aldeia, em Mato Grosso, em 2005. Em julho de 2019, na celebração de 25 anos da publicação, a capa trazia uma fotografia realizada em 1986, na Serra Pelada, interior do Pará.

Além disso, o fotógrafo também teve um depoimento publicado em maio de 2022. Leia um trecho a seguir, em que ele fala sobre o ato de fotografar: "Você vê a construção da imagem até o ponto em que a imagem alcança aquela parábola em frente a você, você evolui dentro dela até o ponto onde tem consciência de que realizou a imagem". O depoimento completo pode ser lido em https://www.sescsp.org. br/amazonia-viva-depoimentode-sebastiao-salgado/

para ver no sesc / bio

SESC DIGITAL

Sebastião Salgado, Cidadão do Mundo

Neste documentário, Sebastião Salgado conta como a fotografia foi seu passaporte para se aproximar das pessoas e destaca a importância do colega Cristiano Mascaro como um incentivador para ingressar na profissão. Direção de Aline Sasahara e produção da Documenta Vídeo Brasil.

Assista sob demanda em sescsp.org.br/sebastiaosalgado

Lélia e Sebastião Salgado

Neste episódio da websérie Conexão, gravado em 2020, o casal reflete sobre os desafios da curadoria e comentam o processo de realização da exposição Gold – Mina de Ouro

Serra Pelada, que passou pelas unidades do Sesc Avenida Paulista, Guarulhos e Birigui.

Assista em bit.ly/ leliaesebastiaosalgado

Produções audiovisuais revelam o pensamento, a estética e a ética do fotógrafo Sebastião Salgado.

gráfica

MUITOS TONS DE VERDE

Passeio fotográfico pela Mata

Atlântica revela a potência de uma das maiores biodiversidades do mundo e reforça a importância da preservação do bioma

Vista aérea da Reserva Natural Sesc Bertioga.

Quantas variações da cor verde existem? Essa resposta não é muito simples para quem tem a oportunidade de entrar em um trecho de floresta da Mata Atlântica, onde as nuances das folhagens, presentes em todas as estações do ano, são protagonistas. Assim como uma paisagem revela seus detalhes conforme o olhar do espectador se acostuma, o ambiente da floresta se mostra cada vez mais familiar, não só à visão, mas também aos outros sentidos. “A floresta não é colorida, ela é em tons de verde. As outras cores são de detalhes, como a flor de uma bromélia ou de uma orquídea”, pontua o biólogo e educador ambiental Marcelo Bokermann.

Refúgio de uma das maiores biodiversidades do planeta, a Mata Atlântica abrange cerca de 15% do território brasileiro, cobrindo grande parte da costa leste e se estendendo para o interior nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática. Ela está presente em 17 estados e é o lar de cerca de 70% da população. Serviços essenciais, como abastecimento de água, regulação do clima, agricultura, pesca, energia elétrica e turismo, dependem desse bioma que hoje ocupa menos de um terço do seu território original.

A Mata Atlântica é composta por florestas tropicais caracterizadas por altas e constantes taxas de chuva e umidade. Possui espécies de árvores com folhagens largas e perenes, que mantêm o verde durante todo o ano, além de ecossistemas associados, como manguezais, vegetações de restingas, campos de altitude, entre outros.

Bokermann, que também é supervisor da Reserva Natural do Sesc Bertioga [Leia mais em Refúgio na cidade], reforça a importância da umidade para a biodiversidade, uma característica dessa vegetação. “Como na Mata Atlântica há uma alta quantidade de umidade, é possível ver muitas espécies de animais que se adaptam a esse ambiente: os anfíbios, por exemplo, como os sapos e as pererecas. Existem mais de 600 espécies, entre animais e plantas, identificados. É bicho-preguiça, macaco-prego, cachorro-do-mato, ouriço-cacheiro, fora as muitas espécies de morcegos”, elenca.

Esse bioma tem um dia em sua homenagem (27 de maio) e é o único no país protegido por lei (11.428/2006). Como outras florestas no mundo, sua restauração é uma das prioridades da agenda ambiental. Para isso, instituições como a Fundação SOS Mata Atlântica desenvolvem projetos para monitorar e coibir o desmatamento. Em colaboração com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que monitora a vegetação nativa desde 1989, criou o relatório anual Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, que se tornou uma referência para a difusão do conhecimento sobre o desmatamento da região, auxiliando na identificação das áreas mais ameaçadas.

Um pica-pau-de-cabeça-amarela (Celeus flavescens). A faixa vermelha abaixo dos olhos identifica que é um macho.

Por meio de uma parceria com os moradores de Bertioga, o Sesc São Paulo também é um dos atores que contribui para a manutenção desse bioma. “A comunidade foi convidada a ajudar a desenhar a Reserva Natural Sesc Bertioga. Tem trilhas aqui que foram feitas a partir de conversas com a população. No entorno da reserva, existe uma comunidade que nos ajuda a cuidar da floresta. Forma-se um vínculo. E só cuidamos daquilo com que a gente tem um vínculo emotivo, não é mesmo?”, conclui Bokermann.

No alto das árvores ou no chão da floresta, bromélias como esta (Tillandsia sp) colorem a Mata Atlântica.

Mimetizada entre as folhas, a pequena perereca (Ololygon argyreornata) fica quase imperceptível no meio da floresta.

Beija-flor-roxo (Chlorestes cyanus), na entrada da Trilha do Sentir.

O nome científico do besouro-tartaruga (Cyrtonota sexpustulata) faz referência às seis pequenas protuberâncias avermelhadas presentes na carapaça.

gráfica

As cores vermelha, laranja e verde destacam a presença de liquens.

O fungo urupê (Pycnoporus sanguineus) tem papel fundamental na decomposição da madeira e na redistribuição dos nutrientes no bioma.

A delicadeza da mariposa (Euagra sp).
O fruto do Tucum (Bactris setosa), palmeira nativa que dá nome a uma das trilhas da Reserva Natural Sesc Bertioga.

ver no sesc / gráfica

REFÚGIO NA CIDADE

Criada em 2016, a Reserva Natural Sesc Bertioga abriga duas trilhas abertas ao público e conta com uma programação voltada à educação ambiental

Localizada na zona urbana de Bertioga, litoral norte de São Paulo, a Reserva Natural Sesc Bertioga foi criada em 2016 com a intenção de integrar a população aos ambientes naturais da cidade. A unidade de conservação de cerca de 60 hectares de Mata Atlântica possui uma estrutura para receber o público: um centro de visitantes com informações sobre a Reserva, fauna e flora, além de um jardim de brincadeiras para as crianças e de um espaço para a realização de vivências e oficinas.

O principal atrativo do local são duas trilhas com acesso gratuito para todos os públicos. A Trilha do Sentir,

com 960 metros de extensão, é feita por passarelas de madeira suspensas e possui recursos de acessibilidade, que permitem o acesso de pessoas com dificuldade de locomoção, com deficiências físicas ou visuais. Ao longo do percurso, placas táteis em alto relevo, com imagens da fauna e da flora, apresentam a biodiversidade local.

Uma segunda trilha aberta no nível do terreno tem cerca de 300 metros de extensão e leva o nome de Tucum, fazendo referência ao fruto comestível de uma palmeira presente em todo o território brasileiro.

Uma equipe de educadores ambientais realiza projetos com foco na valorização e relação com as comunidades e culturas locais, no incentivo às pesquisas científicas e no diálogo com outras unidades de conservação. “O primeiro contato do público geralmente é feito conosco. O que também é interessante, porque nós somos moradores de Bertioga. Conhecemos praticamente todo mundo, o que facilita bastante o diálogo com a população”, afirma Gustavo Xavier, guarda-parque da reserva.

Outro trabalho essencial da equipe é a proteção da biodiversidade. “Instalamos câmeras para acompanhar a vida da floresta. Conseguimos fazer muitos registros: de tamanduá, veado-catingueiro, irara, lontra”, acrescenta.

Saiba mais sobre a estrutura da Reserva Natural Sesc Bertioga e sua programação em sescsp.org.br/ reserva-natural-sesc-bertioga

Vista de cima do centro de visitantes da Reserva Natural Sesc Bertioga: um dos destaques é o domo geodésico (à esq.), uma grande escultura que reflete conceitos de sustentabilidade e interdependência.

25 de novembro a 6 de dezembro de 2025

Participe de atividades que estimulam reflexões sobre autocuidado, desconstroem preconceitos e promovem o respeito em todas as relações humanas.

