mirada digital_versao digital.pdf

Page 1

2022

MIRADA

CADERNOS DE REFLEXÕES SOBRE AS ARTES CÊNICAS NA REDE IBERO-AMERICANA


Este caderno integra a programação do Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas This notebook is part of the Mirada – Ibero-American Festival of Performing Arts programme Este cuaderno integra la programación del Mirada – Festival Iberoamericano de Artes Escénicas


2022

MIRADA

CADERNOS DE REFLEXÕES SOBRE AS ARTES CÊNICAS NA REDE IBERO-AMERICANA /IBERO-AMERICAN PERFORMING ARTS REFLECTIONS NOTEBOOKS /CUADERNOS DE REFLEXIONES SOBRE LAS ARTES ESCÉNICAS EN LA RED IBEROAMERICANA


ENCONTRAR, PARTILHAR

DANILO SANTOS DE MIRANDA DIRETOR DO SESC SÃO PAULO

O engenho humano é capaz de dar à luz instâncias como a linguagem e a tecnologia, desenvolvendo ao longo da história mecanismos que possibilitaram a construção de pontes entre culturas e modos de vida. Por vezes, tais aproximações deram frutos saborosos e proporcionaram o crescimento espiritual daqueles que se encontraram; em outros momentos geraram impasses e apagamentos de comunidades inteiras, mostrando que não estávamos preparados para conviver com os contrastes que concepções e maneiras de ocupar o mundo colocavam sobre a mesa. Apesar de vivermos em um tempo no qual pululam dispositivos que nos aproximam uns dos outros por meio de um clique, não significa que estejamos habituados às diferentes figuras do outro ou que os contextos sociopolíticos que compõem nossa diversidade não nos causem estranhamento. Diante disso, a arte, em sentido amplo, e o teatro, particularmente, são habilidosos em estimular olhares e tecer laços com aquilo que nos rodeia e nos atravessa ao nos sensibilizar e ampliar nossa visão para a pluralidade que nos caracteriza. O ano de 2010 é emblemático na trajetória recente do Sesc, especialmente no que se refere aos intercâmbios culturais promovidos pela cena teatral contemporânea. Foi nesse ano que aconteceu a primeira edição do Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, na cidade de Santos, marcado pela diplomacia cultural que proporcionaria a construção de um ambiente de intensas aproximações entre pessoas, ideias e criações. Dedicado às produções dos territórios e idiomas que constituem a Ibero-América, o festival acontece bienalmente e já contou com cinco edições que ocuparam o Sesc Santos e os espaços da cidade, além de, pontualmente, se espraiar para outras localidades da Baixada Santista. Em 2020, ao completar dez anos de existência e contar com muitos frutos e parcerias celebradas, em função da pandemia de Covid-19, o Mirada foi adiado.


PT

Ainda assim, diante de uma produção que desenvolveu diferentes expedientes e abordou temáticas caras ao momento, a Ocupação Mirada 2021 aconteceu em um ambiente híbrido entre o presencial e o on-line, e reforçou a importância dos encontros, das fruições e formações características das edições anteriores. E, apesar do distanciamento, pôde articular o gesto que também move a iniciativa: avizinhar ainda mais o Brasil – único país de língua portuguesa do continente – de seus irmãos latino-americanos e de suas raízes ibéricas, a despeito da diferença de idiomas e das naturais distinções entre cenários políticos e, sobretudo, cênicos. Na esteira desses acontecimentos e, principalmente, ao compreender que as artes cênicas se nutrem de reflexão e se beneficiam dos conceitos que estão nas coxias, por assim dizer, o Sesc agora lança os Cadernos Mirada, como uma proposta que conecta diferentes vozes e pontos de vista, enquanto uma nova edição do festival é gestada. Publicação que pretende dar vida a um espaço comum no qual artistas e gestores apresentam suas reflexões acerca das diferentes teatralidades que compõem esse trânsito denso de trocas que hoje configura a Ibero-América. Tráfego que ora tem nas palavras matéria modeladora de uma ágora fecunda de perspectivas, ideias e propostas. Os Cadernos Mirada que agora temos em mãos estão no interior de uma ação cultural que busca fortalecer cada vez mais as ligações entre cenários, comunidades e pessoas de diferentes realidades e que, todavia, possuem tanto a compartilhar, experienciar e pensar conjuntamente. Experiências e encontros que têm nas artes cênicas motores centrais, que fomentam convívios diversos e éticos, e que, por sua vez, alicerçam sociedades sensíveis, conscientes e colaborativas em suas diferenças e seus afetos.

5


TO MEET AND TO SHARE

DANILO SANTOS DE MIRANDA DIRECTOR OF SESC SÃO PAULO

Human ingenuity is capable of conceiving creations such as language and technology. Throughout history it has developed mechanisms that have made it possible to build bridges between cultures and ways of life. At times, such approximations have been fruitful and enabled the spiritual growth of those who came together, at others, they have led to stand-offs and the eradication of entire communities, demonstrating that we were not ready to live with the contrasts posed by different views and ways of occupying the world. Despite living in a time when devices that bring us closer to each other with a single click abound, we are not necessarily used to the different figures of others. The various socio-political contexts that make up our diversity can sometimes feel strange to us. Art, in its broadest sense, and particularly the theatre, is skilled at inspiring views and weaving bonds with everything that surrounds and permeates us by raising our awareness and expanding our horizons towards the plurality that characterises us. 2010 is an emblematic year in Sesc’s recent history, especially when it comes to the cultural exchanges promoted by the contemporary theatre scene. It was the year the first Mirada – Ibero-American Festival of Performing Arts took place, in the city of Santos. Its hallmark was the cultural diplomacy that would help create a favourable environment for close interaction among people, ideas and creations. The festival takes place every two years and showcases productions from geographies and languages that make up Ibero-America. Its five previous editions have occupied Sesc Santos and various spaces in the city, occasionally spreading out to other locations in the Baixada Santista region.


EN

In 2020, its 10th anniversary, and with many partnerships and achievements under its belt, Mirada had to be postponed owing to the Covid-19 pandemic. Nevertheless, the production team made the 2021 Mirada Occupation happen in a hybrid on-site and online environment by working on a wide range of fronts and addressing topics that were relevant for the time. The 2021 Mirada Occupation reiterated the importance of meetups, enjoyment and education – some of the hallmarks of previous editions, and, despite the distance, it was still able to do that which drives the project: to bring Brazil – the only Portuguese-speaking country in the continent – closer to its Latin-American counterparts and its Iberian roots, regardless of their different languages and political and performing settings. In the wake of these events and especially having realised that the performing arts are nourished by reflection and benefit from concepts that hide in the wings, so to speak, Sesc is now launching the Cadernos Mirada (Mirada Notebooks), an initiative that connects different voices and points of view while the next edition of the festival is being conceived. This publication aims to provide a shared space where artists and managers can impart their reflections around the various theatricalities that make up the intense exchange that takes place in the Ibero-American region. The words that arise from these exchanges will now be the input for an agora that is fertile ground for prospects, ideas and suggestions. The Cadernos Mirada we hold in our hands are part of a cultural initiative that seeks to strengthen connections among settings, communities and people from different realities but who have much to share, experience and think together nevertheless. Experiences and meetups that are driven by the performing arts and foster diverse and ethical conviviality, which, in turn, are the basis for conscientious and sensible societies that can cooperate within their differences and similarities.

7


ENCONTRAR, COMPARTIR

DANILO SANTOS DE MIRANDA DIRECTOR DEL SESC SÃO PAULO

El ingenio humano es capaz de dar vida a instancias como el lenguaje y la tecnología, desarrollando mecanismos, a lo largo de la historia, que han permitido tender puentes entre culturas y formas de vida. En ocasiones, dichas aproximaciones han dado sabrosos frutos y han aportado crecimiento espiritual a quienes se reunían; otras veces, han generado impasses y han hecho desaparecer comunidades enteras, indicando que no estábamos preparados para convivir con los contrastes que las diferentes concepciones y formas de ocupar el mundo ponían sobre la mesa. Pese a que vivimos en una época en que proliferan los dispositivos que nos acercan unos a otros mediante un clic, esto no significa que estemos acostumbrados a las diferentes figuras del otro o que los contextos sociopolíticos que conforman nuestra diversidad no nos causen extrañeza. Por ello, el arte en su sentido amplio, y el teatro en particular, tienen la capacidad de estimular la mirada y tejer lazos con lo que nos rodea y nos atraviesa, al sensibilizarnos y ampliar nuestra visión sobre la pluralidad que nos caracteriza. El año 2010 es emblemático en la trayectoria del Sesc, principalmente en lo que se refiere a los intercambios culturales promovidos por la escena teatral contemporánea. En 2010, tuvo lugar la primera edición del Mirada – Festival Iberoamericano de Artes Escénicas, en la ciudad de Santos, señalado por una diplomacia cultural que permitiría la construcción de un entorno de intensas aproximaciones entre personas, ideas y creaciones. Dedicado a las producciones de los territorios e idiomas que integran Iberoamérica, el festival se realiza cada dos años y ya cuenta con cinco ediciones que han ocupado el Sesc Santos y los espacios de dicha ciudad, además de extenderse, ocasionalmente, a otros lugares de la región costera conocida como baixada santista.


ES

En 2020, al cumplir diez años de existencia y contando ya con muchos frutos y alianzas, el festival Mirada fue aplazado debido a la pandemia del Covid-19. Aun así, ante una producción que desarrolló diferentes contextos y abordó temas importantes para el momento, Ocupación Mirada 2021 tuvo lugar en un entorno híbrido entre presencial y online y recalcó la importancia de los encuentros, el disfrute y las formaciones propias de las ediciones anteriores. Y, pese a la distancia, fue posible articular el gesto que también impulsa la iniciativa de acercar aún más a Brasil, único país de habla portuguesa del continente, a sus hermanos latinoamericanos y a sus raíces ibéricas, pese a la diferencia de idiomas y a las naturales diferencias entre ámbitos políticos y, sobre todo, escénicos. A raíz de estos acontecimientos y, sobre todo, al entender que las artes escénicas se nutren de la reflexión y se benefician de los conceptos que habitan entre bambalinas, por así decirlo, el Sesc lanza ahora los Cuadernos Mirada, como una propuesta que vincula diferentes voces y puntos de vista, mientras se elabora una nueva edición del festival. Esta publicación tiene como propósito generar un espacio común, donde artistas y gestores presentan sus reflexiones sobre las diferentes teatralidades que componen ese denso movimiento de intercambios que actualmente configura a Iberoamérica. Un movimiento que tiene en las palabras materia modeladora de una fértil ágora de perspectivas, ideas y propuestas. Los Cuadernos Mirada que ahora tenemos ante nosotros están en el centro de una acción cultural que busca fortalecer cada vez más los vínculos entre escenarios, comunidades y personas de diferentes realidades y que, además, tienen mucho que compartir, experimentar y pensar en conjunto. Experiencias y encuentros éstos que tienen en las artes escénicas una fuerza motriz central, que fomenta la convivencia diversa y ética y que, a su vez, sienta la base de sociedades sensibles, conscientes y colaborativas en sus diferencias y sus afectos.

9


SUMÁRIO / TABLE OF CONTENTS / RESUMEN

12 14 16

DESLOCAMENTOS POSSÍVEIS / POTENTIAL DISPLACEMENTS / DESPLAZAMIENTOS POSIBLES

18

MIRADAS TRANSNACIONAIS: RESISTÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS / TRANSNATIONAL VIEWS: CONTEMPORARY RESISTANCES / MIRADAS TRANSNACIONALES: RESISTENCIAS CONTEMPORÁNEAS

20 22

10


26 28 30 32

36 40

NA PANDEMIA, A WEB POSSIBILITOU A ELIMINAÇÃO DAS FRONTEIRAS ALBERTO LIGALUPPI / IN THE PANDEMIC, THE WEB HELPED TO REMOVE BORDERS / EN PANDEMIA, LA WEB PERMITIÓ BORRAR FRONTERAS

TEATRO BRASILEIRO NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS: UM RELATO CURTÍSSIMO E PESSOAL ALEXANDRE DAL FARRA / BRAZILIAN THEATRE IN THE LAST TEN YEARS A VERY BRIEF AND PERSONAL ACCOUNT / EL TEATRO BRASILEÑO EN LOS ÚLTIMOS DIEZ AÑOS: UN RELATO MUY BREVE Y PERSONAL

74 78 82

RETORNAR

92 98

OCTAVIO ARBELÁEZ TOBÓN /THE RETURN / VOLVER

104

OS DISPENSÁVEIS

106

46 48

CONCHI LEÓN / THE EXPENDABLE / LOS PRESCINDIBLES

108

50

QUERIDO MIGUEL

52 54

FERNANDO YAMAMOTO / DEAR MIGUEL / QUERIDO MIGUEL

62 68

COPO QUEBRADO – BREVE RELATO SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA PEÇA SEM PALAVRAS MARCIO ABREU / BROKEN GLASS – A BRIEF ACCOUNT OF THE CREATIVE PROCESS BEHIND THE PLAY SEM PALAVRAS (NO WORDS) / VASO ROTO – BREVE RELATO SOBRE EL PROCESO DE CREACIÓN DE LA OBRA SEM PALAVRAS

MIGUEL RUBIO ZAPATA / YERBATEROS OR HOW TO MAKE THEATER IN THE MIDST OF THE PLAGUE / YERBATEROS O CÓMO HACER TEATRO EN MEDIO DE LA PESTE

86

44

56

YERBATEROS OU COMO FAZER TEATRO EM MEIO À PESTE

O QUE APRENDEMOS SOBRE GESTÃO? TRÊS CONCEITOS-CHAVE PARA OS TEMPOS ATUAIS PAMELA LÓPEZ RODRÍGUEZ / WHAT HAVE WE LEARNED ABOUT MANAGEMENT? THREE KEY CONCEPTS FOR THE CURRENT TIME / ¿QUÉ HEMOS APRENDIDO SOBRE GESTIÓN? TRES CONCEPTOS CLAVES PARA LOS TIEMPOS ACTUALES

110

OS ÚLTIMOS DEZ ANOS PARA O MIRADA

112 114

PATRÍCIA PORTELA / THE LAST 10 YEARS FOR MIRADA / LOS ÚLTIMOS DIEZ AÑOS PARA MIRADA

116 120 124

O ENSINO DA DRAMATURGIA E A CENA TEATRAL PAULA AUTRAN / DRAMA EDUCATION AND THE THEATRE SCENE / LA ENSEÑANZA DE LA DRAMATURGIA Y LA ESCENA TEATRAL

11


DESLOCAMENTOS POSSÍVEIS

GERÊNCIA DE AÇÃO CULTURAL SESC SÃO PAULO

Um acontecimento artístico como uma mostra, um festival ou uma ocupação, nome que aqui empregamos, carrega camadas semânticas que compõem um mosaico de significados e podem, a depender das relações entre artistas e público, abrir novos caminhos para ambos e para a própria cena. Assim, trocando-se uma letra apenas, as veias abertas da América Latina se transformam em teias, convertendo a imagem de exploração do nosso continente, pensada pelo uruguaio Eduardo Galeano nos anos 1970, em veredas ramificadas que promovem uma articulação criativa entre os países. Cambiando mais uma letra, passa-se a deslizar entre dois idiomas através das telas abertas – em espanhol, ainda se trata de “teias”; em português, já se saltou para aquilo que, na língua de nossos vizinhos, se traduziria como pantallas. Assim, o desenho de uma rede se suspende em um plano digital, entranhado de novos e potenciais cruzamentos. “As Telas Abertas da América Latina” foi o título de uma das várias ações da Ocupação Mirada que, no fim de novembro de 2021, reuniu grupos teatrais do Brasil, do Equador, da Colômbia, do Peru e da Bolívia. Encontros expressivos como esse já são tradição do Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas. Se, nos últimos dez anos, em suas cinco edições, o festival tramou aproximações e cruzamentos em seu ambiente presencial compartilhado, na Ocupação de 2021 foram as telas e pantallas que enredaram fazedores de cultura e público de territórios culturais singulares e próximos. Em paralelo e somando-se às atividades artísticas e aos debates que o Sesc São Paulo promoveu neste ano, os Cadernos Mirada irradiam alguns dos pensamentos e vozes que atravessaram a Ocupação, conjugados a olhares outros que integram uma rede em espalhamento. Reverberam aqui, em artigos variados escritos por artistas, gestores e críticos, ecos do que se fez ouvir em espetáculos, produções teatrais audiovisuais, aberturas de processo e mesas de discussão na programação de novembro. É marcante o impacto provocado pela pandemia nas sociedades e na economia da cultura; as restrições de sociabilização exigiram dos artistas a elaboração

12


PT

de novos expedientes formais, muitos deles em conexão com o audiovisual e a transmissão pela internet, reconfigurando assim as ideias em torno de performatividade e teatralidade. Somam-se a esse contexto sanitário global as singularidades políticas e econômicas da Ibero-América, que se ocupa em revirar sua história num momento de polarizações ideológicas. Tais temas e contextos apresentam-se neste caderno a partir de uma provocação para que os autores refletissem sobre a cena contemporânea em seus países e territórios, sabendo-os em conexão com os outros da América Latina e da Península Ibérica. As respostas diversas englobam narrativas como a da dramaturga e diretora mexicana Conchi León, sobre o acompanhamento da doença da sua mãe a partir da dispensa dos artistas ante o fechamento dos teatros; por outro viés, Octavio Arbeláez, diretor do Festival Internacional de Teatro de Manizales e codiretor do Mercado das Artes Performativas do Atlântico Sul, pensa sobre as consequências da Covid-19 tanto na cadeia produtiva da cultura quanto nos espectadores. Olhar para o contexto implica se debruçar também sobre movimentações políticas recentes, como faz o dramaturgo e diretor Alexandre Dal Farra de seu ponto de vista. Na colaboração do também dramaturgo e diretor Marcio Abreu, tais assuntos transparecem em um relato que reconstrói a criação de Sem Palavras, espetáculo que iniciou a programação presencial da Ocupação Mirada numa estreia nacional. Outro texto traz a apresentação de uma obra por seu diretor: Yerbateros, dirigido por Miguel Rubio Zapata, foi ao palco em Lima incorporando em sua dramaturgia e dispositivos de cena os efeitos concretos e simbólicos do novo coronavírus. Nesses artigos e em outros presentes nesta publicação levantam-se questões como essas que, formal e tematicamente, permanecerão daqui pra frente, embora transformadas por uma retomada da presencialidade que ainda trará novidades para a cena. As telas e pantallas atestam uma obstinação dos fazedores de cultura que celebramos, em rede expandida, nos acontecimentos da Ocupação Mirada e nas reflexões que compõem este caderno.

13


POTENTIAL DISPLACEMENTS

CULTURAL ACTION MANAGEMENT OF SESC SÃO PAULO

An artistic event, such as a show, a festival or an – occupation the name we have chosen to use – brings with it semantic layers that make up a mosaic of meanings and can, depending on the relationships between the artists and the audience, open up new avenues for both and for the theatre scene itself. Thus, by replacing one single letter in Portuguese, Latin America’s veias (veins) become teias (webs), thereby turning the image of exploration of our continent conceived by Uruguayan Eduardo Galeano in the ‘70s into avenues that branch out and encourage creative interaction among countries. By swapping another letter, we slide between the two languages through open telas – screens, in Portuguese – while retaining the meaning in Spanish: ‘webs’. Thus, the outline of a network infused with new and potential intersections is suspended on a digital plane. As Telas Abertas da América Latina (The Open Screens of Latin America) was the title of one of the Mirada Occupation panels, which brought together theatre companies from Brazil, Ecuador, Colombia, Peru and Bolivia at the end of November, 2021. These meaningful gatherings have become a Mirada – Ibero-American Festival of Performing Arts tradition. Over the past ten years, five editions of the festival have interwoven encounters and intersections on-site, while the 2021 Occupation has drawn together culture makers and cultural audiences from unique and nearby geographies through telas (screens). In addition to the artistic activities and debates promoted by Sesc São Paulo this year, the Cadernos Mirada (Mirada Notebooks) convey some of the thoughts and voices that have permeated the Occupation along with other perspectives that make up a sprawling network. Its various articles, written by artists, managers and critics, echo what was heard during the performances, theatre plays, audiovisual productions, process openings and roundtables featured in the November programme. The impact of the pandemic on societies and the economy of culture has been remarkable; social restrictions have required artists to develop new formal

14


EN EN

working formats, many of them linked with audiovisual productions and internet streaming, thereby reconfiguring concepts around performativity and theatricality. Added to this global health scenario are the political and economic peculiarities of Ibero-America, which is busy turning its history upside down at a time of ideological polarization. The topics and contexts contained in this notebook were inspired by the authors’ reflections on the contemporary theatre scene in their own countries and geographies and its connection with others in Latin America and the Iberian Peninsula. The answers include Mexican playwright and director Conchi León’s words and thoughts on how she was able to be with her mother through her illness as a consequence of artists having been dismissed before theatres were shut down; while Octavio Arbeláez, director of the Manizales International Theatre Festival and co-director of the South Atlantic Performing Arts Market, reflects on the consequences of Covid-19 for both the cultural production chain and spectators. Thinking through the context implies pondering over recent political movements, as did playwright and director Alexandre Dal Farra, from his point of view. Marcio Abreu, also a playwright and director, brings these subject matters to the forefront in an account that recreates Sem Palavras (No Words), the first show featured in the national premiere of the Mirada Occupation on-site programme. In Yerbateros, director Miguel Rubio Zapata introduces the play by the same name, which was staged in Lima and featured the concrete and symbolic effects of the novel coronavirus in the acting, set and plot. These and other articles featured in the publication raise such issues, which are here to stay, both formally and as themes, even if changes are still yet to come once social distancing is lifted. The screens are proof of the obstinacy of culture makers, and that is what we celebrate, through an expanded network, in the Mirada Occupation events and the reflections in this notebook.

15


DESPLAZAMIENTOS POSIBLES

GESTIÓN DE LA ACCIÓN CULTURAL DEL SESC SÃO PAULO

Un acontecimiento artístico como una muestra, un festival o una ocupación, nombre que aquí utilizamos, trae consigo capas semánticas que forman un mosaico de significados y pueden, dependiendo de la relación entre artistas y público, abrir nuevos caminos para ambos y para la propia escena. De tal modo que, cambiando apenas una letra, las veias abiertas de América Latina se transforman en teias que convierten la imagen de exploración de nuestro continente, concebida por el uruguayo Eduardo Galeano en los años 1970, en veredas ramificadas que promueven una articulación creativa entre los países. Cambiando una letra más, puede uno desplazarse entre dos idiomas a través de las telas abiertas, en español, que aún son teias en portugués, y ya se pasa a lo que en el idioma de nuestros vecinos se traduciría como pantallas. Así, el diseño de una red se suspende en un plano digital, entretejido de nuevos y posibles cruces. Las Pantallas Abiertas de América Latina fue el título de una de las diferentes acciones de Ocupación Mirada que, a fines de noviembre de 2021, congregó grupos teatrales de Brasil, Ecuador, Colombia, Perú y Bolivia. Encuentros expresivos como ese ya son tradicionales en el Mirada – Festival Iberoamericano de Artes Escénicas. Si en los últimos diez años, en sus cinco ediciones, el festival tejió aproximaciones y cruces en su ambiente presencial compartido, en Ocupación 2021 fueron las telas y pantallas que enredaron creadores de cultura y público de territorios culturales singulares y cercanos. Paralelamente y sumándose a las actividades artísticas y a los debates que el Sesc São Paulo promovió este año, los Cuadernos Mirada irradian algunos de los pensamientos y voces que traspasaron Ocupación, combinados con otras miradas que integran una red que se esparce. Reverberan aquí, en diferentes artículos escritos por artistas, gestores y críticos, ecos de lo que se escuchó en espectáculos, producciones teatrales audiovisuales, aperturas de procesos y mesas de discusión en la programación de noviembre. Es marcante el impacto ejercido por la pandemia en las sociedades y en la economía de la cultura. Las restricciones a la sociabilización han demandado de los artistas la elaboración de nuevos expedientes formales, muchos de ellos

16


ES

vinculados con lo audiovisual y la transmisión por Internet, reconfigurando así las ideas referentes a performatividad y teatralidad. A este contexto sanitario global se suman las singularidades políticas y económicas de Iberoamérica que se ocupa de revirar su historia en un momento de polarizaciones ideológicas. Dichos temas y contextos se presentan en este cuaderno, partiendo de una provocación para que los autores reflexionaran sobre la escena contemporánea en sus países y territorios, concebidos en conexión con los demás de América Latina y de la península ibérica. Las diferentes respuestas engloban narrativas como la de la dramaturga y directora mexicana Conchi León sobre el seguimiento de la enfermedad de su madre, a partir de la dimisión de los artistas ante al cierre de los teatros. Por otro lado, Octavio Arbeláez, director del Festival Internacional de Teatro de Manizales y codirector del Mercado de las Artes Performáticas del Atlántico Sur reflexiona sobre las consecuencias de la Covid-19 tanto en la cadena productiva de la cultura como en los espectadores. Observar el contexto también significa centrarse en los movimientos políticos recientes, como lo hace el dramaturgo y director Alexandre Dal Farra desde su punto de vista. En el artículo del también dramaturgo y director Marcio Abreu, dichos asuntos aparecen en un relato que reconstruye la creación de Sem Palavras, espectáculo que inició la programación presencial de Ocupación Mirada en su estreno nacional. Otro texto aporta la presentación de una obra por su director: Yerbateros, dirigida por Miguel Rubio Zapata, llegó a los escenarios en Lima incorporando en su dramaturgia y dispositivos de escena los efectos concretos y simbólicos del nuevo coronavirus. En estos artículos y en otros también presentes en esta publicación surgen asuntos como los que, tanto formal como temáticamente, permanecerán de aquí en adelante, aunque transformados por un reinicio de la presencialidad que aún aportará novedades a la escena. Las telas y pantallas atestiguan una obstinación de los creadores de cultura que celebramos, en una red ampliada, en los acontecimientos de Ocupación Mirada y en las reflexiones que componen este cuaderno.

17


MIRADAS TRANSNACIONAIS: RESISTÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS ASSESSORIA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO SESC SÃO PAULO

O que pode significar a escolha de um recorte geopolítico sobre as artes? Ao assumir que as culturas se refazem continuamente pelo intercâmbio constante entre práticas, ritos e símbolos, o Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas tem como um de seus principais objetivos a afluência de questões que permeiam as produções artísticas e os debates sobre as manifestações culturais em diferentes contextos. O olhar que o Sesc São Paulo propõe sobre aquilo que se chama de Ibero-América procura não apenas desvelar semelhanças constituintes entre os vários países da América Latina e suas antigas colônias europeias. Tampouco tem como foco os caminhos divergentes que delas se desdobram. Sob esse pressuposto, poderíamos mesmo ampliá-lo às influências de outros países que se impuseram sobre estas terras ou, ainda, para as rotas de tráfico de escravizados ou da imigração, constituintes de nossa história. Nesse terreno, a estética pode ser o campo em que países ibero-americanos apresentam de forma subjetiva questões profundas de uma história ao mesmo tempo comum e diversa, seus percursos e contextos atuais no que tange às criações artísticas, abarcando, ainda, questões estruturantes, como a existência ou não de financiamentos em cada localidade. Daí emergem distintas percepções sobre temas contemporâneos, entre outras inúmeras variáveis. Para o sociólogo peruano Aníbal Quijano, as Américas são fundamentais à constituição da modernidade. Segundo ele, o padrão de poder mundial estabelecido no processo de colonização articulou os diferentes âmbitos da existência social de forma a controlar as relações sociais correspondentes por meio de suas instituições. Entre elas está o domínio da intersubjetividade, à qual se impôs o eurocentrismo e sua suposta racionalidade. Prestes a celebrar o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, inúmeras discussões vêm à tona em relação às influências sobre a chamada cultura nacional. Neste momento, as instituições aos poucos se abrem ao protagonismo de outras vozes, principalmente dos povos racializados, cuja autonomia vem sendo reconhecida tardiamente, mas com uma força que não permite seu retrocesso. Uma das mais notáveis parcerias recentes do Sesc São Paulo, o Tepi – Teatro e os Povos Indígenas, é uma importante mostra que tem como foco a representatividade indígena de diferentes territórios a partir de suas criações artísticas.

18


PT

Em 2021, o Tepi assumiu um formato de plataforma digital a fim de garantir sua permanência ao longo do tempo, com programação contínua de performances, leituras e atividades formativas que possibilitam o encontro entre artistas indígenas e outros profissionais das artes, além do registro das ações e, portanto, da continuação de seu legado. Algumas das ações compuseram parte da Ocupação Mirada, que buscou retomar os diálogos após seu cancelamento em 2020 devido à crise sanitária pela Covid-19. O princípio da cooperação, tão caro às relações internacionais, é fundante já na primeira edição do Mirada, que desde 2010 conta com parceiros essenciais à sua existência. Acreditamos na fundamental importância do fortalecimento de laços entre os países que ainda hoje são postos à margem, sem, no entanto, desconsiderar a relevância primordial da colaboração com economias dominantes, de onde emergem manifestações culturais extraordinárias e onde se firmam instituições sólidas capazes de estabelecer relações de apoio mútuo com territórios de maior vulnerabilidade, mas de enorme poder reflexivo e criativo. Mais do que uma mostra de obras e atividades formativas, o Mirada se faz como catalizador de diálogos, negociações, estabelecimento de intercâmbios e parcerias que se renovam posteriormente, ao longo dos anos, e se expandem para outras áreas. A cada edição, o festival homenageia a produção de um país e conta com o apoio de parceiros oficiais que se engajam para fomentar representações significativas no evento. Entre os colaboradores diretos do festival estão Ministerio de Cultura de la Ciudad de Buenos Aires, Consejo Nacional para la Cultura y las Artes do Chile (CNCA), Acción Cultural Española, Fundación Carolina, Instituto Ramon Lull, Fonca – Fondo Nacional para la Cultura y las Artes de la Secretaría de Cultura de México, Secretaría de Relaciones Exteriores de

México, Consulado Geral do México, Instituto Vasco, Instituto Nacional de Artes Escénicas de Uruguai (Inae), Consulado Geral do Uruguai, Mincultura – Ministerio de Cultura de Colombia, entre tantos outros. As pesquisas constantes também se fazem a convite de festivais internacionais e com a colaboração de consulados e agências estrangeiras. Anualmente, diversos profissionais do Sesc participam de eventos como como Santiago a Mil, Santiago Off, Cielos del Infinito (Chile), FIBA – Festival Internacional de Buenos Aires e Girart (Argentina), FAE – Festival de Artes Escénicas de Lima e Festival Sala de Parto (Peru), FIEQ – Fiesta Escênica en Quito (Equador), Festival IberoAmericano de Teatro de Cádiz, GREC, Firatàrrega, dFeria Donostia/San Sebastián (Espanha), Fitei – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (Portugal), entre outros. As parcerias para o Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas promovido pelo Sesc não se restringem, no entanto, aos eventos desse território e contam com a colaboração de pesquisa em mostras como o Festival de Edimburgo (Escócia), Festival d’Avignon (França) e Festival Ibero-Americano de Teatro de Heidelberg (Alemanha), tendo, portanto, o apoio direto ou indireto de representações como o Instituto Goethe e o Consulado Geral da França. Em um momento como o que vivemos, em que as desigualdades mundiais se acirram em decorrência de uma das maiores pandemias dos últimos cem anos, as redes de apoio se fazem ainda mais fundamentais. É preciso ampliar a sensibilidade e estabelecer relações de reciprocidade que sustentem causas, ações e profissionais que atuam com base em valores semelhantes. Reiterar as inestimáveis cooperações estabelecidas pelo Sesc São Paulo é uma forma de evidenciar o caráter inegavelmente transnacional da cultura, cujo fazer e permanência demandam, ainda, solidariedade.

19


TRANSNATIONAL VIEWS: CONTEMPORARY RESISTANCES SESC SÃO PAULO INTERNATIONAL RELATIONS OFFICE

What can the choice of a geopolitical approach to the arts mean? The Mirada – Ibero-American Festival of Performing Arts is underpinned by the assumption that cultures are continually recreated through a constant exchange among practices, rites and symbols. Hence, one of its main objectives is to promote a wealth of subjects that permeate artistic productions and foster the debate on cultural expression in different contexts. Sesc’s proposed perspective on what is known as Ibero-America doesn’t seek to reveal only the existing similarities among different Latin-American countries and their former European colonisers. Nor does it focus on the diverging paths they lead to. Considering this assumption, it can be extended to influences from other countries that were inflicted on these lands, or even to slave trafficking or immigration routes, which are all part of our history. With such a fertile ground, aesthetics can be the field in which Ibero-American countries subjectively present the profound issues of a history that is both shared and different, their current journeys and contexts regarding artistic creations, as well as more fundamental issues, such as the availability or lack of financing in each place. This is conducive to the emergence of different perceptions on contemporary topics, among countless other variables. To Peruvian sociologist Aníbal Quijano, the Americas are key to the make-up of modernity. According to him, the pattern of world power that was established during the process of colonisation coordinated different spheres of social existence in order to control their corresponding social relations through its institutions. Among them is the control of intersubjectivity, onto which were imposed Eurocentrism and its alleged rationality. As we approach the 100th anniversary of the 1922 Modern Art Week, discussions regarding the influences on the so-called national culture frequently come up. At present, institutions are gradually opening up to the protagonism of other voices, mainly those of racialized peoples, whose autonomy was late in being recognised, but when it happened, it did so with such power that there is no going back. One of Sesc São Paulo’s most notable recent partnerships, with TEPI – Teatro e os Povos Indígenas (Theatre and the Indigenous Peoples), has led to an important exhibition on the representativeness of indigenous peoples from different geographies based on their artistic creations. In 2021, to ensure its longevity, TEPI migrated to an online platform with a full schedule that includes performances,

20


EN

readings and capacity building, which allow indigenous artists and other professionals in the arts to meet. The activities are recorded with a view to continuing their legacy and some of them featured in the Mirada Occupation, which has sought to resume conversations after its cancellation in 2020 due to the Covid-19 health crisis. Cooperation, so dear to international relations, has been a key principle since the first Mirada, which has had partners that are essential to its existence since 2010. We believe it is crucially important for countries that are still left on the sidelines to strengthen ties with one another, without, however, ever losing sight of how extremely important it is to cooperate with predominant economies. Such economies produce extraordinary manifestations of culture and it is where solid institutions that can establish relationships of mutual support with more vulnerable geographies that have enormous reflective and creative power are based. More than an art exhibition that also offers educational activities, Mirada acts as a catalyst for dialogue, negotiations, exchanges and partnerships, which later get renewed and expand to other areas over the years. Each edition of the festival pays tribute to the artistic output of a specific country and is supported by official partners who do their best to ensure a meaningful representation in the event. Some of the festival’s direct supporters are the Ministry of Culture of the City of Buenos Aires, Chile’s National Council for Culture and the Arts (CNCA), Acción Cultural Española (Spanish Cultural Action), the Carolina Foundation, the Ramon Lull Institute, FONCA – the National Fund for Culture and the Arts of the Mexican Secretariat for Culture, the Mexican Secretariat of Foreign Affairs, the Mexican Consulate General, the Vasco Institute, the Uruguayan National Institute of Performing Arts (INAE), the Uruguayan Consulate

General, and MINCULTURA – the Colombian Ministry of Culture, among many others. Research is also consistently carried out at the invitation of international festivals and with the support of foreign consulates and agencies. Every year, Sesc professionals take part in events such as Santiago a Mil, Santiago Off, Cielos del Infinito (Chile), the FIBA – International Festival of Buenos Aires and Girart (Argentina), the FAE – Festival of Performing Arts in Lima and Sala de Parto Festival (Peru), FIEQ – Fiesta Escênica in Quito (Ecuador), the Cádiz Ibero-American Theatre Festival, GREC, Firatàrrega, dFeria Donostia/San Sebastián (Spain), and FITEI – the International Iberian Expression Theatre Festival (Portugal), among others. Sesc’s Ibero-American Festival of Performing Arts partnerships are not restricted to events in this geography, however, and cooperate in research conducted during events such as the Edinburgh Festival (Scotland), Festival d’Avignon (France) and the Heidelberg Ibero-American Theatre Festival (Germany) with the direct or indirect support of organizations such as the Goethe Institute and the Consulate General of France. At times like these, when global inequalities have become more acute as a result of one of the worst pandemics in the past one hundred years, support networks become even more essential. Raising awareness and establishing mutual relationships in support of causes, initiatives and professionals whose work is based on shared values is vital. To reiterate Sesc São Paulo’s invaluable cooperation efforts is a way to highlight the undeniable transnational character of culture, the exercise and conservation of which are still reliant on solidarity.

21


MIRADAS TRANSNACIONALES: RESISTENCIAS CONTEMPORÁNEAS ASESORÍA DE RELACIONES INTERNACIONALES DEL SESC SÃO PAULO

¿Qué puede significar la elección de un delineamiento geopolítico sobre las artes? Al reconocer que las culturas se rehacen continuamente mediante el intercambio constante entre prácticas, ritos y símbolos, el Mirada – Festival Iberoamericano de Artes Escénicas se plantea como uno de sus principales objetivos la abundancia de temas que atraviesan las producciones artísticas y los debates sobre las manifestaciones culturales, en diferentes contextos. La mirada que el Sesc São Paulo propone sobre lo que se denomina Iberoamérica busca no apenas desvelar las similitudes integrales entre los diferentes países de América Latina y sus antiguas colonias europeas. Mucho menos se centra en los caminos divergentes que de ellas se desprenden. Bajo ese supuesto, podríamos inclusive extenderlo a las influencias de otros países que se han impuesto en estas tierras, o, quizás, a las rutas de tráfico de esclavizados o de inmigración que forman parte de nuestra historia. En ese terreno, la estética puede ser el ámbito en el cual los países iberoamericanos presentan de forma subjetiva cuestiones profundas de una historia que es, al mismo tiempo común y diversa, sus recorridos y contextos actuales en lo que se refiere a las creaciones artísticas, abarcando aún cuestiones estructurantes, como la existencia o ausencia de financiaciones en cada lugar. De ello surgen distintas percepciones sobre temas contemporáneos, entre otras innúmeras variables. Para el sociólogo peruano Aníbal Quijano, las Américas son fundamentales para la formación de la modernidad. En su opinión, el patrón de poder mundial establecido en el proceso de colonización ha articulado los diferentes ámbitos de la existencia social, con el propósito de controlar las correspondientes relaciones sociales a través de sus instituciones. Entre ellas se encuentra el dominio de la intersubjetividad, a la cual se impuso el eurocentrismo y su presunta racionalidad. A punto de celebrar el centenario de la Semana de Arte Moderna de 1922, han surgido innúmeras discusiones con respecto a las influencias sobre lo que se denomina cultura nacional. En este momento, las instituciones se abren lentamente al protagonismo de otras voces, principalmente de los pueblos racializados, cuya autonomía se está reconociendo de forma tardía, pero con una fuerza que no tolera el retroceso. Una de las más importantes alianzas recientes del Sesc São Paulo, el Tepi – Teatro e os Povos Indígenas, es una relevante muestra cuyo foco es la representatividad indígena de diferentes territorios a partir de sus creaciones artísticas. En 2021, el Tepi asumió un formato de plataforma digital para garantizar su permanencia

22


ES

a lo largo del tiempo, con programación continua de performances, lecturas y actividades formativas, que permiten el encuentro entre artistas indígenas y otros profesionales de las artes, además del registro de dichas acciones y que permite también la continuación de su legado. Algunas de estas acciones formaron parte de Ocupación Mirada, con el propósito de reiniciar los diálogos después de su cancelación en 2020 debido a la crisis sanitaria del Covid-19. El principio de cooperación, tan caro a las relaciones internacionales, fue crucial ya en la primera edición de Mirada que, desde 2010, cuenta con aliados esenciales para su existencia. Creemos en la importancia fundamental del fortalecimiento de los lazos entre los países que aún hoy quedan al margen, sin desconsiderar, no obstante, la relevancia primordial de la colaboración con economías dominantes de donde surgen manifestaciones culturales extraordinarias y donde existen instituciones sólidas capaces de establecer relaciones de apoyo mutuo con territorios más vulnerables, pero con enorme poder de reflexión y creación. Más que una muestra de obras y actividades formativas, el festival Mirada se presenta como catalizador de diálogos, negociaciones, establecimiento de intercambios y alianzas que se renuevan posteriormente, a lo largo de los años, y se expanden a otras áreas. En cada edición, el festival homenajea la producción de un país y cuenta con el apoyo de aliados oficiales que se involucran para fomentar representaciones significativas en el evento. Entre los colaboradores directos del festival se encuentran: el Ministerio de Cultura de la Ciudad de Buenos Aires, el Consejo Nacional para la Cultura y las Artes de Chile (CNCA), Acción Cultural Española, Fundación Carolina, Instituto Ramón Lull, Fondo Nacional para la Cultura y las Artes de la Secretaría de Cultura de México, Instituto Vasco, Instituto Nacional de Artes Escénicas

de Uruguay (Inae), Consulado General del Uruguay, Mincultura – Ministerio de Cultura de Colombia, entre muchos otros. Las investigaciones constantes también se llevan a cabo por invitación de festivales internacionales y con la colaboración de consulados y agencias extranjeras. Anualmente, varios profesionales del Sesc participan en eventos como Santiago a Mil, Santiago Off, Cielos del Infinito (Chile), FIBA – Festival Internacional de Buenos Aires y Girart (Argentina), FAE – Festival de Artes Escénicas de Lima y Festival Sala de Parto (Perú), FIEQ – Fiesta Escénica en Quito (Ecuador), Festival Iberoamericano de Teatro de Cádiz, GREC, Firatàrrega, dFeria Donostia/San Sebastián (España), Fitei – Festival Internacional de Teatro de Expresión Ibérica (Portugal), entre otros. Las alianzas para el Festival Iberoamericano de Artes Escénicas promovido por el Sesc no se limitan, sin embargo, a los eventos de dicho territorio, sino que cuentan también con la colaboración de investigación en muestras como el Festival de Edimburgo (Escocia), Festival d’Avignon (Francia) y el Festival Iberoamericano de Teatro de Heidelberg (Alemania), contando, por lo tanto, con el apoyo directo o indirecto de representaciones como el Instituto Goethe y el Consulado General de Francia. En un momento como el actual, cuando las desigualdades mundiales se agudizan como consecuencia de una de las mayores pandemias de los últimos cien años, las redes de apoyo son aún más importantes. Es necesario ampliar la sensibilidad y establecer relaciones de reciprocidad que apoyen causas, acciones y profesionales que actúan con base en valores similares. Reiterar las inestimables cooperaciones establecidas por el Sesc São Paulo es una forma de señalar el carácter indiscutiblemente transnacional de la cultura, cuyo quehacer y permanencia exigen, además, solidaridad.

23




NA PANDEMIA, A WEB POSSIBILITOU A ELIMINAÇÃO DAS FRONTEIRAS ALBERTO LIGALUPPI É FORMADO EM ARTES NA ARGENTINA E NOS ESTADOS UNIDOS, E EM ARQUITETURA PELA UNIVERSIDADE NACIONAL DE CÓRDOBA, POSSUI UMA EXTENSA CARREIRA COMO ARTISTA VISUAL, PROFESSOR E GESTOR CULTURAL. FOI DIRETOR DO COMPLEXO TEATRAL DE BUENOS AIRES.

Fui um dos participantes da primeira edição do Festival Mirada, em Santos (2010), para o qual diversas produções de Buenos Aires foram selecionadas. Olhando para aquele teatro hoje, ele parece muito distante. Atualmente, é impossível falarmos de espetáculos, de cultura, sem nos referirmos à uma pandemia que ainda está em andamento. Acredito que devamos falar sobre momentos em um âmbito pessoal, e cada um tentou encontrar seu próprio caminho para poder reagir. Tenho muita sorte, tive vários caminhos, e eles coincidiram com dois momentos que ainda se perpetuam. Um deles foi o convite de Gabriela Ricardes para que me tornasse responsável pelo conteúdo do curso internacional de novo circo organizado pela Carreira de Circo da Universidade Nacional de Três de Fevereiro (Untref), que está sob sua direção e é subsidiado pela Universidade Pública e pelas embaixadas do Canadá e da França. A primeira edição do curso de novo circo contou com 1.100 inscritos, e a segunda, que está sendo concluída, com 2.400. Apesar de gratuito, o curso demonstrou uma necessidade por parte daqueles que trabalham com a arte e o circo: a de querer aprender, trocar e conhecer diferentes técnicas. Embora contemos com docentes extraordinários do Canadá e da França, minha tarefa foi localizar velhos conhecidos do circo latino-americano, pessoas com quem havia trabalhado em outros festivais, como o Latino-Americano, em Córdoba. Foi maravilhoso me conectar depois de anos com o circo dos irmãos Atayde, do México, que foi fundado em 1888 e é um dos maiores circos de tenda do mundo. Foi uma surpresa ouvir de sua atual diretora, Celeste Atayde, que hoje em dia já não estão mais trabalhando em tendas, mas sim em auditórios. Além disso, têm trabalhado cada vez menos com animais e estão tentando se reinventar. A

26


PT

empresa mexicana em que já chegaram a trabalhar 400 pessoas hoje tenta resistir com uma estrutura deficitária muito grande. A conexão com Cuba pela internet era um pesadelo. Mas o mais incrível e curioso de Cuba é observar a fé dos cubanos de que, mesmo contra todas as probabilidades, tudo irá melhorar e mudar. Eles me contaram como nasceu o circo cubano, a primeira escola nacional de circo. Entre esses reencontros com velhos conhecidos, conversei com o pessoal do grupo La Tarumba, do Peru, que eu havia levado ao Festival Latino-Americano de Córdoba nos anos 1990. Desde aqueles anos em que estavam apenas começando até hoje, tornaram-se uma megainstituição, em crise, claro, devido à pandemia. Pequenos circos em pequenos países, onde morriam pessoas devido à falta de vacinas, nos mostraram fatos muito positivos, sempre graças à tenacidade e garra dos criadores. Jovens artistas introduzem seu ambiente natural no espaço da representação sem qualquer tipo de reserva e, assim, colmos de densos canaviais, pântanos, areia, pedra e água tornam-se um espaço para voos e contorcionismo, e cachoeiras viram o pano de fundo da magia. Outra experiência muito importante foi colaborar com María Victoria Alcaraz, diretora do teatro Colón em Buenos Aires, gestora cultural e conhecedora de redes culturais, cujo trabalho admiro desde a década de 1990. Juntos desenvolvemos uma atividade fascinante: a busca pelos mais importantes teatros musicais em todo o território argentino, ou aqueles que estivessem preparados para apresentar concertos e óperas, e com eles compor a primeira rede deste tipo de teatro do país. Essa busca por tesouros escondidos foi muito interessante. Encontramos mais do que imaginávamos, com muitas pessoas trabalhando e desesperadas por recursos. O Teatro Colón está liderando o projeto e dirigirá esta rede por um período de três anos. Graças a ela, teatros como o Libertador, em Córdoba, coproduzirão óperas com o Colón, e o teatro de Mendoza receberá assessoria técnica do Colón ou dos teatros de Córdoba. Durante a pandemia foi possível capacitar técnicos em todos os teatros que compõem a rede argentina. Cursos on-line foram oferecidos para técnicos e gestores culturais. Nos próximos dias, todos os diretores de teatro do país se reunirão no Teatro Colón para oficializar a formação da rede e se encontrar fora do Zoom. Esse encontro demonstrará que, apesar do momento cinzento, há uma luz para que possamos nos unir e continuar.

27


IN THE PANDEMIC, THE WEB HELPED TO REMOVE BORDERS ALBERTO LIGALUPPI HAS A DEGREE IN ARTS IN ARGENTINA AND THE UNITED STATES, AND IN ARCHITECTURE FROM THE UNIVERSIDAD NACIONAL DE CÓRDOBA. HE HAS AN EXTENSIVE CAREER AS A VISUAL ARTIST, TEACHER AND CULTURAL MANAGER. MR. LIGALUPPI WAS DIRECTOR OF THE BUENOS AIRES THEATRE COMPLEX.

I was one of the participants in the first edition of the Miradas Festival, in the city of Santos (2010), for which many productions from Buenos Aires were chosen. If we look at that theater today, it seems very distant. Nowadays, one cannot talk about shows or culture without referring to a pandemic that is still ongoing. I believe we should talk about moments at a personal level, and each one of us has tried to find our own path to be able to respond. I am truly fortunate, as I have had several paths, and they coincided with two moments that are still ongoing. One of them was the invitation I received from Gabriela Ricardes to oversee content for the Curso Internacional de Nuevo Circo (International Course of New Circus), organized by the Circus Career of UNTREF that she directs and is subsidized by the Public University and the Canadian and French embassies. The course of the New Circus had 1100 participants in its first edition and 2400 in the second edition, which is now concluding. Although it is free of charge, it demonstrated a need on the part of the people in the arts and in the circus, who want to learn, exchange and get to know different techniques. Although there are extraordinary teachers from Canada and France, my job was to locate old acquaintances from the Latin American circus, some people I had worked with in other festivals, as the Latin American Festival in Córdoba. It was wonderful to connect after many years with the Circus of the Atayde brothers from Mexico, which was founded in 1888 and is one of the largest tent circuses in the world. The surprise came when its current director, Celeste Atayde, pointed out that they are presently working in auditoriums rather than in tents. They are also no longer working with animals and are trying to reinvent themselves. This Mexican company, which once employed 400 people, is presently trying to resist, operating on a large loss-making structure.

28


EN

It was a true nightmare to connect with Cuba via Internet. But the interesting and wonderful thing about Cuba is to witness the Cubans’ faith, against all odds, that everything will improve and change. They told me how the Cuban circus was born, the first national circus school. As part of these reunions with old acquaintances, I talked to the La Tarumba group, from Peru, which I had invited to the Latin American Festival in Cordoba in the nineties. We talked about those years when they were just beginning and how they have now become a huge institution, which is also in crisis, of course, due to the pandemic. Small countries with small circuses, where people died for lack of vaccines, showed us very positive facts, always thanks to the tenacity and drive of the found-ers. There are young artists who, unashamedly, insert their natural environment into the performance space, so that reeds from dense cane fields, marshland, sand, stone and water become a space for flight and contortion, while waterfalls become the backdrop for magic. The other particularly important experience was to collaborate with María Victoria Alcaraz, director of the Colón Theater in Buenos Aires, a cultural manager and expert in cultural networks, whom I admire for her work since the nineties. The purpose was to work on a fascinating activity, namely, to search for the most important music theaters in Argentina, or those equipped to organize concerts and operas, and organize with them the first network of this type of theaters in the country. This search for hidden treasures was extremely interesting. We found more than we had expected, with many people working and desperate for resources. The Colón Theater is leading this project and will manage this network for a period of three years. Thanks to this network, other theaters, as the Libertador in Córdoba, will coproduce operas with the Colón Theater. The theater in Mendoza will also receive technical assistance from the Colón Theater or from the theaters in Córdoba. During the pandemic, it was possible to train technicians in all the theaters that are part of the network in Argentina. Web-based courses were held for technicians and cultural managers. Over the next few days, all the theater directors from around the country will meet at the Colón Theater to officially establish the network and meet each other away from Zoom. This meeting will demonstrate that despite the grayness of this time, there are lights to unite and continue.

29


EN PANDEMIA LA WEB, PERMITIÓ BORRAR FRONTERAS ALBERTO LIGALUPPI ES FORMADO EN ARTES EN ARGENTINA Y EN ESTADOS UNIDOS, ASÍ COMO TAMBIÉN EN ARQUITECTURA POR LA UNIVERSIDAD NACIONAL DE CÓRDOBA, POSEE UNA EXTENSA CARRERA COMO ARTISTA VISUAL, PROFESOR Y GESTOR CULTURAL. HA ACTUADO COMO DIRECTOR DEL COMPLEJO TEATRAL DE BUENOS AIRES.

Fui uno de los partícipes de la primera edición del Festival Miradas, de Santos (2010) para la que se eligieron muchas producciones de Buenos Aires. Si observamos aquel teatro hoy, se ve como algo muy lejano. En la actualidad es imposible hablar de espectáculos, de cultura sin referirnos a una pandemia que aún continúa. Creo que se debe hablar de momentos a nivel personal y cada uno trató de encontrar su camino para poder responder. Soy muy afortunado, tuve varios caminos. Estos coincidieron con dos momentos que aún continúan. Uno fue la invitación de Gabriela Ricardes, para que me ocupara de contenidos, en el Curso Internacional de Nuevo Circo, organizado por la Carrera de Circo de la UNTREF que ella dirige, subvencionado por la Universidad Pública y las embajadas de Canadá y de Francia. El curso sobre Nuevo Circo, en su primera entrega contó con 1.100 inscriptos y en la segunda que está concluyendo, con 2.400. Si bien es gratuito, demostró la necesidad de la gente de arte y de circo de querer aprender, intercambiar, conocer técnicas diversas. Si bien contamos con magníficos docentes de Canadá y Francia, mi tarea consistió en ubicar a viejos conocidos del circo latinoamericano. Gente con la que había trabajado en otros festivales, como el Latinoamericano, de Córdoba. Fue maravilloso conectarme después de años con el Circo de los hermanos Atayde, de México, que fue fundado en 1888 y es uno de los más grandes del mundo de los circos de carpa. La sorpresa fue que su actual directora Celeste Atayde, destacó que en la actualidad están trabajando en auditorios. No lo hacen más en carpa. Ellos a su vez están sufriendo la desaparición de los animales e intentando reinventarse. Esa compañía mexicana, en la que llegaron a trabajar 400 personas, hoy intentan resistir sobre una estructura deficitaria muy grande.

30


ES

Con Cuba era una pesadilla conectarnos vía internet. Pero lo genial y curioso de Cuba, es observar esa fe contra viento y marea de los cubanos de que todo va a mejorar y va a cambiar. Me contaron cómo había nacido el circo cubano, la primera escuela nacional de circo. Entre esos reencuentros con viejos conocidos, hablé con la gente del grupo La Tarumba, de Perú, que había llevado al Festival Latinoamericano, de Córdoba, en los `90. De aquellos años en que recién comenzaban a hoy que se convirtieron en una mega institución, en crisis, claro, por la pandemia. Países chicos con pequeños circos, en el que la gente moría por no tener vacunas, nos mostró hechos muy positivos, siempre gracias a la tenacidad y el empuje de los creadores. Hay artistas jóvenes que meten sin complejos su entorno natural al espacio de representación, así cañas de tupidos cañaverales, pantanales, arena, piedra y agua se vuelven espacio para el vuelo y la contorsión, mientras que las cascadas se convierten en el telón de la magia. La otra experiencia muy importante fue colaborar con María Victoria Alcaraz, Directora del teatro Colón, de Buenos Aires, gestora cultural y conocedora de redes culturales, a la que admiro por su labor desde los ´90, para crear una actividad fascinante: buscar en territorio argentino a los teatros de música más importantes. O aquellos que están equipados para hacer conciertos y operas y conformar con ellos la primera red de estos teatros nacionales. Esta búsqueda de tesoros escondidos fue interesantísima. Encontramos más de lo imaginado, con muchísima gente trabajando y desesperados por disponer de recursos. El Colón es la cabeza del proyecto y desde allí se va a dirigir esta red por el término de tres años. Teatros como el Libertador, de Córdoba, gracias a esta red va a coproducir óperas con el Colón. O el teatro de Mendoza, que va a recibir ayuda técnica desde el Colón o de las salas de Córdoba. En pandemia se logró la formación de técnicos en todos los teatros que integran la red de Argentina. Los cursos vía web fueron para técnicos y gestores culturales. En estos días todos los directores de teatro del país se van a reunir en el Colón para dar por conformada oficialmente la red, y verse fuera del “zoom”. El encuentro mostrará que pese al gris de este tiempo, hay luces para poder unirse y seguir.

31


TEATRO BRASILEIRO NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS: UM RELATO CURTÍSSIMO E PESSOAL ALEXANDRE DAL FARRA É DIRETOR, DRAMATURGO E ESCRITOR, TRABALHOU COM DIFERENTES GRUPOS E DIRETORES BRASILEIROS E ESTRANGEIROS. COM O TABLADO DE ARRUAR, ESCREVEU E CODIRIGIU A TRILOGIA ABNEGAÇÃO, SOBRE O LUGAR DO PENSAMENTO POLÍTICO E DA ESQUERDA BRASILEIRA NA ATUALIDADE.

O teatro nos últimos dez anos, como questão vinda do Sesc, especificamente no âmbito da Ocupação Mirada 2021, me faz lembrar de uma situação – algo de anedótico e mesmo pequeno, mas que também com certeza fala sobre algo que, para mim, se passou com o teatro nos últimos dez anos, ao menos no Brasil. Em setembro de 2016, portanto já na metade da década em questão, estive presente no Mirada, com pequenas participações. Foi nesse contexto que estive no Sesc Santos, em uma manhã daquele mês, durante um evento onde estavam presentes muitas diretoras e diretores. Na abertura de tal evento houve uma mesa, com a participação dos diretores Roberto Alvim e Felipe Hirsch, e mediação do programador Sérgio Luis de Oliveira. Vou falar de memória sobre a situação, portanto que me perdoem qualquer injustiça na narração. Sérgio conduzia o debate com a sua costumeira habilidade e capacidade de articular referências. Alvim foi o primeiro dos dois a falar. Me lembro de que ele fez um grande panorama da situação da cultura no Brasil naquele momento, e que frisou de maneira bastante enfática que um ciclo estava terminando. Para alguém que – como eu – tinha acompanhado sempre de perto as posturas bastante complicadas, para dizer o mínimo, do diretor, tal histórico feito por ele soava algo surpreendente. Não tanto pela diferença de posição (porque essa “alteração” já tinha sido plantada por ele próprio nas suas redes sociais ao longo dos meses anteriores). O que me chamava a atenção naquele momento era já a desfaçatez com que ele, Alvim, um contumaz crítico das políticas públicas “oficiais”, com os seus disseminadíssimos ataques à Lei de Fomento ao Teatro, por exemplo no programa Metrópolis de 22 de abril de 2015, juntamente com o autor Mário Bortolotto (ataques estes que tiveram consequências bastante concretas para a lei, e que dificultaram ainda a mais a sua já sempre difícil manutenção), agora se tornava o seu defensor mais apaixonado. Mas, como disse, não foi a alteração total de posicionamento1 que me chamou a atenção, mas muito mais o tom assumido – todo ele quase que grotescamente “teatralizado”, “dramatizado”, em uma leitura repentinamente catastrófica do que “estava

32


PT

por vir”, etc2. Como se fosse uma explicitação de uma cena, de um “gesto”, que precisava ser frisado – e que Alvim só atuava. O gesto da necessidade de se “tomar posição” diante do que estava ocorrendo. Esse era o gesto que Alvim explicitamente realizava, ali, ao que parece – mas que dizia respeito a todos nós. Me ocupei de retomar essa anedota porque creio que ela de certa forma resume, em termos bastante concretos, e “teatrais”, algo do que se passou nessa última década – de que, ao que me parece, Roberto Alvim foi uma espécie de exemplo vivo, grotescamente teatralizado, de muita coisa que se passou, creio, no teatro brasileiro como um todo (arrisco dizer, nas artes em geral), na última década. Em linhas gerais, creio que entre 2011 e 2016 assistimos a um imenso e frutífero florescimento do teatro brasileiro, que se desdobrou em direções radicais, múltiplas e efetivamente novas, ao mesmo tempo que conectadas ao Brasil daquele momento. Como se, roubando o termo a Schwarz, as nossas ideias, por um curto período de tempo, finalmente não estivessem “fora de lugar” e se desdobrassem em direções múltiplas, não pelo aporte externo, mais pela lógica delas próprias – algo um tanto quanto inédito. Cia Hiato com o seu projeto Ficção, Alvim com o Peep Classic Ésquilo, Hirsch com Puzzle, Jatahy com E se Elas Fossem para Moscou?, Cia São Jorge de Variedades com Barafonda, Grace Passô com Vaga Carne, Cia Brasileira com o Projeto bRASIL são só alguns exemplos

1

Tampouco me surpreendi quando o mesmo Alvim, já agora tendo pulado para o outro lado, criticou, no mesmíssimo gesto que teve naquele Metrópolis, acusou este Sesc de censura. Nada de novo.

2

Ao final da sua fala, Alvim anunciou que estava com câncer. Acrescentou que provavelmente a sua próxima estreia seria a sua última obra, o seu verdadeiro legado. Depois, se levantou e partiu. Essa parte da fala, no entanto, não me interessa tanto abordar, não por falta de empatia pela doença, mas por se tratar de assunto evidentemente pessoal e privado (muito embora o próprio Alvim tenha tornado a questão pública).

33


dos caminhos, tão diversos entre si, que de repente o teatro brasileiro estava tomando – muitos deles tendo inclusive conexões diretas com outros países e assim por diante. Em outras artes seria possível citar O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, por exemplo, no cinema, ou o Globo da Morte de Tudo, de Nuno Ramos, nas artes visuais, A Mulher do Fim do Mundo, de Elza Soares, na música (já quase no ponto de virada) e assim por diante. As artes todas, ao que parece, se desdobravam em direções diversas, ampliando discursos e olhares para a realidade, todos eles abertos, sem a pregnância de posições fechadas e únicas. No entanto, tal clima de abertura, que aqui apenas aponto sumariamente, tinha um prazo de validade marcado. Justamente, o ano de 2016. E a anedota que descrevi diz respeito, ao que me consta, justamente do ponto de virada entre essa realidade aberta, múltipla, estranhamente possível da primeira metade dos anos 2010, para a segunda parte da década, que foi marcada pelo contrário – pelo fechamento dos discursos, sua organização e utilização em frentes cada vez mais proclamadamente “políticas” – no sentido direto (e redutor) da palavra. Foi o período da, reconhecida por todos, “divisão” entre dois lados, que passaram então a mutuamente organizar praticamente toda a arte nacional3 – que se reduziu praticamente a defesas e ataques dos mesmos pontos, desde posições inversas. E aqui, novamente, Alvim é quase um tipo de cínico, um bufão macabro, que, pulando de um lado para outro das trincheiras, esfregava nas nossas caras, ao longo dos anos, a maneira como estávamos reduzidos a meros espectadores do que se passava, e o fato de que o nosso território discursivo tinha se comprimido ao ponto de tornar-se apenas uma única direção possível, em um tipo de reação defensiva algo desesperada. Com isso não estou a afirmar que não houve uma miríade de obras impressionantes e por vezes até mais fortes do que as que foram criadas 3

O antropólogo Piero Leirner propõe o uso do termo “cismogênese” para descrever tal fenômeno, no seu livro, que indico, O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida.

34


PT

na primeira metade da década – no entanto, quase que sem exceção, tais obras tiveram que lidar com esse “escoamento” ideológico generalizado, que era muito maior do que elas, e as carregava, ainda que por vezes à revelia. Para citar um exemplo, basta comparar, em nível de complexidade, em capacidade de construir uma estrutura complexa, multifacetada, uma tensão sem rosto, difusa, de O Som ao Redor; ante à narrativa direta, explícita e quase que didaticamente alegórica do filme Aquarius (2016), do mesmo Kleber Mendonça Filho. Basta colocarmos essas duas obras lado a lado para entender o que estava acontecendo com o país. No meio delas, estava Roberto Alvim, como um tipo de personagem machadiano da vida real, cínica e grotescamente sapateando nas nossas caras, e lucrando dos dois lados da trincheira. Que depois ele tenha chegado ao extremo do seu “teatro” nazista agora assumido, não é tampouco surpreendente – mas apenas, proporcional ao teatro “esquerdista” anteriormente encenado. Ao mesmo tempo, em termos de “influxos externos” – e aqui seguindo a mais costumeira ordem das ideias no país –, 2016 foi também o ano em que assisti Que Farei Eu com Essa Espada, de Angelica Liddel, e Figura 1 – Espetáculo 4, de Rodrigo Garcia, ambas no Mirada. Me lembro particularmente do impacto que a obra de Liddel teve na plateia – impacto este que, salvo engano, reverberou depois por bastante tempo em obras brasileiras, e de diversas maneiras. De minha parte, o ambiente aberto, certamente pop e também surrealista de Rodrigo Garcia, as suas galinhas, os seus drones e os seus sabonetes gigantes foram como uma lufada de ar em um ambiente que já se mostrava por demais carregado e que já estava se fechando. O Mirada e o Sesc participaram, portanto, de diversas maneiras, e todas elas fundamentais, nos desdobramentos das tendências artísticas e teatrais do período, tendo sido sempre um palco onde todos os principais acontecimentos se passavam, acompanhando e sobretudo impulsionando o teatro brasileiro constantemente, em todas as direções que ele foi capaz de seguir.

35


BRAZILIAN THEATRE IN THE LAST TEN YEARS A VERY BRIEF AND PERSONAL ACCOUNT ALEXANDRE DAL FARRA IS A DIRECTOR, PLAYWRIGHT AND WRITER. HE HAS WORKED WITH VARIOUS LOCAL AND INTERNATIONAL COMPANIES AND DIRECTORS, AND HAS WRITTEN AND CO-DIRECTED THE ABNEGAÇÃO TRILOGY (ABNEGATION) WITH TABLADO DE ARRUAR, ABOUT WHERE POLITICAL THOUGHT AND THE BRAZILIAN LEFT STAND TODAY.

In answer to the question posed by Sesc specifically within the scope of the 2021 Mirada Occupation, the theatre in the past ten years reminds me of a situation that was somewhat anecdotal and even minor, but which, to me, definitely touches on something that went on in the theatre in the last ten years, at least in Brazil. In September 2016, therefore halfway through the decade in question, I made several small appearances in Mirada. One morning that month, one of them took me to an event at Sesc Santos that was attended by many directors. The opening panel featured directors Roberto Alvim and Felipe Hirsch, and was mediated by programmer Sérgio Luis de Oliveira. I’m speaking from memory, so apologies in advance for any injustices in the narrative. Sérgio was moderating the debate with his usual skill and talent for references. Alvim was the first to speak. I remember he gave us a great overview on the state of culture in Brazil at the time and underscored very emphatically that we had reached the end of a cycle. For someone like me, who had always closely followed the director’s rather tricky, to put it mildly, points of view, his summary sounded quite surprising. Not so much because his view had changed (because he had already planted this “change” in his social media in previous months), but what drew my attention at the time was the impudence with which he, Alvim, a habitual critic of “official” public policies, had now become their most passionate advocate. Take his widespread attacks on the Theatre Promotion Act during the TV show Metrópolis featuring author Mário Bortolotto, which aired on April 22, 2015, for instance – they had very concrete consequences on the law, and made them even more difficult to be enforced. But, as I said, it wasn’t his complete 180o change1 that drew my attention, but his tone, which was grotesquely ‘theatrical’ and ‘dramatized’ – a sudden catastrophic view of what was to come, etc.2. As if it were the explication of a scene, of a ‘gesture’, that needed to be emphasised – and which Alvim was only acting. The gesture for the need to ‘take a stand’ in the face of what was happening. This was the gesture that Alvim was explicitly performing there, apparently – but which concerned all of us.

36


EN

I decided to recount this anecdote because, in a way, I think it summarises what has happened in the last decade, both concretely and theatrically. It seems to me that Roberto Alvim was a kind of living, grotesquely dramatized example of much that went on in Brazilian theatre (and I daresay the arts in general) in the last decade. Broadly speaking, from 2011 to 2016 theatre in Brazil flourished massively and prolifically, taking multiple radical directions that were effectively new while at the same time connected with Brazil at that moment. As if, to steal Schwarz’s term, for a short period of time our ideas were finally not “out of place” and unfolded into multiple directions, not prompted by any external input, but by following their own logic – something quite unprecedented. Ficção (Fiction), by the Hiato Company, Alvim’s Peep Classic Ésquilo (Peep Classic Aeschylus), Hirsch’s Puzzle, Jatahy’s E se Elas Fossem para Moscou? (What if They Went to Moscow?), Barafonda by the São Jorge de Variedades Company, Grace Passô’s Vaga Carne (Vague Meat) and Projeto bRASIL by the Brasileira Company are but a few examples of the many different paths Brazilian theatre was suddenly taking – many of which were directly linked with other countries. Examples in other genres include Kleber Mendonça Filho’s O Som ao Redor (Surround Sound), in film; Nuno Ramos’ Globo da Morte de Tudo (The Globe of the Death of Everything), in the visual arts; and A Mulher do Fim do Mundo (The Woman from the End of the World), by Elza Soares, in music (by then close to the turning point);

1

Nor was I surprised when the same Alvim, having already jumped to the other side of the fence, criticised, in exactly the same way he had during Metrópolis, accused SESC of censorship. Nothing new there.

2

At the end of his speech, Alvim announced that he had cancer. He added that his next debut would probably be his last, his true legacy. He then got up and left. I’m not so interested in that part of the speech, not through lack of empathy concerning his disease, but because that is a very personal and private issue (even though Alvim himself made it public).

37


and so forth. All the arts, it seems, were branching out into different directions, expanding discourses and perspectives on reality, all of them open, without the Prägnanz of closed and single-minded standpoints. However, such openness, which I’ve only briefly touched on here, had an expiration date: specifically the year 2016. As far as I know, the anecdote I’ve just described is precisely about this turning point between the multiple, open reality - which was strangely possible in the first half of the 2010s - and the second half, which was marked by the opposite: narrowing discourses, their organisation and use on increas-ingly more overtly “political” fronts, in the objective (and reductive) sense of the word. That was when the notorious “split” happened: two different sides that began to mutually organise national art3 as a whole, reducing it to the attack and defence of the same points from opposite sides. And here, again, Alvim was almost cynical, a macabre buffoon who, while jumping from one side of the trenches to the other, kept rubbing in our faces how, over the years, we were being reduced to mere spectators of what was really going on, and the fact that our discursive territory had been compressed to the point of only going in one single possible direction, in a somewhat desperate defensive reaction. By this, I don’t mean to say that there weren’t a myriad of impressive and, at times, even more powerful works than those created in the first half of the decade. However, almost without exception, these works had to deal with this widespread ideological “drain”, which was bigger than any of them and at times carried them with it, even if against their will. 3

In his book, which I recommend, O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida (Brazil in the spectrum of a Hybrid Warfare), anthropologist Piero Leirner proposes the use of the term “schismogenesis” to describe such phenomena.

38


EN

As an example, one only needs to compare the level of complexity, the ability to build a complex, multifaceted structure, the faceless, diffuse tension in O Som ao Redor (Surround Sound) and the direct, explicit, almost didactically allegorical narrative of the film Aquarius (2016), also by Kleber Mendonça Filho. A comparison of these two works is enough to understand what was happening in the country. And Roberto Alvim was right between the two, like a real life Machado de Assis character, cynically and grotesquely tap dancing on our faces and profiting on both sides of the trenches. It’s no surprise that he would later reach the extreme of his now overtly Nazi ‘theatre’. Quite the contrary, it’s only in proportion to the ‘leftist’ theatre that had been staged before. At the same time, in terms of ‘international input’ – and in this case following the usual order of ideas in this country – 2016 was also the year I watched Que Farei Eu com Essa Espada (What am I To Do With This Sword?), by Angelica Liddel, and Figura 1 – Espetáculo 4 (Figure 1 – Show 4), by Rodrigo Garcia, both at Mirada. I particularly remember the impact that Liddel’s work had on the audience – echoes of which could be felt in Brazilian works for a long time afterwards, and in different ways, if I’m not mistaken. For my part, Rodrigo Garcia’s open, certainly pop and surrealist environment, his chickens, his drones and his giant soaps were like a breath of fresh air in an environment that was already overburdened and already closing down. Mirada and Sesc played different and vital roles in the unfolding of artistic and theatrical trends at that time, having always been a stage where all the main events played out, keeping up with and, more importantly, constantly driving Brazilian theatre in all the directions it could take.

39


EL TEATRO BRASILEÑO EN LOS ÚLTIMOS DIEZ AÑOS: UN RELATO MUY BREVE Y PERSONAL ALEXANDRE DAL FARRA ES DIRECTOR, DRAMATURGO Y ESCRITOR, TRABAJÓ CON DISTINTOS GRUPOS Y DIRECTORES BRASILEÑOS Y ESTRANJEROS. CON EL TABLADO DE ARRUAR, ESCRIBIÓ Y CODIRIJIÓ LA TRILOGÍA ABNEGACIÓN, ACERCA DEL LUGAR DEL PENSAMIENTO POLÍTICO Y DE LA ISQUIERDA BRASILEÑA EN LA ACTUALIDAD.