Em diversas unidades do Sesc São Paulo.

apresentações artísticas bate-papos oficinas cursos exibição de filmes

Planeta nasTELAS

Ao lado, cenas da série Amazônia, arqueologia da floresta, dirigida por Tatiana Toffoli, realizada pelo SescTV e exibida pelo Sesc Digital. Em duas temporadas, a produção acompanha as pesquisas do arqueólogo Eduardo Góes Neves em sítios arqueológicos na região.

Produções audiovisuais com temáticas ambientais servem como espelho da urgência climática e plataforma para reflexões e perspectivas de futuro

Fundada em 1922, a rede de televisão britânica BBC se notabilizou por documentários sobre o planeta: os oceanos, a vida selvagem e a resiliência da natureza em condições extremas. Essas séries são produzidas até hoje e exportadas para o mundo inteiro – o Fantástico, da TV Globo, por exemplo, ainda exibe versões dubladas desses programas. Mas, a partir dos anos 2000, houve uma virada de chave: por pressão de grupos ambientalistas, as tradicionais imagens contemplativas de áreas intocadas deram lugar a cenários com alterações climáticas, poluição em rios e mares, ameaças à fauna, enchentes, conflitos, desmatamentos e contaminações, entre outras pautas urgentes.

Ao dedicar um capítulo do livro Planetary Cinema: Film, Media and the Earth (Amsterdam University Press, 2022) às séries da BBC, o pesquisador brasileiro Tiago de Luca, doutor e professor em estudos de cinema na Universidade de Warwick, na Inglaterra, percebeu que, na passagem para o século 21,

começou uma conscientização coletiva, a partir de um consenso científico, de que uma crise climática em escala global estava em curso. “Analiso quais imagens são usadas em filmes e séries que têm a Terra como foco, e proponho uma comparação entre as duas últimas viradas de século. As regiões mais pobres e destruídas pelo colonialismo, no Sul Global, são as que mais sofreram e ainda sofrem, mas o problema é planetário. As recorrentes queimadas em regiões ricas de Los Angeles, nos Estados Unidos, estão aí para comprovar esse ponto. Meu objetivo, nessa obra, é entender como o cinema e o audiovisual têm encarado tudo isso”, destaca De Luca, que é autor e co-organizador de outros títulos sobre cinema.

O docente acrescenta que a temática do “fim do mundo” nunca esteve tão presente no imaginário cultural, como nas ficções científicas hollywoodianas centradas em cenários apocalípticos. Há, nesse sentido, o risco da “estetização da destruição”

– chamada em inglês de toxic sublime –, ou seja, a possibilidade de uma devastação ambiental inevitável ser contemplada pelo espectador. “Vivemos bombardeados por imagens, e nossa capacidade de concentração tem sido cada vez menor. Tantos filmes e vídeos de destruição, infelizmente, podem banalizar o assunto e nos dessensibilizar”, analisa o pesquisador.

No entanto, De Luca acredita que o cinema tem a capacidade de encarar problemas, apresentá-los ao grande público, denunciá-los e propor soluções. “Não acho que o cinema, por si só, pode mudar o mundo. Mas pode transformar a nossa percepção de mundo. Se essa percepção vai se transformar em ação, depende de muitas variáveis”, avalia. Além disso, o especialista aponta que o formato documental, por sua ligação com a realidade, tem sido amplamente utilizado em filmes e séries sobre o meio ambiente. “Hoje, muita gente tem acesso a câmeras e celulares, que podem ser usados por indivíduos,

No documentário Amazônia, a nova Minamata? (2022), o cineasta Jorge Bodanzky, acompanha a saga do povo Munduruku frente ao desastre pela contaminação de águas, peixes e pessoas por mercúrio.

coletivos e comunidades para fazer cinema e audiovisual. Indígenas, por exemplo, têm produzido obras incríveis com suas cosmologias. Assim como a crise é complexa e planetária, as ações de resistência também precisam ser feitas em conjunto, de forma sistêmica e organizada”, considera De Luca.

VOZES DA FLORESTA

Centrado em temáticas ambientais, o cinema indígena vem ganhando força no país, sobretudo após a criação, há quase quatro décadas, do projeto Vídeo nas Aldeias, idealizado pelo documentarista francês Vincent Carelli. Uma das vozes atuais dos povos da floresta é Juma Xipaia, liderança indígena da aldeia Kaarimã e primeira mulher a se tornar cacica no Médio Xingu, na Terra Indígena Xipaya (a cerca de 400 quilômetros de Altamira-PA).

Juma é protagonista-produtora

do documentário Yanuni (2025), dirigido e roteirizado pelo austríaco Richard Ladkani e coproduzido pelo ator estadunidense Leonardo DiCaprio. O filme mostra a luta de Juma e do marido, Hugo Loss, chefe da fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na Amazônia, contra o garimpo ilegal.

“Nossa batalha diária está retratada na tela: antes, era contra a usina hidrelétrica de Belo Monte; agora, é contra a mineração em nossos territórios, que desmata a floresta, contamina a água e os peixes, adoece nosso povo e gera impactos em todo o planeta, pois estamos interconectados. A natureza é nossa mãe, nossa força, nossa farmácia e nossa cura”, pontua Juma, que é mãe de quatro filhos.

Yanuni já passou por festivais como o de Tribeca, em Nova York (EUA), e o Los Angeles Brazilian International

Film Festival, também nos EUA, onde venceu o prêmio de Melhor Documentário, em outubro. Ainda em outubro, a obra conquistou dois dos maiores prêmios no Jackson Wild Media Awards, o Oscar do cinema ambiental, e foi exibida na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Para Juma Xipaia, Yanuni é mais que um filme: é um chamado à ação. De acordo com ela, levar discussões ambientais para o cinema é fundamental porque permite que mais pessoas se sensibilizem e compreendam outras realidades e reivindicações. ̋O cinema é um espaço de poder –assim como os espaços políticos de tomada de decisão – e queremos ocupá-lo”, complementa.

Na visão da líder indígena, integrantes de povos originários, para além do protagonismo nas telas, precisam trabalhar como diretores, produtores, roteiristas e em outras funções da cadeia do audiovisual – como na Rede

ACREDITO NA FORÇA QUE O CINEMA TEM DE CRIAR CONEXÕES PROFUNDAS COM AS PESSOAS, COMOVER E TRANSFORMAR

Juma Xipaia, líder indígena e produtora do documentário Yanuni (2025)

Katahirine, formada exclusivamente por mulheres indígenas. “Quem vive a nossa realidade consegue traduzir, com verdade e sensibilidade, o que está em jogo: a floresta, os modos de vida tradicionais e o futuro do planeta. Acredito na força que o cinema tem para criar conexões profundas com as pessoas, comover e transformar”, afirma Juma.

OLHARES PARA A AMAZÔNIA

Mesmo entre realizadores(as) não indígenas, é praticamente impossível tratar de cinema ambiental no Brasil sem apontar as câmeras para a Amazônia. Há meio século, os diretores Jorge Bodanzky e Orlando Senna lançavam Iracema – Uma Transa Amazônica (1974).

“Sempre tratei de questões sociais nos meus filmes e as ambientais vieram junto, como consequência. Acabaram se tornando um complemento do que eu faço”, destaca Jorge Bodanzky, membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, com direito a voto na categoria de Melhor Documentário do Oscar.

Nos últimos anos, o cineasta lançou também a série Transamazônica: Uma estrada para o passado (2021), em parceria com Fabiano Maciel, para o canal de streaming HBO Max; e os documentários Amazônia, a nova Minamata? (2022) – que ganhou maior circulação comercial neste ano – e Um olhar inquieto – O cinema de Jorge Bodanzky (2025).

“Nesse filme de 2022, comparo a situação indígena com o que ocorreu, na década de 1950, na bacia de Minamata, no Japão. Uma indústria química derramou mercúrio numa vila de pescadores e, a partir da contaminação da água e dos peixes, surgiram problemas neurológicos terríveis e irreversíveis na população. Esse é considerado o primeiro grande desastre ecológico do mundo – e eu mostro registros históricos dele no documentário”, resume. Após décadas de luta, essa baía no Japão foi despoluída e já é possível pescar. As vítimas receberam indenização, mas as consequências dessa catástrofe ambiental permanecem. “Meu documentário é um alerta para que essa mesma tragédia não ocorra na Amazônia, tanto na parte brasileira

quanto em mais oito países da América do Sul”, adverte Bodanzky. “Essas pautas estão muito presentes no audiovisual indígena porque eles são os primeiros a sofrer as consequências da destruição de biomas como a Amazônia”, reflete.