El teatro en los últimos diez años, como tema proveniente del Sesc y específicamente en el ámbito de Ocupación Mirada 2021, me recuerda una situación – algo anecdótica e incluso pequeña – pero que también se refiere a algo que, para mí, ha sucedido con el teatro en los últimos diez años, al menos en Brasil. En setiembre de 2016, por lo tanto ya a mitad de la década en cuestión, estuve presente en Mirada con breves participaciones. En ese contexto, una mañana de aquel mes de setiembre, estuve en el Sesc Santos durante un evento al cual habían acudido muchas directoras y directores. Para la apertura del evento se organizó una mesa, con la participación de los directores Roberto Alvim y Felipe Hirsch y mediación del programador Sérgio Luis de Oliveira. Hablaré sobre eso recurriendo a mi memoria, por lo que les ruego que me perdonen cualquier injusticia en la narración. Sérgio dirigía el debate con su usual habilidad y capacidad para articular referencias. Alvim fue el primero de los dos a hacer uso de la palabra. Recuerdo que planteó un gran panorama de la situación de la cultura en Brasil en aquel momento y señaló con mucho énfasis que un ciclo estaba llegando a su fin. Para alguien que, como yo, siempre había seguido de cerca las posturas más bien complicadas del director, por decirlo de alguna manera, ese historial que él relataba me resultó sorprendente. No tanto por la diferencia de posición, porque esa ‘alteración’ ya había sido plantada por él mismo en sus redes sociales en meses anteriores. Lo que me llamó la atención en esa oportunidad fue la desfachatez con que él, Alvim, un crítico contumaz de las políticas públicas ‘oficiales’, con sus conocidísimos ataques a la Ley de Fomento del Teatro, por ejemplo en el programa Metrópolis del 22 de abril de 2015 junto al autor Mário Bortolotto (ataques que tuvieron consecuencias bastante concretas para la ley y dificultaron aún más su ya difícil mantenimiento), se convertía ahora en su más apasionado defensor. Pero, como he dicho, no fue el cambio total de posicionamiento1 lo que me llamó la atención, sino mucho más el tono adoptado, todo casi grotescamente ‘teatralizado’, ‘dramatizado’, en una

40


ES

lectura repentinamente catastrófica de lo que ‘teníamos por delante’, etc.2 Como si estuviera explicitando una escena, un ‘gesto’ que había que subrayar y donde Alvim sólo actuaba. El gesto de la necesidad de ‘tomar partido’ ante lo que estaba sucediendo. Ese era el gesto que Alvim realizaba allí de forma explícita, al parecer, pero que nos afectaba a todos. Me interesó retomar esta anécdota porque creo que de alguna manera resume, en términos bastante concretos y ‘teatrales’, parte de lo que ha sucedido en esta última década. Una década de la cual, en mi opinión, Roberto Alvim fue una especie de ejemplo vivo y grotescamente teatralizado de mucho de lo que ha sucedido en el teatro brasileño en su conjunto, y me atrevo a decir que en las artes en general, en la última década. A grandes rasgos, creo que entre 2011 y 2016 observamos un inmenso y fructífero florecimiento del teatro brasileño que se desplegó en direcciones radicales, múltiples, efectivamente nuevas y a la vez conectadas con el Brasil de aquel momento. Apoderándonos del término de Schwarz, era como si nuestras ideas, finalmente y durante un breve periodo de tiempo, no estuvieran ‘fuera de lugar’ y se desplegaran en múltiples direcciones, no por un aporte externo sino por su propia lógica, algo de cierta forma inédito. Cia Hiato con su proyecto Ficção, Alvim con el Peep Classic Ésquilo, Hirsch con Puzzle, Jatahy con E se Elas Fossem para Moscou?, Cia São Jorge de Variedades con Barafonda, Grace Passô con Vaga Carne, Cia Brasileira con el Projeto bRASIL son solo algunos ejemplos de los caminos, tan diversos entre

1

Tampoco me sorprendió cuando el mismo Alvim, ya habiendo saltado al otro lado, criticó, en el mismo gesto que en aquel Metrópolis, acusó a este Sesc de censura. Nada nuevo.

2

Al final de su discurso, Alvim anunció que padecía cáncer. Añadió que probablemente su próximo estreno sería su última obra, su verdadero legado. Después se levantó y se fue. Esa parte de su intervención, sin embargo, no me interesa tanto abordar, no por falta de empatía por la enfermedad, sino porque es un asunto evidentemente personal y privado (aunque el propio Alvim lo haya hecho público).

41


sí, que el teatro brasileño tomaba de repente, muchos de ellos incluso directamente vinculados con otros países, etc. En otras artes se podría citar, por ejemplo, O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, en el cine; o Globo da Morte de Tudo, de Nuno Ramos, en las artes visuales; A Mulher do Fim do Mundo, de Elza Soares, en la música (ya casi en el punto de inflexión), etc. Al parecer, todas las artes se desplegaban en diferentes direcciones, ampliando discursos y miradas sobre la realidad, todo ello abierto, sin la pregnancia de posiciones cerradas y únicas. Sin embargo, este clima de apertura que aquí señalo de forma breve tenía fecha de validez establecida. Precisamente el año 2016. Y la anécdota que mencioné se refiere, según me consta, precisamente al punto de inflexión entre esa realidad abierta, múltiple y extrañamente posible de la primera mitad de los años 2010 y la segunda parte de la década, marcada al contrario por el cierre de los discursos, su organización y utilización en frentes cada vez más declaradamente ‘políticos’, en el sentido directo y reductor de la palabra. Todos reconocen este período como el de la ‘división’ entre dos bandos que empezaron a organizar entre sí prácticamente todo el arte nacional3, que se redujo prácticamente a defensas y ataques de los mismos puntos, desde posiciones opuestas. Y aquí, nuevamente, Alvim es casi una especie de cínico, un bufón macabro, que, saltando de un lado a otro de la trinchera, nos restregó en la cara durante años la manera en que estábamos reducidos a meros espectadores de lo que ocurría y el hecho de que nuestro territorio discursivo se había comprimido hasta convertirse en una única dirección posible, en un tipo de reacción defensiva un tanto desesperada. Con esto no estoy afirmando que no hubo un sinfín de obras impresionantes, incluso a veces más fuertes que las creadas en la primera mitad de la década. Sin embargo, casi sin excepción, esas obras tuvieron que lidiar con esa ‘escorrentía’ ideológica generalizada, que 3

El antropólogo Piero Leirner propone el uso del término ‘cismogénesis’ para describir tal fenómeno, en su libro, que recomiendo, O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida.

42


ES

era mucho más caudalosa que ellas y las cargaba consigo, aunque, a veces, en rebeldía. Para citar un ejemplo, basta con comparar el nivel de complejidad, la capacidad de construir una estructura compleja y multifacética, una tensión sin rostro y difusa de O Som ao Redor con la narrativa directa, explícita y casi didácticamente alegórica de la película Aquarius (2016), del mismo Kleber Mendonça Filho. Basta con poner esas dos obras lado a lado para entender lo que le pasaba al país. En el medio de ellas estaba Roberto Alvim, como una especie de personaje machadiano de la vida real, zapateando cínica y grotescamente sobre nuestra cara y sacando provecho de ambos lados de la trinchera. Que luego haya llegado al extremo de su ya asumido ‘teatro’ nazi tampoco sorprende, solo es proporcional al teatro ‘izquierdista’ montado anteriormente. Al mismo tiempo, en términos de ‘afluencia externa’, siguiendo aquí el orden de ideas más usual en el país, 2016 fue también el año en que asistimos Que Farei Eu com Essa Espada, de Angelica Liddel, y Figura 1 – Espetáculo 4, de Rodrigo Garcia, ambas en Mirada. Recuerdo especialmente el impacto que tuvo la obra de Liddel en el público. Un impacto que, si no me equivoco, reverberó después durante bastante tiempo en obras brasileñas y de diferentes maneras. Por mi parte, el ambiente abierto, ciertamente pop y también surrealista de Rodrigo Garcia, sus gallinas, sus drones y sus jabones gigantes fueron un soplo de aire en un ambiente ya demasiado cargado y que ya se estaba cerrando. Por lo tanto, el Mirada y el Sesc participaron, de diversas maneras y todas ellas fundamentales, en el despliegue de las tendencias artísticas y teatrales de esa época, habiendo sido siempre un escenario donde se desarrollaban los principales acontecimientos, acompañando y sobre todo impulsando al teatro brasileño constantemente, en todas las direcciones que fue capaz de seguir.

43


OS DISPENSÁVEIS CONCHI LEÓN É DRAMATURGA, ATRIZ, DIRETORA E PROFESSORA DE TEATRO YUCATECA. SEU TRABALHO INCORPORA A TRADIÇÃO, OS FIGURINOS E A VIDA DA CULTURA MAIA. ELA RECEBEU UM PRÊMIO POR SEU TRABALHO SOCIAL ATRAVÉS DO TEATRO PELA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS, EM 2011.

Tínhamos uma peça bem-sucedida, a casa lotada em todas as apresentações, uma turnê pela Espanha e a estreia de um filme. O que poderia dar errado? De repente nos disseram que éramos dispensáveis, que aquilo a que dedicamos todas as nossas vidas não era considerado uma atividade essencial. Fecharam os cinemas e nos mandaram para casa. Aguardamos incrédulos com a esperança de ser informados de que duraria apenas algumas semanas. Chegamos até a pensar que fosse uma farsa do governo... Mas o tempo passou lentamente, como o espaço da elipse à espera de uma resposta de amor. Alguns pensaram em outras formas de ganhar a vida, outros reclamaram, se deprimiram, desistiram. No início da pandemia, dois amigos cometeram suicídio. Nunca soube seus motivos, mas ficou claro para mim que o medo mata. Confinada em casa, senti a ansiedade ganhando espaço. Fiz alguns vídeos engraçados, a comédia sempre nos salva; alguns viralizaram e fiquei feliz de saber que muita gente gostou. Surgiu o teatro por Zoom. Tive a sorte de ter o apoio de uma equipe profissional, que me ajudou a repaginar a linguagem teatral para uma linguagem audiovisual. A remuneração era mínima, mas não importava. Investimos toda a nossa criatividade e tempo naquilo, o que nos trouxe certa tranquilidade. Era óbvio: o teatro digital não resolveria nossas finanças, mas nos ajudou a nos livrar dos pensamentos fatalistas que nos assombravam. Não fomos à Espanha, mas com o teatro on-line chegamos a outros lugares do mundo sem sair de casa. Tudo parecia estar indo melhor; sem trabalho, mas comendo a sopinha da mamãe com sabor de infância. Uma noite minha mãe teve um surto psicótico, que atribuímos à situação, mas o psiquiatra revelou o mistério mais triste de

44


PT

toda a minha vida: “Alzheimer, sua mãe está no segundo estágio de Alzheimer”. “Quantos estágios existem?” – perguntei sentindo-me dolorosamente órfã. “Três”, respondeu ele tristemente. Senti que todas as minhas histórias estavam chegando ao fim, minha mãe sempre fora minha inspiração, meu centro, minha fúria, meu eixo. Entramos no carro em silêncio. Não fosse a pandemia eu estaria na Espanha, não poderia ter acompanhado e cuidado de minha mãe. Fiquei grata por estar em casa sem trabalho pois pude dedicar todo o meu tempo a ela. Compreendi que as circunstâncias às vezes se alinham de modo a nos colocar no lugar onde somos mais necessários. Não há dúvida de que eu tinha que estar com minha mãe. Agora a acompanho com seus fantasmas e delírios. Ela, que tantas vezes me renegou como filha por não ceder ao projeto de vida que havia imaginado para mim, agora, em meio à doença, às vezes me reconhece e põe sua mão na minha, depositando sua total confiança em mim. No México, o teatro presencial começou a pulsar novamente no início de outubro. Parte do público estava ansiosa, outra parte indiferente. Dei alguns workshops e palestras. Senti claramente que o teatro começava a ressurgir, mostrando que talvez não seja essencial para muitos, mas que para nós – atores, dramaturgos, cenógrafos, iluminadores, figurinistas, espectadores –, sim, o é. Tanto que ainda estamos aqui: porque não esquecemos tudo o que ele significa para nós. Dizem que Alzheimer é hereditário. Talvez um dia eu me esqueça de todos os personagens guardados em minha memória, ou talvez sejam distorcidos e eu não saiba mais se sou um deles. Só peço para não me esquecer do tempo em que o teatro, em plena pandemia, salvou minha vida. Assim como minha mãe deixa seus fantasmas para me reconhecer como sua filha, espero levar comigo para o túmulo o prazer de deixar a angústia, a incerteza, o ódio, o abandono, a rejeição e reconhecer o teatro como o espaço onde me senti mais viva. A classe teatral vivenciou uma pandemia para aprender muitas coisas. Hoje sei que ela é forte, amorosa, irrefreável. Sou grata por fazer parte da tribo do teatro, onde sabemos que quando as palavras se esgotam, ele parece dizer tudo. Obrigada por estar aqui: no teatro e na vida, que, sinceramente, são a mesma coisa. Pura vida e teatro para todos, que assim seja.

45


THE EXPENDABLE CONCHI LEÓN IS A YUCATECAN PLAYWRIGHT, ACTRESS, DIRECTOR AND DRAMA TEACHER, HER WORK EMBODIES THE TRADITION, COSTUMES AND LIFE OF MAYAN CULTURE. IN 2011, MS. LEÓN RECEIVED AN AWARD FOR HER SOCIAL WORK THROUGH THEATRE FROM THE HUMAN RIGHTS COMMISSION.

We had a successful play with a full house at every performance, a tour in Spain and a movie premiere. What could go wrong? Suddenly, we were told that we were expendable; that what we had dedicated our whole lives to was not considered an essential activity. Theaters were closed and we were sent home. We were in disbelief and expected to be informed that this would only last a few weeks, we even thought it was a hoax on the part of the government… But time passed slowly, like the space of the ellipsis waiting for a response of love. Some considered other ways to make a living, others ranted, got depressed, gave up. At the beginning of the pandemic two friends committed suicide. I never knew their reasons, but it became clear to me that fear kills. Confined to my home, I felt anxiety was gaining space. I made some funny videos; comedy always comes to our rescue. Some went viral, and I was pleased to know that many people had enjoyed them. Theater appeared on Zoom. I was fortunate to be accompanied by a professional team that helped me redesign the theatrical language to audiovisual language. Pay was minimal, but it did not matter. We dedicated all our creativity and time to this, and it brought us some peace of mind. Obviously, digital theater would not solve our economic woes, but it helped us get rid of the fatalistic thoughts that hovered around. We did not go to Spain, but online theater allowed us to reach other parts of the world without leaving home. Everything seemed to be better; we were jobless but eating mother´s soup with the taste of childhood. One evening my mother had a psychotic episode and we attributed this to the situation, but the psychiatrist unveiled

46


EN

the saddest mystery I have ever experienced. “Alzheimer´s; your mother has stage two Alzheimer´s disease.” I asked him how many stages there were, with a painful sense of orphanhood. “Three,” he replied, grievingly. I felt that all my stories were coming to an end. My mother has always been my inspiration, my center, my fury, my axis. We got into the car in silence. Had it not been for the pandemic, I would have been in Spain, unable to accompany and care for my mother. I was grateful to be at home and out of work because I could then dedicate all my time to her. I understood that circumstances sometimes align for us to be where we are most needed. Undoubtedly, I had to be with my mother. Now I accompany her with her ghosts and delusions. My mother, who often disowned me as her daughter for not yielding to the life plan she had imagined for me, now, in the midst of her illness, sometimes recognizes me and puts her hand in mine, placing all her trust in me. In Mexico, at the beginning of October, the pulse of on-site theater started beating again. One part of the public was avid for it, another part was indifferent. I held some workshops and lectures. I clearly felt how the theater began to rise again, showing that, perhaps, it is not indispensable for many, but for us, actors, playwrights, set designers, lighting designers, costume designers and spectators, it really is. So much so that we are still here because we do not forget everything it means to us. They say Alzheimer´s disease is hereditary. Maybe, one day I will forget all the characters stored in my mind, or they will become distorted, and I will not know if I am one of them. I only ask not to forget the time when the theater, in the middle of a pandemic, saved my life. Just as my mother leaves her ghosts to recognize me as her daughter, I hope to take to my grave the pleasure of leaving anguish, uncertainty, hatred, abandonment, rejection… and to recognize the theater as the space in which I felt more alive. Theater people have lived through a pandemic to learn many things. Today, I know that they are very strong, loving, unstoppable people. I am grateful for being part of the theater tribe who knows that, when words run out, the theater appears and says it all. Thank you for still being here, in the theater and in life, which, honestly, are the same thing. Pure life and theater for everyone. So be it.

47


LOS PRESCINDIBLES CONCHI LEÓN ES DRAMATURGA, ACTRIZ, DIRECTORA Y PROFESORA DE TEATRO YUCATECA. SU TRABAJO INCORPORA LA TRADICIÓN, LOS TRAJES Y LA VIDA DE LA CULTURA MAYA. RECIBIÓ UN PREMIO POR SU TRABAJO SOCIAL A TRAVÉS DEL TEATRO, OTORGADO POR LA COMISIÓN DE DERECHOS HUMANOS, EN 2011.

Teníamos una obra exitosa con teatro lleno en todas las funciones, una gira por España y el estreno de una película. ¿Qué podría salir mal? De pronto nos dijeron que éramos prescindibles, que aquello a lo que nos dedicamos toda nuestra vida no era considerado una actividad esencial, cerraron teatros y nos mandaron a casa. Esperamos con incredulidad que nos informaran que esto no pasaba de unas semanas, incluso creímos que era una patraña del gobierno…pero el tiempo pasó lento, como el espacio de los puntos suspensivos esperan una respuesta de amor. Algunos pensaron en otras formas de ganarse la vida, otros a despotricar, a deprimirse, a abandonar. Al principio de la pandemia dos amigos se suicidaron, nunca supe sus razones a pero me dejó claro que el miedo mata. Encerrada en casa sentí como la ansiedad ganaba espacio. Hice algunos videos cómicos, la comedia siempre nos salva, algunos se volvieron virales y amé saber que mucha gente los disfrutó. Apareció el teatro por Zoom. Tuve la fortuna de estar acompañada un equipo profesional que me ayudó a rediseñar el lenguaje teatral a un lenguaje audiovisual. El pago era mínimo, pero no importó. Pusimos toda nuestra creatividad y tiempo en ello. Nos trajo cierta tranquilidad, era obvio: el teatro digital no resolvía nuestra economía pero nos ayudaba a sacar los pensamientos fatalistas que rondaban. No fuimos a España pero con el teatro en línea llegamos a otras partes del mundo sin salir de casa. Todo parecía ir mejor, sin trabajo, pero comiendo sopita materna con sabor a infancia. Una noche mi madre tuvo un brote psicótico, lo atribuimos a la situación, pero el psiquiatra develó el misterio más triste que he vivido en mi vida:

48


ES

“Alzheimer, su mamá tiene Alzheimer en fase dos”.¿Cuántas fases son? – pregunté con una dolorosa sensación de orfandad. “Tres” – respondió apenado. Sentí que todas mis historias llegaban a su fin, mi madre siempre fue mi inspiración, mi centro, mi furia, mi eje. Subimos al coche en silencio. De no ser por la pandemia yo hubiera estado en España, no hubiera podido acompañar y cuidar a mi madre. Agradecí estar en casa sin trabajo pues podía dedicar todo mi tiempo para ella. Entendí que las circunstancias a veces se alinean para que estemos en el lugar en el que más nos necesitan. Sin duda yo tenía que estar con mi madre. Ahora la acompaño con sus fantasmas y sus delirios. Ella, quien muchas veces me desconoció como su hija por no ceder al plan de vida que imaginó para mi, hay momentos en los que en medio de la enfermedad me reconoce y pone su mano en la mía depositando su plena confianza. En México, a principios de octubre, el teatro presencial empezó a latir de nuevo. Un sector del público estaba ávido, otro sector era indiferente. Yo impartí unos talleres y dicté algunas conferencias. Sentí claramente como el teatro empezó a levantarse nuevamente, a demostrar que quizá no es indispensable para muchos pero para nosotros, los actores, dramaturgos, escenógrafos, iluminadores, vestuaristas, dramaturgos, espectadores, sí lo es, tan lo es que seguimos aquí porque no olvidamos todo lo que significa para nosotres. Dicen que el Alzheimer es hereditario, quizá un día olvidaré todos los personajes que guarda mi memoria o se distorsionarán y no sabré si soy alguno de ellos. Sólo pido no olvidar el tiempo en el que el teatro, en medio de una pandemia me salvó la vida; así como mi madre sale de sus fantasmas para reconocerme como su hija, espero llevarme a la tumba el placer de salir de la angustia, la incertidumbre, el odio, el abandono, el rechazo…y reconocer el teatro como el espacio en el que me sentí más viva. La gente de teatro vivió una pandemia para aprender muchas cosas, yo hoy sé que la gente de teatro es muy fuerte, amorosa, indetenible. Agradezco ser parte de la tribu teatral en la que sabemos que donde las palabras se agotan, aparece el teatro para decirlo todo. Gracias por seguir aquí: en el teatro y la vida, que siendo honestos, son lo mismo. Pura vida y teatro para todos, así sea.

49


QUERIDO MIGUEL FERNANDO YAMAMOTO É DIRETOR, PROFESSOR E PESQUISADOR DE TEATRO. É UM DOS FUNDADORES DO GRUPO DE TEATRO CLOWNS DE SHAKESPEARE DE NATAL/RN, PELO QUAL DIRIGIU VÁRIOS ESPETÁCULOS.

No ano de 2010, na ocasião da cerimônia na qual recebeu o título honoris causa pela Universidad de las Artes (Cuba), Miguel Rubio Zapata, diretor do Grupo Cultural Yuyachkani, de Lima, Peru, fez um memorável discurso sobre o teatro latino-americano. Esta fala, realizada na Casa de las Américas, espaço tão importante das artes latino-americanas, foi transcrita e publicada em diversos lugares, inclusive aqui no Brasil, como na versão brasileira do livro Raízes e Sementes – Mestres e Caminhos do Teatro na América Latina e nas revistas Urdimento (Udesc), Cena (UFRGS) e Balaio (Clowns de Shakespeare). Em português ou espanhol, me deparei com esse texto em diversas ocasiões nesta última década e fui provocado de distintas maneiras a cada leitura. Agora, diante da tarefa de pensar e escrever sobre a teatralidade contemporânea latino-americana no contexto do Mirada, não pude evitar de revisitar esse texto e pensar que novas reflexões ele traz 11 anos depois. Assim, me propus a escrever esta carta a Miguel, tentando pôr em diálogo minhas inquietações atuais com as que ele trouxe há uma década.

Natal, 23 de novembro de 2021. Querido Miguel, Se naquele discurso de 11 anos atrás você abria rendendo homenagens aos mestres que formaram o Yuyachkani, aqui eu gostaria também de abrir homenageando e pedindo licença a você e aos mestres e mestras que fizeram o mesmo pelos Clowns: Marco Aurélio, Sávio Araújo, João Marcelino, Lenilton Teixeira, Adelvane Néia, Eduardo Moreira, Ernani

50


PT

Maletta, Babaya, Gabriel Villela, Márcio Aurélio, Arístides Vargas, Charo Francés, Ana Correa e Augusto Casafranca. E se lá você cita que a Casa de las Américas foi palco da tua descoberta como latino-americano e como parte da moderna tradição cênica do nosso continente, não posso deixar de mencionar que foi em espaços como a Casa Yuyachkani, em Lima, a Casa Malayerba, em Quito, ou o La Candelaria, em Bogotá, que me dei conta da minha real filiação pátria, ou melhor, mátria: assim como as embaixadas são territórios estrangeiros incrustados em um país alheio, sempre que entro em uma sede de grupo como essas que citei me parece que saio do Peru, Equador ou Colômbia e volto ao meu país, ao meu lugar. As cores, as texturas, os cheiros, os cenários antigos eventualmente entulhados num canto, as máscaras penduradas em outro, os cartazes de obras antigas que nos fazem viajar no tempo, tudo é reconhecível, é familiar, é casa. Nesses lugares entendi que faço parte disso. No entanto, caro mestre, me assusta ler o teu certo pessimismo naquele 2010, momento que hoje sinto tantas saudades, em especial no contexto brasileiro, quando a democracia ainda reinava. Se naquela ocasião havia motivos para preocupação, me parece que hoje as questões andam muito mais tensionadas. A precarização do trabalho – aqui no Brasil batizada de “uberização” – e da vida que vale cada vez menos encontram ecos diretamente no teatro que estamos fazendo no país. Se nas redes sociais não é raro ler que “a revolução será coletiva, ou não será”, no teatro vejo a ideia de grupo caindo em desuso, como uma forma anacrônica de se relacionar e criar. Vejo as emissoras de TV, streamings e até mesmo produtoras de teatro avançando sobre os grupos e atropelando qualquer possibilidade de sobrevivência diante da força do dinheiro; vejo obras sendo criadas exclusivamente porque “têm mais

apelo junto aos programadores de festivais” ou porque “vão interessar aos patrocinadores”, e o único caminho possível que vislumbro é o da resistência utópica. Os meus mestres e mestras também me ensinaram e continuam ensinando a inventar. Entendo que urge, mais do que nunca, a invenção de um outro teatro latino-americano. Um que ignore o máximo possível o seu pai, a começar pelo nome, que diminua a importância do “lugar de onde se vê” para evocar o lugar onde se joga, se brinca, se encanta, se interage e se constrói coletivamente. Evoquemos nossos/ as brincantes, teus/tuas danzantes, trazendo um princípio que permeia todos os nossos povos originários, daqui ou daí: vida e arte são indissociáveis. Enquanto continuarmos aceitando que a obra de arte é algo a ser colocada num pedestal, afastada de nós por uma placa de “não tocar” e um sensor infravermelho, seguiremos matando o teatro com nossa passividade, dia a dia. Miguel, quero um teatro que arraste as pessoas pelas ruas como o Boi de Santa Fé me arrastou pelo centro histórico de São Luís; quero que o teatro me cause o mesmo frisson que eu sentia cada vez que via ao longe os Chuqchus se aproximarem pelas ruelas de Paucartambo, já pressentindo as pancadas que eu receberia, me provocando a criar estratégias de fuga, me lançando ao jogo. Que possamos atuar politicamente em uma dimensão comunitária e viva. De que adianta um teatro que fale de decolonialidade, se a forma que o fazemos segue respeitando o cânone paterno? Me despeço agradecendo por tanto aprendizado que você e teus companheiros e companheiras dos Yuyas nos proporcionam. Um grande abraço de quem se orgulha de poder te chamar de amigo.

51


DEAR MIGUEL FERNANDO YAMAMOTO IS A THEATRE DIRECTOR, PROFESSOR AND RESEARCHER. HE IS ONE OF THE FOUNDERS OF THE SHAKESPEARE CLOWNS THEATRE GROUP, FROM NATAL/RN, AND HAS DIRECTED SEVERAL OF THEIR PERFORMANCES.

In 2010, Miguel Rubio Zapata, director of the Yuyachkani Cultural Group, from Lima, Peru, gave a memorable speech on Latin American theatre during the ceremony where he received his honorary degree from the Universidad de las Artes (Cuba). The speech took place at the Casa de las Américas, a very significant space for Latin-American art, and was transcribed and published in many different places. In Brazil, it featured in the Brazilian version of the book Raízes e Sementes – Mestres e Caminhos do Teatro na América Latina (Roots and Seeds – Latin-American Theatre Masters and Paths), and in the magazines Urdimento (UDESC), Cena (UFRGS) and Balaio (Shakespeare Clowns). I have come across it many times in both Portuguese and Spanish in the last decade and, each time I’ve read it, it’s made me reflect about something different. Now that I have been tasked with thinking and writing about contemporary Latin-American theatricality in the context of Mirada, I couldn’t but revisit his words and ponder over the new reflections they inspire 11 years later. Hence, I decided to write this letter to Miguel, which tries to create a dialogue between my current concerns and those he raised a decade ago.

Natal, 23 November, 2021. Dear Miguel, 11 years ago, you began your speech by paying tribute to the masters who started Yuyachkani. With your permission, I would also like to start this letter by honouring you and the masters who did the same for the Clowns: Marco Aurélio, Sávio Araújo, João Marcelino, Lenilton Teixeira, Adelvane

52


EN

Néia, Eduardo Moreira, Ernani Maletta, Babaya, Gabriel Villela, Márcio Aurélio, Arístides Vargas, Charo Francés, Ana Correa and Augusto Casafranca. You mentioned that it was at Casa de las Américas that it came to you that you were Latin-American and part of the modern performing tradition of our continent. I couldn’t fail to point out that it was in spaces such as Casa Yuyachkani, in Lima, Casa Malayerba, in Quito, and La Candelaria, in Bogota, that I realised my real affiliation to my homeland or, rather, my motherland. Just like embassies are foreign territories entrenched in a different country, whenever I go into the headquarters of such groups, I feel like I’ve left Peru, Ecuador or Colombia and gone back to my own country, my own place. The colours, textures, smells, old sets crammed into one corner, masks hanging in another, posters for previous plays that make you travel back in time - it’s all recognisable, familiar, it’s home. It was in such places that I understood that I am part of all that. However, dear master, it scares me to read the pessimistic tone of your words back in 2010, a time when democracy still ruled and that I miss so much now, especially in Brazil. If there was any reason for concern then, it seems to me that present issues are much tenser. The undermining of jobs – known in Brazil as “uberization” – and of life, which is worth increasingly less, resonates directly with the theatre currently being performed in the country. It is not uncommon to read that “either the revolution will happen collectively, or it won’t happen at all” on social media, but in theatre I see the concept of groups falling into disuse, as an anachronistic way of relating and creating. I see TV stations, streaming and even theatre producers engulfing groups and squashing any possibility for survival

in view of the power of money. I see works being created based solely on the fact that “they are more appealing to festival programmers” or “they will be of interest to sponsors”. The only potential way forward, in my view, is that of utopian resistance. My masters also taught and continue to teach me to be inventive. In my opinion, the invention of a different Latin-American theatre is more urgent now than ever. A theatre that ignores its father as much as possible, starting with the name, and that can decrease the relevance of ‘the place from which one sees’ and evoke the place where one plays, is delighted, interacts and builds collectively. Let us evoke our playful selves, your danzantes (dancers), by invoking a principle that pervades all of our native peoples, either here or there: life and art are inseparable. If we continue to accept that works of art are meant to be put on a pedestal, kept away from us by a “do not touch” sign and an infrared sensor, we will continue to kill theatre with our passiveness, day after day. Miguel, I want a theatre that drags people through the streets like the Boi de Santa Fé dragged me through the historic centre of São Luís; I want the theatre to make me feel the same frisson I felt every time I saw the Chuqchus approaching from a distance in the alleys of Paucartambo, already sensing the blows I would receive, prompting me to create strategies to escape, throwing myself into the game. May we act politically at a community level that is alive. What is the point of a theatre that talks about decoloniality if the way we do it continues to abide by the paternalistic canon? In conclusion, I thank you for everything we continue to learn from you and your Yuyas fellows. A big hug from someone who is proud to call you a friend.

53


QUERIDO MIGUEL FERNANDO YAMAMOTO ES DIRECTOR, PROFESOR E INVESTIGADOR DE TEATRO. ES UNO DE LOS FUNDADORES DEL GRUPO DE TEATRO CLOWNS DE SHAKESPEARE DE NATAL/ RN, CON EL CUAL HA DIRIGIDO VARIOS ESPECTÁCULOS.

En 2010, durante la ceremonia en la cual recibió el título honoris causa de la Universidad de las Artes (Cuba), Miguel Rubio Zapata, director del Grupo Cultural Yuyachkani de Lima, Perú, pronunció un memorable discurso sobre el teatro latinoamericano. Dicha alocución, presentada en la Casa de las Américas, un espacio tan importante para las artes latinoamericanas, ha sido transcrita y publicada en diferentes lugares, inclusive aquí en Brasil, como se confirma en la versión brasileña del libro Raízes e Sementes – Mestres e Caminhos do Teatro na América Latina y en las revistas Urdimento (Udesc), Cena (UFRGS) y Balaio (Clowns de Shakespeare). Tanto en portugués como en español, me he cruzado con dicho texto en diversas ocasiones durante la última década y me ha provocado de varias maneras cada vez que lo leía. Ahora, ante la tarea de pensar y escribir sobre la teatralidad contemporánea latinoamericana en el contexto del festival Mirada, no pude evitar rever ese texto y pensar sobre las reflexiones que surgen once años más tarde. Por tanto, me propuse escribirle esta carta a Miguel, tratando de establecer un diálogo entre mis inquietudes actuales y las que él planteaba hace una década.

Natal, 23 de noviembre de 2021. Querido Miguel: Si en aquel discurso hace once años usted comenzaba rindiendo homenaje a los maestros que establecieron el Yuyachkani, en esta ocasión yo también quisiera comenzar homenajeando y pidiendo su autorización y la de los maestros y maestras que hicieron lo mismo por los Clowns: Marco Aurélio, Sávio Araújo, João Marcelino, Lenilton Teixeira, Adelvane Néia, Eduardo Moreira, Ernani Maletta, Babaya, Gabriel

54


ES

Villela, Márcio Aurélio, Arístides Vargas, Charo Francés, Ana Correa y Augusto Casafranca. Y si en su discurso usted indica que la Casa de las Américas fue el escenario de su descubrimiento como latinoamericano y como parte de la moderna tradición escénica de nuestro continente, no puedo dejar de mencionar que ha sido en espacios como la Casa Yuyachkani, en Lima, la Casa Malayerba, en Quito, o La Candelaria, en Bogotá, donde me di cuenta de mi verdadera afiliación patria, o mejor dicho, matria. Del mismo modo que las embajadas son territorios extranjeros incrustados en un país ajeno, siempre que entro en una sede de grupos como esos que mencioné tengo la impresión de que salgo de Perú, Ecuador o Colombia y vuelvo a mi país, a mi lugar. Los colores, las texturas, los olores, los escenarios antiguos ocasionalmente amontonados en un rincón, las máscaras colgadas en otro, los carteles de obras antiguas que nos hacen viajar en el tiempo, todo es reconocible y familiar, es mi casa. En esos lugares entendí que formo parte de todo eso. Sin embargo, querido maestro, me asusta observar un cierto pesimismo suyo en aquel año 2010, época que añoro principalmente en el contexto brasileño, cuando la democracia aún reinaba. Si en aquel momento había motivos para preocupación, pienso que hoy en día vivimos una tensión aún mayor. La precarización del trabajo, aquí en Brasil se ha dado en llamarle uberización, y de la vida, que vale cada vez menos, encuentra eco directamente en el teatro que hacemos en el país. Mientras que en las redes sociales solemos leer que ‘la revolución será colectiva, o no será’, en el teatro veo a la idea de grupo cayendo en desuso, como una forma anacrónica de relacionarse y crear. Observo a las cadenas de TV, los streamings e inclusive a las productoras de teatro avanzando sobre los grupos y atropellando todas las posibilidades

de sobrevivencia ante la fuerza del dinero. Veo obras que se crean exclusivamente porque ‘son más atractivas para los programadores de festivales’ o porque ‘interesan a los patrocinadores’, y el único camino posible que anteveo es el de la resistencia utópica. Mis maestros y maestras también me enseñaron y siguen ensenándome a inventar. Entiendo que urge, más que nunca, la invención de otro teatro latinoamericano. Un teatro que, dentro de lo posible, ignore a su padre, comenzando por el nombre, que reduzca la importancia del ‘lugar donde se ve’ para evocar el lugar donde se juega, se entretiene, se encanta, se interactúa y se construye colectivamente. Evoquemos nuestros/as brincantes, tus danzantes, aludiendo a un principio que permea todos nuestros pueblos nativos, de aquí o de allí: la vida y el arte son indisociables. Mientras sigamos aceptando que una obra de arte es algo que debe ponerse en un pedestal, alejada por una placa de ‘no tocar’ y un sensor infrarrojo, seguiremos matando al teatro con nuestra pasividad, día a día. Miguel, quiero un teatro que arrastre a las personas por las calles como el Boi de Santa Fé me arrastró por el centro histórico de São Luis; quiero que el teatro me cause el mismo escalofrío que sentía siempre que veía a lo lejos a los Chuqchus que se acercaban por los callejones de Paucartambo, ya previendo los golpes que recibiría, llevándome a crear estrategias de huida, lanzándome al juego. Que podamos actuar políticamente en una dimensión comunitaria y viva. ¿De qué sirve un teatro que hable de descolonización, si la forma en que lo practicamos sigue respetando el canon paterno? Quisiera despedirme agradeciéndole a usted y a sus compañeros y compañeras de los Yuyas por todo el aprendizaje que nos proporcionan. Reciba un fuerte abrazo de quien se enorgullece de poder llamarle amigo.

55


COPO QUEBRADO BREVE RELATO SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA PEÇA SEM PALAVRAS MARCIO ABREU É ARTISTA, DRAMATURGO, ENCENADOR, CURADOR, AUTOR DE PEÇAS E ENSAIOS PUBLICADOS PELAS EDITORAS COBOGÓ E JAVALI, ALÉM DE REVISTAS ESPECIALIZADAS.

1. Antes um Na hora em que comecei a escrever este texto pensei na palavra entropia, esse conceito da física que mede a desordem, irreversível, das partículas de um sistema presente no universo. Um copo é um sistema organizado. Se um copo d’água cai no chão e quebra, a medida dessa desordem é a entropia, sendo impossível que o copo, sozinho, retroceda ao seu estado anterior de organização, a não ser que o tempo volte atrás. Uma semana antes de começar o isolamento em função da pandemia que nos atinge até hoje, dava início o processo criativo da peça Sem Palavras. Numa sala de trabalho vazia, em São Paulo, enchia diariamente um copo com água até a boca, posicionava-o no centro do espaço e, ao redor dele, lançava dispositivos para ativar o trabalho das atrizes, atores e demais artistas que se reuniam em mais uma jornada de criação. Muitas das tarefas que realizávamos ali consistiam em incluir o copo cheio nas improvisações realizadas em cena e, em alguns casos, tentávamos manter intactos o objeto e seu conteúdo. Em março de 2020 já vivíamos no Brasil a tragédia de um governo fascista e as violências e desmontes sucessivos em todas as áreas: saúde, educação, cultura, previdência social, direitos dos trabalhadores, economia, meio ambiente, direitos humanos, liberdades individuais, os já históricos genocídios em curso e por aí vai. Já vivíamos os efeitos da ignorância orgulhosa de si e usada como arma. Já era impossível não perceber a horda de ressentidos apolíticos engrossando, sem pudor, o caldo do racismo, da homofobia, da transfobia, da misoginia, do fanatismo e proselitismo neopentecostal e dos preconceitos de classe.

56


PT

Naquele momento, eu seguia o fluxo de dois trabalhos anteriores que havia criado junto com a companhia brasileira de teatro – grupo que fundei no ano de 2000 e com o qual sigo articulando sonhos e movendo ações ainda hoje. O Sem Palavras estava pensado como uma espécie de desdobramento das peças PROJETO bRASIL, de 2015, e Preto, de 2017. Sentíamos, nos nossos corpos, as complexas transformações sociais que emergiram com mais evidência a partir das manifestações de junho de 2013. Essa nova criação seria, portanto, um terceiro movimento de uma trilogia afetada pelo Brasil e em reação a determinados entendimentos de país e de vida que excluem os modos singulares de existência e se apropriam das linguagens para perpetuar as estruturas coloniais. Sete dias depois do primeiro encontro na sala de ensaio, o copo caiu no chão e quebrou, espalhando toda a água. Já ouvíamos a notícia de um novo vírus, mas achávamos que não chegaria até aqui – é recorrente acharmos que nunca é com a gente e que estamos protegidos do pior, que sempre é com o outro, e não é incomum tirarmos o corpo fora, revelando individualismos entranhados na nossa cultura. Achávamos que faríamos, talvez, uma breve pausa e tudo voltaria a ser como antes. Mas, como sabemos, não foi assim. Não é assim. Nunca foi. A interrupção abrupta e a imprevisibilidade de sua duração deram ao nosso processo um caráter entrópico, com mudanças imponderáveis e irreversíveis. O tempo não voltaria atrás. 2. Antes dois Um projeto artístico existe na sua relação com o tempo e envolve o cultivo e a partilha de múltiplas práticas e saberes, constituindo fluxos e trajetórias que inscrevem as experiências em realidades individuais e coletivas. O processo de criação de uma obra de arte não se materializa no imediatismo das cadeias produtivas que o capitalismo engendra. Provavelmente fura as lógicas da eficácia, da eficiência, da economicidade, do produtivismo e do lucro para afirmar-se em parâmetros outros, como por exemplo o não saber, a escuta, o experimento, o erro e a convivência.

57


Um primeiro encontro com as pessoas que integrariam a jornada de criação do Sem Palavras foi organizado pela companhia brasileira. É importante dizer que a companhia não é um grupo fixo de artistas, mas sim um movimento que articula encontros, intercâmbios e movências ao longo desses, agora, mais de vinte anos de atividades ininterruptas. Cada pessoa que passa deixa uma marca e se junta ao fluxo de uma obra subterrânea e contínua, que tem suas erupções em forma de peças e outras ações artísticas e formativas ao longo do tempo. Um grupo de artistas bastante diverso se reuniu num amplo e luminoso galpão nos fundos da casa de uma atriz na cidade de São Paulo. Uma espécie de oásis num contexto de desmonte, opressão e ataques à classe artística. Havia ali a consciência dos riscos e ameaças que todas, todes e todos, cada qual a sua maneira, sofríamos, mas também a consciência do privilégio de ainda poder trabalhar com alguma condição de dignidade. Um espaço vazio com um copo cheio de água até a boca; as presenças de Cássia Damasceno, Grace Passô, Kenia Dias, Key Sawao, Giovana Soar, Nadja Naira, Vini Ventania Xtravaganza, Vitória Jovem Xtravaganza, Fabio Osório, Rafael Bacelar, Rodrigo Bolzan, José Maria, Tomás Sarquis e eu; o trajeto percorrido com as duas peças anteriores que mencionei aqui como partes de uma trilogia; o livro Un Appartement sur Uranus, do filósofo transgênero Paul B. Preciado, naquele momento ainda inédito no Brasil; alguns textos da escritora e ativista brasileira Eliane Brum; o título da peça já escolhido por mim; um ou outro fragmento de texto que eu havia esboçado; e a alegria do convívio e de uma nova movida no mundo, na arte, na vida. Um caminho percorrido foi o que me levou até ali. Ter criado antes duas peças em perspectiva e que se relacionam, de diferentes maneiras, com visões a respeito e a partir do nosso país gerou mais um inevitável desdobramento que nomeei de Sem Palavras. PROJETO bRASIL e Preto são obras

que existem como gestos artísticos afetados pelos brasis que vivemos. Nasceram de ações conscientes como olhar criticamente para nós mesmos e remexer os traços da história, fazendo emergir o que foi apagado. São peças com estruturas dramatúrgicas permeáveis e que se transformam em contato com o tempo, gerando “reações químicas” que reatualizam os temas e as linguagens no diálogo com o público. Ambas são criações que tiveram processos abertos e itinerantes, sempre em deslocamento e com a presença das pessoas do público em quase todas as etapas, da pesquisa aos primeiros ensaios, das mostras de processo às apresentações. A primeira se debruça sobre a linguagem dos discursos públicos, e se estrutura numa sequência performativa de 16 discursos verbais e não verbais, a segunda sobre a fala pública, em forma de conferência, de uma mulher negra, numa sucessão de tentativas de diálogos, o Sem Palavras, ainda em estado embrionário, apontava para a busca de atos de reocupação e retomada, a partir de parâmetros decoloniais, da nossa própria língua e das nossas diversas linguagens. Uma paisagem mais ou menos assim estava desenhada para o processo criativo dessa nova peça, incluindo ainda, em cada etapa, encontros e interlocuções com pensadores e artistas de outras áreas. Estávamos programados para estrear em julho de 2020 em São Paulo e, antes disso, realizar uma série de residências de criação. Nada aconteceu como havíamos imaginado. Sucessivos adiamentos, mudanças, hiatos, crises, dúvidas insolúveis e dilemas estavam por vir. E vieram, revelando uma paisagem violenta de mortes físicas e simbólicas. E, junto com isso, a complexa consciência de que, mesmo com toda a dimensão da tragédia que vivíamos como sociedade, não era bom que o tempo voltasse atrás. Estávamos e estamos numa curva da história que nos convoca a agir, com urgência, no presente para que algum futuro possa existir, com léxico renovado e parâmetros outros, na dimensão da pluralidade dos nossos modos de existência.

58


PT

3. Agora um Voltei para casa, no Rio de Janeiro, no dia 16 de março de 2020. Aeroporto de Congonhas meio vazio, algumas pessoas usando máscaras, um clima estranho, mistura de medo, incertezas e desarticulação. O vazio dos primeiros dias e semanas guardavam ainda a expectativa de uma espécie de suspensão que duraria pouco. Fiquei quieto, tentando, como quase todo mundo, entender e me entender naquela nova situação. Fui percebendo o tempo se dilatar demasiadamente e os vínculos com as pessoas, o trabalho e as perspectivas se desmancharem aos poucos. Estar em casa, longe da sala de ensaio e impossibilitado de acessar as presenças e os corpos em convívio e fruição, em diálogo e ação, geraram em mim uma sensação de enorme impotência diante de tudo. Ao mesmo tempo, ter a possibilidade de estar seguro em casa e, mesmo com muitas incertezas, ainda ter meios para sobreviver, pagar contas, me alimentar, cuidar da saúde e apoiar quem estivesse ao meu alcance, isso tudo era privilégio de poucas pessoas, considerando a dimensão e as avassaladoras desigualdades sociais do nosso país. Fiz um primeiro movimento de reunir virtualmente a equipe da peça, muito estimulado pelas companheiras e companheiros da companhia brasileira. Não lembro exatamente depois de quanto tempo isolados – o tempo, pra mim, virou uma abstração ainda maior nesse período – nos encontramos para realizar sessões de trabalho através de uma plataforma virtual. Tateamos durante um tempo, exatamente em dois períodos, de uma semana cada, modos de acessar e performar os materiais que, àquela altura, já estavam no nosso horizonte de pesquisa e criação. Essas tentativas não foram mais longe que isso. Pareceu evidente para todas, todes e todos nós que nosso desejo estava voltado para a presença e o convívio e que não queríamos encerrar essa peça, que nem mesmo tinha chegado a existir de fato, numa experiência digital. Logo perceberíamos, com

consciência e sentido crítico, a importância de ocupar todos os espaços possíveis, inclusive os virtuais, e assim o fizemos, com empenho e muito trabalho, mas sem jamais abrir mão da mira no corpo a corpo, assim que fosse possível. Construímos, com todas as instabilidades e dúvidas, algumas ocasiões de trabalho presencial. Foram muitos os reveses e longuíssimos os hiatos de tempo entre cada uma das residências de criação que realizamos. Foram três: a primeira em Águas de Lindóia, no interior de São Paulo, a segunda em Santa Rita do Sapucaí, interior de Minas Gerais, e a terceira em Cotia, próximo à cidade de São Paulo. O escape dos grandes centros urbanos como uma das estratégias. Fundamental dizer que só conseguimos articular tudo isso porque tivemos coprodutores internacionais (teatros e festivais na França e na Alemanha) que são nossos parceiros e acreditaram nesse trabalho, mantendo acordos firmados antes mesmo da pandemia. Seguimos todos os protocolos possíveis para nos encontrar: quarentena anterior, sequência de testes, distanciamentos numa sala de trabalho aberta, uso de máscaras e tudo o mais. Na primeira residência, ensaiamos individualmente com cada atriz e ator, em sessões de cerca de duas horas de trabalho por dia com cada uma. Eu, Nadja Naira, que faz minha assistência e colabora na dramaturgia, Kenia Dias, que além de performer em cena, colabora no pensamento dos corpos e Felipe Storino, que se ocupa de pensar junto as sonoridades, ficávamos horas incontáveis reaprendendo a trabalhar com cada pessoa separadamente e em novos acordos e códigos de convivência. Exaustivo, porém estimulante e de uma alegria renovada pela chance de compartilhar, ainda que com muitas restrições, as nossas presenças. Ao fim de cerca de dez dias voltamos para casa e, ativado por esse contato, comecei a escrever o texto da peça. Nadja e eu fazíamos encontros semanais via Zoom e estabelecíamos um diálogo determinante para que eu conseguisse mover a dramaturgia.

59


Vislumbramos, depois de muito tempo e vários altos e baixos, ocupados em inventar maneiras de não perder o vínculo com o público e com o nosso fazer, entre tentativas e realizações de novas criações virtuais, enfim, todo o percurso que nós artistas no Brasil fizemos e seguimos fazendo para nos manter de pé, vislumbramos, então, mais uma oportunidade de nos reunir. Nessa segunda vez eu já havia escrito muita coisa e ainda segui escrevendo durante a residência, que, mesmo com todos os protocolos sanitários, foi abalada pela notícia de quatro pessoas da equipe com Covid-19. Essa circunstância traumática nos ensinou muito sobre conviver de fato com as diferenças e nos fortaleceu como coletivo, ainda que, na prática, não pudéssemos realizar ensaios realmente coletivos. Habitávamos o mesmo lugar, porém distantes. Esse paradoxo agiu profundamente nas nossas sensibilidades e no modo como fui criando e estruturando a dramaturgia. Chegamos ao final do mês de maio de 2021. Importante lembrar que o primeiro encontro aconteceu em março de 2020. Estamos apenas na terceira residência desse processo criativo. O lugar é Cotia, nas proximidades da cidade de São Paulo. Depois do trauma do contágio de quatro pessoas da equipe, novos protocolos, novas estratégias: dividimos o grupo em dois para diminuir o número de pessoas na casa e na área de trabalho. Na primeira semana um grupo, na segunda semana outro. A boa notícia veio durante esses dias. Confirmamos a fundamental parceria do Sesc São Paulo nessa etapa. Faríamos uma demonstração de trabalho transmitida ao vivo do teatro do Sesc Ipiranga como resultado dessa residência. Esse foi um momento crucial e que impulsionou decisivamente a peça a um campo mais concreto e menos idealizado. O fato de termos uma data específica para gerar um acontecimento vivo ativou muito objetivamente o nosso breve cotidiano de ensaios. Levantamos com urgência um primeiro esqueleto, frágil e hesitante, mas vibrante e cheio de vontade de existir. Escolhemos alguns fragmentos, montamos um roteiro e “reconvidamos”, finalmente, uma pessoa que

estava já convidada lá em 2019: a escritora transfeminista Helena Vieira, que se juntou ao barco naquela noite intensa no Sesc Ipiranga e teceu brilhantes provocações e pensamentos luminosos em interlocução com o trabalho e com o público. Nossa primeira vez num teatro depois de mais de um ano. 4. Agora dois Agora, um mês depois, ou quase, exatamente em 30 de junho de 2021, ocupamos o Centro Cultural Oi Futuro, no Rio de Janeiro, um dos importantes parceiros desse projeto, através de um edital de cultura promovido anualmente por eles e encabeçado com entusiasmo por Roberto Guimarães, um gestor cultural com sensibilidade e engajamento raros e que faleceu poucos dias antes da nossa chegada – a morte sempre presente em suas muitas faces ao longo de todo esse tempo. Fomos contemplados por esse edital, com cortes substanciais no orçamento, antes mesmo dos desmontes promovidos em vários âmbitos da cultura em todos os níveis, federal, estadual e municipal, principalmente no Rio. O teatro ainda fechado para o público, mas as galerias sendo abertas aos poucos, em horários específicos e com visitações restritas e agendadas. Ocupamos o teatro com um misto de cautela e despudor. Tínhamos a oportunidade, rara a essa altura, de ter um mês inteiro diante de nós, um espaço disponível e acolhedor e a perspectiva concreta de estrear uma peça, mesmo que fora do país, pois as datas na Europa já estavam confirmadas e os trâmites burocráticos da viagem estavam em curso. Ocupamos nosso tempo num trabalho vigoroso de colocar uma peça de pé. Cada elemento foi chegando aos poucos, cada atriz e cada ator foi encontrando seu lugar, cada profissional foi existindo na perspectiva da sua função, numa dinâmica coletiva – algo que era óbvio antes da pandemia e do pandemônio ético e político que se tornou o Brasil, mas que agora nos parecia improvável e motivo de celebração.

60


PT

Ocupamos não só o teatro mas também uma galeria. Realizamos, além dos ensaios e da quase finalização da peça, um filme documentário sobre essa etapa quase final da criação, com a colaboração preciosa da pesquisadora e cineasta Clara Cavour. Criamos, junto com nosso parceiro, o artista digital Batman Zavareze, uma videoinstalação que ficou em exposição na galeria térreo do centro cultural, aberta à visitação. Fizemos uma nova demonstração de trabalho, como aquela do Sesc Ipiranga, transmitida ao vivo do teatro do Oi Futuro e abrimos alguns ensaios para um pequeno e diverso público, presencialmente, com todos os protocolos sanitários. Ocupamos nosso fazer, reocupando, de certa maneira, nosso lugar no mundo. Nada disso nos pareceu evidente. Tudo parecia impossível ou, no mínimo, improvável. Ainda assim, tentamos não perder de vista, durante toda essa jornada, a dimensão pública da nossa arte, o compromisso com o outro e com um entendimento coletivo da nossa sociedade. Reaquecemos algum sentido de comunidade, indispensável para conseguirmos nos mover num mundo tão hostil. Ocupamos, ou melhor, nos ocupamos da tarefa indesviável de nos afirmar no agora, em cada gesto que fazemos, para gerar alguma possibilidade futura. Entendemos que o futuro não existe para além daquilo que formos capazes de mobilizar concretamente no agora mais urgente. Ocupamos outros espaços e outras palavras. Estreamos o Sem Palavras fora do Brasil e seguimos numa pequena, mas intensa turnê, com forte reverberação junto ao público estrangeiro e também junto aos artistas e público daqui, que vibravam de longe com nosso caminho. Agora, agorinha mesmo, conseguimos, finalmente, estrear no Brasil, na cidade de Santos, no belíssimo teatro do Sesc, nesta Ocupação Mirada, que marcou o não acontecimento da edição 2020, apontando para a realização plena da próxima edição em 2022, da Mostra Mirada, esse festival ibero-americano que se inscreve há cerca de dez anos na cena internacional com vigor e importância ímpar. O copo quebrado da nossa história é irreversível. O tempo, felizmente, mesmo com todas as dores, não volta atrás. Agora é agora! Nossa existência diz, nossa vida é assim. Estamos diante de mais uma oportunidade, talvez não haja outras. O espaço está aberto para nós. Existe um lugar onde é possível ser completamente diferente de tudo o que lhe permitiram imaginar até hoje. Imagine que… Marcio Abreu – Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 2021.

61


BROKEN GLASS A BRIEF ACCOUNT OF THE CREATIVE PROCESS BEHIND THE PLAY SEM PALAVRAS (NO WORDS) MARCIO ABREU IS AN ARTIST, PLAYWRIGHT, DIRECTOR AND CURATOR. HE HAS WRITTEN PLAYS AND ESSAYS THAT HAVE BEEN PUBLISHED BY COBOGÓ AND JAVALI PUBLISHING HOUSES, AS WELL AS SPECIALIZED MAGAZINES.

1. Before one As soon as I started writing this, I thought of the word entropy, a concept in physics that measures the irreversible disorder of particles in a system that is present in the universe. A glass is an organized system. If a glass of water falls to the floor and breaks, the measurement of the ensuing disorder is known as entropy. It is impossible for the glass to return to its previous state of organization by itself, unless time turns back. The creative process of the play Sem Palavras began a week before lockdown started as a result of the ongoing pandemic. Every day, in an empty workroom in São Paulo, I filled up a glass of water, placed it in the centre of the room and used devices around it to activate the work of the actresses, actors and other artists who had gathered for yet another creative journey. Many of the tasks consisted of including the full glass in the improvisations performed on stage and, in some cases, trying to keep the object and its content intact. In March 2020, Brazil was already experiencing the tragedy of a fascist government, widespread violence and dismantling across the board: in health, education, culture, social security, workers’ rights, the economy, the environment, human rights, individual freedoms, the ongoing genocide that was already making history, and much more. We were already experiencing the effects of proud ignorance being weaponized. It was already impossible to ignore the horde of the resentful apolitical, shamelessly thickening the broth of racism, homophobia, transphobia, misogyny, neo-Pentecostal fanaticism and proselytism, and class prejudice.

62


EN

At the time, I was on a roll with two previous projects I had co-created with the Brazilian theatre company – a group I had founded in the year 2000 and with which I still make dreams come true and put projects into motion. Sem Palavras had been conceived as a follow up to the plays PROJETO bRASIL (bRAZIL PROJECT), 2015, and Preto (Black), 2017. We could feel in our own bodies the complex social transformations that had emerged more clearly since the June 2013 demonstrations. This new creation would, therefore, be the third movement in a trilogy that had been affected by Brazil and was a reaction to certain views of the country and life in general that exclude unusual ways of life and appropriate languages with a view to perpetuating colonial structures. Seven days after our first meeting in the rehearsal room, the glass fell to the floor and broke, spilling all the water. We had already heard the news of a new virus, but thought it wouldn’t reach Brazil – we often think things will never happen to us and that we are protected from the worst, that it will always happen to someone else. It is not unusual for us to exempt ourselves, revealing the self-centredness that is ingrained in our culture. We thought that maybe we would take a short break and everything would go back to the way it was. But, as we now know, that is not what happened. It’s not what is happening. It never was. The abrupt interruption and the unpredictability of its duration lent an entropic element to our process, with imponderable and irreversible changes. Time would not be turning back. 2. Before two An artistic project exists within its relationship with time and involves the nurturing and the sharing of multiple practices and knowledge, creating flows and trajectories that inscribe experiences in individual and collective realities. The process of creating a work of art does not materialize in the immediacy of the production chains engendered by capitalism. It probably breaks with the logic of effectiveness, efficiency, economy, productivism and profit and asserts itself in other parameters, such as not knowing, listening, experimenting, error and coexistence.

63


The Brazilian company organised the first meeting with those who were going to take part in the creative process of Sem Palavras. It should be pointed out that the company is not a static group with fixed artists, but rather a movement that organises meetings, exchanges and everything in between, and which has been working non-stop for over twenty consecutive years. Each person who passes through it leaves their own mark and joins the flow of this continuous underground work that erupts every now and again in the form of plays and other artistic and educational initiatives. A very diverse group of artists gathered in a large, light-filled warehouse at the back of an actress’ home in São Paulo. It was like an oasis, surrounded by widespread dismantling, oppression and attacks on the arts and artists in general. There was an awareness of the risks and threats that we were all, each in their own way, suffering, but also the knowledge of how fortunate we were to still be able to work with at last a little dignity. A glass full of water in an empty space; Cássia Damasceno, Grace Passô, Kenia Dias, Key Sawao, Giovana Soar, Nadja Naira, Vini Ventania Xtravaganza, Vitória Jovem Xtravaganza, Fabio Osório, Rafael Bacelar, Rodrigo Bolzan, José Maria, Tomás Sarquis and I in the room; the road travelled thus far with the two previous plays I mentioned here as part of a Trilogy; the book Un Appartement sur Uranus, by transgender philosopher Paul B. Preciado, which hadn’t been published in Brazil then; a few texts by Brazilian writer and activist Eliane Brum; the title of the play already chosen by me; the occasional snippet of writing I had drafted; and the joy of spending time together and some new movement in the world, in art, in life. The road I had travelled had brought me there. Having previously created two plays in perspective and that were related, in different ways, to views about and from our country, led to yet another inevitable ramification, which I named Sem Palavras. PROJETO bRASIL and Preto are works that exist

as artistic gestures affected by the brazils we live in. They were born out of conscious actions, such as taking a critical look at ourselves and sifting through the traces of history to bring out what had been erased. These plays have permeable drama structures that are transformed when they come into contact with time, creating ‘chemical reactions’ that refresh the themes and languages in the dialogue with the audience. Both had open and roaming creative processes, always on the move and in the presence of people from the audience at almost all stages, from research to the first rehearsals, from process shows to presentations. The first focuses on the language of public speeches, and the performative sequence includes 16 verbal and non-verbal speeches. The second focuses on public speech, in the form of a lecture by a black woman, in a succession of dialogue attempts; Sem Palavras, still incipient, pointed to a search for acts of reoccupation and recovery of our own language and our different languages from the perspective of decolonial parameters. This was more or less the landscape that had been outlined for the creative process of this new play. Each stage included meetings and exchanges with thinkers and artists from other fields. We were scheduled to premiere in July 2020 in São Paulo and would organise a number of creative residencies before then. Nothing happened as we had imagined. A succession of delays, changes, hiatuses, crises, unanswerable questions and dilemmas were yet to come. And come they did, revealing a violent landscape of physical and symbolic deaths. And with them came the complex realisation that, even considering the magnitude of the tragedy we were experiencing as a society, turning back time would not be good. We were and still are moving along a curve of history that is beckoning us to act, urgently, in the present so that there can be some form of future, with a renewed lexicon and different parameters, in the dimension of the plurality of our ways of life.

64


EN

3. Now one I went home to Rio de Janeiro on March 16, 2020. Congonhas airport was half-empty, some people were wearing masks and there was a weird mix of fear, uncertainty and disconnection in the air. The emptiness of the first few days and weeks still held the expectation of a kind of break that wouldn’t last long. I kept quiet, trying, like almost everyone else, to understand and understand myself in this new situation. I started noticing that time was stretching out and the bonds with people, work and prospects were gradually disintegrating. Being home, away from the rehearsal room and unable to have access to their presence and bodies in coexistence and enjoyment, in dialogue and action, made me feel utterly helpless in the face of it all. At the same time, having the possibility to be home safe and, even with so many uncertainties, to still have the means to survive, pay the bills, eat, take care of my health and help those within my reach, was a privilege very few people had, considering the magnitude and overwhelming social inequalities of our country. Encouraged by my fellow associates in the Brazilian company, I made the first move to organise a virtual get together with everyone in the play. I don’t remember exactly how long we’d all been socially distancing – time had become an even greater abstraction to me – when we held the first work meetings on a virtual platform. For two separate weeks, we fumbled around trying to think of ways to access and perform the material that was already on our research and creative radar by then. That’s as far as those attempts went. It seemed clear to all of us that we wanted to be spending time together physically and we did not want this play, which hadn’t even come to life yet, to end up as a digital experience. We would soon realise, through awareness and common sense, how important it would be to occupy all possible spaces, including the virtual. And so we did, through commitment and hard work, but always keeping our sights on going back to faceto-face as soon as possible.

Even with all the instability and doubt, we carved out a few opportunities to do some work in person. There were many setbacks and extremely long breaks between our creative residencies, but we held three: the first was in Águas de Lindóia, in the São Paulo countryside, the second in Santa Rita do Sapucaí, in the Minas Gerais countryside, and the third in Cotia, close to the city of São Paulo. Getting away from major urban centres was one of our strategies. It should be pointed out that we were only able to do any of it thanks to the support of our international co-producers (theatres and festivals in France and Germany), our partners who believe in the work and honoured agreements that had been signed prior to the pandemic. We followed every single protocol in order to be able to meet: a prior quarantine, the batch of tests, social distancing in an open workroom, facemasks and all the rest of it. In the first residency, each day we rehearsed with actors and actresses individually in sessions that lasted approximately two hours. Nadja Naira, my assistant and co-playwright, Kenia Dias, who in addition to being a stage performer helps with the thinking of bodies, Felipe Storino, who co-conceives the sounds, and I spent endless hours relearning how to work with each person separately, based on new agreements and codes for coexistence. It was exhausting but stimulating and the opportunity to share the same space, albeit with many restrictions, brought with it a fresh joy. After about ten days, we returned home and, feeling energised by this contact, I began to write the play. Nadja and I had weekly Zoom meetings and our interaction was vital to help me drive the dramaturgy. After a long time and many ups and downs, having been busy coming up with ways to not lose the connection with the audience and with our practice, which included attempts at and actual new online creations, in short, everything we, Brazilian artists, have done and continue to do to keep going, we glimpsed another chance to get together. By this second time I had already written extensively and continued

65


to write during the residency, which, despite all the health protocols, was still impacted by the news that four people in the team had contracted Covid-19. This traumatic experience taught us a lot about actually living with differences and made us stronger as a collective, even if in practice we weren’t able to rehearse truly collectively. We inhabited the same place, but were far apart. This paradox had a profound effect on our sensitivities and on the way I was creating and structuring the play. We reached the end of March, 2021. Let’s not forget that our first meeting had taken place in March, 2020. This is only the third residency of the creative process. The place is Cotia, close to the city of São Paulo. After the trauma of having four people in our team contract Covid-19, new protocols, new strategies: we split the group in two to reduce the number of people in the house and in the work space. We worked with one group in the first week, and the other in the second. We had some good news then. We received confirmation of a key partnership with Sesc São Paulo for that stage. We would do a live demo of the work that resulted from this residency from Sesc Ipiranga’s theatre. This was the crucial moment when the play was decidedly pushed from an idealised concept into a more concrete place. Having a set date to perform live had a very objective activating effect on our brief rehearsal routine. We produced the first preliminary skeleton straightaway, it was fragile, hesitant, but vibrant and full of life. We selected a few excerpts, put together a script, and ‘re-invited’ someone we had already invited in 2019, transfeminist writer Helena Vieira, to join us, which she did on that intense evening at Sesc Ipiranga - her brilliant and provocative comments and food for thought interacting with the play and the audience. Our first time in a theatre after more than a year.

4. Now two Now, a month later, or almost exactly, on 30 June, 2021, we have occupied Centro Cultural Oi Futuro, in Rio de Janeiro. They became one of our main partners in this project through an annual bidding process for culture they promote and which is enthusiastically led by Roberto Guimarães, a cultural manager with rare sensitivity and commitment who passed away a few days before our arrival – death, in its many faces, was present all that time. We had won the bidding process, with substantial budget cuts, before the dismantling that would ensue at all levels, federal, state and local, across different fields of culture, especially in Rio. Theatres were still closed to the public, but galleries were gradually opening up with specific opening hours through prior booking only and with limited capacity. We occupied the theatre with a mix of caution and shamelessness. We had the opportunity, a rare occurrence at the time, to have a warm and welcoming space available to us for the whole month ahead and the concrete prospect of premiering a play, albeit in a different country, as dates in Europe had already been confirmed and the paperwork for the trip was underway. We occupied our time working frantically to get the play up and running. Little by little, each of the elements got there, each actor and actress found their place, each professional came to life within the scope of their job in a collective dynamic – something that was quite obvious before the pandemic and the ethical and political pandemonium that had taken over Brazil, but which now seemed unlikely and something to be celebrated.

66


EN

We occupied not just the theatre, but a gallery as well. In addition to rehearsing and nearly finishing the play, we also produced a documentary about this almost final creative stage with the invaluable help of researcher and filmmaker Clara Cavour. Together with our partner, digital artist Batman Zavareze, we created a video installation that was on show in a gallery on the ground floor of the cultural centre that was open to visitors. We did another live demo, like the one we had done from Sesc Ipiranga, but from the Oi Theatre, and allowed a small and diverse audience to attend some of the rehearsals in person, in compliance with health protocols. We occupied our practice by reoccupying our place in the world in a way. None of that seemed obvious to us. Everything seemed impossible or at least unlikely. But still, throughout this journey we tried not to lose sight of the public dimension of our art, our commitment to others and a collective understanding of our society. We rekindled a certain sense of community, indispensable to being able to move in such a hostile world. We occupied, or rather, were occupied with the unavoidable task of asserting ourselves in the now, in each of our gestures, to create some sort of future possibility. We understood that the future doesn’t exist beyond that which we can mobilise concretely now, when things are at their most urgent. We occupied other spaces and other words. We debuted Sem Palavras abroad and continued with a small but intense tour that had echoed loudly among international audiences as well as local artists and audiences, who were cheering us on from afar. Now, literally only just now, we were able to finally debut in Brazil, in the Mirada Occupation at the beautiful Sesc theatre in the city of Santos. This Mirada Occupation marks the fact that the 2020 edition didn’t take place and points to the full 2022 edition of Mirada, the Ibero-American festival that has been playing a uniquely energetic and relevant role in the international scene for approximately ten years. The broken glass of our history is irreversible. Fortunately, time, even with all the pain, can’t be turned back. Now is now! So says our existence, so is our life. We have been given one more chance, there may not be others. The space is open for us. There is a place where everything can be totally different to anything we have been allowed to imagine so far. Imagine that… Marcio Abreu – Rio de Janeiro, 3 December, 2021.

67


VASO ROTO BREVE RELATO SOBRE EL PROCESO DE CREACIÓN DE LA OBRA SEM PALAVRAS MARCIO ABREU ES ARTISTA, DRAMATURGO, DIRECTOR, CURADOR, AUTOR DE OBRAS DE TEATRO Y ENSAYOS PUBLICADOS POR LAS EDITORIALES COBOGÓ Y JAVALI, ASÍ COMO EN REVISTAS ESPECIALIZADAS.

1. Antes uno Cuando empecé a escribir este texto pensé en la palabra entropía, ese concepto de física que mide el desorden, irreversible, de las partículas de un sistema presente en el universo. Un vaso es un sistema organizado. Si un vaso de agua cae al suelo y se rompe, la medida de ese desorden es la entropía, y es imposible que el vaso, por sí solo, vuelva a su estado anterior de organización, a menos que el tiempo retroceda. Una semana antes de comenzar el aislamiento debido a la pandemia que nos afecta hasta hoy, inicié el proceso creativo de la obra Sem Palavras (Sin Palabras). En una sala de trabajo vacía, en San Pablo, llenaba diariamente un vaso con agua hasta el borde, lo colocaba en el centro del espacio y, a su alrededor, lanzaba dispositivos para activar el trabajo de las actrices, actores y demás artistas que se reunían para una nueva jornada de creación. Muchas de las tareas que realizamos allí consistían en incluir el vaso lleno en las improvisaciones que tenían lugar en el escenario y, en algunos casos, intentábamos mantener intactos el objeto y su contenido. En marzo de 2020 ya vivíamos en Brasil la tragedia de un gobierno fascista y la sucesiva violencia y desmantelamiento en todas las áreas: salud, educación, cultura, seguridad social, derechos de los trabajadores, economía, medioambiente, derechos humanos, libertades individuales, los ya históricos genocidios en curso, etc. Ya vivíamos los efectos de la ignorancia orgullosa de sí misma y utilizada como arma. Ya resultaba imposible no percibir la horda de resentidos apolíticos espesando, sin pudor, el caldo del racismo, la homofobia, la misoginia, el fanatismo, el proselitismo neopentecostal y los prejuicios de clase.

68


ES

En aquel momento, yo acompañaba el flujo de dos trabajos anteriores que había creado junto con la Compañía Brasileña de Teatro, un grupo que había fundado en el año 2000 y con el cual aún hoy sigo articulando sueños y moviendo acciones. La obra Sem Palavras estaba pensada como una especie de desdoblamiento de las obras PROJETO bRASIL, de 2016, y Preto, de 2017. Sentíamos en nuestros cuerpos las complejas transformaciones sociales que surgieron de forma clara a partir de las manifestaciones de junio de 2013. Esta nueva creación sería, por lo tanto, un tercer movimiento de una trilogía afectada por Brasil y como reacción a determinadas comprensiones de país y de vida que excluyen los modos singulares de existencia y se apropian de lenguajes para perpetuar las estructuras coloniales. Siete días después del primer encuentro en la sala de ensayos, el vaso cayó al suelo y se rompió, derramándose todo el agua. Ya habíamos escuchado la noticia sobre un nuevo virus, pero no pensábamos que nos alcanzaría. Solemos pensar que nunca va a suceder con nosotros y que estamos protegidos de lo peor, que siempre pasará con los demás, y con frecuencia nos escabullimos, revelando individualismos arraigados en nuestra cultura. Pensábamos que, tal vez, haríamos una breve pausa y todo volvería a ser como antes. Pero, como sabemos, no fue así. No es así. Nunca lo fue. La interrupción brusca y la imprevisibilidad de su duración le aportaron a nuestro proceso un carácter entrópico, con cambios imponderables e irreversibles. El tiempo no retrocedería. 2. Antes dos Un proyecto artístico existe en su relación con el tiempo e implica el cultivo y el intercambio de múltiples prácticas y conocimientos, conformando flujos y trayectorias que inscriben las experiencias en realidades individuales y colectivas. El proceso de creación de una obra de arte no se materializa en la inmediatez de las cadenas de producción engendradas por el capitalismo. Probablemente, quiebra las lógicas de eficacia, eficiencia, economicidad, productivismo y rentabilidad, para afirmarse en otro parámetros, como, por ejemplo, el no saber, el escuchar, el experimentar, el errar y el convivir.