SÉRIES E FESTIVAIS

O audiovisual com foco no meio ambiente está presente também em séries como Amazônia, arqueologia da floresta (2022), dirigida por Tatiana Toffoli, realizada pelo SescTV e exibida pelo Sesc Digital. Seguindo o trabalho do arqueólogo Eduardo Góes Neves em Rondônia e no sul do Amazonas, a segunda temporada chegou em 2024 e venceu, em agosto deste ano, o prêmio de voto popular no 3º Festival Curta! Documentários. A diretora já está produzindo a terceira temporada da série, “A previsão é que estreie em 2027”, antecipa Toffoli.

Nos episódios já lançados, Amazônia, arqueologia da floresta mostra como a ocupação humana moldou a região. Vestígios preservados por milênios, entre camadas de terra e conchas, revelam restos de fauna, sementes de plantas, cerâmicas e ossos de povos que habitaram a floresta há cerca de seis mil anos. Precisamos reformular nossa maneira de viver, de produzir e consumir. O cinema e o audiovisual podem construir outras histórias, outros futuros, bem diferentes das ficções científicas que nos habituamos a ver”, pondera Tatiana Toffoli.

E é nos festivais e mostras de cinema e audiovisual que questões ambientais ganham ainda mais repercussão. O Brasil

reúne hoje uma extensa lista de eventos concentrados nessa temática, Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA, Goiás-GO) Mostra Ecofalante (São Paulo-SP, com itinerância nacional), Festival de Cinema da Amazônia – Olhar do Norte (Manaus-AM), Citronela Doc (Ilhabela-SP), Festival Internacional de Cinema Ambiental (Filmambiente, Rio de JaneiroRJ), Bonito CineSur (Bonito-MS) e Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente (São Paulo-SP).

De acordo com o diretor da Mostra Ecofalante de Cinema, e fundador da ONG Ecofalante, Chico Guariba, existem hoje mais de 20 festivais do gênero no país. Criada em 2003, a Ecofalante é uma das mais longevas e reconhecidas. “Ao longo de 14 edições, muita coisa mudou. No início, a noção de meio ambiente era mais atrelada aos povos indígenas e às florestas. Hoje também tratamos muito de questões urbanas, falta de moradia, segregação espacial, desigualdade social, falta de água, racismo ambiental, tecnologias, contaminações, fake news. Tudo isso está relacionado aos recursos naturais e, portanto, ao meio ambiente”, explica Guariba. Um dos longas mais aclamados na edição deste ano da mostra foi A queda do céu (2024), de Eryk Rocha [filho dos cineastas Glauber Rocha (1939-1981) e Paula Gaitán] e Gabriela Carneiro da Cunha. Com estreia comercial prevista para o dia 20 deste mês, o filme é baseado no livro homônimo do antropólogo francês Bruce Albert, escrito a partir de relatos do líder indígena Davi Kopenawa.

Ao longo de duas décadas, os documentários e filmes de ficção selecionados pela Mostra Ecofalante evoluíram tanto esteticamente quanto em propostas de linguagem. Atualmente, a Ecofalante é realizada em junho (no período da Semana do Meio Ambiente) e dura 15 dias. Ao longo do ano, a mostra realiza itinerâncias pelo país, com seminários e ações paralelas. “Temos uma vocação formativa e educacional desde o início, trabalhamos muito com as novas gerações justamente para termos perspectivas de futuro. Nossa missão principal é democratizar o debate socioambiental”, finaliza Guariba, que em 2022 criou a plataforma de streaming Play.

CINE AMBIENTE

Programação do Sesc São Paulo projeta filmes com temáticas ambientais, cine-concertos e debates para todos os públicos

Fundado em 1979, o CineSesc é um dos cinemas de rua mais tradicionais da cidade de São Paulo, e conta com uma sala de cinema com mais de 270 lugares, além de um projetor DCP e 35 mm. Outras unidades do Sesc São Paulo também exibem suas próprias programações audiovisuais, seja em auditórios, salas multiuso, teatros, espaços alternativos ou mesmo ao ar livre, já que a instituição trabalha com a proposta de cinema expandido. Nesse panorama, são realizadas sessões com trilha sonora ao vivo (cine-concertos), filmes em realidade virtual, projeções na piscina, no bosque, no solário e em vários outros lugares que a imaginação – e a infraestrutura – permitir. As unidades do Sesc São Paulo promovem exibições semanais, que podem ser sessões únicas ou fazer parte de projetos. Somam-se a essas ações o catálogo do Sesc Digital, disponível no formato on demand, e a grade do SescTV.

A instituição também é parceira de eventos de cinema, como a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Curta Kinoforum, comKids, É Tudo Verdade, Mostra Ecofalante, entre outros. “O Sesc compreende o cinema para além da exibição. Ele também pode ser trabalhado a partir de atividades formativas e de mediação, em debates, encontros, bate-papos, cursos, oficinas e seminários. Procuramos exibir filmes que tratem de questões que atravessam a sociedade, que dialoguem com a nossa diversidade cultural e respeitem os direitos humanos”, destaca Cecília de Nichile, especialista em cinema da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo.

para ver no sesc / cinema

Baseado nas palavras do xamã Davi Kopenawa, o documentário A queda do céu (2024), dirigido por Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, será exibido neste mês, na programação do Sesc Sorocaba.

SOROCABA

Confira os destaques da programação:

CENTRO DE PESQUISA E FORMAÇÃO

Cine Debate

O silêncio das ostras

O filme aborda a história da menina Kaylane, nascida numa vila de operários. Com o fim da mineração, a garota e seu cachorro são os únicos que não abandonam o lugar, até que ocorre o rompimento de uma barragem. A exibição é seguida por debate com o diretor e roteirista Marcos Pimentel. 29/11, sábado, das 15h às 18h. GRÁTIS.

BIRIGUI

Flow (2024)

Vencedor do Oscar de Melhor Animação em 2025, esse longa da Letônia apresenta um gato solitário que, após uma grande inundação, encontra refúgio em um barco habitado por diversas espécies. Direção de Gints Zilbalodis. 2/11, domingo, às 16h. GRÁTIS.

Mostra Meio ambiente [entre planos]

A queda do céu (2024)

Baseado nas palavras poderosas do xamã e líder indígena Davi Kopenawa Yanomami, o documentário retrata a comunidade Watoriki durante o ritual funerário reahu. Direção de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha. 11/11, terça, às 19h. GRÁTIS.

Cine-concerto

Koyaanisqatsi (1982)

trilha sonora por Guilherme Chiappeta

Documentário sem atores nem diálogos mostra relações entre os seres humanos, a natureza, o tempo e a tecnologia. Direção de Godfrey Reggio. 18/11, terça, às 19h. GRÁTIS.

Iracema – Uma Transa Amazônica (1974)

Um caminhoneiro trafegando pela rodovia

Transamazônica conhece uma adolescente indígena prostituída e, aos poucos, percebe os problemas da região. Direção de Jorge Bodanzky e Orlando Senna. 25/11, terça, às 19h. GRÁTIS.

OLHARES SOBRE A CRISE CLIMÁTICA

Nada será como antes. Pelas ruas, essa constatação ecoa uma preocupação em comum: os efeitos das mudanças climáticas. De fato, o clima tal qual o conhecíamos mudou e com isso o regime de chuvas, o período de secas, as ondas de calor e outros eventos extremos atingem a cidade e o corpo que habitamos. Nesse cenário, cada geração é afetada de maneira particular. Por um lado, a população idosa, que já vivencia alterações fisiológicas e condições crônicas mais frequentes, apresenta maior vulnerabilidade. Por outro, as crianças estão mais suscetíveis a problemas de saúde e ao abandono escolar, além de apresentarem quadros de angústia e medo diante dos efeitos dessa crise global.

Segundo o professor titular de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e médico geriatra Luiz Roberto Ramos, estima-se que cerca de 48 mil mortes no Brasil foram atribuídas ao calor excessivo no período de 2000 a 2018, sendo a maioria delas de pessoas com 65 anos ou mais. “A mortalidade anual na América Latina relacionada ao calor extremo entre idosos aumentou cerca de 85% desde a década de 1990. Devemos lembrar que, com a idade, o corpo perde eficiência para regular a temperatura corporal, o que aumenta o risco de hipertermia em ondas de calor e hipoter -

mia em dias de frio intenso. Temos também que considerar que idosos estão mais sujeitos a desenvolver doenças cardiovasculares, respiratórias e renais que podem ser agravadas em climas extremos e diante de poluição atmosférica”, alerta.