69


Un primer encuentro fue organizado por la Compañía Brasileña con las personas que integrarían la jornada de creación de Sem Palavras. Es importante señalar que la Compañía no es un grupo fijo de artistas, sino un movimiento que articula encuentros, intercambios y movimientos a lo largo de ya más de veinte años de actividades ininterrumpidas. Cada persona que pasa deja una huella y se suma al caudal de una obra subterránea y continua, con erupciones en forma de obras y otras acciones artísticas y formativas a lo largo del tiempo. Un grupo de artistas bastante diverso se reunió en un amplio y luminoso galpón en el fondo de la casa de una actriz en la ciudad de San Pablo. Una especie de oasis en un contexto de desmantelamiento, opresión y ataques a la clase artística. Había allí conciencia de los riesgos y amenazas que sufríamos todas, todes y todos, cada uno a su manera, pero también había conciencia del privilegio de aún poder trabajar con cierta dignidad. Un espacio vacío con un vaso lleno de agua hasta el borde; las presencias de Cássia Damasceno, Grace Passô, Kenia Dias, Key Sawao, Giovana Soar, Nadja Naira, Vini Ventania Xtravaganza, Vitória Jovem Xtravaganza, Fabio Osório, Rafael Bacelar, Rodrigo Bolzan, José Maria, Tomás Sarquis y yo; el trayecto recorrido con dos obras anteriores que mencioné aquí como partes de una trilogía; el libro Un Appartement sur Uranus, del filósofo transgénero Paul B. Preciado, en aquel momento aún inédito en Brasil; algunos textos de la escritora y activista brasileña Eliane Brum; el título de la obra ya elegido por mí; algún que otro fragmento de texto que yo había bosquejado; y la alegría de la convivencia y de un nuevo movimiento en el mundo, en el arte, en la vida. Un camino recorrido fue lo que me llevó hasta allí. El haber creado antes dos obras en perspectiva y que se relacionan, de diferentes maneras, con visiones a partir de nuestro país y con él vinculadas, generó otro inevitable despliegue al cual denominé Sem Palavras. PROJETO bBRASIL y Preto son obras que existen como gestos artísticos afectados por los

Brasiles en que vivimos. Nacieron de acciones conscientes como el mirarnos críticamente a nosotros mismos y hurgar en las huellas de la historia, sacando a luz lo que había sido borrado. Son obras con estructuras dramatúrgicas permeables y que se transforman en contacto con el tiempo, generando reacciones químicas que reactivan los temas y los lenguajes en el diálogo con el público. Ambas son creaciones que pasaron por procesos abiertos e itinerantes, siempre desplazándose y con la presencia del público en casi todas las etapas, desde la investigación hasta los primeros ensayos, desde las muestras de proceso hasta las presentaciones. La primera reflexiona sobre el lenguaje de los discursos públicos y se estructura en una secuencia performativa de 16 discursos verbales y no verbales; la segunda lo hace sobre el discurso público, en forma de conferencia, de una mujer negra, en una sucesión de intentos de diálogos. Sem Palavras, aún en estado embrionario apuntaba hacia la búsqueda de actos de reocupación y reinicio, a partir de parámetros decoloniales, de nuestra propia lengua y de nuestros diversos lenguajes. Un paisaje más o menos así estaba diseñado para el proceso creativo de esa nueva obra, incluyendo también, en cada etapa, encuentros e interlocuciones con pensadores y artistas de otras áreas. El estreno estaba programado para julio de 2020 en San Pablo y, previamente, habría una serie de residencias de creación. No ocurrió nada de la forma en que lo habíamos imaginado. Sucesivos aplazamientos, cambios, parones, crisis, dudas insolubles y dilemas aún estaban por llegar. Y llegaron, revelando un paisaje violento de muerte física y simbólica. Y, junto a ello, la compleja conciencia de que, aún con toda la dimensión de la tragedia que vivíamos como sociedad, no era bueno que el tiempo retrocediera. Estábamos y estamos en una curva de la historia que nos convoca a actuar con urgencia en el presente para que pueda existir un futuro, con léxico renovado y otros parámetros, en la dimensión de la pluralidad de nuestras formas de existir.

70


ES

3. Ahora uno Volví a casa, en Río de Janeiro, el 16 de marzo de 2020. El aeropuerto de Congonhas estaba medio vacío, algunas personas llevaban mascarillas y había un ambiente extraño, mezcla de miedo, incertidumbre y desarticulación. El vacío de los primeros días y semanas guardaba aún la expectativa de una especie de suspensión que duraría poco. Me quedé callado, intentando, como casi todo el mundo, entender y comprenderme en aquella nueva situación. Percibí que el tiempo se dilataba demasiado y que los vínculos con las personas, el trabajo y las perspectivas se deshacían poco a poco. Estar en casa, lejos de la sala de ensayos y sin tener acceso a las presencias y a los cuerpos en convivencia y fruición, en diálogo y acción, me generaba una sensación de enorme impotencia frente a todo. Al mismo tiempo, tener la posibilidad de estar a salvo en casa, incluso con muchas incertidumbres, seguir teniendo medios para sobrevivir, pagar las cuentas, alimentarme, cuidar de mi salud y apoyar a quien estuviera a mi alcance, todo ello era un privilegio de pocas personas, teniendo en cuenta la dimensión y las abrumadoras desigualdades sociales de nuestro país. Hice un primer movimiento para reunir virtualmente al equipo de la obra, muy alentado por los compañeros y compañeras de la Compañía Brasileña. No recuerdo exactamente después de cuánto tiempo de haber estado aislados, el tiempo para mí se convirtió en una abstracción aún mayor durante ese periodo, nos reunimos para unas sesiones de trabajo a través de una plataforma virtual. Tanteamos durante un tiempo, exactamente en dos periodos de una semana cada uno, formas de acceder y performar los materiales que en aquel momento ya estaban en nuestro horizonte de investigación y creación. Esos intentos no avanzaron. Quedó evidente para todas, todes y todos nosotros que nuestro deseo estaba dirigido a la presencia y la convivencia y que no queríamos concluir esta obra, que ni siquiera había llegado a existir,

de hecho, en una experiencia digital. Pronto nos daríamos cuenta, con conciencia y sentido crítico, de la importancia de ocupar todos los espacios posibles, incluso los virtuales. Y así lo hicimos, con empeño y mucho trabajo, pero sin dejar de lado en ningún momento el objetivo del cuerpo a cuerpo, en cuanto fuera posible. Construimos, con todas las inestabilidades y dudas, algunas oportunidades de trabajo presencial. Hubo muchos contratiempos y largas brechas de tiempo entre cada una de las residencias de creación que realizamos. Fueron tres: la primera en Águas de Lindóia, en el interior del estado de São Paulo; la segunda en Santa Rita do Sapucaí, interior del estado de Minas Gerais; y la tercera en Cotia, cerca de la ciudad de São Paulo. Huir de los grandes centros urbanos fue una de las estrategias. Es fundamental mencionar que solamente logramos organizarlo todo porque teníamos productores internacionales (teatros y festivales en Francia y Alemania) que son nuestros aliados y creen en nuestra obra, que mantuvieron los acuerdos firmados incluso antes de la pandemia. Seguimos todos los protocolos posibles para encontrarnos: cuarentena previa, secuencia de pruebas, distanciamiento en una sala de trabajo abierta, uso de mascarillas, etc. En la primera residencia ensayamos individualmente con cada actriz y actor, en sesiones de aproximadamente dos horas de trabajo por día con cada uno. Tanto yo, como Nadja Naira que me asiste y colabora en la dramaturgia, Kenia Días que, además de ser performer en el escenario colabora en la concepción de los cuerpos y Felipe Storino que se encarga de pensar en conjunto las sonoridades, pasamos innumerables horas reaprendiendo a trabajar con cada uno por separado y en nuevos acuerdos y códigos de convivencia. Fue agotador, pero estimulante y una alegría renovada por la posibilidad de compartir nuestras presencias, aunque con muchas restricciones. Al cabo de unos diez días volvimos a casa y, activado por ese contacto, comencé a escribir el texto de la

71


obra. Nadja y yo teníamos encuentros semanales a través de Zoom y entablamos un diálogo determinante para que yo pudiera avanzar en la dramaturgia. Vislumbramos, después de mucho tempo y de varios altibajos, ocupados en inventar formas de no perder el vínculo con el público y con nuestra labor, entre intentos y realizaciones de nuevas creaciones virtuales, en resumen, toda la trayectoria que los artistas de Brasil hemos recorrido y seguimos recorriendo para mantenernos en pie, vislumbramos, entonces, otra oportunidad de reunirnos. Para este segundo encuentro yo ya había escrito muchas cosas y seguí escribiendo durante la segunda residencia que, aún con todos los protocolos sanitarios, fue sacudida por la noticia de cuatro personas del equipo afectadas con Covid-19. Esta circunstancia traumática nos enseñó mucho sobre convivir, de hecho, con las diferencias y nos fortaleció como un colectivo, pese a que, en la práctica, no pudiésemos hacer ensayos verdaderamente colectivos. Habitábamos el mismo lugar, pero a la distancia. Esta paradoja afectó profundamente nuestras sensibilidades y la forma en que yo creaba y estructuraba la dramaturgia. Llegamos al final del mes de mayo de 2021. Es importante recordar que el primer encuentro tuvo lugar en marzo de 2020. Estábamos apenas en la tercera residencia de este proceso creativo. El lugar es Cotia, cerca de la ciudad de São Paulo. Tras el trauma del contagio de cuatro personas del equipo, surgieron nuevos protocolos y nuevas estrategias: dividimos el grupo en dos para reducir el número de personas en la casa y en el área de trabajo. En la primera semana, un grupo, en la segunda, otro. La buena noticia llegó durante esos días. Se confirmó la colaboración fundamental del Sesc São Paulo en esa etapa. Haríamos una demostración de trabajo emitida en directo del teatro del Sesc Ipiranga como resultado de esa residencia. Este fue un momento crucial y que impulsó de forma decisiva la obra hacia un campo más concreto y menos idealizado. El hecho de tener una fecha específica para generar un evento en vivo activó de forma

muy objetiva nuestra breve rutina de ensayos. Levantamos con urgencia un primer esqueleto, frágil y vacilante, pero vibrante y lleno de ganas de existir. Elegimos algunos fragmentos, armamos un guion y reconvocamos, finalmente, a una persona que ya había sido invitada en 2019, la escritora transfeminista, Helena Vieira, que se unió al grupo en aquella intensa noche en el Sesc Ipiranga y tejió brillantes provocaciones y luminosas reflexiones, en interlocución con la obra y con el público. Era nuestra primera vez en un teatro después de más de un año. 4. Ahora dos Ahora, un mes después, o casi, exactamente el 30 de junio de 2021, ocupamos el Centro Cultural Oi Futuro, en Rio de Janeiro, uno de los importantes aliados de este proyecto, a través de un concurso cultural promovido anualmente por ellos y dirigido con entusiasmo por Roberto Guimarães, un gestor cultural con una sensibilidad y compromiso poco comunes y que falleció pocos días antes de nuestra llegada. La muerte siempre presente en sus múltiples facetas a lo largo de todo este tiempo. Fuimos contemplados en este edicto, con cortes substanciales en el presupuesto, incluso antes del desmantelamiento promovido en diversas esferas de la cultura en todos los niveles, tanto federal como estatal y municipal, especialmente en Rio de Janeiro. El teatro aún cerrado al público, pero las galerías se abren poco a poco, en horarios específicos y con visitas restringidas y programadas. Ocupamos el teatro con una mezcla de cautela y descaro. Teníamos la oportunidad, rara en ese momento, de tener un mes entero por delante, un espacio disponible y acogedor y la perspectiva concreta de estrenar una obra, aunque fuera en el extranjero, porque las fechas en Europa ya estaban confirmadas y los trámites burocráticos del viaje en marcha. Ocupamos nuestro tiempo en un vigoroso trabajo de puesta en pie de la obra. Cada elemento llegaba poco a poco, cada actriz y cada actor encontraban su lugar, cada profesional existía en la perspectiva de su función, en una dinámica

72


ES

colectiva. Algo que era obvio antes de la pandemia y del pandemónium ético y político en que se había convertido Brasil, pero que ahora parecía improbable y motivo de festejo. Ocupamos no solo el teatro sino también una galería. Además de los ensayos y de la casi finalización de la obra, realizamos un documental sobre esa etapa casi final de creación, con la inestimable colaboración de la investigadora y cineasta Clara Cavour. Creamos, junto con nuestro aliado, el artista digital Batman Zavarese, una videoinstalación que se expuso en la galería de la planta baja del centro cultural y estaba abierta para los visitantes. Hicimos una nueva demostración de trabajo, como la del Sesc Ipiranga, retransmitida en directo del teatro Oi Futuro y abrimos algunos ensayos a un público reducido y diverso, de forma presencial y con todos los protocolos sanitarios. Ocupamos nuestro quehacer, reocupando, en cierto modo, nuestro lugar en el mundo. Nada de eso nos pareció evidente. Todo parecía imposible, o, como mínimo, improbable. Aun así, intentamos no perder de vista, durante toda esa jornada, la dimensión pública de nuestro arte, el compromiso con los demás y con una comprensión colectiva de nuestra sociedad. Reavivamos un poco del sentido de comunidad, indispensable para lograr movernos en un mundo tan hostil. Ocupamos, o mejor dicho, nos ocupamos de la ineludible tarea de afirmarnos en el ahora, en cada gesto que hacemos, para generar alguna posibilidad futura. Entendemos que el futuro no existe más allá de lo que seamos capaces de movilizar concretamente en el ahora más urgente. Ocupamos otros espacios y otras palabras. Estrenamos Sem Palavras fuera de Brasil e hicimos una breve pero intensa gira, con fuerte repercusión entre el público extranjero y también entre los artistas y el público de aquí que vibraba con nuestra trayectoria, desde la distancia. Ahora, hace muy poco, logramos finalmente estrenar en Brasil, en la ciudad de Santos, en el hermoso teatro del Sesc, en esta Ocupación Mirada que marcó la no realización de la edición 2020, indicando la realización plena de la próxima edición en 2022 de la Muestra Mirada, ese festival iberoamericano que forma parte hace aproximadamente diez años de la escena internacional, con un vigor e importancia inigualables. El vaso roto de nuestra historia es irreversible. El tiempo, afortunadamente, incluso con todos sus dolores, no retrocede. ¡Ahora es ahora! Nuestra existencia lo dice, nuestra vida es así. Estamos ante una oportunidad más, quizás no haya otra. El espacio está abierto para nosotros. Hay un lugar donde es posible ser completamente diferente de todo lo que se nos ha permitido imaginar hasta hoy. Imagínese que… Marcio Abreu – Rio de Janeiro, 3 de diciembre de 2021.

73


“YERBATEROS”1 OU COMO FAZER TEATRO EM MEIO À PESTE MIGUEL RUBIO ZAPATA É DIRETOR, PESQUISADOR, DRAMATURGO E PROFESSOR UNIVERSITÁRIO PERUANO. É MEMBRO-FUNDADOR E DIRETOR DO GRUPO CULTURAL DE CRIAÇÃO COLETIVA YUYACHKANI, FUNDADO EM 1971. EM MARÇO DE 2019, RECEBEU O PRÊMIO NACIONAL DE CULTURA DO PERU NA CATEGORIA CARREIRA.

No caminho do ator dançarino O ator recebe os espectadores usando uma máscara enquanto eles se sentam em duas fileiras, uma de frente para a outra. No centro do espaço, uma cama de madeira, em cima dela uma mala, um maço de flores, um chapéu, fitas coloridas, um poncho, entre outros acessórios. Em seguida, o ator se aproxima de cada espectador borrifando álcool macerado com ervas perfumadas. Os participantes esfregam as mãos. Então, ele se senta e nos fita enquanto remove a máscara. Apresenta-se e diz que faz parte de um coletivo teatral há mais de 20 anos. Conta que já realizaram muitas obras, mas que esta é radicalmente diferente: “Porque está sendo realizada em meio à peste”. E nos lembra que vivemos em estado de alerta, pensando que a qualquer momento podemos nos contagiar ou morrer. Ao agradecer aqueles que ali estão reunidos por sua presença, confessa que durante todo o confinamento pensou e trabalhou para o momento efêmero, irreplicável como a própria vida, que será aquele anoitecer. Uma das primeiras apresentações presenciais a acontecer em Lima após quase dois anos de silêncio nos palcos. É como se, depois do que foi dito e a partir daquele instante, as fronteiras do território em que habitam os espectadores e o ator serão apagadas. Está tudo pronto para provocar um acontecimento cênico. Costumamos dizer que o teatro cresce e se desenvolve sentindo as palpitações de seu tempo. As desta época são marcadas pela peste, com a ameaça do contágio e perigo de morte. Assim, se a dramaturgia trata de criar relações, a questão que se coloca é: quais são as relações situadas que podemos criar neste momento sem precedentes? Esta é a pergunta que Yerbateros tenta responder.

1

Yerbateros, obra do coletivo teatral Angeldemonio (Peru, 2000) protagonizada por Ricardo Delgado e dirigida por Miguel Rubio Zapata. Yerbateros é o nome do terminal rodoviário interprovincial ao leste da cidade de Lima.

74


PT

A obra acontece em um espaço semelhante ao dos velórios realizados (quando permitidos) em bairros da periferia da cidade, ao ar livre, com estruturas metálicas cobertas por toldos que delimitam o espaço do velório. Também nesta ocasião o dispositivo cênico proposto por Ángeldemonio alude a teatralidades presentes em âmbitos não necessariamente artísticos, como tem sido a prática deste coletivo, que percorre sua trajetória ao largo dos paradigmas hegemônicos do teatro. Pelo contrário, alimenta-se de teatralidades de culturas tradicionais e de cenários liminares2; de teatralidades que se expressam por meio de convenções comunitárias aceitas e legitimadas pelo grupo social a que pertencem. Assistimos a um ritual cênico oficiado pelo ator para se despedir de seu mestre Don Dámaso, o qual diz ter conhecido no camal de Yerbateros3, perto da casa onde viveu durante sua infância e juventude. A relação começou no dia em que foi comprar cutra (pedaços de carne escondidos pelos camaleros ou abatedores, que posteriormente os vendiam nos arredores do abatedouro). Naquele dia, ficou impressionado ao ver que o homem recolhia chifres de touro e os guardava em um saco. Mais tarde descobriria que os chifres eram utilizados na produção do instrumento musical waqrapuku (corneta andina): partes dos chifres do animal são unidas com retalhos de couro molhado que endurecem à medida em que secam, até que se obtenha um tubo curvo. Posteriormente, quando começou a visitar o mestre em sua casa, ele próprio viria a testemunhar a fabricação. O homem aprendera a perpetuar a vida dos animais através dos instrumentos musicais que criava com os restos dos chifres dos touros que sacrificava. O som emitido pelo instrumento, como podemos ouvir na obra, invoca inexoravelmente a presença do animal. Assim, aproximamo-nos da evocação do personagem ausente, um determinado camalero que ganhava a vida abatendo animais e, ao mesmo tempo, era fabricante de instrumentos de sopro, carpinteiro e dançarino virtuoso. Na comunidade de onde viera, na região dos Andes centrais, havia convivido com touros e participado das festividades da herranza ou marcação do gado, comemorando a vida, celebrando e enfeitando os animais com brincos tecidos com fitas coloridas.

2

Tomo emprestado o termo de Ileana Diéguez, para me referir a práticas artísticas, teatralidades ou performatividades políticas que incluem diferentes dispositivos relacionais.

3

Yerbateros camal, abatedouro de animais para consumo humano.

75


“Eles pintam a testa, as pernas e as costas dos animais com pó colorido e lhes dão caña (uma bebida alcoólica) para beber; às vezes suas orelhas sangram… homens e mulheres pintam o rosto com o sangue, e tudo vira uma grande festa, onde os homenageados são os animais.” Um modo de vida integrado à natureza onde a fauna, a flora e o humano convivem em harmonia. Don Dámaso, o dançarino, sabia melhor do que ninguém como matizar sua presença com variações requintadas de um sapateado que era ao mesmo tempo leve e contundente, a ponto de seu corpo parecer levitar, em um sublime exercício de “prosa e elegância”, como denominam os dançarinos dos planaltos centrais à essa presença na vida que é o fluir de diferentes tipos de energia que são ativados ao dançar. Essa complexa humanidade do personagem é evocada em Yerbateros a partir de uma perspectiva do ator-dançarino, atributo necessário para assumir o representacional em um país onde sempre se dançou. Don Dámaso, sem querer e sem saber, tornou-se seu mestre quando o ator descobriu que naquele frio e preciso abatedouro vivia um dançarino impecável. O dançarino é o animador indispensável das celebrações andinas em que ocorrem encontros relacionados aos ciclos da Mãe Terra e seu calendário; ali, a música, as máscaras, o canto e a dança se fundem para celebrar a vida e despedir-se dos que partem. Uma prática em que o ser humano é integrado à natureza como parte dela, interrelacionado com animais ou divindades, o animal e o vegetal em um espaço de convivência no qual o tempo não é linear, mas sim um encontro de reprodução da vida. Nesses contextos carregados de teatralidade, que não têm necessariamente uma finalidade artística, é possível encontrar bailarinos exibindo memórias escritas em seus corpos.

Yerbateros nos apresenta um ator que está repensando seu lugar como criador e que vai ao encontro da dança como fonte necessária para um teatro deste tempo e espaço, numa proposta cênica que pretende integrar percursos que habitualmente aparecem separados, o do ator e do dançarino. Um ator que está encontrando no dançarino tradicional uma fonte imprescindível para o conhecimento do corpo como lugar central de enunciação e conquista da condição de ator-dançarino. Desde os primórdios de nossas culturas ancestrais, a dança surge como componente fundamental de teatralidades; é, portanto, pertinente assumir aquilo que herdamos desta condição e como podemos repensar aquilo que aparece regulado no ofício. E é isso que propõe Yerbateros ao colocar em prática uma proposta muito distante do papel do ator como recitador ou único intérprete de um texto literário. Ao invés disso, opta por um diálogo com a denominação ancestral de taqui: palavra quéchua que significa dançar e cantar. O taqui associado à representação no sentido orgânico de soltar o corpo e a voz em comportamentos representacionais para celebrar o plantio, a colheita, a marcação do gado, os ritos de fertilidade e as tarefas coletivas ligadas à terra, o agradecimento às divindades e a despedida dos mortos. Dançar tem a ver com fé e promessa. Em Yerbateros, o ato performático é executado para uma promessa que não pôde ser cumprida. O ator utiliza seu corpo para invocar a ausência, e o vemos dançar para seu mestre, assim como vemos dançar o próprio mestre. Este tipo de mediação está presente na tradição do dançarino andino, que oferece seu corpo para que a divindade guardiã, o monte, a pedra ou apu protetor dance através de seu corpo, ou para receber a energia do animal, do monte protetor ou da divindade guardiã.

76


PT

No conto La Agonia de Rasu Ñiti, de José María Arguedas, o velho dançarino que está prestes a morrer se ornamenta para sua dança final e pergunta à esposa: “Você está vendo a wamani (montanha) sobre minha cabeça?”, ao começar a brandir a tesoura de aço. A cerimônia culmina com a morte do dançarino e o início da vez de seu sucessor. Os presentes supõem que o espírito de wamani se encontra no corpo inerte do dançarino. Para seu mestre, que contraiu Covid-19, e de quem o ator não pôde se despedir, assim como todos que estão na sala também não puderam fazê-lo com os entes queridos, esta cerimônia torna-se um espaço de consolo, de resiliência comunitária, de abraço coletivo aos que partiram, bem como forma de confrontar a ausência com a presença dos corpos finalmente reunidos no ritual teatral e do ator-dançarino Sente-se que a percepção dos espectadores é empática: o ator canta, narra e dança enquanto transita entre uma dramaturgia narrativa e outra orgânica, que vem do corpo, compartilhando sonhos, pesadelos. Mas sobretudo dança, traçando linhas abertas para nossas próprias despedidas. “Sonhei que estava em um albergue ao lado do terminal rodoviário de Yerbateros esperando a partida do primeiro ônibus que me levasse ao centro. Tinha que cumprir minha promessa de levar as cinzas de meu mestre de volta à sua terra, consegui entrar no ônibus, que estava cheio, e ao olhar pela janela vi muitas pessoas caminhando, certamente de volta aos seus vilarejos, fugindo da peste.” A dramaturgia orgânica tem sinais ocultos, sugestões implícitas que despertam o imaginário do espectador – lugar onde a mente também dança e o invisível aparece, a condição atávica presente que nos remete a ritos funerários pré-hispânicos que costumam ser acompanhados de oferendas e acessórios para a longa viagem que continua após a vida. Daí surgem as histórias de aparições ou fantasmas que intervêm no mundo dos vivos, o que só aumenta com a impossibilidade de uma despedida ou de um sepultamento, como tem acontecido com frequência nesses tempos de peste. Yerbateros é a canção da ausência de um ator que dança para se despedir de seu mestre, e o faz com seus objetos preciosos, para que com eles continue sua jornada para a vida após a vida. Lima, novembro de 2021.

77


“YERBATEROS”1 OR HOW TO MAKE THEATER IN THE MIDST OF THE PLAGUE MIGUEL RUBIO ZAPATA IS A PERUVIAN DIRECTOR, RESEARCHER, PLAYWRIGHT AND UNIVERSITY PROFESSOR. HE IS A FOUNDING MEMBER AND DIRECTOR OF THE CULTURAL CREATIVES COLLECTIVE YUYACHKANI, FOUNDED IN 1971. IN MARCH 2019, MR. ZAPATA WAS AWARDED THE PERUVIAN NATIONAL CULTURE AWARD IN THE ‘CAREER’ CATEGORY.

On the path of the dancing actor The actor receives the spectators wearing a mask, while they are seated in two rows facing each other. In the center of the space there is a wooden bed and on top of it we can see a suitcase, some flowers, a hat, colored ribbons, and a poncho, among other accessories. Now, the actor approaches each spectator and sprays them with alcohol macerated with scented herbs. The spectators rub their hands together. Then, he sits down and looks at us as he removes his mask. He introduces himself and says he has been a member of a performing arts group for over twenty years. He recalls having staged many plays, but this one is radically different: “Because it is being done in the midst of the plague”. And he reminds us that we live in a state of alert, thinking that we may become infected or die at any moment. As he thanks the audience for their presence, he confesses that, throughout the confinement, he has reflected and worked for the ephemeral moment, unrepeatable as life itself, which will be the performance that evening. This is one of the first plays staged in Lima in front of a live audience after almost two years of stage silence. It seems that after what has been said, and from that moment on, the borders of the territory that the spectators and the actor inhabit will be erased. Everything is ready to create a scenic event. We usually say that the theater grows and develops itself feeling the palpitations of its time. Those of this time are shaped by the plague, with the threat of contagion and the danger of death. Therefore, if dramaturgy is about creating relationships, the question is: What are the situated relationships that

1

Yerbateros, a play by the scenic group Angeldemonio (Peru, 2000) starring Ricardo Delgado and directed by Miguel Rubio Zapata. Yerbateros is the name of the interprovincial bus terminal east of Lima.

78


EN

we can create in this unprecedented time? This is the question that Yerbateros tries to answer. The play is staged in a space like that of the wakes that are held – when allowed – in the neighborhoods on the outskirts of the city, in the open, with metal structures covered with awnings to limit the space of the wake. Also on this occasion, the scenic device proposed by Ángeldemonio refers to the theatricalities present in areas that are not necessarily artistic, as is the case of this group that follows its path far from the hegemonic paradigms of theater. Rather, it is nourished by the theatricalities of traditional cultures and liminal scenarios2, the theatricalities expressed through communal conventions accepted and legitimized by the social group to which they belong. We attend a scenic ritual officiated by the actor to say goodbye to his master, Don Dámaso, whom he says he met in the Yerbateros camal3, near the house where he spent his childhood and youth. The relationship began the day he went to buy cutra (pieces of meat that the camaleros or slaughterers hide to sell later, outside of the camal). On that day he was struck by how this man picked up bull horns that he kept in a small sack. He would later learn that these horns were used to make a musical instrument called waqrapuku (Andean cornet or bugle), which is made by joining the horns of the animal until a curved tube is formed, by joining the parts with pieces of wet leather that harden as they dry. He witnessed this later as he began to visit his master´s home. This man had learned to perpetuate the life of the animals through the musical instruments he created with the remains of the horns of the animals he sacrificed. The sound produced by the instrument, as we can hear in the play, inevitably summons the presence of the animal. Thus, we approach the remembrance of the absent character, a particular camalero, who earned a living by slaughtering animals and, at the same time, was a builder of wind instruments, a carpenter and a virtuoso dancer. In his community of origin, in the central Andes, he had lived around bulls and participated in the festivities of the herranza or branding of the cattle, celebrating life and celebrating the animals, embellishing them with earrings woven with colored ribbons. 2

I borrow the term from Ileana Diéguez, to refer to the artistic practices, theatricalities or political performativity that include different relational devices.

3

Yerbateros camal, a slaughterhouse of animals for human consumption.

79


“They paint the animals’ foreheads, legs and backs with colored powder; they also give them caña (an alcoholic beverage) to drink; sometimes blood comes out of the ears of the cattle; the men and women paint their faces with this blood, and everything becomes a big party, where the animals are the ones being honored.” A way of life integrated with nature where animals, plants and humans coexist in harmony. A dancing Don Dámaso, who knew like no one else how to nuance his presence with exquisite variants of an energetic, and at the same time, soft tap-dance, to such an extent that his body seemed to levitate, in a sublime exercise of ‘prose and elegance’, as the dancers of the central highlands call this presence in life, that is the flow of different types of energy they activate as they dance. This complex humanity of the character is evoked in Yerbateros from the perspective of an actor-dancer, a necessary attribute to bear that which is representational, in a country where dancing has always been practiced. Don Dámaso, unwittingly and unknowingly, became his master when the actor discovered that in this cold and precise slaughterer lived an impeccable dancer. The dancer is the indispensable animator in the Andean celebrations, in which encounters related to the cycles of Mother Earth and her calendar occur. There, music, masks, song and dance merge to celebrate life and bid farewell to those who leave. A practice in which human beings are integrated with nature as part of it, interrelated with animals or deities and plants, in a space of coexistence, where time is not linear but rather an encounter for the reproduction of life.

In these theatrically charged contexts, which do not necessarily have an artistic purpose, we can find dancers displaying memory written on their bodies. Yerbateros presents us with an actor who is reviewing his role as a creator and reaches out to dance as a necessary source for a theater of this time and space, within a scenic proposal that intends to integrate paths that usually appear separated, that of the actor and that of the dancer. This is an actor who finds in the traditional dancer an indispensable source to get to know the body as a central place to enunciate and conquer his condition of ‘dancing actor’. Since the origins of our ancestral cultures, dance appears as a fundamental component of theatricalities. Thus, it seems pertinent to assume what this condition brings to us and how we can rethink that which appears to be standardized in the profession. And that is what Yerbateros sets forth by putting into practice a proposal far from the role of the actor as one who declaims or is the sole interpreter of a literary text. Rather, it chooses to dialogue with the ancestral denomination of Taqui, a Quechua word that means to dance and to sing. Taqui is associated with representation in the organic sense of releasing the body and the voice in representational behaviors to celebrate planting, harvesting, animal branding, fertility rites and collective chores linked to the earth, the gratitude towards the deities and the farewell to the dead. Dancing has to do with a faith and a promise. In Yerbateros, the performative act is staged for a promise that could not be fulfilled. The actor uses his body to summon the absence, and we see him dance for his master and we also see the master dance. This type of mediation is present in the tradition of the Andean dancer who offers his body for the guardian deity,

80


EN

the hill, the stone, the protective apu to dance through his body or to receive the energy of the animal, the protective hill or the guardian deity. In the story entitled La Agonía de Rasu Ñiti (The Agony of Rasu Ñiti), by José María Arguedas, the old dancer who is about to die wears his ornaments for his final dance and asks his wife: “Can you see the wamani (mountain) over my head?’”, as he begins to wield the steel scissors. The ceremony ends when the dancer dies, and the time of his successor begins. Those present assume that the inert body of the dancer holds the spirit of the wamani. To his master, who fell ill with Covid-19 and to whom the actor could not say goodbye as all of us in the room who could not say goodbye to our loved ones either, this ceremony becomes a space of consolation, of communal resilience, a collective embrace for those who left, as well as a way to confront the absence with the presence of the bodies, finally reunited in the theatrical ritual and the actor-dancer. The perception of the spectators is one of empathy: the actor sings, tells stories and dances while he moves between a dramaturgy that is narrative and another one that is organic and comes from the body; he shares dreams and nightmares. But, above all, he dances. He draws open lines to our own farewells. “I dreamt that I was in a hostel next to the Yerbateros bus terminal waiting for the departure of the first bus to take me downtown. I had to fulfill my promise to take the ashes of my master back to his land. I managed to get on the bus that was full and, when I looked out the window, I saw that many people were walking, surely back to their villages, fleeing from the plague.” In organic dramaturgy there are hidden signs, implicit suggestions that awaken the spectator´s imagination. This is where the mind also dances and the invisible appears, the present atavistic condition that refers us back to pre-Hispanic funeral rites that are usually accompanied by offerings and accessories for the long journey that continues after life. This is the origin of the stories of apparitions or ghosts that intervene in the world of the living, and it increases when one cannot bid farewell to the deceased or when they have not been buried, as has often happened in this time of plague… Yerbateros is the song of absence of an actor who dances to bid farewell to his master, and he does so with his prized objects so that with them he may continue his journey to life after life. Lima, November 2021.

81


“YERBATEROS”1 O CÓMO HACER TEATRO EN MEDIO DE LA PESTE MIGUEL RUBIO ZAPATA ES DIRECTOR, INVESTIGADOR, DRAMATURGO Y PROFESOR UNIVERSITARIO PERUANO. ES MIEMBRO FUNDADOR Y DIRECTOR DEL GRUPO CULTURAL DE CREACIÓN COLECTIVA YUYACHKANI, FUNDADO EN 1971. EN MARZO DE 2019 RECIBIÓ EL PREMIO NACIONAL DE CULTURA DEL PERÚ, EN LA CATEGORÍA CARRERA.

En el camino del actor danzante El actor recibe a los espectadores con mascarilla mientras se van sentando en dos hileras, frente a frente. Al centro del espacio, una cama de madera, encima una maleta, un paquete con flores, un sombrero, cintas de colores, un poncho, entre otros accesorios. Ahora, el actor se acerca a cada espectador rociando alcohol, macerado con hierbas perfumadas, los asistentes frotan sus manos. Luego se sienta, nos mira mientras se saca la mascarilla. Se presenta y dice pertenecer a un colectivo escénico desde hace más de veinte años. Cuenta que han realizado muchas obras pero ésta es radicalmente diferente: “Porque se está haciendo en medio de la peste”. Y nos recuerda que vivimos en estado de alerta, pensando que en cualquier momento nos podemos contagiar o morir. Al agradecer la presencia de los allí reunidos, confiesa que en todo el tiempo de encierro ha pensado y trabajado para el momento efímero, irrepetible como la vida misma, que será la velada de esa noche. Una de las primeras obras presenciales que se da en Lima a casi dos años de silencio escénico. Pareciera que después de lo dicho y desde ese instante, se borrarán las fronteras del territorio que habitaremos desde ese momento, los espectadores y el actor. Todo está dispuesto para provocar un acontecimiento escénico. Solemos decir que el teatro crece y se desarrolla sintiendo las palpitaciones de su época. Las de este tiempo están marcadas por la peste, con amenaza de contagio y peligro de muerte. Entonces, si dramaturgia es crear relaciones, la pregunta es ¿Cuáles son las relaciones situadas que podemos crear en este tiempo inédito? A esta pregunta intenta responder Yerbateros.