Gerente de Natureza do Instituto Alana, onde atua como estrategista e na área de advocacy para causas socioambientais e direitos das crianças, JP Amaral traz pesquisas que constatam inúmeros desafios enfrentados pelas infâncias, agravados pela crise climática. “Sabia que após desastres climáticos, meninas têm o dobro de chances de não voltarem para a escola? Isso porque a dinâmica familiar acaba pressionando-as a largar os estudos para cuidar das tarefas domésticas enquanto os pais têm que trabalhar”, relata.

No entanto, também são as crianças que buscam uma mudança dessa situação. “Muitas querem saber mais, perguntam aos pais e querem fazer algo a respeito. E aí, fica a pergunta: como falar com elas sobre clima e como apoiá-las na vontade de mudar a realidade?”.

No mês em que a COP30 é realizada no Brasil, na cidade de Belém (PA), os artigos de Ramos e Amaral levantam dados, reflexões e propostas para o enfrentamento da crise climática e construção de outro presente e futuro para essas e próximas gerações.

Quais os efeitos da crise climática sobre a população idosa?

As mudanças climáticas constituem um dos maiores desafios do século 21, com impactos que transcendem fronteiras geográficas e geracionais. Fenômenos como aumento da temperatura média global, elevação do nível do mar, eventos climáticos extremos e perda de biodiversidade não apenas afetam o presente, mas moldam profundamente o futuro das próximas gerações. Analisar o tema sob uma perspectiva intergeracional significa reconhecer que as ações – ou omissões – da sociedade atual influenciam diretamente as condições de vida de jovens, adultos e idosos hoje e no futuro.

As mudanças climáticas no Brasil estão aceleradas, com efeitos expressivos sobre temperatura, chuvas e ecossistemas. Mudanças que afetam a população idosa de maneira particularmente intensa, pois o envelhecimento traz alterações fisiológicas, condições crônicas mais frequentes e limitações socioeconômicas que aumentam a vulnerabilidade diante de eventos climáticos extremos.

Estima-se que cerca de 48 mil mortes no Brasil foram atribuídas ao calor excessivo no período de 2000 a 2018, sendo a maioria delas de pessoas com 65 anos ou mais. A mortalidade anual na América Latina relacionada ao calor extremo entre idosos aumentou cerca de 85% desde a década de 1990.

Devemos lembrar que, com a idade, o corpo perde eficiência para regular a temperatura corporal, o que aumenta o risco de hipertermia em ondas de calor e hipotermia em dias de frio intenso. Temos também que considerar que idosos estão mais sujeitos a desenvolver doenças cardiovasculares,

respiratórias e renais que podem ser agravadas em climas extremos e diante de poluição atmosférica. Devido a senescência do sistema imunológico, os idosos têm maior suscetibilidade a infecções transmitidas por água ou alimentos contaminados, em casos de enchentes e ondas de calor.

Situações de enchentes, como as verificadas no sul do país recentemente, aumentam o risco de acidentes, isolamento social e interrupção de tratamentos e cuidados à saúde de idosos com mobilidade reduzida e sem uma rede de apoio. As ondas de calor, que estão cada vez mais frequentes, tanto no Brasil como no resto do mundo, aumentam o risco de desidratação, síncopes e quedas, além do agravamento de doenças cardíacas e aumento da mortalidade em idosos.

Em relação à desidratação, devemos lembrar que uma pessoa idosa exposta a um calor extremo desidrata facilmente e demora para se reidratar por vários motivos: idosos têm menor sensibilidade à sede levando a menor percepção da necessidade de ingerir líquidos; os rins dos idosos têm menor capacidade de concentrar a urina para conservar água no corpo, facilitando a perda de líquidos; várias doenças crônicas comuns entre idosos utilizam diuréticos no tratamento, que dificultam a reposição adequada de líquidos em situações de emergência.

As estratégias de prevenção de mortes de idosos durante ondas de calor são várias, mas a mais importante é a ingestão regular de líquidos (água, soros de hidratação, sucos), mesmo sem sentir sede, e manter uma dieta rica em frutas com alto teor de água (melancia, melão e laranja, por exemplo). Além da hidratação, deve ser evitada a ingestão de álcool que aumenta a diurese e facilita a desidratação. Idosos devem usar roupas leves e procurar ambientes ventilados e com ar-condicionado quando possível.

É fundamental que familiares monitorem seus idosos, principalmente os que vivem sozinhos, quanto à ingestão de líquidos e tomada dos medicamentos de rotina. Normalmente, idosos devem ingerir cerca de dois litros de água distribuídos ao longo do dia (200 ml a cada uma ou duas horas, por exemplo). Em situações de calor intenso, essa

Fomentar a participação ativa da comunidade, estimulando a solidariedade intergeracional e o engajamento de lideranças locais, aumenta a resiliência coletiva diante de adversidades climáticas

Do ponto de vista da saúde pública, as estratégias de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas extremas em populações vulneráveis, como os idosos, incluem planos de alerta e resposta rápida ao aumento da temperatura ambiente ou de inundação, provendo abrigos climatizados, transporte acessível e redes de apoio comunitário, envolvendo vizinhos e voluntários. Políticas públicas devem integrar cuidados de saúde, assistência social, urbanismo e meio ambiente.

quantidade deve ser aumentada, mesmo que não sintam sede, evitando líquidos açucarados ou com muita cafeína. Nos casos que evoluem para uma desidratação leve (boca seca, diminuição do volume urinário), devemos oferecer soros de reidratação oral [1 litro de água + 1 colher (sopa) de açúcar + 1 colher (chá) de sal].

É importante identificar sinais de desidratação grave como confusão mental, tontura, desmaio, convulsão, ausência de urina por várias horas, pois pode ser necessário uma hidratação endovenosa em um serviço de saúde, com cuidados médicos. Em idosos com restrição hídrica por insuficiência cardíaca ou renal, o aumento da ingestão de líquidos deve ser avaliado individualmente pelo médico.

Para enfrentar esses desafios crescentes, é fundamental fortalecer a articulação entre saúde, assistência social e proteção ambiental, promovendo a capacitação de profissionais e cuidadores para reconhecer sinais precoces de agravo e agir rapidamente. Investimentos em infraestrutura adaptada, sistemas de alerta precoce e campanhas educativas acessíveis podem salvar vidas e reduzir hospitalizações. Além disso, fomentar a participação ativa da comunidade, estimulando a solidariedade intergeracional e o engajamento de lideranças locais, aumenta a resiliência coletiva diante de adversidades climáticas.

Mesmo que os compromissos internacionais assumidos nas conferências sobre o clima sejam cumpridos, os impactos das mudanças climáticas ainda existirão, exigindo planos robustos de adaptação regional, proteção dos biomas, e políticas de mitigação eficazes frente à emergência climática. A perspectiva intergeracional envolve a ideia de justiça climática: a geração presente detém poder de decisão sobre padrões de consumo, uso de recursos e políticas ambientais, enquanto as gerações futuras arcarão com as consequências. Esse conceito se ancora em princípios éticos como a equidade e a solidariedade, defendendo que não é moralmente aceitável transferir custos ambientais para quem ainda não pode participar das decisões.

Luiz Roberto Ramos é médico geriatra e professor titular de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Se o clima é de mudança, vamos olhar para a criança

Como as crianças estão sentindo as mudanças climáticas se não sabem como era antes? Essa pergunta tem me feito refletir. Pense comigo: se você não tem referência de um cenário diferente de onde vive, como pode imaginar outro mundo? Quando se trata de crianças, estamos falando de uma perspectiva de mundo que irá se perpetuar por toda uma geração. Não à toa, ouvimos: “as crianças de hoje não sabem brincar na rua”. Ou ainda: “na minha época, não tinha essa de ficar trancado em casa”. Mas elas nunca souberam fazer diferente.

A verdade é que estamos tirando das crianças a possibilidade de existirem em duas dimensões. Primeiro, por estarmos diminuindo e degradando cada vez mais os seus espaços a partir do momento em que desmatamos e concretamos as ruas, priorizamos os carros e introduzimos, na sociedade, a cultura do medo. Estamos tornando as infâncias mais e mais emparedadas. Na essência, estamos distanciando as crianças do seu habitat: a natureza. As crianças facilmente se conectam com a natureza, sentem-se parte dela e despertam um vínculo muito especial de cuidar e de serem cuidadas.

A segunda dimensão tem a ver com o fato de que as crianças estão crescendo com medo da natureza e muito disso se deve ao clima. Crianças com medo de trovão, de chuva ou dos ventos têm sido cada vez mais comuns. Ou seja, além de terem cada vez menos natureza, elas são privadas de aproveitar o pouco que têm por causa dos riscos climáticos que estamos provocando. Segundo a pesquisa O acesso

ao verde e a resiliência climática nas escolas das capitais brasileiras, de 2024, desenvolvida de forma conjunta pelo Instituto Alana e pela Fiquem Sabendo, 4 em cada 10 escolas das capitais brasileiras não têm área verde.

Estamos com uma bomba relógio nas mãos: 64% das escolas estão em territórios a pelo menos 1ºC acima da média de temperatura do perímetro urbano das respectivas capitais. E entre as dez capitais com maior proporção de escolas localizadas em territórios que apresentaram temperatura 3,57ºC acima da média urbana, cinco estão no Norte (Manaus, Macapá, Boa Vista, Porto Velho, Rio Branco). Sabemos ainda que 1,7 milhão de alunos estão em escolas em áreas de risco de deslizamento ou de enchentes.

Globalmente, 242 milhões de alunos do mundo já tiveram perda de aulas por causa de eventos climáticos extremos, de acordo com dados da Unicef. Importante ressaltar que, quanto mais próximas as escolas estão de favelas, mais impactadas elas serão – 90% delas estão em áreas de risco e 52% não têm áreas verdes. Isso mostra que as mudanças climáticas estão afetando as crianças de maneira mais severa quando enxergamos pela ótica das desigualdades.

O clima afeta as crianças de várias formas que nem imaginamos. Sabia que após desastres climáticos, meninas têm o dobro de chances de não voltarem para a escola? Isso porque a dinâmica familiar acaba pressionando-as a largar os estudos para cuidar das tarefas domésticas, enquanto os pais têm que trabalhar.

As crianças sentem o clima no corpo. A poluição do ar, muitas vezes associada às emissões de carbono, afeta o desenvolvimento dos órgãos desde a barriga da mãe. No calor extremo, os corpos das crianças aquecem mais rápido e esfriam mais lentamente, afetando diretamente sua saúde. Além disso, as enchentes aumentam os índices de doenças, como diarreia, cólera e leptospirose.

As crianças também sentem o clima na mente. Vemos relatos de crianças sofrendo por ansiedade cli-

Temos que honrar a infância. Que a COP30 seja a COP das Crianças.

mática, seja pelas notícias ou pela proximidade com os riscos. Um levantamento global divulgado pela revista científica The Lancet revelou que 45% de crianças e jovens dizem sentir ansiedade climática e 75% temem pelo futuro. Em grande escala, o resultado é alarmante: quase 1 bilhão de crianças e adolescentes, cerca de metade da população mundial, está sob algum risco climático, seja de enchentes, secas, calor ou poluição do ar. No Brasil, esse número chega a 40 milhões. Isso nos mostra que não podemos mais tratá-las como futuras gerações, mas gerações que estão sendo afetadas no aqui e agora.

A energia contagiante das crianças, no entanto, não as deixa paradas, esperando que os adultos façam alguma coisa. Muitas querem saber mais, perguntam aos pais e querem fazer algo a respeito. E aí, fica a pergunta: como falar com elas sobre clima e como apoiá-las na vontade de mudar a realidade? É na primeira infância que aprendemos a enxergar o mundo pelas lentes das experiências e do vínculo. Por isso, essa fase é o momento de criar conexão com a natureza e com outras crianças. Momento de colocar em prática o lema: “a gente só cuida daquilo que a gente conhece”, gerando uma relação de interdependência e encantamento.

Quando mais velhas, é necessário educá-las para o que está acontecendo no mundo. Reconhecer e enfrentar os desafios da crise climática é uma das formas de educação, criando um senso crítico sistêmico do problema e compreensão do papel de cidadãs. É chegado o momento da ação – quando crianças e adolescentes têm o desejo de fazer algo a respeito. Nesse momento, é importante transformar a indignação e os questionamentos em esperança e impulso, como foi com a jovem ativista Greta Thunberg. Mostrar que crianças e adolescentes não estão sozi-

nhos é uma forma de motivá-los e ajudá-los a identificar seus pares para levantar a voz.

É possível fazer isso de forma ainda mais coordenada e estimulada por políticas públicas e iniciativas colaborativas. Diversos municípios têm instituído comitês formados por crianças – espaços formais de participação democrática e diversa para que o público infantil possa participar, opinar e propor projetos e políticas públicas da cidade. A rede Urban95, que atua na promoção de políticas públicas municipais para a primeira infância, conta com uma série de guias e ferramentas para municípios que querem construir soluções para suas cidades, colaborativamente com as crianças. Outra iniciativa são as MiniCOPs: mobilização de escolas, comunidades e qualquer mutirão de crianças e adolescentes que queiram aprender, discutir e colocar a mão na massa, tendo como impulso a COP30, que acontece neste mês em Belém (PA).

O Brasil tem uma linda jornada de defesa e proteção dos direitos das crianças, especialmente a partir da Constituição Federal, que mobilizou milhões de crianças de todo o país. Foi no Brasil que surgiram as COPs do clima, a partir da ECO-92 no Rio de Janeiro, onde houve o famoso discurso de Severn Suzuki, a menina de 12 anos que silenciou o mundo para ser ouvida com suas duras e esperançosas palavras. Agora, a COP30 é a grande oportunidade para sinalizar ao mundo que crianças e adolescentes são símbolos e motivo para que palavras se tornem ações. Temos que honrar a infância. Que a COP30 seja a COP das Crianças.

JP Amaral é gerente de Natureza do Instituto Alana, onde atua como estrategista e na área de advocacy para causas socioambientais e direitos das crianças. É conselheiro do Greenpeace Brasil, já integrou o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), é cofundador da rede Bike Anjo e do coletivo Ecologia Urbana.

Projetar o AMANHÃ

Arquiteta, urbanista e articuladora ambiental em Belém do Pará, Eduarda Batista defende a justiça climática como um direito a ser reivindicado por toda a sociedade

POR RACHEL SCIRÉ

Eduarda Gonçalves Batista decidiu ser arquiteta ao testemunhar a luta do pai para construir a própria casa, na periferia de Belém (PA). Ao ingressar na faculdade, no entanto, se deparou com uma carreira elitizada, já que somente uma minoria da população da cidade conseguia pagar por um projeto de arquitetura. Em meio a isso, passou a estudar a sustentabilidade das edificações e a pesquisar como essa diretriz respondia aos efeitos do clima. Ela constatou não só o alto gasto energético dos moradores de Belém com ar-condicionado e ventiladores, diante de altas temperaturas, mas também a insalubridade das habitações sociais e periféricas.

“Comecei a me questionar por

quê os mesmos arquitetos que projetam edifícios de alto padrão fazem coisas de tão baixa qualidade ambiental para a população mais pobre”, conta.

Esses incômodos levaram a arquiteta a se identificar com a luta pela justiça climática e pelo fim da pobreza energética. Ela também constatou como as mulheres são empobrecidas, de forma particular, em relação à crise climática e às injustiças ambientais e sociais. Mestre em arquitetura e urbanismo com foco em eficiência energética e membro do Centro de Excelência em Eficiência Energética da Amazônia (Ceamazon), desde 2021, Eduarda ainda é uma das articuladoras ambientais da Rede Jandyras, que busca fortalecer e

ampliar a participação de mulheres no debate político das agendas ambientais. A rede também foi responsável por criar a Agenda Climática para Belém (2021) e por articular, por meio de campanhas, a implementação do Fórum Municipal de Mudanças Climáticas no Plano Plurianual (PPA) de Belém (2022-2025).

Neste Encontros, a arquiteta e articuladora ambiental defende o direito à moradia e fala sobre planejamento de cidades sustentáveis, transição energética e expectativas em torno da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), realizada neste mês, em Belém.

CIDADE SUSTENTÁVEL

Uma edificação construída sob os princípios da sustentabilidade vai consumir menos energia e recursos, o que é importante, mas em Belém (PA) ainda é preciso investir em infraestrutura para dar saneamento básico para as pessoas. A maior parte das habitações no Brasil é autoconstruída, não tem arquiteto, nem engenheiro, são apenas pessoas construindo as próprias casas com o que é possível. Então, antes de tudo, é preciso ter acesso à habitação digna. Nesse processo, infelizmente, obras de infraestrutura urbana não têm como não emitir carbono ou não gerar impacto ambiental – no Brasil a gente ainda precisa do básico. A cidade inteira deveria estar baseada na natureza. Você pode fazer a casa mais sustentável do mundo, mas se o morador estiver a duas horas do trabalho, terá que pegar transporte, que emite carbono. A gente precisa de cidades mais resilientes, ruas caminháveis. Brasília, por exemplo, é extremamente arborizada, mas de uma rua para outra, às vezes, você tem que passar por um túnel escuro. A gente precisa fazer com que as ruas, os espaços públicos, sejam confortáveis, acessíveis, que as cidades sejam para as pessoas. A sustentabilidade caminha ao lado da cidadania.