1

Yerbateros, obra del colectivo escénico Angeldemonio (Perù, 2000) protagonizada por Ricardo Delgado y dirigida por Miguel Rubio Zapata. Yerbateros es el nombre del terminal de buses interprovinciales al este de la ciudad de Lima.

82


ES

La obra se realiza en un espacio similar a la manera de los velatorios que se hacen (cuando es permitido) en barrios de la periferia de la ciudad, al aire libre, con estructuras metálicas cubiertas por toldos para determinar el espacio de velación. También en esta ocasión el dispositivo escénico que propone Ángeldemonio alude a teatralidades presentes en ambitos no necesarimente artísticos, como ha sido la práctica de este colectivo que recorre su camino alejado de paradigmas hegemónicos del teatro. Se nutre mas bien de teatralidades de culturas tradicionales y de escenarios liminales2; de teatralidades que se expresan mediante convenciones comunitarias aceptadas y legitimadas por el grupo social al que pertenecen. Asistimos a un ritual escénico que oficiará el actor para despedir a su maestro “Don Dámaso” a quien dice conoció en el camal de Yerbateros3, cerca de la casa de su infancia y juventud. La relación comenzó el día que fue a comprar “cutra” (pedazos de carne que los camaleros esconden para luego vender en las afueras del camal). Ese día le llamó la atención ver cómo este señor recogía cuernos de toro que guardaba en un costalillo. Mas tarde se enteraría que esos cuernos servían para hacer un instrumento musical “waqrapuku” (corneta andina), que se fabrica juntando los cachos del animal hasta lograr un tubo curvo uniendo las partes con pedazos de cuero mojado que se van endureciendo al secarse. De eso fue testigo mas adelante, cuando lo empezó a visitar en su casa. Este hombre aprendió a perpetuar la vida de los animales con los instrumentos musicales que creaba con los restos de los cachos de las bestias que sacrificaba. El sonido que sale del instrumento, como lo podemos escuchar en la obra, convoca de manera inexorable la presencia del animal. Así, nos vamos acercando a la evocación del personaje ausente, un particular camalero que se ganaba la vida sacrificando animales y, al mismo tiempo, era constructor de instrumentos de viento, carpintero y virtuoso danzante. En su comunidad de origen, en los andes centrales, había convivido con toros y participado en las fiestas de la herranza o marcada del ganado, celebrando la vida, haciéndoles fiesta, ornamentando a los animales con aretes tejidos con cintas de colores.

2

Tomo prestado el termino de Ileana Diéguez, para referirme a prácticas artísticas, teatralidades o performatividades políticas que incluyen diferentes dispositivos relacionales.

3

“Camal de yerbateros”, matadero de animales para consumo humano.

83


“Les pintan con polvo de color la frente, las patas y el lomo, también les dan de tomar caña, a veces sale sangre de las orejas del ganado... los hombres y mujeres se pintan la cara con la sangre y todo se convierte en una gran fiesta, donde los homenajeados son los animales.” Una forma de vida integrada a la naturaleza donde lo animal, lo vegetal y lo humano conviven en armonía. Don Dámaso danzante, que sabía como nadie matizar su presencia con exquisitas variantes de zapateo enérgico y suave al mismo tiempo, a tal punto que su cuerpo parecía levitar, en ejercicio sublime de “prosa y elegancia” como llaman los danzantes de la sierra central, a esa presencia en vida que es el fluir de calidades de energía diversa que activan al danzar. Esa humanidad compleja del personaje es evocada en Yerbateros desde una perspectiva de actor-danzante, atributo necesario para asumir lo representacional en un país donde se baila desde siempre. Don Dámaso, sin quererlo y sin saberlo, se convirtió en su maestro cuando el actor descubrió que en ese frío y preciso matarife habitaba un danzante impecable. El danzante es el indispensable animador en las celebraciones andinas en los que se generan encuentros relacionados con los ciclos de la madre tierra y su calendario; allí se fusiona la música, la máscara. el canto, la danza para celebrar la vida y despedir a los que parten. Una práctica en la que los seres humanos están integrados a la naturaleza como parte de ella, interrelacionados con animales o deidades, lo animal, lo vegetal, en un espacio de convivencia, donde el tiempo no es lineal sino encuentro de reproducción de la vida. En estos contextos cargados de teatralidad, que no tienen necesariamente una finalidad artística, podemos encontrar danzantes desplegando memoria escrita en el cuerpo.

Yerbateros nos presenta un actor que está replanteando su lugar como como creador, va al encuentro de la danza como fuente necesaria para un teatro de este tiempo y espacio, dentro de una propuesta escénica que se propone integrar rutas que suelen aparecer separadas, la del actor y la del danzante. Un actor que está encontrando en el danzante tradicional una fuente inprescindible para conocer el cuerpo como lugar central de enunciación y conquistar una condición de “actor danzante”. Desde los origenes de nuestras culturas ancestrales, la danza aparece como componente fundamental de teatralidades; por lo tanto, es pertinente asumir lo que nos hereda esa condicion y como podemos repensar aquello que aparece normado en el oficio. Y eso es lo que propone Yerbateros, al poner en ejercio una propuesta alejada de la función del actor como declamador o solo intérprete de un texto literario. Opta mas bien por dialogar con la ancestral denominación de “Taqui”: palabra quechua que quiere decir bailar y cantar. El “Taqui” asociado a la representación en el sentido orgánico de soltar el cuerpo y la voz en comportamientos representacionales para celebrar la siembra, la cosecha, la marca de animales, los ritos de fecundidad y las faenas colectivas vinculadas a la tierra, al agradecimiento a las deidades y a la despedida de los muertos. El danzar tiene que ver con una fe y con una promesa. En Yerbateros se ejecuta el acto performático por una promesa que no pudo cumplirse. El actor pone el cuerpo para convocar la ausencia, y lo vemos danzar para el maestro y también vemos danzar al maestro. Esta suerte de mediación está presente en la tradición del danzante andino que pone el cuerpo para que la deidad tutelar, el cerro, la piedra, el apu protector dance a través de su cuerpo o para recibir la energía del animal, del cerro protector o de la deidad tutelar.

84


ES

En el cuento “La agonía de Rasu Ñiti”, de José María Arguedas, el viejo danzante está a punto de morir, se ornamenta para su danza final y pregunta a su mujer “¿estás viendo el wamani (montaña) sobre mi cabeza?” y comienza a tocar las tijeras de acero. La ceremonia culmina cuando muere el danzante y empieza el tiempo del sucesor, los presentes asumen que en el cuerpo inerte del danzante se encuentra el espíritu del wamani. A su maestro que enfermó de Covid-19 y que el actor no pudo despedir, como todos los que estamos en la sala que tampoco pudimos hacerlo con nuestros seres queridos. Esta ceremonia se convierte en un espacio de consuelo, de resiliencia comunitaria, de abrazo colectivo por los que se fueron. Y de confrontar la ausencia con la presencia de los cuerpos por fin reunidos en el ritual teatral y del actor-danzante. Se siente que la percepción de los espectadores es empática: el actor, canta, cuenta, danza mientras transita entre una dramaturgia narrativa y otra orgánica que sale del cuerpo, comparte sueños, pesadillas. Pero sobre todo danza. Traza líneas abiertas a nuestras propias despedidas. “Soñé que estaba en un hostal al lado del terminal terrestre de Yerbateros esperando la salida del Primer carro, que me transporte al centro, tenía que cumplir la promesa de llevar las cenizas de mi Maestro de vuelta a su tierra, logre subir al bus que estaba repleto, cuando miré por la ventana vi que mucha gente iba caminando, seguro de regreso a su pueblo, huyendo de la peste.” En la dramaturgia orgánica hay señales escondidas, sugerencias implícitas que despiertan el imaginario del espectador, ese es el lugar en el que la mente también danza y aparece lo invisible, la condición atávica presente que nos remite a ritos funerarios pre hispánicos que suelen estar acompañados de ofrendas y accesorios para el largo viaje que continúa después de la vida. De ahí surgen las historias de aparecidos o fantasmas que intervienen en el mundo de los vivos, esto se incrementa cuando el muerto no ha podido ser despedido o no ha tenido sepultura, como ha pasado mucho en este tiempo de peste. Yerbateros es el canto de ausencia de un actor que danza para despedir a su maestro, lo hace con sus objetos preciados, para que con ellos siga su viaje a la vida despues de la vida. Lima, noviembre 2021.

85


RETORNAR OCTAVIO ARBELÁEZ TOBÓN É DIRETOR DO FESTIVAL INTERNACIONAL DE TEATRO DE MANIZALES E CODIRETOR DO MAPAS – MERCADO DAS ARTES PERFORMATIVAS DO ATLÂNTICO SUL, ATUA NO MERCADO CULTURAL COM ÊNFASE NAS ARTES CÊNICAS E NA MÚSICA EM DIFERENTES PAÍSES DA AMÉRICA LATINA.

Todas as conversas atualmente giram em torno do tão esperado “retorno à normalidade”. “Qual normalidade?”, alguns se perguntam; o “novo normal”, sugerem outros. Mas de que “normalidade” estão falando? Queremos voltar à normalidade ou será que a normalidade era o problema? (W. Ospina). “Sempre que falam sobre quando as coisas voltarão à normalidade, devemos nos lembrar de que a normalidade foi a crise” (N. Klein). Aqueles de nós que desejam formular uma opinião mergulham na história, na literatura e nas artes em busca de referências à peste e suas consequências. Na História da Guerra do Peloponeso (431 a.C.), Tucídides assinala que a peste que matou quase um terço dos cidadãos de Atenas instaurou o caos na vida da cidade. Enquanto muitos morriam, os sobreviventes, supondo que não haveria amanhã, aproveitavam seus dias como se fossem os últimos – “a moral foi transgredida” e o cumprimento da lei desafiado. Em resposta, surge a figura do governo através dos estados de exceção e sua consequente derivação autoritária. O medo da doença e de uma “mortalidade pestilenta universalmente prejudicial” (como a denominou Boccaccio em O Decameron) oferece aos governos de todas as correntes políticas a oportunidade de apresentar uma forma de proteção contra a morte através da imposição do estado de emergência. Em A Peste (1947), de Albert Camus, e Ensaio sobre a Cegueira (1995), de José Saramago, podemos ver que tempos de pestilência trazem à tona o que há de pior na humanidade. A indiferença para com o próximo, o egoísmo e uma certa normalização de um estado de subordinação, uma espécie de servidão voluntária, florescem. Visto a partir de uma perspectiva latino-americana, este é o momento em que somos obrigados a cancelar projetos que foram planejados a longo prazo e começamos a entender que deveremos fazer mudanças profundas em nossas prioridades e estruturas nos meses e anos que estão por vir. Alguns de nossos colegas ainda estão na fase da negação, outros perplexos, mas o mundo apertou o botão de pausa e ainda estamos girando, pensando no que vem pela frente. De qualquer forma, meses se passarão antes que as antigas formas de socialização – coletividade, presença e

86


PT

convivência –, que sabemos serem fundamentais para a criação e distribuição da maior parte das produções culturais, nos pareçam seguras. Essa tão necessária presencialidade fez com que instituições, eventos e programações artísticos fossem os primeiros a ser suspensos e, provavelmente, serão os últimos a retornar a seu pleno funcionamento. Em documento recente, a Unesco observou que “a pandemia afetou toda a cadeia de valor criativa (criação, produção, distribuição e acesso) e enfraqueceu consideravelmente o status profissional, social e econômico de artistas e profissionais da cultura”. Instituições públicas e privadas, bem como empresários, pequenas e médias empresas e ONGs culturais encontram-se em situação crítica. Artistas, autônomos e freelancers estão em situação particularmente vulnerável, com acesso limitado ou inexistente a qualquer coisa que se assemelhe à proteção social. Olhamos com inveja para as medidas tomadas em alguns países europeus e daqui, de nossa América, tentamos enxergar esse contexto sob várias perspectivas. Aqueles seres humanos chamados artistas Porque, disse o artista da fome, erguendo um pouco a cabeça e sussurrando bem próximo ao ouvido do inspetor para que suas palavras não se perdessem, alongando os lábios como se fosse lhe dar um beijo, porque não consegui encontrar nenhuma comida que gostasse. Se tivesse encontrado, acredite, não teria feito elogio algum e teria me empanturrado como você ou qualquer outra pessoa… (Um Artista da Fome, Franz Kafka) O principal impacto da pandemia da Covid-19 recairá fortemente sobre uma parte insubstituível da vida cultural: os seres humanos. Além do risco de contrair ou disseminar a doença, muitos profissionais da cultura serão afetados pelo desemprego imediato e pela perda de renda em um setor cuja recuperação será lenta. As consequências são óbvias: num primeiro momento, a migração para outros setores produtivos, uma espécie de fuga de cérebros; artistas, técnicos e profissionais especializados serão obrigados a deixar o setor cultural e buscar maneiras de se sustentar.

Uma desalentadora espécie de sem-futuro se faz presente, pequenas e médias empresas e ONGs culturais já começam a fechar suas portas. Paradoxalmente, muitos países latino-americanos adotaram a “economia laranja” como perspectiva de desenvolvimento do setor e como fator gerador de empregos e riqueza. Adotaram-na como política pública e promoveram o empreendedorismo cultural como uma alternativa importante para as economias da região, porém, houve a falta de injeção de novos recursos no setor naquele momento e, nesse estágio crítico, as alternativas de uma injeção econômica que nos permita suportar os tempos difíceis surgem apenas a partir de linhas de crédito caras e que não correspondem ao que deveria ser uma política de fomento como a que é considerada para outros setores tradicionais. Além disso, observa-se uma redução generalizada dos pírricos orçamentos dos ministérios e órgãos de cultura, que em país algum chegam a frações decimais – bem abaixo do 1% de seus orçamentos gerais tradicionalmente recomendado pela Unesco. Aqueles que tentam sobreviver, lançando mão da imaginação e inovação em suas empreitadas, o fazem de casa, adotando o trabalho on-line e, como consequência, o exaustivo exercício diário de passar muito mais horas diante de uma tela (uma queixa generalizada em todo o mundo), tendo que criar planos de contingência ou concluir projetos dentro de prazos apertados e em condições bem abaixo do ideal. Artistas, gestores culturais e trabalhadores da arte e da cultura agora passam seu tempo preenchendo formulários para obter recursos ínfimos (as instituições públicas pulverizaram seus recursos para tentar incluir e contemplar um maior número de beneficiários) e tentar transmitir seu patrimônio digital através das telas, ou criar “algo novo” que se comunique com seu público, sejam aulas, cápsulas criativas, podcasts ou qualquer coisa que signifique criação e circulação de ideias, sempre esperando um hipotético retorno à essa forma de se relacionar com a representação que era a “normalidade”. Os jovens começam a abandonar a formação artística nas universidades e academias, além do fato de já observarmos

87


manifestações de preocupação com a falta de novos alunos para o início dos períodos letivos, provavelmente devido à crise econômica de suas famílias e à perspectiva de uma nuvem negra que paira sobre a prática profissional da cultura e das artes. Nesse contexto, as vozes dessa “geração sem esperança” (Eliane Brum) que acredita que não vale a pena frequentar a escola se não há um futuro, afirmam: “Gritamos porque esperamos que seja diferente”, pois não podemos esquecer que antes dessa crise universal já estávamos imersos em uma crise ambiental, diante da qual a indiferença era a norma e proclamava-se “um futuro sem medo”. Uma incerteza vital, à qual tentam responder com a filosofia e a ciência, vozes que sugerem que sociedades inteiras “devem romper com o passado e reimaginar o mundo” (Arundhati Roy). A criação confinada e as novas formas de circulação … desejando um futuro melhor / decidiu mudar de casa (Ida Vitale) O poeta não cumpre sua palavra se não muda os nomes das coisas (Nicanor Parra) Estes não são bons tempos para a criação e circulação artística. A pandemia as afeta profundamente, a ponto de se tornar uma ameaça à diversidade de manifestações culturais ao redor do mundo. Corremos risco não apenas porque a cadeia de valor produtiva está sendo afetada, mas também porque é provável que em alguns setores, especialmente o audiovisual, os países menos desenvolvidos venham a depender cada vez mais da produção cultural estrangeira, diante do olhar passivo dos governantes que promovem, mesmo que por meio de decretos emitidos diante de emergência, o consumo ilimitado da produção audiovisual internacional em detrimento da sua própria (caso colombiano), ou a indiferença dos meios de comunicação, que não atendem aos pedidos de divulgação de música nacional, regional ou local (estações privadas), ou

dos canais de televisão, que acham mais lucrativo comprar enlatados estrangeiros de baixo custo. A televisão aberta já está inundada de novelas turcas de baixo custo e filmes e séries reciclados para consumo de massa. Pode-se prever uma redução na produção cultural de nossos países devido às circunstâncias mencionadas acima, mas estamos também perante a realidade da falência e fechamento de espaços culturais, principalmente teatros, cinemas, salas de espetáculo e centros culturais independentes, bem como pequenas empresas do setor criativo, especialmente produtoras audiovisuais e empresas de shows e eventos. Sem a perspectiva de ensaios coletivos e muito menos espaços para apresentações públicas e turnês, companhias independentes de teatro, dança e música provavelmente desaparecerão. Dadas as novas prioridades, é muito provável que testemunhemos uma redução drástica nas turnês, coproduções, assistência à cooperação internacional e residências artísticas decorrente das regulamentações que impedem a mobilidade humana internacional. Museus e galerias sofrerão restrições à circulação e ao empréstimo internacional de obras de arte (é possível imaginar obras de arte passando por um processo de desinfecção?). Nós, espectadores, teremos que superar nosso medo generalizado de atividades que aconteçam em teatros ou locais com grandes aglomerações de pessoas, levando à uma redução nos eventos de formato maior. É claro que esta é uma visão um tanto pessimista do assunto, já que as grandes empresas do setor da música e multinacionais do entretenimento lutarão para manter seus espaços globais, inclusive publicaram pesquisas e previsões otimistas para o próximo ano. Entretanto, “o medo corrói a alma”, como já dizia Fassbinder. A recuperação da confiança será lenta, relacionar-se com o fora, com todos os seus riscos, será um desafio; as esperanças oníricas de “cooperação e confiança globais” (Yuval Noah Harari) serão um desafio para os seres humanos.

88


PT

O público Julieta, a noite não é um momento, mas um momento pode durar toda a noite (O Público, 1930, Garcia Lorca) A crise econômica que virá trará como consequência lógica a perda de empregos e a ausência de renda, com o que é possível imaginar uma diminuição considerável do consumo cultural ao vivo. Teremos menos espectadores e, provavelmente, maior exclusão cultural, tanto pelo empobrecimento geral da população como pelos fatores derivados das limitações que serão impostas ao acesso a museus, espaços culturais e espetáculos ao vivo. Dependendo da duração dessa crise pandêmica (que, de acordo com os cálculos mais otimistas, será de alguns anos), é provável também que se percam públicos futuros, que hoje são criteriosamente cultivados em alguns países de nossa região, à medida em que espaços de formação do público serão perdidos, já que as atividades educativas poderão vir a se tornar secundárias ou simplesmente ficarem relegadas aos meios audiovisuais e digitais. Do outro lado da equação dos públicos consumidores de cultura, os idosos, agora considerados como grupo de risco, terão sua liberdade de movimento limitada por regulamentações restritivas ou serão amedrontados pela mídia e por orientações públicas para que não visitem lugares pouco seguros e, consequentemente, terão mais medo de retornar aos espaços culturais. Uma proposta geral elaborada por gestores culturais sugere que o “desconfinamento” inclua a flexibilização de museus e instituições culturais. O cumprimento dos protocolos de saúde talvez seja custoso demais para os independentes. A visitação reduzida, os elevados padrões de higiene no local, que incluem a recomendação de medição de temperatura, disponibilização de álcool-gel em todos os espaços, uso de máscaras para visitantes etc. Além disso, o cumprimento das condições sanitárias com o objetivo de garantir a segurança pública implica ainda em custos adicionais significativos com serviços subcontratados, principalmente de limpeza. As etapas do retorno não afetam todos os tipos de instituição ao mesmo tempo. Teatros e cinemas, por exemplo, não

estão contemplados nas primeiras etapas de reabertura na maioria dos países, embora muitos já os tenham incluído em suas previsões para os próximos meses. Mesmo assim, ainda nos perguntamos: quando é que o público se sentirá seguro para passear? Será que voltará a ter recursos financeiros para visitar espaços culturais? Será uma de suas prioridades? Voltar a abrir as portas talvez não seja suficiente. Haverá um período de adaptação em que o enorme esforço que teremos que fazer não será compensado pela presença de um público já esquivo. O setor independente (teatros na América Latina, por exemplo) dificilmente passará por essa provação e a verba de órgãos públicos destinada à programação e ao gerenciamento de seus programas será cortada. O público sofreu um impacto em sua subjetividade, principalmente em sua relação com o tempo. O ritmo de nossas vidas diminuiu consideravelmente, aquela vida acelerada sofreu uma freada brusca, o ritmo da vida de milhões de pessoas se desacelerou. Como reagiremos com relação a esse “tempo recuperado”? A transformação digital como um novo paradigma Agora todos têm uma presença virtual. Estão todos tentando fazer mais barulho nas plataformas digitais. Mas quem está realmente criando solidariedades sólidas e sérias? (Dr. Ong Ken sem, Cingapura) O papel das artes é, como sempre, liderar a busca por novos caminhos, porque a arte é inspiradora e as artes tendem a nos fazer repensar nossas vidas. As artes, não só na América Latina, mas em todo o mundo, sempre foram transformadoras de paradigmas. Mas, quase como consequência, o poder as teme e as censura de várias maneiras, abertamente ou através do controle das verbas que lhes são atribuídas; mas as artes continuam a criar uma concepção diferente de mundo, mesmo dentro do confinamento da censura, que é outra forma de confinamento. No entanto, somos especialistas em sobreviver a cercos e continuaremos a sê-lo. O atual mecanismo de sobrevivência é nos tornar migrantes digitais; o confinamento de grande parte da população

89


mundial provocou uma “diáspora digital das artes”: uma migração em massa não planejada de conteúdos e experiências culturais para o ambiente digital. Embora esse movimento digital esteja ocorrendo em nossos países, sua abrangência, eficácia e mensagens transformadoras serão distribuídas de forma desigual, tanto devido à falta de possibilidade de acesso de grande parte dos habitantes desta região, os excluídos digitais, quanto pelas assimetrias existentes entre diferentes setores e territórios do mundo. Assim, os países mais desenvolvidos tecnologicamente tenderão a se beneficiar mais das possibilidades digitais. Para eles, a crise servirá como uma oportunidade para acelerar as transformações digitais em curso e promover o desenvolvimento da produção e consumo de novas tecnologias e, claro, a criação e circulação de conteúdo. Estamos presenciando um boom inicial na circulação da produção cultural digital e uma certa euforia de consumo, porém já é possível vislumbrar problemas que deverão ser resolvidos no curto prazo: • Uma possível redução na oferta e consumo de produtos culturais digitais devido à saturação de oferta; • Dificuldade em monetizar ações digitais; • Possíveis riscos jurídicos causados por uma flexibilização dos direitos autorais (na Colômbia estamos testemunhando a polêmica tentativa de a sociedade de autores intervir no setor de música digital); • Desde sua consolidação, as redes sociais vêm se beneficiando como o principal meio de divulgação e interação entre artistas e o público. Por fim, o maior risco está relacionado ao fato de que as grandes organizações culturais, públicas ou privadas, terão uma demanda maior por investimentos em profissionais e serviços tecnológicos. Mesmo supondo que essa situação passe rapidamente, é provável que os produtos digitais deixem de ser acessórios para se tornarem parte integrante dos projetos culturais. Isso marginalizará muitas organizações que têm acesso limitado ao mundo digital por motivos tecnológicos ou econômicos e abrirá um fosso digital ainda maior

tanto na produção de conteúdo quanto em seu consumo, uma vez que a falta de acesso à cultura por parte de grupos vulneráveis, que já sofrem com a desigualdade de acesso à tecnologia, ficará ainda mais evidente. “É a economia, estúpido” (Bill Clinton) A imprevisibilidade deste cenário de pandemia traz consigo as consequências econômicas que estamos vivenciando e outras que ainda iremos vivenciar. Há quem preveja uma recessão global que afetará diretamente países em desenvolvimento como o nosso, acostumados a viver na escassez ou com falta de recursos. Esse não é um fenômeno novo para nosso setor neste espaço cultural comum latino-americano, mas agora será ainda mais difícil sobreviver com a justificativa da precarização dos orçamentos públicos e o estabelecimento de prioridades de gastos nos setores de saúde, previdência e alimentação. Em seguida, provavelmente enfrentaremos a redução ou eventual perda total de recursos públicos e do interesse de patrocinadores e doadores, que também estabelecerão olhares mais “sociais” e priorizarão a urgência, que se traduz na proteção dos desempregados e famintos. Os cortes nos orçamentos públicos estão na ordem do dia e a cultura não faz parte das prioridades; não existem medidas de apoio financeiro de longo prazo para empresas e profissionais da cultura (que incluem uma ampla gama de profissionais, além dos próprios artistas) que não sejam linhas de crédito leoninas ou microauxílios conjunturais. Em nossa América, onde o setor depende muito do financiamento público, é provável que as organizações e espaços culturais não deixem de existir, mas tenham, sim, que enfrentar cortes orçamentários ainda maiores, além da redução de equipes e projetos. No entanto, organizações independentes e projetos culturais comunitários serão profundamente afetados. As doações de pessoas físicas e de fundações também poderão sofrer uma redução significativa, pois elas se sentirão obrigadas a doar para causas mais urgentes.

90


PT

Economistas como o prêmio nobel Amartya Sen acreditam que a riqueza de uma nação não é medida apenas por seu PIB ou por sua renda per capita, mas também pelas competências humanas que ela promove. De acordo com outros, como Schumpeter ou Kirzner, a inovação ou criatividade é a força motriz do crescimento e uma “sociedade criativa” pode favorecer todo tipo de inovação. A economia deixou de ser a ciência que administra a escassez para se tornar a ciência que expande as possibilidades humanas, portanto é preciso abordar a dimensão econômica do problema para além da retórica da “economia laranja ou criativa” e ponderar todas as dimensões do desenvolvimento humano, colocando a cultura não apenas no discurso, mas na realidade, como um setor em que o investimento público deve ser feito. Um olhar para além da conjuntura atual E sim, o multiculturalismo, assim como a interculturalidade, foi uma ficção utópica. E isso se deve a nós, que trabalhamos com políticas culturais. O que é que realmente poderia produzir alianças entre as diferenças? (G. Yudice) A referência ao que virá depois da pandemia, quando finalmente surja esta cura salvadora – seja sob a forma de medicamento ou vacina –, implica em uma reflexão que somos obrigados a fazer sobre o papel da cultura nesta reconstrução (está tudo dito na clave de Ré). Claudia Toni, do Brasil, propõe uma “crise de relevância”, embora todos lembremos e enfatizemos a importância das artes tanto para o entretenimento quanto para a saúde mental da população e, inclusive, para a gestão da comunicação e transmissão de mensagens de cultura cidadã referentes a formas de comportamento e administração de situações derivadas da forma como os governantes lidam com essas crises. No entanto, em um cenário de recursos escassos, será difícil convencer os políticos a investir mais na cultura. A grande maioria das organizações culturais da América Latina está paralisada devido a seus modelos de gestão e limitações orçamentárias. Esses segmentos artísticos e suas produções, já considerados elitistas, podem ter sua relevância e neces-

sidade questionadas, abalando os mercados considerados estáveis e rentáveis. Por outro lado, apesar de o setor cultural de alguns países demonstrar constância e seriedade nos dados e pesquisas de impacto, o que fez com que fosse medido por sua importância como política pública prioritária na América Central e do Sul, ele não articula em sua defesa com os números de outros setores, ainda que se manifeste em outros contextos (números de geração de empregos, por exemplo). O risco que corremos como “ecossistema cultural” (Rowan) é de um tipo de darwinismo, de um futuro baseado na “sobrevivência do mais apto” (instituições ou setores das maiores, mais bem-estabelecidas e mais lucrativas indústrias da cultura). Porém, conforme a reflexão de Yúdice, as abordagens devem se concentrar em como os setores e países menos afetados podem ajudar os demais. Em tempos de redes que superam as barreiras das fronteiras, tanto geográficas quanto tecnológicas, como criar redes de cooperação e solidariedade? Como evitar a exclusão dos tradicionalmente excluídos? A crise testa nossa capacidade de combinar empatia e ação. É hora de mantermos contato com nossos amigos e parceiros na América Latina, mesmo que as organizações em que temos trabalhado juntos não continuem trabalhando da mesma forma. Estamos todos pensando em formas de nos organizar de maneiras diferentes; talvez o digital prevaleça, talvez surjam novos formatos, talvez nos encontremos um pouco mais tarde. Estamos sendo obrigados a usar nossa imaginação e capacidade de inovação para continuar a trabalhar juntos e de forma transfronteiriça, agora e no futuro. O medo e a incerteza que sentimos agora, enquanto o setor ao qual dedicamos nossas vidas está paralisado, são reais. Quando as restrições forem eliminadas, nosso olhar se desviará de nossas telas em um ato de libertação silenciosa, abraçaremos a oportunidade de construir novas possibilidades de encontro e trabalharemos juntos nessa “construção no abismo” que nos obrigam os tempos que estão por vir.

91


THE RETURN OCTAVIO ARBELÁEZ TOBÓN IS A DIRECTOR OF THE MANIZALES INTERNATIONAL THEATRE FESTIVAL AND CO-DIRECTOR OF MAPAS – THE PERFORMING ARTS MARKET OF THE SOUTH ATLANTIC. MR. ARBELÁEZ’S WORK IN THE CULTURAL MARKET FOCUSES ON THE PERFORMING ARTS AND MUSIC IN DIFFERENT LATIN AMERICAN COUNTRIES.

The long-awaited ‘return to normality’ is now at the center of all conversations. Some ask to which normality; others suggest it is a ‘new normality.’ But what ‘normality’ are they talking about? Do we want to return to normality or was normality the problem? (W. Ospina) “When people talk about when things will return to normal, we should remember that normality was the crisis.” (N. Klein). Those of us who want to formulate an opinion have started rummaging through history, literature and the arts for references to the plague and its consequences. Thucydides noted in the History of the Peloponnesian War (431 B.C.) that the plague that killed almost a third of the citizens of Athens caused chaos in city life. While many died, the survivors, assuming that there would be no tomorrow enjoyed their days as if they were their last, ‘morals were transgressed’ and law enforcement was defied. In response, the figure of the government appears in the form of states of exception and their authoritarian drift. Fear of disease and of a ‘universally harmful pestilent mortality’ (as Boccaccio called it in the Decameron) afford governments of all political stripes the opportunity to show a way to protect against death by imposing a state of emergency. In Albert Camus’ The Plague (1947) and Jose Saramago´s Essay on Blindness (1995), we can see that times of pestilence bring out the worst in humanity. Indifference towards others, selfishness and a certain accustoming to a state of subordination, to a voluntary servitude flourish. Seen within a Latin American perspective, this is the time when we are forced to cancel projects that were planned for the long-term and begin to understand that in the coming months and years, we must make profound changes in our priorities and structures. Some of our colleagues are still in denial, others are bewildered, but the world has hit the pause button and we are still spinning and thinking about what is to come. In any case, it will be months before the old ways of socializing – collectivity, presence and conviviality – that we know are fundamental for the creation and distribution of most cultural products, will seem safe to us. This necessary presence made institutions, events and artistic programs the first to be suspended and the last to return to work completely.

92


EN

In a recent document, UNESCO noted that ‘the pandemic has impacted the entire creative value chain (creation, production, distribution and access) and has weakened the professional, social and economic status of artists and cultural professionals.’ Private and public institutions, as well as entrepreneurs, small and medium-sized enterprises and cultural NGOs are in a critical state. Artists, freelancers, casual (intermittent) workers are especially vulnerable and have limited or no access to anything resembling social protection. We are envious of the measures taken in some European countries and from this, our America, we try to regard this context from several perspectives. Those human beings called artists “Because,” said the hunger artist, raising his head slightly and whispering in the ear of the inspector so that his words would not be lost, stretching his lips as if he were going to kiss, “because I could not find food that I liked. If I had found it, you can believe it, I would not have paid any compliments and would have had my fill like you and everyone else…” (A Hunger Artist, Franz Kafka) The main impact of the Covid-19 pandemic will strongly affect an irreplaceable part of cultural life, namely, the human beings. Besides the risk of contracting or spreading the disease, many professionals in the cultural area will be affected by immediate unemployment and loss of income in a sector that will be slow to recover. The consequences are obvious. First, there will be a migration to other productive sectors, a kind of ‘brain drain.’ Artists, technicians and specialized professionals will be forced to abandon the cultural sector and look for ways to ‘earn a living.’ A certain kind of discouraging ‘lack of future’ is now present, SMEs and cultural NGOs are already beginning to close. Paradoxically, many Latin American countries have adopted the ‘orange economy’ as a development perspective, not only for this sector but also as a factor to generate jobs and wealth. They have adopted it as a public policy, and they have promoted cultural entrepreneurship as an important alternative for the economies in the region. However, at the

time, no new resources were invested in this sector at this critical stage. The possibility of investing financial resources that would help sail through bad times is only contemplated on the basis of expensive credit resources that do not correspond to what should be a policy of promotion that is, in fact, being considered for other traditional sectors. In addition, the ministries, and agencies in charge of culture have seen their small and insufficient budgets dwindle. And yet, these budgets do not represent in the general budget of any country more than a fraction of a decimal, far below the 1% traditional recommendation of UNESCO. Those who try to survive, applying their imagination and innovation to the tasks, do so from their homes, taking on digital work along with the corresponding daily and exhausting exercise of spending a lot more hours in front of a screen (this is a common complaint worldwide), creating contingency plans or finishing projects with tight deadlines and under conditions that are far from ideal. Artists, cultural managers and arts and culture workers now spend their time filling out application forms to obtain small amounts (public institutions have spread their resources to cover and include more beneficiaries). They also try to broadcast their digital collection through screens or to create some ‘new thing’ that allows them to communicate with their audience, be it classes, creative capsules, podcasts or anything that means creating and circulating ideas, constantly waiting for a hypothetical return to that way of relating to the representation that was ‘normality.’ Young people are beginning to drop out of courses in the arts, either in universities or academies, and there is already concern about the lack of new students for the upcoming academic sessions. This is probably due to the economic crisis in their families as well as to the prospect of a ‘black cloud’ hanging over the professional practice in the field of culture and the arts. In this context, the voices of this ‘generation without hope’ (Eliane Brum) who think that it is not worth going to school if there is no future, are saying: “We shout because we hope it will be otherwise, because we cannot forget that before this universal crisis, we were already immersed in an

93


environmental crisis for which indifference was the norm and a ‘future without fear’ was being proclaimed. There is a vital uncertainty to which philosophy and science try to respond; voices suggesting that entire societies ‘should break with the past and imagine the world anew” (Arundhati Roy). Confined creation and new ways of circulating …looking forward to a better future/the decision was made to move to a new house (Ida Vitale) The poet does not keep his word if he does not change the names of things (Nicanor Parra) These are not good times for artistic creation and circulation. The pandemic is seriously impacting these aspects, to the point of becoming a threat to the diversity of cultural expressions around the world. We are at risk, not only because the productive value chain is being affected, but also because it is likely that in some sectors, especially in the audiovisual industry, the less developed countries will increasingly depend on foreign cultural products under the passive gaze of government officials who, through decrees issued in the light of the emergency, promote the unlimited consumption of international audiovisual production, to the detriment of their own (this would be the case in Colombia). It may also be due to the indifference of the media that do not listen to the pleas for the broadcast of national, regional or local music (private broadcasters), or of the television channels that find it more profitable to buy low-cost, foreign ‘canned’ products. Open television has already been inundated with low-cost Turkish soap operas and recycled movies and series for mass consumption. A decline in cultural production in our countries is foreseeable, due to the circumstances mentioned above. But we are also facing the reality of the bankruptcy and closure of cultural spaces, especially theaters, cinemas, concert halls and independent cultural centers, as well as small businesses in the creative sector, especially audiovisual production companies and concert and event companies. Without the prospect of a collective rehearsal and even fewer possi-

bilities for public performances and tours, the independent theater, dance and music groups will most certainly disappear. Given the new priorities, it is very likely that we will see a drastic reduction in tours, co-productions, international cooperation grants and artistic residences due to the rules that prevent human international mobility. Museums and galleries will suffer restrictions on the circulation and lending of works of art internationally (can we image works of art being ‘disinfected’?). We have to overcome the general fear that we will have, as spectators, of the activities taking place in theaters or places with a high concentration of people, resulting in the reduction of large format events. This, of course, stems from a somewhat pessimistic view of the matter because the large organizations in the music industry as well as the entertainment multinationals will strive to maintain their global environments. Some have even published surveys and optimistic forecasts for the coming year, but ‘fear corrodes the soul,’ as Fassbinder said. The recovery of trust will be slow; relating to the ‘outside’ with all its risks will be a challenge; the dreamlike hopes of ‘global cooperation and trust’ (Yuval Noah Harari) will be a challenge for human beings. The public Julieta, the night is not a moment, but a moment can last all night. Garcia Lorca, El Público (The Public - 1930) The ensuing economic crisis will bring about, as a logical consequence, the loss of jobs and the absence of income, with the corresponding very significant reduction in live cultural consumption. There will be fewer spectators and, probably, greater cultural exclusion, both due to the overall impoverishment of the population and to the factors derived from the limitations that will be imposed on access to museums, cultural spaces and live shows. Depending on the duration of this pandemic crisis (which the most optimistic estimate at a couple of years), it is also likely that future audiences, who are nowadays judiciously cultivated in some countries in our region, will be lost. This is because spaces for

94


EN

gathering audiences will also disappear, since educational activities may become secondary, or simply be relegated to audiovisual and digital media. On the other side of the equation of culture-consuming audiences, the elderly, now considered part of the risk groups, will see their freedom of movement limited by restrictive rules. Or they will be frightened by the media and public slogans not to go to unsafe places and, therefore, they will be more afraid to return to cultural spaces. There is a general proposal on the part of cultural managers for ‘deconfinement’ to include unblocking the museums and cultural institutions. Respect for the required health protocols may be very costly for independent institutions. The reduced capacity of visitors, the high standards of hygiene on site – including the recommendation to measure body temperature, gel sanitizers in all spaces, the use of face masks for visitors, etc. In addition, there is a significant cost overrun on outsourced services, especially cleaning, to comply with sanitary conditions and guarantee public safety. Not all the different types of institutions reach the stages of this return at the same time. Theaters and cinemas, for example, are not included in the first stages of reopening in most countries, although many have already included them in their forecasts for the coming months. However, we all wonder at what point will the public feel safe to go out again. There is also the question as to whether the public will once again have the necessary economic resources and whether visiting cultural venues will be among their priorities. Reopening the doors may not even be enough. There will be a period of adaptation during which the enormous effort we must make will not be compensated by the presence of an audience that has already been elusive. Thus, the independent sector (theaters in Latin America, for example) will hardly pass this test, and the state venues will have their resources for programming and program management cut back. The public has suffered an impact on its subjectivity, especially as it relates to time. The pace of our lives has slowed down considerably; our accelerated lives have suffered a halt; the pace of millions of people has slowed down. How will we respond to this ‘recovered time’?