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

O desafio é barrar a emissão de gás carbono, responsável pelo aquecimento terrestre. A gente precisa de uma transição energética justa e equitativa, novas formas de energia mais econômicas para a nossa região. Várias organizações estão lutando contra a exploração de petróleo na foz do Amazonas,

que é algo que precisa muito ser combatido. A gente não pode mais continuar com essa ideia retrógrada de explorar combustíveis fósseis. Eu estive em comunidade indígena onde já estão com sistema de geração de energia solar. A transição energética alinhada com o desenvolvimento urbano mais sustentável não é uma ação individual. Claro que cada um tem a sua responsabilidade, mas essas grandes viradas acontecem no âmbito político e econômico. A população precisa se engajar.

POLINIZAR MUDANÇAS

A Rede Jandyras nasceu em 5 de setembro de 2021, Dia da Amazônia, a partir de uma formação para articuladoras ambientais, mulheres que lutam pela pauta ambiental no legislativo da cidade de Belém. “Jandyras” vem do Tupi e significa “abelha de mel”, ou seja, abelhas polinizadoras que sinalizam o quão saudável está um ambiente. Recebemos o convite para fazer parte deste enxame, hoje estamos em seis jandyras que trabalham diretamente na

rede, em suas áreas de atuação. Realizamos um trabalho de base, com mulheres, população periférica e negra, e tentamos levar propostas até espaços de tomada de decisão, como a Câmara dos Vereadores, o poder público. A gente trabalha nessa articulação que leva o nome de advocacy, que é um processo de “convencimento” dos atores políticos em relação às pautas ambientais da cidade. Lutamos pela justiça climática na cidade de Belém, entendendo que as mudanças do clima não afetam todos da mesma maneira. Então, justiça climática é tentar balancear o ônus e os ganhos do próprio desenvolvimento. É lutar contra o racismo ambiental, muito presente, e para que nossa cidade seja mais resiliente e adaptada às mudanças do clima.

LEGADO COP30

Quando a gente recebeu a notícia de que a COP seria em Belém, foi uma alegria enorme. É importante que as pessoas venham e vejam a realidade da Amazônia – não dá para mascarar que somos uma das capitais com menor saneamento

ACHO QUE VOCÊ PRECISA SER REALISTA COM ESPERANÇA. (...) A CONEXÃO ENTRE PESSOAS QUE

ESTÃO CAMINHANDO JUNTAS É

MUITO

BOA PARA SE FORTALECER.

básico, menor abastecimento de água e, mesmo na Amazônia, uma das cidades menos arborizadas do Brasil. Os investimentos de infraestrutura para a COP30 estão muito centralizados em áreas que já estão bastante gentrificadas, bem urbanizadas e ocupadas por pessoas de alta renda. Há também a questão da abertura de novas vias, que cortam áreas de preservação ambiental e outro projeto polêmico, no qual o esgoto de bairro de alta renda é levado para uma região pobre, a Vila da Barca, maior comunidade de palafitas de Belém: um clássico caso de racismo ambiental. No desenvolvimento predatório, sempre vai existir uma área de sacrifício para levar aquilo que os outros não querem, como esgoto e lixo. Em Belém, isso fica evidente, e nas obras da COP30 há um grande montante de dinheiro que vai beneficiar certas áreas. Mas, como um todo, a cidade não se vê como beneficiada.

PARTICIPAÇÃO POPULAR

O panorama que faço, como moradora, é de que a população de Belém não tem uma grande expectativa de mudança e não sabe

sobre o evento. A COP30 não é festa, é luta. As outras COPs, no Egito, no Azerbaijão, no Catar, aconteceram em países muito autoritários, que restringiram a manifestação popular. Uma coisa benéfica da COP em Belém é que o pessoal realmente vai para a rua ocupar espaços. Vai ser uma COP com muita participação popular, não só na zona azul [restrita às negociações oficiais, delegações de governos e imprensa credenciada] ou na zona verde [aberta ao público], mas em outros espaços da cidade, cheios de programação. Muitas organizações de base estão fazendo esse trabalho de letramento climático para ajudar a população a entender o que é a COP e para se apropriar dela. Entender as negociações e as pautas é difícil até mesmo para as pessoas do ativismo, quanto mais para leigos. O desejo é de que a população se apodere da pauta ambiental e entenda a necessidade da COP30 na Amazônia, de proteger tudo o que está ameaçado: nosso clima e região.

ESPERANÇAR JUNTOS

A gente fica muito desanimada ao ouvir o que os líderes dos países desenvolvidos estão falando

sobre sustentabilidade, e no cenário político brasileiro, estamos diante da PL da Devastação [PL 2.159/2021]. Mas, se a gente ficar olhando só para isso, desistimos muito fácil, porque parece que estamos sozinhos. Por ser ativista, tive que parar de seguir algumas páginas ambientais porque não conseguia ter saúde mental para continuar trabalhando. Por um tempo, precisei dar uma pausa nas redes sociais em meio a tantas notícias ruins, e comecei a olhar ao redor, para a minha família, colegas de trabalho, pessoas do território. Quando a gente tem quem olhe para a gente como referência e inspiração, entende que não pode enlouquecer. É claro que a gente se revolta. Estamos no meio do furacão, vendo todas as questões de falta de acesso e exclusão das populações da cidade de Belém, o que é grave e precisa ser dito. No entanto, o pessimismo é estratégico, quer dizer, acreditar que não tem mais jeito é bom para quem está explorando. Ser otimista demais também não é bom porque você vai ignorar toda a emergência climática e as injustiças que estão acontecendo. Acho que você precisa ser realista com esperança. Na Rede Jandyras, todos os materiais que a gente produz são realistas, mas trazem propostas. A conexão entre pessoas que estão caminhando juntas é muito boa para se fortalecer.

Articuladora ambiental da Rede Jandyras, Eduarda Batista participou da reunião do Conselho Editorial da Revista E, no dia 24 de setembro de 2025. A mediação do bate-papo foi de Alessandra Gonçalves, que integra a equipe da Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.

inéditos

UM SOLDADIM

POR PAULO BRUNO

Paulo Bruno é um artista visual cearense-caririense com atuação na área de ilustração e histórias em quadrinhos. Suas técnicas variam e se complementam entre desenho/pintura tradicional e digital. Em seu trabalho busca contar enredos a partir do cotidiano comum e das relações interpessoais.

CONSCIÊNCIA AMBIENTAL EM PAUTA

Cofundadora da agência de jornalismo independente

Amazônia Real, Kátia Brasil aponta para os desafios de colocar a crise climática no centro do debate

POR LÚCIA NASCIMENTO

FOTO NILTON FUKUDA

Em 19 agosto de 2019, o dia “virou noite” na cidade de São Paulo. Naquela data, a tarde começou com o céu encoberto por nuvens, a escuridão tomou conta e a iluminação pública foi automaticamente acionada após o almoço. Fotos aéreas mostraram um céu totalmente escuro e carros circulando com os faróis ligados nas principais vias da metrópole.

O fenômeno reforçou um alerta. Afinal, a escuridão foi provocada por partículas de fumaça carregadas pelo vento, oriundas de queimadas em uma região que

parece distante da capital paulista no mapa, mas que é essencial para a qualidade de vida em todo o planeta, a Amazônia. Se alguém precisava de mais evidências, aquele dia ajudou na confirmação dos efeitos das ações humanas sobre a natureza: é preciso um esforço coletivo para que as alterações climáticas e a degradação ambiental sejam combatidas.

“Quando a gente vê fumaça escura em São Paulo, vinda da Amazônia, esse é o maior alerta que nós temos. Se nós, que somos comunicadores, não falarmos disso, quem vai falar?”, questiona

Kátia Brasil, jornalista cearense que, na década de 1990, migrou para a Amazônia. Desde então, ela passou a se dedicar à cobertura de temas ambientais, aos direitos dos povos indígenas e às questões que permeiam esse debate, como as relações entre meio ambiente, racismo e equidade de gênero.