Digital transformation as a new paradigm Now, everyone has a virtual presence. Everyone is trying to produce more noise on the digital platform. But who is seriously creating strong solidarities? (Dr. Ong Ken Sen, Singapore) The role of the arts is, as always, to lead the search for new ways because art is inspiring, and the arts have a certain way of making us rethink our lives. The arts, not only in Latin America but all over the world, have always been transformers of paradigms. But, almost asa consequence, power fears the arts and censors them in many ways, either openly or by controlling the budgets it assigns them. But the arts continue generating a different understanding of the world, even in the confinement of censorships, which is another form of confinement. Yet, we have become experts in surviving confinements, and we will continue to do so. Currently, the survival mechanism is to become digital migrants. The confinement of a large part of the world´s population has caused a ‘digital diaspora of the arts’, an unplanned and massive migration of cultural content and experiences to the digital environment. Although this digital drive is taking place in our countries, its scope, effectiveness and transforming messages will spread unequally, both because of the possibilities of access of most people in this region, who are digitally excluded, and because of the asymmetries existing between different sectors and territories of the world. Thus, the more technologically developed countries will tend to benefit more from digital possibilities. For them, the crisis will serve as an opportunity to accelerate the ongoing digital transformations and foster the development of production and the consumption of new technologies and, certainly, the creation and circulation of content. We are witnessing an initial boom in the circulation of digital cultural production and a certain euphoria of consumption, but, in the short term, we can see that some problems will need to be addressed: • A potential decrease in the supply and consumption of digital cultural products due to an oversupply; • A difficulty to monetize digital actions;

95


• The potential legal risks due to a relaxation of copyright (in Colombia, we are witnessing a controversy over the attempt by the authors´ society to intervene in the digital music sector); • Social media has been favored since their consolidation as the main means of advertising and interaction between artists and the public. Finally, the main risk is that the public or larger cultural organizations will have a greater demand for investment in technology or professional services. Even in the hypothesis that this situation passes quickly, digital products will no longer be accessories but will instead become an integral part of cultural projects. This will marginalize many organizations that have limited access to the digital world for technological or economic reasons, and it will open up an even greater gap in both content production and consumption, as the lack of access to culture by vulnerable groups that already suffer from unequal access to technology will become more evident. “It´s the economy, stupid” (Bill Clinton) Within the unpredictability of this pandemic scenario, there are the economic consequences that we are experiencing and those we will experience in the future. Some foresee a global recession that will directly affect developing countries such as ours. Accustomed to living in the scarcity or absence of money, this is not a new phenomenon for our sector in this common Latin American cultural space. But now, survival will be even more difficult and justified in the precariousness of public budgets and the establishment of priorities in the health, social security and food sectors. What is likely to follow is that we will face a reduction or possible permanent loss of public funds and of the interest on the part of donors and sponsors, who will set other more ‘social’ approaches and prioritize urgency, which translates into protecting the unemployed and the hungry. Cuts in public budgets are the order of the day; culture is not a priority. There are no long-term financial support measures for cultural enterprises and professionals (including the wider range of professionals besides the artists themselves)

apart from predatory loans or occasional micro-aid measures. In our America, where the sector depends largely on public funding, cultural organizations and spaces will probably not cease to exist, but they will face even greater budget cuts as well as a reduction in their teams and projects. However, independent organizations and community cultural projects will be profoundly affected. Donations from individuals and foundations may also see a significant decrease, as they will feel compelled to donate to more urgent causes. Economists, as the Nobel laureate Amartya Sen, believe that a nation´s wealth is not measured only by GDP or per capita income, but also by the human competencies it fosters. Others, as Schumpeter or Kirzner, believe that innovation or creativity are the driving force of growth and that a ‘creative society’ can bring about all types of innovation. The economy is no longer the science that manages scarcity to become the science that expands human possibilities. We need to address the economic dimension of the problem, beyond the rhetoric of the ‘orange or creative economy’ and be able to ponder all the dimensions of human development as well as to place culture, not only in the discourse but also in reality, as a sector in which the public sector must invest. Looking beyond the present scenario And yes, multiculturalism like interculturalism has been a utopian fiction. And this is incumbent upon those of us who work on cultural policies. What is it that could really generate alliances between the differences? (G. Yúdice) The reference to what will come after the pandemic, when that saving cure appears in the form of a drug or a vaccine, includes a reflection which we are obliged to make on the role of culture in this reconstruction (everything is expressed in the key or RE). From Brazil, Claudia Toni proposes a ‘crisis of relevance,’ even if we all remember and highlight the importance of the arts both for distraction and for the mental health of the population, as well as for the management of communication and the spreading of messages of civic culture around forms of behavior and management of the situations derived from the way in which public officials manage these crises. Never-

96


EN

theless, in a scenario of scarce resources it will be difficult to convince politicians to invest more money in culture. The vast majority of cultural organizations in Latin America are paralyzed due to their management models and budgetary constraints. Those artistic segments and their products, already considered elitist, may be questioned as to their relevance and need, shaking the markets considered stable and profitable. On the other hand, the cultural sector, although in some countries it shows consistency and seriousness in its data and impact research, which has resulted in its importance as a public priority policy in Central and South America, does not articulate in its defense the figures of other sectors, even if it is shown in other contexts as employment generation figures, for example. The risk we run as a ‘cultural ecosystem’ (Rowan) is a type of Darwinism of a future based on the ‘survival of the fittest,’ i.e., institutions or sectors of the larger, better established and more profitable cultural industries. Following Yúdice´s reflection, the approaches should focus on how the least affected sectors and countries can help the others. In times of social media that overcome the barriers of geographic and technological borders, how can networks of cooperation and solidarity be created? How can we avoid excluding those traditionally excluded? This crisis tests our ability to combine empathy and action. It is time to stay in touch with our friends and partners in Latin America, even if the organizations in which we have been working together do not continue to operate in the same way. We are all thinking of ways to organize in different manners; maybe digital will take precedence, maybe new formats will appear, maybe we will meet a little later. We are forced to use our imagination and capacity for innovation to continue working across borders, together, for the present and for the future. The fear and uncertainty we feel at this moment, as the sector to which we have dedicated our lives comes to a halt, is real. When the prohibitions are lifted, our gaze will turn away from our screens in an act of silent liberation. We will embrace the possibility of building new ways of encounter and we will work together in this ‘construction in the abyss’ to which future times are forcing us.

97


VOLVER OCTAVIO ARBELÁEZ TOBÓN ES DIRECTOR DEL FESTIVAL INTERNACIONAL DE TEATRO DE MANIZALES Y CODIRECTOR DEL MAPAS – MERCADO DE LAS ARTES PERFORMATIVAS DEL ATLÁNTICO SUR, ACTÚA EN EL MERCADO CULTURAL CON ÉNFASIS EN ARTES ESCÉNICAS Y MÚSICA, EN DIFERENTES PAÍSES DE LATINOAMÉRICA.

La tan anhelada “vuelta a la normalidad” es ahora el centro de las conversaciones. ¿A cual normalidad? se preguntan unos, la “nueva normalidad” prescriben los otros, pero ¿De qué “normalidad” hablan? ¿Queremos volver a la normalidad o la normalidad era el problema? (W. Ospina) “Cuando la gente habla sobre cuándo las cosas volverán a la normalidad, debemos recordar que la normalidad era la crisis” (N. Klein). Quienes queremos formular alguna opinión comenzamos a hurgar en la historia, la literatura y las artes las referencias a la peste y sus consecuencias. Tucídides señaló en la “Historia de la guerra del Peloponeso” (431 a. C.) que la plaga que mató a casi una tercera parte de los ciudadanos de Atenas causó un caos en la vida ciudadana, mientras muchos morían, los supervivientes asumiendo que no habría un mañana disfrutaban sus días como fueran los últimos, se “transgredía la moral” y se desafiaba el cumplimiento de la ley. Como respuesta, aparece la figura del gobierno a través de estados de excepción y su consiguiente deriva autoritaria. El miedo a la enfermedad y a una “mortalidad pestilente universalmente dañina” (como la llamaba Boccaccio en el Decamerón) brindan a los gobiernos de todos los signos políticos la oportunidad de mostrar una forma de proteger de la muerte a través de la imposición del estado de emergencia. En La peste (1947) de Albert Camus y Ensayo sobre la ceguera (1995) de José Saramago, podemos ver que las épocas de pestilencia sacan lo peor de la humanidad. Florecen la indiferencia hacia los demás, el egoísmo, y un cierto acostumbramiento al estado de subordinación, a una especie de servidumbre voluntaria. Visto en perspectiva latinoamericana, este es el momento en que nos vemos obligados a cancelar proyectos planificados a largo plazo y comenzar a comprender que en los próximos meses y años debemos emprender cambios profundos en nuestras prioridades y estructuras. Algunos de nuestros colegas todavía están en la fase de negación, otros desconcertados, pero el mundo pulso el botón de pausa y todavía estamos dando vueltas, pensando en lo que vendrá. En todo caso, pasarán meses, antes de que nos parezcan seguras las viejas formas de socializar – colectividad, presencia y convivencia – que sabemos son fundamentales para la

98


ES

creación y distribución de la mayoría de los productos culturales. Esta presencialidad necesaria hizo que las instituciones, los eventos y los programas artísticos fueran los primeros en ser suspendidos y que, probablemente, seán los últimos en volver a trabajar por completo. En un documento reciente, la UNESCO señaló que “la pandemia ha impactado toda la cadena de valor creativa (creación, producción, distribución y acceso) y ha debilitado considerablemente el estatus profesional, social y económico de los artistas y profesionales de la cultura”. Las instituciones públicas y privadas, así como los empresarios , las pequeñas y medianas empresas y las ONGs culturales están en estado crítico. Artistas, trabajadores independientes, trabajadores eventuales (intermitentes) son especialmente vulnerables, y tienen un acceso limitado o nulo a algo que se parezca a la protección social. Miramos con envidia las medidas tomadas en algunos países europeos, y desde esta, nuestra América, tratamos de mirar este contexto desde varías perspectivas. Esos seres humanos denominados artistas Porque – dijo el artista del hambre levantando un poco la cabeza y hablando en la misma oreja del inspector para que no se perdieran sus palabras, con labios alargados como si fuera a dar un beso –, porque no pude encontrar comida que me gustara. Si la hubiera encontrado, puedes creerlo, no habría hecho ningún cumplido y me habría hartado como tú y como todos… (Un artista del hambre, Franz Kafka) El impacto central de la pandemia de Covid-19 afectará fuertemente una parte insustituible de la vida cultural: los seres humanos. Además del riesgo de contraer o propagar la enfermedad, muchos profesionales de la cultura se verán afectados por el desempleo inmediato y la pérdida de ingresos en un sector que tendrá una recuperación lenta. Las consecuencias saltan a la vista: En primera instancia la migración hacia otros sectores productivos, una especie de “fuga de cerebros”, los artistas, técnicos y profesionales especializados se verán obligados a abandonar el sector cultural y buscar formas de “ganarse el sustento” una especie de desalentador “no futuro” se hace presente,

ya comienzan a cerrarse pymes y ONGs culturales. Como paradoja, muchos países latinoamericanos han adoptado la “economía naranja” como perspectiva de desarrollo, no solo del sector sino como factor generador de empleo y riqueza, lo han adoptado como política pública, han promovido el empresarismo cultural como una alternativa importante para las economías de la región, no obstante, se observó en su momento la falta de una inyección de recursos nuevos en ese sector, y, en esta etapa crítica las alternativas de una inyección económica que permita soportar el mal momento, solo se plantea desde los recursos de créditos caros y que no corresponden a lo que debería ser una política de fomento que si es considerada para otros sectores tradicionales. A esto se suma el que los ministerios y entes regentes de la cultura ven mermados sus pírricos presupuestos, que no pesan en los presupuestos generales de ningún país más allá de fracciones de decimal muy por debajo del 1 % de la tradicional recomendación UNESCO. Los que tratan de sobreaguar, aplicando la imaginación y la innovación a sus tareas, lo hacen desde sus casas, asumiendo el trabajo digital con el consiguiente ejercicio cotidiano agotador de muchas más horas frente a la pantalla (es una queja generalizada en todo el mundo) creando planes de emergencia o terminando proyectos en plazos reducidos y en condiciones que no son ideales. Los artistas, los gestores culturales, y los trabajadores de las artes y la cultura, ahora usan su tiempo en llenar formularios de aplicación a proyectos para obtener recursos pequeños (las instituciones públicas han atomizado sus recursos para tratar de abarcar e incluir un mayor número de beneficiarios), y a tratar de emitir a través de las pantallas su acervo digital, o a crear alguna “cosa nueva” que los comunique con su público, bien sea clases, cápsulas creativas, podcast, o cualquier cosa que signifique creación y movimiento de ideas, siempre a la espera de un hipotético regreso a esa manera de relacionarse con la representación que era la “normalidad“. Los jóvenes comienzan a desertar de la formación en artes de universidades y academias, a lo que se suma que ya hay manifestaciones de preocupación por la falta de nuevos alumnos para los periodos académicos por comenzar,

99


probablemente por las crisis económicas en sus familias, y la perspectiva de “nube negra” que se cierne sobre el ejercicio profesional de la cultura y las artes. En este contexto, las voces de esta “generación sin esperanza” (Eliane Brum) que piensan que no vale la pena ir a la escuela si no hay futuro, manifiestan que “Gritamos porque esperamos que sea de otra manera”, por que no podemos olvidarnos que antes de esta crisis universal, ya estábamos inmersos en una crisis ambiental ante la que la indiferencia era la norma y pregonaban “un futuro sin miedo”. Incertidumbre vital, a la que tratan de responder desde la filosofía y la ciencia, voces que plantean que sociedades enteras “deberían romper con el pasado e imaginar el mundo de nuevo” (Arundhati Roy). La creación confinada y las nuevas maneras de circular …deseoso de un mejor futuro / ha decidido cambiar de casa (Ida Vitale) El poeta no cumple su palabra si no cambia los nombres de las cosas. (Nicanor Parra) No son buenos tiempos para la creación y la circulación artística. La pandemia impacta seriamente estos aspectos hasta el extremo de convertirse en una amenaza a la diversidad de las expresiones culturales en todo el mundo, estamos en riesgo no solo por que la cadena de valor productiva está siendo afectada, sino por que es probable que en algunos sectores, especialmente el audiovisual, los países menos desarrollados dependerán cada vez más de los productos culturales extranjeros, ante la pasiva mirada de los gobernantes que impulsan incluso a través de decretos expedidos a la luz de la emergencia, el consumo ilimitado de la producción audiovisual internacional en desmedro de la propia (caso colombiano), o la indiferencia de los medios de comunicación que no atienden a los ruegos de divulgación de las músicas nacionales, regionales o locales (emisoras

privadas) o los canales de televisión que ven más rentable comprar “enlatados” extranjeros de bajo costo. Ya se ve inundada la televisión abierta de telenovelas turcas de bajo costo y de películas y series recicladas para el consumo masivo. Es previsible una merma en la producción cultural en nuestros países, por las circunstancias anotadas arriba, pero además nos enfrentamos a la realidad de la quiebra y el cierre de espacios culturales, especialmente teatros, cines, salas de conciertos y centros culturales independientes, así como también pequeñas empresas en el sector creativo, especialmente las productoras audiovisuales, y las empresas de conciertos y eventos . Sin la perspectiva de ensayar colectivamente y mucho menos posibilidades para actuaciones públicas y giras, los grupos independientes de teatro, danza y música muy probablemente desaparecerán. Ante las nuevas prioridades es altamente probable que veamos una reducción drástica en giras, coproducciones, ayudas de la cooperación internacional, residencias artísticas, derivado de las normas que impiden la movilidad de los seres humanos a nivel internacional. Los museos y galerías sufrirán restricciones a la circulación y al préstamo de obras de arte a nivel internacional (nos imaginamos obras de arte sufriendo una “desinfección”?). Deberemos superar el miedo general que como espectadores tendremos de las actividades en salas o una alta concentración de personas, teniendo como consecuencia la disminución de eventos de gran formato, desde luego esto desde una visión un poco pesimista del asunto, por que las grandes organizaciones del sector de la música, y las multinacionales del entretenimiento lucharán por mantener sus espacios globales, incluso han publicado encuestas y previsiones optimistas para el año entrante, pero “el miedo corroe el alma” decía Fassbinder. La recuperación de la confianza será lenta, relacionarnos con el “afuera” que entraña riesgos será un reto, las esperanzas oníricas de “cooperación y confianza globales” (Yuval Noah Harari) será un desafío para los seres humanos.

100


ES

El público Julieta, la noche no es un momento, pero un momento puede durar toda la noche. (Garcia Lorca, El público, 1930) La crisis económica que sobrevendrá traerá consigo como consecuencia lógica la pérdida de empleos, y la ausencia de ingresos, con lo que es posible imaginar una merma muy significativa en el consumo cultural en vivo, tendremos menos espectadores y, probablemente una mayor exclusión cultural, tanto por el empobrecimiento general de la población como por los factores derivados de las limitaciones que se impondrán para el acceso a museos, espacios culturales y espectáculos en vivo. Dependiendo de la duración de esta crisis pandémica (que los más optimistas cifran en un par de años), también es probable la pérdida de públicos futuros, que hoy en día se cultivan juiciosamente en algunos países de nuestra región, en la medida en que se perderán espacios de formación de audiencias dado que las actividades educativas podrían tornarse en secundarias, o simplemente ser relegadas al expediente de proponerlas en medios audiovisuales y digitales. En el otro lado de la ecuación de los públicos consumidores de cultura, los adultos mayores, ahora considerados parte de los grupos de riesgo, verán limitadas sus libertades de movimiento por normas restrictivas, o serán atemorizados por los medios y las consignas públicas de no acudir a sitios no seguros, como consecuencia tendrán más miedo de regresar a los espacios culturales. Existe una propuesta general de los gestores culturales para que el “desconfinamiento” incluya el desbloqueo de museos e instituciones culturales. El respeto por los protocolos de salud requeridos pueden resultar muy costosos para los independientes. La capacidad reducida de los visitantes, los altos estándares de higiene en el sitio, incluida la recomendación de medición de temperatura, gel de alcohol en todos sus espacios, uso de mascarillas para los visitantes etc. Adicionalmente, hay un sobrecosto importante en los servicios subcontratados, especialmente limpieza, para cumplir con las condiciones sanitarias y garantizar la seguridad pública.

Las etapas de retorno no llegan al mismo tiempo a todos los tipos de instituciones. Los teatros y cines, por ejemplo, no están incluidos en las primeras etapas de reapertura en la mayoría de los países, aun que ya muchos lo tienen en sus previsiones de los próximos meses, no obstante todos nos preguntamos: ¿En qué momento el público se sentirá seguro para sus salidas? ¿ Tendrá nuevamente recursos económicos y estará entre sus prioridades visitar espacios culturales? Volver a abrir las puertas quizás no sea suficiente. Vendrá un periodo de adaptación en que el enorme esfuerzo que deberemos hacer no será compensado con la presencia de un público que ya nos ha sido esquivo, con lo que el sector independiente (las salas teatrales en latinoamérica, por ejemplo) difícilmente superará esta prueba, y los recintos estatales verán recortados sus recursos para programación y gestión de sus programas. El público ha tenido un impacto en su subjetividad y, especialmente, en la relación con el tiempo, el ritmo de nuestras vidas se ha frenado considerablemente, esa vida acelerada ha sufrido un freno repentino, el ritmo de la vida de millones de personas se ha ralentizado, qué respuesta tendremos para ese “tiempo recobrado”? La transformación digital como nuevo paradigma Ahora todos tienen una presencia virtual. Todos están tratando de tener más ruido en la plataforma digital. ¿Pero quién está creando seriamente solidaridades sólidas? (Dr. Ong Ken Sen, Singapur) El papel de las artes es, como siempre, liderar la búsqueda de nuevos caminos, porque el arte es inspirador, y las artes tienen una cierta manera de hacernos repensar nuestra vida. Las artes, no solo en latinoamérica, sino en todo el mundo, en todos los tiempos, han sido transformadores de paradigmas. Pero casi como consecuencia el poder las teme y las censura de muchas maneras, abiertamente o con el

101


control de los presupuestos que les asigna, pero las artes siguen creando una comprensión diferente del mundo, aún en el confinamiento de las censuras, que es otra manera de encierro , pero hemos sido expertos en sobrevivir a los encierros, y lo continuaremos haciendo. Ahora el mecanismo de sobrevivencia es convertirnos en migrantes digitales, el confinamiento de gran parte de la población mundial ha provocado una “diáspora digital de las artes”: una migración no planificada y masiva de contenidos y experiencias culturales al entorno digital. Aunque este impulso digital está ocurriendo en nuestros países, su alcance, efectividad y mensajes transformadores se distribuirán de manera desigual tanto por las posibilidades de acceso de buena parte de los habitantes de esta región que son los excluidos digitales, como por las asimetrías existentes entre diferentes sectores y territorios del mundo, así los países más desarrollados tecnológicamente tenderán a beneficiarse más de las posibilidades digitales. Para estos, la crisis servirá como una oportunidad para acelerar las transformaciones digitales en curso y fomentar el desarrollo de la producción y el consumo de nuevas tecnologías, y, desde luego de la creación y circulación de contenidos. Asistimos a un auge inicial de la circulación de la producción cultural digital, y una cierta euforia del consumo, pero podemos imaginar en un corto plazo algunos problemas que abordar: • Posible disminución en la oferta y el consumo de los productos culturales digitales debido a la saturación de la oferta; • Dificultad para monetizar las acciones digitales; • Riesgos legales que puede traer una relajación de los derechos de autor (en Colombia asistimos a una polémica por el intento que hace la sociedad de autores de intervenir en el sector de la música digital); • Las redes sociales se ven favorecidas desde su consolidación como el principal medio de publicidad e interacción entre los artistas y el público. Finalmente el gran riesgo hace relación a que las organizaciones culturales públicas o las privadas más grandes tendrán una mayor demanda de inversiones en profesionales y servicios tecnológicos. Incluso en la hipótesis de que pase

rápidamente esta coyuntura, es probable que los productos digitales dejen de ser accesorios, y se conviertan en una parte integral de los proyectos culturales. Esto marginará a muchas organizaciones que tienen limitado acceso al mundo digital por razones tecnológicas o económicas, y se abrirá una brecha digital aún mayor tanto en la producción de contenidos como en su consumo puesto que se hará más evidente la falta de acceso a la cultura por parte de los grupos vulnerables que ya sufren un acceso desigual a la tecnología. Es la economía, estúpido (Bill Clinton) Dentro de la imprevisibilidad de este panorama pandémico, están las consecuencias económicas que estamos viviendo, y las que viviremos. Algunos preveen una recesión mundial que afectará directamente a países en desarrollo como los nuestros Acostumbrados a vivir en la escasez o la ausencia de dineros, no es este un fenómeno nuevo para nuestro sector en este espacio cultural común latinoamericano, pero ahora la sobrevivencia será aún más difícil y justificada en la precarización de los presupuestos públicos y el establecimiento de prioridades del gasto en los sectores de la salud, la seguridad social y alimentaria. Lo que probablemente siga es que debamos enfrentar la reducción o la posible pérdida permanente de fondos públicos, del interés de patrocinadores y donantes que también establecerán otras miradas mas “sociales”, y darán prioridad a la urgencia, que se traduce en proteger a los desempleados y hambrientos. Los recortes de los presupuestos públicos están a la orden del día, la cultura no está en las prioridades, no aparecen medidas de largo aliento financiero para empresas y profesionales culturales (incluida la gama más amplia de profesionales además de los propios artistas) aparte de créditos leoninos o micro-auxilios coyunturales. En nuestra América, donde el sector depende en gran medida de la financiación pública, es probable que las organizaciones y los espacios culturales no dejen de existir, pero tendrán que enfrentar recortes presupuestarios aún mayores, reducción de equipos y proyectos. Sin embargo, las organizaciones independientes y los proyectos culturales comunitarios se verán profundamente afectados. Las donaciones de

102


ES

individuos y fundaciones también pueden tener una disminución importante, ya que se sentirán obligados a donar a causas más urgentes. Economistas como el premio Nobel Amartya Sen piensan que la riqueza de una nación no es solo lo que mide el PIB o la renta per cápita, sino también las competencias humanas que favorece. Otros, como Schumpeter o Kirzner, piensan que la innovación o la creatividad son el motor impulsor del crecimiento, y que una “sociedad creativa”, puede favorecer todo tipo de innovación. La economía deja de ser la ciencia que administra la escasez para convertirse en la ciencia que amplía las posibilidades humanas, necesitamos pues abordar la dimensión económica del problema, más allá de la retórica de la “economía naranja o creativa” siendo capaces de ponderar todas las dimensiones del desarrollo humano, y poniendo a la cultura no sólo en el discurso, sino en la realidad como un sector en el que hay que invertir desde lo público. Mirar mas allá de la coyuntura Y sí, el multiculturalismo, como la interculturalidad, han sido ficción utópica. Y eso nos incumbe a los que trabajamos políticas culturales. ¿Qué es lo que realmente podría producir alianzas entre las diferencias? (G. Yúdice) La referencia a lo que vendrá después de la pandemia, cuando aparezca esa cura salvadora en forma de medicamento o de vacuna, incluye esa reflexión a la que estamos obligados sobre el rol de la cultura en esta reconstrucción (todo está dicho en clave de RE). Claudia Toni, desde Brasil plantea una “crisis de relevancia”, aun que todos recordemos y subrayemos la importancia de las artes tanto para la distracción como para la salud mental de la población, incluso para el manejo de la comunicación y transmisión de mensajes de cultura ciudadana en torno a formas de comportamiento y manejo de las situaciones derivadas de la forma en que los gobernantes manejan estas crisis. No obstante en un escenario de escasez de recursos será difícil convencer a los políticos de que inviertan más dinero en cultura. La gran mayoría de las organizaciones culturales en latinoamerica debido a sus modelos de gestión y limitaciones presupues-

tarias, están paralizadas. Esos segmentos artísticos y sus productos, que ya se consideran elitistas, pueden ser cuestionados sobre su relevancia y necesidad, sacudiendo los mercados considerados estables y rentables. Por otro lado, el sector cultural, pese a que en algunos países muestra constancia y seriedad en datos e investigación de impacto, que se ha traducido en ser dimensionada en su importancia como política pública prioritaria en Centro y Sudamerica, no articula en su defensa las cifras de otros sectores aun que se manifieste en otros contextos (las cifras de generación de empleo, por ejemplo). El riesgo que corremos como “ecosistema cultural” (Rowan) es esa especie de darwinismo de un futuro basado en la “supervivencia del más apto” (instituciones o sectores de las industrias culturales de mayor dimensión, más establecidas y más rentables). Pero siguiendo la reflexión de Yúdice, los planteamientos deben apuntar hacia ¿cómo pueden los sectores y países menos afectados ayudar a otros? ¿En tiempos de redes que superan las barreras de las fronteras, geográficas y tecnológicas, cómo se pueden crear redes de cooperación y solidaridad ? ¿Cómo evitar la exclusión de los tradicionalmente excluidos? La crisis pone a prueba nuestra capacidad para combinar empatía y acción. Es hora de estar en contacto con nuestros amigos y socios en Latinoamérica, incluso si las organizaciones en las que hemos estado trabajando juntos no sigan trabajando de la misma manera. Todos estamos pensando en formas de organizarnos de diferentes formas; tal vez lo digital prime, tal vez aparezcan nuevos formatos, tal vez nos encontramos un poco más tarde. Estamos obligados a utilizar nuestra imaginación y capacidad de innovación para continuar trabajando a través de las fronteras, juntos, por ahora y para el futuro. El miedo y la incertidumbre que sentimos en este momento, mientras que el sector al que hemos dedicado nuestras vidas se detiene, es real. Cuando se levantan las prohibiciones, nuestra mirada se desviará de nuestras pantallas en un acto de liberación silenciosa , abrazaremos la posibilidad de construir nuevas posibilidades de encuentro, y trabajaremos juntos en esa “construcción en el abismo” a la que nos obligan los tiempos por venir.

103


O QUE APRENDEMOS SOBRE GESTÃO? TRÊS CONCEITOSCHAVE PARA OS TEMPOS ATUAIS PAMELA LÓPEZ RODRÍGUEZ É DIRETORA DE PROGRAMAÇÃO E PÚBLICOS DO CENTRO CULTURAL GABRIELA MISTRAL (CENTRO GAM), EM SANTIAGO, CHILE.

Os desafios da gestão nas artes e na cultura tiveram que ser repensados à luz do contexto em que vivemos. A revisão de nossa prática profissional pareceu iminente nestes últimos anos em que passamos por processos de fechamentos devido à pandemia concomitantes à uma mudança de paradigma social que no Centro Cultural Gabriela Mistral (Centro GAM) estabeleceram profundos modelos de mudança. Particularmente no Chile, onde vivenciamos o atrito resultante de movimentos sociais que impõem novos desafios às práticas de programação e formação de público. A “rua” tem proposto novas demandas coletivas em termos de processos de participação que, felizmente, nos obrigam a ouvir nossos atores e redefinir os formatos de trabalho. A gestão é uma prática urgente, não só pelo lugar de relevância que ocupa, mas também como uma realidade viva que deve constantemente questionar seu papel social. Nós, gestoras e gestores culturais, devemos ser capazes de acionar processos e metodologias de aprendizagem; nosso trabalho não pode ser uma mera prática de “intuição”. Muitos dizem que o profissional de gestão se faz ao longo do caminho; quanto a isso não resta dúvida, uma vez que os processos vivenciais adquirem grande valor no intercâmbio territorial que realizamos. No entanto, a gestão também tem a responsabilidade de refletir e olhar para si própria como prática profissional, especialmente na América Latina, onde programas acadêmicos são escassos e, muitas vezes, as funções de gestão cultural, produção e criação de autogestão têm limites de descrição profissional indistintos, tornando difícil sua diferenciação como uma realidade ocupacional. Após estes dois anos de pandemia e mudanças, em que passamos muito tempo em plataformas como o Zoom conversando e refletindo sobre nossas experiências com nossos pares no setor da cultura, pela primeira vez, todos ao redor do mundo se depararam com as mesmas questões e desafios, com seus espaços sendo afetados por restrições ou fechados. É chegada a hora de articular respostas. Temos, então, a responsabilidade de superar a incerteza e de poder ver as coisas à uma distância estratégica para desenvolver métodos de aprendizagem. A consolidação efetiva destas

104


PT

metodologias traz duas vantagens: 1) os modelos podem ser compartilhados com outros, potencializando o trabalho coletivo e colaborativo da profissão; 2) dada a sua replicabilidade, os modelos podem ser aperfeiçoados, já que estão sujeitos à análise e avaliação. É chegada a hora de fazermos uma pausa para elaborar essas reflexões. O que aprendemos nestes últimos anos de pandemia? Quais são os processos que abrem as principais questões e desencadeiam diálogos relacionados à gestão cultural e especificamente à programação nas artes cênicas? Tentarei elencar algumas ideias: três conceitos-chave que iniciem estes processos de diálogo – evidentemente com base na experiência que tive a sorte de poder observar no GAM ao longo desse tempo.

os paradigmas de trabalho com públicos mudaram, e seus limites chegaram a pontos jamais imaginados – como disse Sócrates: “Hoje levanto a premissa de que ‘só sei que nada sei’”. Os hábitos e comportamentos do público que deseja retornar, portanto, precisam ser observados. Os e as profissionais de gestão devem ter em mente que a prática profissional está reconstruindo saberes, e que eles devem ser baseados em dados e evidências. A tomada de decisão deve necessariamente passar por processos de análise qualitativa, quantitativa ou etnográfica. No GAM, um processo de consulta digital foi feito logo no início da pandemia, imediatamente após o fechamento dos espaços (https://gam.cl/noticias/resultados-consulta-en-cuarentena/). Desde então, o trabalho tem sido feito através de profundos processos de avaliação.

Comunidades As comunidades definem grupos de atores que compartilham realidades físicas, comportamentais, psicográficas, territoriais ou simbólicas. Urge trabalhar com elas de forma cada vez mais segmentada nestes contextos em que o “público em geral” é percebido como diluído e segregado. Durante esse período, surgiram dois modelos de interesse no GAM: um nos processos de segmentação geográfica de comunidades que estão em nossos próprios territórios, e que definimos como “vizinhas”, e outro nas comunidades que nascem no mundo virtual, e que denominamos como “digitais”. As primeiras trazem o desafio de um bairro e entorno que, desde outubro de 2019 e antes da pandemia, tem sido resistente e resiliente à chamada agitação social. Por outro lado, com a pandemia surgem os desafios de um ambiente digital. Antes de 2020, o público de regiões distintas de Santiago representava 9% dos visitantes. Com o processo de programação digital, esses públicos chegaram a 33% da audiência. Um desafio fundamental é, por um lado, a captação de públicos em nossos territórios e, por outro, a retenção daqueles que nasceram no contexto da Covid-19.