Neste Depoimento, Kátia Brasil conta a própria história e seu percurso como jornalista investigativa, além de enfatizar a urgência de refletirmos sobre as relações entre o clima, o racismo ambiental e as desigualdades sociais que assolam o país.

depoimento

chamado

Mais ou menos em 1987, eu ainda estava na universidade e era muito ativa. Trabalhava no jornal da faculdade, estudava teatro, e uma amiga me chamou para fazer a produção de uma peça em que a Marcélia Cartaxo era uma das atrizes e abordava conflitos no campo. O espetáculo era uma homenagem ao Chico Mendes [(1944-1988), seringueiro e ativista político brasileiro, reconhecido por sua luta pelos seringueiros da Bacia Amazônica]. Aquela aproximação, mesmo que de longe, chamou a minha atenção para a luta dele. Eu comecei a ler mais sobre a Amazônia e, em 1990, já quase no final da faculdade, soube de uma vaga em um jornal de Roraima. Passei na seleção e fui sozinha morar na Amazônia, com a bênção da minha avó e da minha mãe, duas mulheres muito importantes na minha vida. Elas sempre me disseram para buscar meus sonhos e ser independente.

amazônia

Fui para a Amazônia achando que ia fazer grandes reportagens. Mas, quando cheguei lá, a história não foi bem essa. Eu fiquei nove meses

trabalhando em um jornal que não falava de povos indígenas: ninguém podia escrever sobre território e demarcação de terras. Era o jornal de um político, e isso quase me fez desistir do jornalismo. Ao mesmo tempo, nesse lugar, eu encontrei um jornalista chamado Plínio Vicente, que era correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, e ele me ensinou aquele trabalho. Acabei virando correspondente e fui conhecendo a Amazônia. Em 1991, Plínio passou a dirigir o jornal Gazeta de Roraima e fui contratada. Nesse trabalho, pude visitar os territórios, conhecer a terra indígena Yanomami, acompanhar toda a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. Eu me encontrei, naquele momento, como uma jornalista que conseguia ouvir o padre, o fazendeiro, o político, as lideranças indígenas, os garimpeiros: foi a oportunidade de fazer as grandes reportagens que eu sonhava fazer.

carreira

Várias histórias marcaram minha jornada como jornalista, mas uma das principais me conecta com a Amazônia Real, agência de jornalismo independente da qual sou uma das fundadoras. Em

1994, conheci o indigenista que participou do contato com o povo Juma no final dos anos 1980. O povo Juma estava em risco de extinção, e naquele ano eu era correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, mas não havia recursos para ir até eles, porque demandaria uma viagem muito longa. No entanto, fiz uma reportagem contando que, naquela época, a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] estava buscando, em outras etnias, maridos para as três moças que ainda existiam no povo Juma. Essa reportagem teve muita repercussão. Apesar disso, só em 2013, quase 20 anos depois, consegui desenhar a minha viagem para a região. Fiquei seis dias com eles, fiz uma reportagem especial e um documentário que foi premiado. Revelei que as mulheres tiveram filhos, naquela época, e que os próprios filhos, hoje, já se colocam como indígenas Juma. Uma das mulheres do grupo me perguntou como ela poderia ter uma rede social, porque ela queria divulgar a luta do seu povo. Eu passei mais quatro anos tentando buscar recursos e criei um projeto chamado Oficina Jovens Cidadãos. Consegui trazer dez mulheres indígenas para

NOSSO TRABALHO É DAR VISIBILIDADE A ESSAS QUESTÕES PARA QUE A

Manaus (AM), para ensiná-las como utilizar a tecnologia da informação e as redes sociais para divulgar a cultura, a etnia e, principalmente, as ações que fortalecem seus territórios, que precisam ser demarcados, garantindo a segurança para que eles possam sobreviver na Amazônia.

racismo

A questão climática atravessa todos os corpos, mas principalmente os das populações mais vulneráveis, que são compostas por pessoas negras, pobres, indígenas, periféricas: essas pessoas são invisibilizadas. A gente viu isso acontecer, recentemente, no Rio Grande do Sul, com a população pobre sendo a menos atendida [depois da pior enchente registrada no estado gaúcho, em maio de 2024]. Quando a chuva destrói casas e as pessoas perdem tudo, os governos não atendem essa população como ela deveria ser atendida. Nós também vemos isso acontecer todos os anos na Amazônia, e esse apagamento de parcelas da população é muito grave. Quem mais sofre com a questão climática é quem está na ponta, quem está à margem. Nosso trabalho é dar visibilidade a essas questões para que a população veja de fato o que está acontecendo na Amazônia. Porém, nós temos um problema sério nesse sentido: muitas vezes o poder político, os empresários da madeira, do agronegócio, da mineração, todos eles tentam vender a imagem de que na Amazônia está tudo bem, é tudo verde e maravilhoso. Eles contratam artistas e influenciadores para propagar essas ideias. É um trabalho para esconder o racismo ambiental. Se o governo não demarcar os territórios, a Amazônia permanece em risco.

cop30

Quando a gente abriu a Amazônia Real, há mais de 12 anos, a gente queria dar mais visibilidade aos povos. Este é o momento de ouvir as lideranças indígenas, de colocar os quilombolas na televisão, nos jornais. É preciso ouvir essas pessoas para entender o que está acontecendo de fato. A COP traz visibilidade, mas ela não é um show ou uma festa: ela é uma reunião muito importante, em que as pessoas estão decidindo não só o clima do Brasil, mas do mundo inteiro. Quando a gente vê a fumaça escura em São Paulo, vinda da Amazônia, esse é o maior alerta que temos. Se nós, que somos comunicadores, não falarmos sobre isso, quem vai falar? A sociedade precisa desse conhecimento.

atitudes

Se não fizermos nada agora, talvez daqui a dez anos não se consiga fazer mais nada. Essa consciência ambiental tem que partir de cada pessoa: com a reciclagem do lixo dentro de casa; com o comportamento frente ao uso de água, porque a água é essencial para a nossa vida; com tantos outros comportamentos. Essa educação ambiental tem que ser feita com as crianças desde cedo, pela escola e pela família. Nós estamos atrasados há quantos anos? Há 500 anos? É preciso uma força-tarefa urgente para que a população adquira consciência ambiental. Isso não é coisa de ambientalista, de jornalista. É a nossa natureza enquanto seres humanos. Se nós não mudarmos as nossas atitudes agora, as próximas gerações vão sofrer muito mais. Nós vamos deixar essa dívida para quem?

redes

Muitas pessoas realmente se informam por meio das redes sociais e, principalmente, por grupos de WhatsApp e Telegram. O problema é que nesses ambientes, muitas vezes, recebe-se desinformação e repassam-se notícias falsas, as fake news. Não só no Brasil, há uma explosão de informações falsas relacionadas ao clima, ao meio ambiente, às questões de gênero e questões raciais. Na Amazônia Real, a maior parte da audiência é jovem, da chamada geração Z, e isso é bom porque mostra que os jovens têm interesse na Amazônia, nos temas que nós publicamos, na questão climática, nas questões relacionadas ao racismo ambiental, nas questões específicas sobre gênero. Um problema persistente são os algoritmos das redes sociais: as grandes plataformas reduziram a distribuição de conteúdo como o nosso, porque assumimos o enfrentamento de falar desses assuntos e de contar a verdade.

Assista a trechos do Depoimento da jornalista Kátia Brasil, realizado no Sesc Pinheiros, em agosto de 2025.

ALMANAQUE

SP da várzea

Descubra a importância desses territórios para a identidade e a cultura da cidade

São Paulo guarda uma relação profunda com as suas várzeas–como são conhecidos os terrenos planos, próximos da margem de um rio ou córrego, que geralmente alagam nos períodos de cheia. Apesar das transformações que esconderam os rios e mudaram a paisagem de suas margens, as várzeas deixaram heranças na cultura da cidade. “Quando você faz um percurso histórico, vê a importância dos muitos rios de São Paulo. Tanto para o cultivo de alimentos, quanto para uso do tempo livre. No passado, as pessoas podiam, nas secas, ocupar a várzea com atividades, dando origem às coisas que a gente toma como mais importantes na cultura paulistana: samba, futebol, Carnaval e capoeira”, explica a historiadora Diana Mendes Machado da Silva. “Varzeano”, no entanto, já foi um termo usado para desvalorizar quem ocupava essas regiões mais baratas para viver. Mas a população não aceitou e ressignificou essa expressão que perdura mesmo sem as várzeas. Neste Almanaque, reunimos cinco elementos que mostram a importância dessa geografia na identidade paulistana: do futebol ao samba, das baixadas aos mercados e parques.

Localizado

NASCEDOURO DO SAMBA

Foi nas várzeas que, junto ao futebol, o samba germinou em São Paulo. Nessas regiões se concentrava a população negra, muitas vezes vinda do interior do estado, trazendo essa expressão cultural. No Bixiga, no Centro da capital, o Grêmio Recreativo Cultural e Social Escola de Samba Vai-Vai surge nas batucadas de beira de campo na baixada do rio Saracura. Ainda na

mesma região, no bairro da Liberdade, foi na várzea do rio Tamanduateí, onde nasceu a Sociedade Recreativa Beneficente e Esportiva Lavapés Pirata Negro, próxima ao córrego Lavapés. Já na Barra Funda, zona Oeste de São Paulo, na várzea do rio Tietê, as pessoas que organizaram o primeiro cordão da cidade, origem do Camisa Verde e Branco, também

jogavam bola e recebiam produtos provenientes de Santos e do interior do estado, no Largo da Banana, para vendê-los no Centro e na Avenida Paulista, segundo a historiadora Diana Mendes. Ou seja, “as pessoas trabalhavam, viviam e usavam seu tempo livre ali. E nesse uso, você vê a cultura popular”, conta.

próximo à estação de trem da Barra Funda, na zona Oeste da cidade, o Largo da Banana é considerado berço do samba paulistano.

ALMANAQUE

MERCADO MUNICIPAL

O tráfego fluvial também impulsionou o comércio no século 19, e foi na antiga Várzea do Carmo que nasceu o primeiro mercado da cidade. Local onde se vendiam frutas, legumes, cereais, animais e ervas, o Mercado dos Caipiras – nome pelo qual era conhecido o Mercado Grande – ficava onde hoje é a esquina da rua 25 de Março com a General Carneiro. Esse comércio era feito pela população indígena e negra em pequenas casas e bancas, lembrando uma feira livre. Foi desse mercado que surgiu o Mercado Municipal de São Paulo, inaugurado no ano de 1933, em um cenário já bem diferente, com a urbanização ditando padrões higienistas, a retificação e a canalização dos rios para a construção de grandes avenidas, priorizando os automóveis e o consequente afastamento da população da relação cotidiana com essas águas.

Mercado Municipal de São Paulo. Rua Cantareira, 306, Centro. São Paulo-SP.

PELAS BAIXADAS

Você conhece a Baixada do Glicério? E a Mooca Baixa? Esses nomes são derivados da presença das várzeas na cidade. Na beira do rio Tamanduateí, a rua do Glicério e a rua da Mooca são áreas de margem de rio. O fato de estarem em regiões mais baixas ficou marcado nos nomes, ainda que informais, desses territórios. No bairro da zona Leste é comum ver muros com a inscrição “Mooca Baixa” em referência a um time de futebol local. Na zona Oeste, o Baixo Pinheiros é um exemplo de nomeação para classificar um espaço com características específicas dentro do distrito, também antiga área de várzea do rio Pinheiros – um dos principais cursos d’água da cidade, chamado de Rio Grande no século 16.

As áreas de margem de rio, ou seja, regiões mais baixas, deram nome a bairros da cidade, como Mooca Baixa.

BOLA NO CAMPO

O futebol brasileiro se alastrou pelas várzeas da cidade entre o fim do século 19 e início do 20. O primeiro jogo oficialmente registrado foi em 1895, na beira do rio Tamanduateí. Em 1930, a Gazeta Esportiva contava oito campos na mesma Várzea do Carmo, como relata pesquisa da historiadora Diana Mendes. Foi também nessas margens, na altura do bairro Bom Retiro, região central da cidade, onde nasceu o Corinthians, em 1910. Hoje o termo “varzeano” é sinônimo de futebol popular, mesmo longe dos rios. Está, em geral, nas periferias da cidade, como na região do Capão Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luís, onde ocorre, neste mês, a Copa Sesc Futebol de Várzea. Na ocasião, o Sesc Campo Limpo recebe a exposição Vozes da Várzea, do Museu do Futebol, com fotos, textos e mapas, em cartaz desde 22 de outubro até 1° de março de 2026, na unidade.

Sesc Campo Limpo.

Rua Nossa Senhora do Bom Conselho, 120, Campo Limpo. São Paulo-SP.

PARQUES LINEARES

Espaços adotados na última década pelo projeto urbanístico da capital, os parques lineares são áreas verdes ao longo do curso de rios, em fundos de vale, nas antigas várzeas. São uma forma de recuperar o ambiente natural, suprimido pelo crescimento urbano.

“São Paulo tem uma rede hidrográfica vastíssima. A gente não fica a mais de 250 metros de um córrego de nenhum ponto do centro expandido, mas isso está invisibilizado”, ressalta a arquiteta e urbanista Mariana Corrêa Soares. Ela conta que os parques lineares têm uma função ambiental ampla: da preservação das águas, da flora e da fauna e da possibilidade de reabrir trechos dos rios, ao estímulo à mobilidade ativa, com ciclovias. “Essas áreas têm potencial para o fluxo da vida”, diz. O que manteria a cultura das várzeas.

Construído ao longo do córrego Itaquera, o Parque Linear Itaquera preserva o fluxo das águas, além da flora e fauna dessa região na zona Leste da capital paulista.

Arquitetura e rel(ações) sustentáveis

Desde menina, aprendi que construir é mais do que erguer paredes: é inventar mundos. Nas tardes de infância, ao lado das minhas irmãs, transformávamos a casa em cidade. Uma saladeira roxa acrílica virava lago, talheres se convertiam em pontes, e cada objeto ganhava voz na narrativa que criávamos juntas. Não brincávamos de boneca, mas de criar universos – talvez ali, sem perceber, já estivesse nascendo em mim a arquiteta.

Ainda tentei um caminho diferente, no direito, seduzida pelo entusiasmo da irmã mais velha. Mas o coração pressentia outro destino. Bastou um semestre para entender que minha intuição – e a da minha mãe, que sempre me apontou para a arte e para a cultura –estava certa: meu lugar era na arquitetura, esse ofício que une cálculo e poesia, técnica e imaginação.

No Sesc São Paulo, onde estou há mais de duas décadas, a arquitetura se desdobra em espaços de convivência, cultura e aprendizado. Não construí casas, mas criei lugares de encontro, onde o lazer dialoga com a educação e a natureza se faz presença viva. Em cada unidade que percorri – Pompeia, Vila Mariana, Ipiranga e Interlagos (cujo projeto, segundo o próprio arquiteto Alberto Botti, se orientou a partir de uma árvore na alameda) –, aprendi que projetar é, sobretudo, preparar o terreno para que as pessoas construam a si mesmas, umas com as outras.

Entre as experiências de caminhada, a exposição Pedaços da Terra, realizada no Sesc Vila Mariana, em 2011, foi especialmente marcante. A montagem, feita com quatro domos geodésicos, revelava mais que uma solução espacial: trazia um princípio ético. A geodésica é uma forma precisa e essencial, na qual leveza e economia se traduzem em eficiência – o menor volume de material para abranger a maior área possível. Nessa simplicidade

geométrica, há uma lição de sustentabilidade: criar mais com menos, pensar a forma como extensão do cuidado. Dentro daqueles domos, o público conheceu cidades que responderam com sabedoria ao desafio ambiental, unindo urbanidade e respeito à natureza.

Esse conceito, agora em 2025, voltou a se manifestar no Sesc Mogi das Cruzes, que passou a abrigar uma belíssima geodésica construída para acolher atividades socioeducativas, culturais, espetáculos musicais, de teatro e de dança, reafirmando a potência dessa estrutura como espaço vivo, versátil e simbólico. O círculo que se fecha em si mesmo, aberto ao mesmo tempo, traduz o sentido de uma arquitetura que respira junto com o público e se renova a cada uso, como instrumento de transformação.

Hoje, sigo acreditando que sustentabilidade – o conjunto de práticas e escolhas conscientes que busca reduzir os impactos ambientais – é uma forma de compreender o mundo e está no gesto de partilhar, no cuidado com os espaços comuns, na escuta atenta de quem os habita. É um modo de estabelecer relações mais equilibradas entre o humano e a natureza, de projetar com respeito. Assim como nas brincadeiras da infância, em que cada objeto adquiria novas funções, aprendi que viver de modo sustentável é reinventar usos, criar vínculos, valorizar o simples.

Seja no planejamento de uma nova unidade, seja na observação do público que ocupa as áreas verdes ou as salas de atividades, sigo como uma arquiteta inquieta: desejo que cada espaço seja educador e que cada encontro se torne semente de consciência. Porque a arquitetura, quando se abre ao humano, nos lembra que construir é sempre um ato coletivo, e que o futuro se ergue na delicada harmonia entre terra, corpo e memória.

Giuliana Pereira Agnelli Estrella é arquiteta e urbanista pela Universidade Mackenzie, pós-graduada em crítica de cinema pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), mestra em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua na Assessoria Técnica e de Planejamento do Sesc São Paulo.

CONHEÇA O SESC SANTANA
Matheus
José Maria (foto); Lucas Blat (colagem)

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.