O híbrido Muitos de nós pensaram: a partir de agora tudo será híbrido. Devo admitir que também pensamos que isso implicaria em um processo de programação mais do que híbrido, duplo. O streaming surgiu como uma alternativa viável para complementar o mesmo espetáculo, possibilitando dois formatos de exibição. Hoje me parece que esse preceito programático está cada vez mais distante dos desafios de um programador. O olhar híbrido deve, sem dúvida, complementar as experiências, mas também nasce como uma possibilidade de suporte a novos processos criativos, com instâncias especificamente pensadas para plataformas digitais e o público das telas. Experiências criativas no GAM que consolidaram criações digitais ao vivo e pré-gravadas (Mentes Salvajes, El Increíble Traductómetro de la Dra. Melina Melinao, La Convocatoria de Escenario Compartido) demonstraram sem sombra de dúvida que existem novas perspectivas nas artes cênicas que contemplam áreas que ainda podem ser exploradas. Sem dúvida, há mais do que esses três conceitos em jogo. Porém, as esferas de reflexão da gestão terão que descobrir de maneira vivencial quais são os possíveis desafios e estratégias que acompanharão estes novos processos.

Dados e evidências Outro ponto-chave relacionado ao aprendizado advindo do processo pandêmico refere-se ao entendimento de que

105


WHAT HAVE WE LEARNED ABOUT MANAGEMENT? THREE KEY CONCEPTS FOR THE CURRENT TIME PAMELA LÓPEZ RODRÍGUEZ IS A DIRECTOR OF PROGRAMMING AND AUDIENCES AT THE GABRIELA MISTRAL CULTURAL CENTER IN SANTIAGO, CHILE.

We have had to rethink the challenges of management in culture and the arts under the present context. Reviewing our professional practice seems to have been imminent in recent years, as we have undergone closures due to the pandemic as well as a change of social paradigm that, at Centro GAM, have established profound models of change. Particularly in Chile, where we have experienced the friction arising from social movements, new challenges have appeared for programming practices and audience development. The ´street´ has proposed new collective demands in terms of participation processes that, fortunately, have forced us to listen to our agents and redefine work formats. Management is an urgent practice, not only because of its relevance, but also as a living reality that must be permanently questioning its social role. As cultural managers we must be capable of activating learning processes and methodologies. Our work cannot be merely practicing our ‘intuition.’ Many say that a management professional is made along the way, of which there is no doubt since the experiential processes become extremely valuable in the territorial exchange that we conduct. Yet, management is also responsible for reflecting and looking at itself as a professional practice, especially in Latin America where academic programs are scarce and often the roles of cultural management, production and the creation of self-management have blurred boundaries in terms of professional description, and it is difficult to differentiate them as a working reality. After these two years of pandemic and change, when we have spent a lot of time on Zoom platforms chatting and reflecting on our experiences with other cultural peers, for the first time, all of us around the world find ourselves facing the same questions and challenges, with places that are either restricted or closed. The time has come to articulate the answers. It is upon us to overcome the uncertainty and regard things from a strategic distance, to develop learning methods. Consolidating these methodologies effectively has two advantages: 1) these models can be shared with others, thus enhancing the collective and collaborative task of the

106


EN

profession; 2) given their replicability, the models can be improved as they are subject to analysis and evaluation. Therefore, the time has come to take a minute and build upon these reflections. What have we learned in these years of pandemic? What are the processes that open the key questions and trigger the conversations related to cultural management and, specifically, to programming in the performing arts? I will try to point out some ideas – three key concepts that open these conversation processes – from the experience that I have been fortunate to gather at GAM during this time. Communities Communities define groups of agents that share physical, behavioral, psychographic, territorial or symbolic realities. Working with them in an increasingly segmented manner seems to be urgent in these contexts where the ‘wider audience’ is perceived as being diluted and segregated. During this period, we have seen two models of interest at GAM: one appears in the processes of geographic segmentation of those communities in our own territories that we define as ‘neighbors,’ and the other one, in the communities born in the virtual world, which we call ‘digital.’ The former opens us to the challenge of a neighborhood and an environment that, since October 2019 and prior to the pandemic, has been resistant and resilient to the so-called social outbreak. On the other hand, the challenges of a digital environment arose with the pandemic. Prior to 2020, the audiences from regions other than Santiago accounted for 9% of visitors. In the digital programming processes, these audiences reached up to 33% of our visitors. On the other hand, a key challenge lies in attracting audiences in our territories as well as retaining those who were born in Covid-19 contexts. Data and evidence Another key factor related to the lessons learned from these pandemic processes has to do with understanding that the

work paradigms with audiences have changed, reaching unthinkable limits, and that, as Socrates put it, ‘Today I raise the premise that the only thing I know is that I know nothing.’ Therefore, we must observe the habits and behaviors of the audiences that seek to return. Management professionals should realize that professional practice is reconstructing knowledge, and this knowledge must be based on data and evidence. Decision making must necessarily go through processes of qualitative, quantitative or ethnographic analysis. At GAM, along with the closing of spaces at the beginning of the pandemic, a process of digital consultation immediately followed (https://gam.cl/noticias/resultados-consulta-en-cuarentena/), and from then on, the work is viewed through in-depth evaluation processes. Hybridism Many of us thought that from now on everything would be hybrid. I must admit that we also thought that this would imply a programming process that would be dual, rather than hybrid. Streaming emerged as a viable alternative to complement the same show, by targeting two exhibition formats. Presently, this programmatic precept is increasingly distant from the challenges of a programmer. The hybrid outlook must undoubtedly complement experiences, but it also appears as a possibility to support new creative processes, with instances specifically designed for digital platforms and screen audiences. Creative experiences at GAM that consolidated live and pre-recorded digital creations (Mentes Salvajes, El Increíble Traductómetro de la Dra. Melina Melinao, La convocatoria de escenario compartido) showed, unequivocally, that there are new perspectives in the performing arts industry that contemplate areas that the performing arts can still explore. Undoubtedly, there are more than these three concepts at stake. However, in an experiential way, the spheres of reflection for management will have to unveil what the possible challenges are as well as the strategies that will accompany these new processes.

107


¿QUÉ HEMOS APRENDIDO SOBRE GESTIÓN? TRES CONCEPTOS CLAVES PARA LOS TIEMPOS ACTUALES PAMELA LÓPEZ RODRÍGUEZ ES DIRECTORA DE PROGRAMACIÓN Y AUDIENCIAS DEL CENTRO CULTURAL GABRIELA MISTRAL (SANTIAGO, CHILE).

Los desafíos de la gestión en artes y cultura han tenido que repensarse al alero de los contextos en los cuales vivimos. Revisar nuestra práctica profesional parece ser inminente en los últimos años donde hemos atravesado procesos de cierres dados por la pandemia junto a un cambio de paradigma social que, en Centro GAM, han establecido profundos modelos de cambio. Particularmente en Chile, donde hemos experimentado la fricción que los movimientos sociales, se han puesto nuevos desafíos sobre las prácticas de programación y el desarrollo de públicos. La “calle” ha propuesto nuevas demandas colectivas sobre procesos de participación y que obligan –en hora buena– a escuchar a nuestros agentes y redefinir formatos de trabajo. La gestión es una práctica urgente, no sólo desde el lugar de la relevancia que ocupa, si no también como una realidad viva que debe estar permanentemente cuestionando su rol social. Las gestoras y gestores culturales debemos ser capaces de accionar procesos y metodologías de aprendizaje, nuestro trabajo no puede ser una mera práctica de “intuición”. Muchos dicen que el profesional de la gestión se hace en el camino, de lo cual no hay duda pues los procesos experienciales cobran gran valor en el intercambio territorial que ejercemos. Sin embargo, la gestión también tiene la responsabilidad de reflexionarse y mirarse como práctica profesional, sobre todo en Latinoamérica donde los programas académicos son escasos y muchas veces los roles de la gestión cultural, la producción y la creación de autogestión tienen limites difusos de descripción profesional y cuesta diferenciarlas como realidad laboral. Luego de estos dos años de pandemia y de cambios, donde hemos pasado mucho tiempo en plataformas zooms conversando y reflexionando desde nuestras experiencias con otros pares de la cultura, por primera vez todos y todas alrededor del mundo nos encontramos frente a las mismas preguntas y desafíos, con salas restringidas o cerradas. Hoy, llega la hora de articular las respuestas. Tenemos entonces, la responsabilidad de superar la incertidumbre y de poder mirar con distancia estratégica para desarrollar métodos de aprendizaje. Consolidar estas metodologías tiene efectivamente dos virtudes: 1) pueden ser modelos compartidos

108


ES

con otros, potenciando así la labor colectiva y colaborativa del gremio; 2) dada esta replicabilidad, pueden ser modelos perfectibles, pues son sujetos de análisis y evaluación. Llegó el momento entonces de sentarnos a desarrollar estas reflexiones. ¿Qué hemos aprendido en estos últimos años de pandemia? ¿Cuáles son los procesos que abren las preguntas claves y los detonantes en las conversaciones relativas a la gestión cultural y puntualmente a la programación en artes escénicas? Intentaremos puntualizar algunas ideas: tres conceptos claves que abran entonces estos procesos de conversación –evidentemente desde la experiencia que en GAM he tenido la suerte de observar al alero de estos tiempos. Comunidades Las comunidades definen a grupos de agentes que comparten realidades físicas, conductuales, psicográficas, territoriales o simbólicas. Trabajar con ellas de forma cada vez mas segmentada parece ser urgente en estos contextos donde el “gran público” se percibe como diluido y segregado. Durante este tiempo han aparecido en GAM dos modelos de interés: uno en los procesos de segmentación geográfica de aquellas comunidades que están en nuestros propios territorios y que definimos como “vecinos” y otros en aquellas que nacen en el mundo virtual y que llamamos “digitales”. Las primeras nos abren el desafío de un barrio y entorno que desde octubre 2019 –y previamente a la pandemia– ha sido resistente y resiliente al denominado estallido social. Por otro lado, los desafíos de un entorno digital surgen con la pandemia. Previo a 2020 los públicos provenientes de regiones distintas a Santiago alcanzaban un 9% de los visitantes. En los procesos de programación digital, estos públicos llegan a ser hasta el 33% de las audiencias. Un desafío clave, esta por un lado en la captación de públicos en nuestros territorios y la retención de aquellos que nacieron en contextos Covid-19. Data y evidencia Otra clave relacionada con los aprendizajes de estos procesos pandémicos refiere a entender que los paradigmas

de trabajo con audiencias se han modificado hasta límites impensados y que –tal como dice Sócrates– hoy levanto la premisa de “solo sé que nada sé”. Los hábitos y conductas de los públicos que buscan retornar requieren entonces ser observados. Los y las profesionales de la gestión deben dimensionar que la práctica profesional esta reconstruyendo saberes y que estos se deben basar en data y evidencia. La toma de decisiones debe necesariamente pasar por procesos de análisis cualitativos, cuantitativos o etnográficos. En GAM, junto con el cierre de los espacios al inicio de la pandemia vino inmediatamente un proceso de consulta digital (https:// gam.cl/noticias/resultados-consulta-en-cuarentena/) de ahí en más, la mirada del trabajo se realiza con profundos procesos de evaluación. Lo híbrido Muchos pensamos: desde ahora en adelante todo será híbrido. Debo admitir que pensamos también que esto implicaría un proceso de programación –mas que híbrida– , dual. El streaming surgía como una alternativa viable de complementar un mismo espectáculo apuntando a dos formatos de exhibición. Hoy por hoy, me parece que este precepto programático esta cada vez mas alejado de los desafíos de un programador. La mirada híbrida debe sin duda complementar experiencias, pero también nace como posibilidad de apoyar nuevos procesos creativos, con instancias puntualmente pensadas para plataformas digitales y públicos en pantallas. Experiencias creativas en GAM que consolidaron creaciones digitales en vivo y pregrabadas (Mentes Salvajes, El Increíble Traductómetro de la Dra. Melina Melinao, la convocatoria de escenario compartido) dieron por sentado que existen nuevas miradas en la industria de las artes escénicas que contemplan ámbitos donde las artes escénicas aun pueden aun explorar. Sin duda hay mas que estos tres conceptos en juego, sin embargo, a modo experiencial, los ámbitos de reflexión de la gestión deberán ir descubriendo cuáles son los desafíos posibles y las estrategias que acompañarán estos nuevos procesos.

109


OS ÚLTIMOS DEZ ANOS PARA O MIRADA PATRÍCIA PORTELA ESCRITORA, DRAMATURGA E AUTORA DE PERFORMANCES, A ARTISTA VIVE ENTRE PORTUGAL E BÉLGICA. É DIRETORA ARTÍSTICA DO TEATRO VIRIATO, EM VISEU (PORTUGAL), E AUTORA DOS ROMANCES DIAS ÚTEIS E HÍFEN, ENTRE OUTROS.

É curioso poder me sentar para escrever sobre os últimos dez anos de espetáculos e performances. Especialmente de 2011 a 2021. Porque, para mim, são anos que correspondem à primeira década de minha filha, nascida em 2009, e consequentemente ao abrandamento de uma vida repleta de itinerâncias, criações desenfreadas, uma experimentação que testou todos os limites e uma multiplicação de colaborações internacionais. Corresponde ao sedentarismo de uma nômade portuguesa que, fruto de uma recente entrada na União Europeia, resiste ao enraizamento. Nacional ou estrangeiro. Corresponde à uma luta entre a linguagem da literatura e a linguagem da performance em minhas obras, que levou a espetáculos em que essa batalha desenhava experiências estranhas, mas sedutoras – como o Banquete, de 2007, um jantar para cem espectadores em mesas luminosas em forma de DNA em que se ouvia uma peça de radioteatro enquanto se degustava e construía uma segunda árvore da vida; ou A Coleção Privada, de Acácio Nobre, de 2010, primeiro e último espetáculo desenhado para um palco à italiana, no qual um concerto a quatro mãos entre uma máquina de escrever e um teclado sem fio discute e apresenta a vida de um artista e pensador que não teve a oportunidade de realizar sua obra. E corresponde também a acidentes curiosos: como a instalação Hortus, que estreou em 2012 em parceria com Christoph de Boeck e pensava o ano de 2020, nos convidando a sete anos de pausa para a reformulação de um planeta em crise climática; instalação essa que repetimos em 2020 nos jardins de verão da Fundação Calouste Gulbenkian. Ou a instalação Parasomnia, finalista do Prêmio Sonae/MNACC do Museu de Arte Contemporânea em Lisboa, de 2015, em que três redes convidavam o visitante a dormir, a única ação de revolta possível, o único lugar consciente e inconsciente no qual não podem nos vender nada, o único momento em que não podem nos comprar, roubar, acontecer por nós. Nestes dez anos percorri um caminho claro de pesquisa multimídia e de recursos tecnológicos para chegar a um despojamento total, analógico, e de uma dramaturgia invisível, que acontece entre o encontro, entre a ação e a reação, entre a ideia e a sensação final com que se sai de um espetáculo, de uma conferência, de uma instalação. A arte tornou-se

110


PT

cada vez mais invisível. Os métodos cada vez mais reflexivos e mais literários, as vias cada vez mais etéreas, mais discursivas, mais sugestivas, menos vistosas e exuberantes. A arte foi-se entranhando e tornando sinônimo de vida, como se adivinhasse os lugares onde iria chegar em março de 2020. Logo antes desse dia fatídico em que a arte que pensa o futuro se reencontra com o presente e o abraça para, verdadeiramente, dialogar com o seu tempo, encontrei o Alexandre Dal Farra; na verdade, encontrei pela primeira vez, o Brasil. Vivendo grande parte de uma vida criativa centrada em ultrapassar os Pirineus em cada projeto criativo, minha linguagem desenvolveu-se de costas viradas para o Atlântico e para um sem número de linguagens e percursos que, no fundo, são também os meus. Como se crescer, num certo período de minha vida, fosse ignorar a infância com aquele desprezo de quem vê na maturidade uma ruptura com tudo o que já foi. O encontro com Alexandre Dal Farra e com o Brasil deu-se num momento em que tentava recuperar o palco, uma voz que fosse de novo performativa, não necessariamente imersiva, uma voz que quisesse de novo ter imagem, receber a imagem como parte integrante de seu vocabulário. Se penso nestes dez anos, penso num círculo. Um círculo que me tornou autora de obras literárias mas também espectadora atenta de um teatro, de um espetáculo, de uma instalação que eu queira de novo habitar, não só como espectadora, mas como criadora, como impulsionadora, como cúmplice, como participante e colaboradora ativa. Se penso nestes dez anos penso em apertar o play, mas não sem antes voltar toda a fita-cassete que escrevi à mão nos dez anos anteriores e ouvir minha voz de trás para a frente, compreendendo e aceitando que é uma voz que, de fato, ainda não falou, ainda não disse, ainda não compreendeu, ainda não inscreveu no espaço tudo o que recolheu nas viagens que a transformaram e, na verdade, não transformarão nunca, em uma sedentária, uma europeia, uma artista que se equilibra no arame do tempo efêmero. Se penso nestes dez anos penso que precisei deles para poder, assim, começar os próximos dez: pensando na reconciliação, no trauma e no resgate de nossa língua, de nosso legado, que é mais de escravidão do que de trabalho, é mais de lugares comuns do que epifanias, é mais de armadilhas que de chaves secretas, mas também mais de possibilidade que de concretude. E é na possibilidade que existe compensa. E sempre expande o mapa por onde poderemos continuar a navegar. E nunca foi tão urgente continuar, fazer, pensar de novo, como agora. Para não voltar ao que fazíamos há dez anos. Ou mesmo há dois. Grata por me fazerem pensar nestes dez anos. Grata por existirem por esses dez anos até que pudéssemos nos encontrar. Espero que nossos caminhos ainda se encontrem múltiplas vezes. 14 de dezembro de 2021.

111


THE LAST 10 YEARS FOR MIRADA PATRÍCIA PORTELA WRITER, PLAYWRIGHT AND AUTHOR OF PERFORMANCES, THE ARTIST SPLITS HER TIME BETWEEN PORTUGAL AND BELGIUM. MS. PORTELA IS THE ARTISTIC DIRECTOR OF THE VIRIATO THEATRE, IN VISEU (PORTUGAL), AND AUTHOR OF THE NOVELS DIAS ÚTEIS (USEFUL DAYS) AND HÍFEN, AMONG OTHERS.

It’s interesting to be able to sit down and write about shows and performances over the last 10 years. Especially from 2011 to 2021, because, to me, those years correspond to my daughter’s first decade. She was born in 2009 and, therefore, to the slowing down of a life filled with travel, unbridled creation, experimentation that tested all limits and multiple international collaborations. They correspond to the sedentary lifestyle of a Portuguese nomad who, as a result of the recent entry into the European Union, is reluctant to taking root. Neither in Portugal nor abroad. They correspond to a struggle between the language of literature and the language of performance in my works, which led to performances where this battle depicted strange but seductive experiences. One of them was the 2007 Banquet, a dinner for 100 guests served on luminous DNA-shaped tables from which they listened to a radio play while tasting and building a second tree of life. There was also The Private Collection of Acácio Nobre (2010), the first and last show designed for an Italian-style stage, where a four-hand recital played on a typewriter and a wireless keyboard presents and discusses the life of an artist and thinker who didn’t get the chance to accomplish his work. They also correspond to curious incidents: like the Hortus installation, a partnership with Christoph de Boeck that opened in 2012 and reflected on the year 2020, inviting us to take a 7-year break to rearrange a planet going through a climate crisis. We exhibited the installation again in 2020, at the Calouste Gulbenkian Foundation summer gardens. Or the Parasomnia installation, a finalist for the Lisbon museum of contemporary art Sonae/MNACC Award in 2015, where 3 hammocks invited visitors to sleep - the only possible act of rebellion, the only conscious and unconscious place where they can’t sell us anything, the only time they can’t buy us, steal from us, or happen for us. In these ten years I have clearly followed the path of multimedia research and technological resources to reach a completely stripped, analogical and invisible dramaturgy that takes place within the encounter, in between action and reaction, between the idea and the feeling with which one leaves a performance, a conference, an installation. Art has

112


EN

become increasingly invisible. Methods are more reflexive and literary, the routes increasingly ethereal, more discursive, suggestive, less showy and flashy. Art has gradually become ingrained into and synonymous with life, as if guessing the destinations it would reach in March 2020. Just before that fateful day when the art that ponders the future once again met the present and embraced it, establishing a true dialogue with its own time, I met Alexandre Dal Farra. Indeed, that was the first time I met Brazil. Having lived a large part of my creative life focusing on going beyond the Pyrenees with each creative project, my own language was developed with its back turned to the Atlantic and to a countless number of languages and paths, which, deep down, are also mine. It was as if, during a certain period of my life, growing up was all about ignoring childhood, with the contempt of those who see maturity as a break with everything that once was. The meeting with Alexandre Dal Farra and with Brazil happened at a time when I was trying to regain the stage, a voice that was once again performative, not necessarily immersive, but a voice that wanted to have an image again, to welcome images as an integral part of its vocabulary. When I think about these 10 years, I think of a circle. A circle that made me the author of literary works but also an attentive spectator of theatre plays, performances, installations that I want to inhabit once again, not only as a spectator but also as a creator, as a promoter, as an accomplice, as an active participant and collaborator. When I think about these 10 years, I think about pressing play, but not without first rewinding the cassette tape that I had handwritten during the previous ten years and listening to my voice backwards to understand and accept that it is a voice that has actually not yet spoken, not yet said, not yet understood, not yet inscribed in space all that it has collected during the travels that have transformed it and, which, in fact, will never transform it into something static, a European, an artist who balances herself on the wire of ephemeral time. When I think about these 10 years, I think that I needed them to be able to start the next ten thinking of reconciliation, of trauma, and the rescue of our language, of our legacy, which is more about slavery than work, more about commonplaces than epiphanies, more about traps than secret keys, but also more about possibilities than concreteness. And it is in possibilities that living pays off - they always expand the charts where we can continue to navigate. And it’s never been as urgent to continue, to do, to think again, as it is now. Not to go back to doing what we did ten years ago. Or even two. Thank you for making me think about these 10 years. Thank you for existing for these 10 years until we could meet. May our paths cross again multiple times. December 14th, 2021.

113


LOS ÚLTIMOS DIEZ AÑOS PARA MIRADA PATRÍCIA PORTELA ESCRITORA, DRAMATURGA Y AUTORA DE PERFORMANCES, LA ARTISTA VIVE ENTRE PORTUGAL Y BÉLGICA. ES DIRECTORA ARTÍSTICA DEL TEATRO VIRIATO, EN VISEU (PORTUGAL) Y AUTORA DE LAS NOVELAS DIAS ÚTEIS E HÍFEN, ENTRE OTRAS.

Es curioso poder sentarme a escribir sobre los últimos diez años de espectáculos y performances. De 2011 a 2021, notoriamente. Porque para mí estos años corresponden a la primera década de mi hija, nacida en 2009, y por consiguiente a la ralentización de una vida repleta de itinerancias, creaciones desenfrenadas, una experimentación que ponía a prueba todos los límites y una multiplicación de colaboraciones internacionales. Corresponde al sedentarismo de una portuguesa nómada que, a raíz de la reciente entrada en la Unión Europea resiste al arraigo. Nacional o extranjero. Corresponde a una lucha entre el lenguaje de la literatura y el lenguaje de la performance en mis obras, que ha dado lugar a espectáculos en los cuales dicha batalla diseñaba experiencias extrañas pero seductoras. Espectáculos como el Banquete de 2007, una cena para cien espectadores, en mesas luminosas en forma de DNA, donde se escuchaba una pieza radiofónica mientras se saboreaba y se construía un segundo árbol de la vida; u otros como A Colecção Privada de Acácio Nobre en 2010, primer y último espectáculo diseñado para un escenario a la italiana, donde un concierto a cuatro manos entre una máquina de escribir y un teclado inalámbrico discute y presenta la vida de un artista y pensador que no tuvo la oportunidad de realizar su obra. Y luego, corresponde a curiosos sucesos, como la instalación Hortus, estrenada en 2012 en colaboración con Christoph de Boeck, donde se pensaba en el año 2020 y se invitaba a parar durante siete años para reformular un planeta en crisis climática, instalación que repetimos en 2020 en los jardines de verano de la Fundación Calouste Gulbenkian. O la instalación Parasomnia, finalista del Premio Sonae/MNACC del museo de arte contemporáneo de Lisboa, en 2015, donde tres hamacas invitaban al visitante a dormir, la única acción posible de disensión, el único lugar consciente e inconsciente donde no pueden vendernos nada, el único momento en que no pueden comprarnos, robarnos, tomar nuestro lugar. En estos diez años he recorrido, claramente, un camino de investigación multimedios y de recursos tecnológicos para llegar a un despojo total, analógico, y de una dramaturgia invisible que tiene lugar entre el encuentro, entre la acción y la reacción, entre la idea y la sensación final con la que se

114


ES

sale de un espectáculo, de una conferencia, de una instalación. El arte se ha vuelto cada vez más invisible. Los métodos son cada vez más reflexivos y más literarios, los caminos cada vez más etéreos, más discursivos, más sugestivos, menos vistosos y despampanantes. El arte se ha afianzado y se ha convertido en sinónimo de vida, como si adivinara los lugares a los que llegaría en marzo de 2020. Incluso antes de ese fatídico día en que el arte que piensa el futuro se reencuentra con el presente y lo abraza para, realmente, dialogar con su tiempo, encontré a Alexandre Dal Farra, de hecho, encontré a Brasil por primera vez. Habiendo vivido la mayor parte de mi vida creativa centrada en cruzar los Pirineos para cada proyecto creativo, mi lenguaje se desarrolló de espaldas al Atlántico y a un sinfín de lenguajes y trayectos que, en el fondo, también son míos. Como si crecer, en cierta época de mi vida, fuera ignorar la infancia con el desprecio de quien ve, en la madurez, una ruptura con todo lo que fue. El encuentro con Alexandre Dal Farra y con Brasil ocurrió en un momento en que intentaba recuperar el escenario, una voz que fuera de nuevo performativa, no necesariamente inmersiva, una voz que quisiera de nuevo tener imagen, recibir la imagen como parte integrante de su vocabulario. Si pienso en estos diez años, pienso en un círculo. Un círculo que me ha hecho autora de obras literarias pero también espectadora atenta de un teatro, de un espectáculo, de una instalación que yo quiera volver a habitar no solo como espectadora sino como creadora, como impulsora, como cómplice, como participante y activa colaboradora. Si pienso en estos diez años pienso en pulsar el play, pero no sin antes rebobinar la cinta que escribí a mano en los diez años anteriores y escuchar mi voz de atrás hacia adelante, comprendiendo y aceptando que es una voz que, de hecho, aún no ha hablado, no ha dicho, no ha comprendido, aún no ha inscrito en el espacio todo lo que ha recogido en los viajes que la hicieron, y en verdad, no la harán nunca una sedentaria, una europea, una artista que se equilibra en el alambre del tiempo efímero. Si pienso en estos diez años pienso que los he necesitado para poder comenzar así los próximos diez, pensando en la reconciliación, en el trauma y en el rescate de nuestra lengua, de nuestro legado que es más de esclavitud que de trabajo, es más de lugares comunes que de epifanías, más de trampas que de llaves secretas, pero también más de posibilidad que de concreción. Y es en la posibilidad que existir compensa. Y siempre aumenta el mapa por el que podemos seguir navegando. Y nunca ha sido tan urgente continuar, hacer, pensar de nuevo, como ahora. Para no volver a lo que hacíamos hace diez años. O incluso hace dos. Gracias por hacerme pensar en estos diez años. Gracias por existir durante estos diez años hasta que pudiéramos encontrarnos. Espero que nuestros caminos aún se encuentren muchas otras veces. 14 de diciembre de 2021.

115


O ENSINO DA DRAMATURGIA E A CENA TEATRAL PAULA AUTRAN É DOUTORA E MESTRA EM ARTES PELA ECA/USP. DRAMATURGA, ESCRITORA, JORNALISTA E PROFESSORA DE DRAMATURGIA.

Nos últimos 16 anos venho ministrando ininterruptamente oficinas, aulas e cursos de dramaturgia nos diversos estados do Brasil e também em cidades de Portugal. E a questão que se coloca primordialmente é: de que forma esse ensino pode auxiliar no desenvolvimento da cena teatral de um modo geral? E, portanto, o que se ensina quando se ensina dramaturgia? Ultimamente, com um certo boom de cursos de escrita criativa na internet e em centros culturais espalhados pelo país, criou-se certa polêmica na qual há uma máxima de que os cursos de escrita seriam inócuos ou embustes, posto que “não se ensina ninguém a escrever”1. E é exatamente isso, não se ensina ninguém a escrever mas, no limite, como nos lembra o pedagogo Paulo Freire: “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”2. Dessa forma, o ensino da dramaturgia está atrelado ao ensino da escrita por um lado e, pelo outro, pela cena teatral em si, o que gera certos ruídos. Assim, muitas das vezes em que ministrei aulas de dramaturgia em espaços públicos nos quais as aulas são subvencionadas pelo Estado, havia uma confusão inicial sobre o que seria exatamente dramaturgia. A palavra muitas vezes vem unida ao sentido geral de teatro, para quem não tem intimidade com a matéria. Claro que há uma ligação estreita entre a dramaturgia e a dimensão do palco teatral, mas há algo que determina que eles não são “uma só e mesma coisa”, na acepção dialética que aproxima e afasta os dois conceitos3. Então, qual a dimensão do texto teatral que o faz poder ser ensinado e aprendido de maneira diversa da existência da cena teatral em si? A primeira questão a ser pensada

1

Sobre e polêmica ver reportagem da revista Piauí. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/nunca-fomos-tao-cool/. Acesso em: 13 dez. 2021.

2

Freire, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 116.

3

O filósofo alemão Hegel trata dessa ideia em diferentes acepções em textos como a Fenomenologia do espírito, entre outros. Hegel, G. W. F. Fenomenologia do espírito, trad. de Paulo Meneses, 2. ed., Petrópolis: Vozes, 1992, 2 v.

116


PT

trata das muitas possibilidades de entendimento do que seja a dramaturgia, do que seja o texto teatral. Há muitas formas possíveis de se criar e conceber essa matéria. Desde aquele texto feito no calor da hora, em cima do palco, para ser apresentado da forma como vai sendo construído, até o texto que é elaborado em outro local, por alguém que não necessariamente está ali no enfrentamento do trânsito entre palco e plateia. Esse tipo de texto, essa concepção de dramaturgia pensada como um gênero literário, que se fixa nas páginas, que muitas vezes é concebida para ser publicada, que fica plasmada em si mesma, que tem essa vivência para além do palco, é também válida. É uma entre tantas outras, e é dela que usualmente trato em meus cursos. E por quê? Qual a importância para a cena teatral, cada vez mais concebida como algo autônoma, próxima do conceito de “performatividade”4, de um texto que se concebe como algo com existência independente dela? Posso afirmar pela minha experiência com milhares de alunos: muita. A cena sempre vai se beneficiar de textos que são pensados e concebidos como textos teatrais. Por outro lado, cada vez mais se desenvolve a noção de textos que já trazem em si mesmos a “experiência total”, ou seja, a ideia de que o texto teatral só se realiza plenamente quando levado ao palco não é de todo verdade, ou pelo menos, não é uma verdade irrefutável. Dentro dessa concepção há até mesmo a ideia do texto que já traz uma espécie de encenação, uma dimensão performativa no próprio “papel”, ou seja, ele já nasce com a sua dimensão representacional dentro de sua própria estrutura. E o palco, e, portanto, a concepção cênica do diretor, seria uma dimensão a mais para essa potência criativa do texto5. Dessa forma, o texto teatral tem uma dimensão emancipatória, no sentido de ter uma existência própria, podendo ser fruído, analisado e “digerido” em si mesmo. Bom, pode-se levantar a pergunta: se assim o é, onde fica a questão de ser um texto pensado para a cena? Um texto que, em certa medida, teria seu fim último no palco e não no papel no qual ele é concebido? O que vemos cada vez mais nos palcos e nos tantos locais nos quais o teatro se imiscui nos dias de hoje (tendo ido se alocar até mesmo no universo das redes sociais por conta da

4

Sobre o conceito ver: Féral, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. In: Revista Sala Preta, São Paulo, n. 8, 2008, p. 197-210. Tradução: Lígia Borges.

5

Sobre a questão ver Souza, Ligia de. O império das palavras: um estudo da parole teatral em Valère Novarina. Disponível em: https:// www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27156/tde-03102018153710/pt-br.php. Acesso em: 13 dez. 2021.

117


pandemia) é a criação do texto com o espaço, do texto com os corpos, do texto indo muito além da palavra. O que se ensina, então, quando se ensina dramaturgia? Qual seria, dessa forma, o papel do dramaturgo? Já que a dimensão do palco pode extrapolar as palavras em múltiplas e ainda nem imaginadas direções? Utilizando as palavras do grande dramaturgo e professor Luis Alberto de Abreu, o dramaturgo seria, assim, aquele que “organiza as ações”6. Aquele que estrutura a narrativa, dá direção e sentido a ela. Esse é o papel primordial do dramaturgo. Por conta disso, o direcionamento do ensino da dramaturgia concebida como uma escrita teatral, como um gênero literário com uma estrutura interna que se concebe a si mesma, vai no sentido da narrativa. Daquilo que ela precisa, da direção para a qual ela leva a sua estrutura. Lembrando que a dramaturgia também prescinde de diálogos, dessa forma, o dramaturgo não é um fazedor de conversação, e sim, um criador de mundos, um lavrador de universos, um arquiteto da narrativa. E o mais interessante nesse percurso é pensar que, muitas vezes, a narrativa dramatúrgica vai além (ou fica aquém) do que o dramaturgo concebeu. Muitas vezes, ele tem que olhar para aquela estrutura inicial e entendê-la apenas em um segundo momento. Sempre digo que a escrita se dá na reescrita. A narrativa dramatúrgica, assim, guia esse processo. Ela se dá por meio de algumas ferramentas básicas que a 6

Fala de Luis Alberto de Abreu em curso ministrado em 2005, por ocasião do projeto de Fomento ao Teatro da Cia dos Dramaturgos, da qual a autora fez parte.

118


PT

estruturam há milênios: personagem, ação dramática, conflito e diálogo. Sempre lembrando que eles podem (e muitas vezes estão) presentes pela supressão, pela ausência: “Olha, essa peça não tem diálogos, essa outra não tem personagens exatamente”. E assim, ali estão eles, presentes pela sua ausência, estruturando a narrativa dramatúrgica pelo furo que fazem na nossa expectativa como leitor/espectador. De novo, e sempre, o mais espetacular, desafiador e belo no ensino/aprendizado da dramaturgia em particular e da arte em geral é a total falta de regras rígidas quando se trata de criar. Por outro lado, há algo que está aí há milênios e que nos dá o caminho do que sejam essas linguagens, do que as diferencia e as aproxima. Dessa forma, o ensino da dramaturgia pode (e tem gerado) textos potentes, autores promissores, novas narrativas e novos olhares para a cena teatral, principalmente na última década, com o aumento de oficinas e cursos de dramaturgia. A união dessa espécie tão peculiar de pedagogia com a potência do palco tem sido das mais salutares novidades da nossa cena teatral. Certamente muitas possibilidades de formatos, transformações e criações ainda estão por vir. Poder vivenciar esse processo tem sido estimulante, salutar e muito inspirador, pois como lembra Augusto Boal: “Só é possível ensinar alguma coisa a alguém que a nós alguma coisa ensina. O ensino é um processo transitivo... um diálogo, como deviam ser diálogos todas as relações humanas”7. 7

Boal, Augusto. Aqui ninguém é burro. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1996, p. 103.

119


DRAMA EDUCATION AND THE THEATRE SCENE PAULA AUTRAN HOLDS A PHD AND A MASTER’S DEGREE IN ARTS FROM ECA/ USP. SHE IS A PLAYWRIGHT, WRITER, JOURNALIST AND DRAMA TEACHER.

I have been teaching drama classes and workshops uninterruptedly across Brazilian states and Portuguese cities for the past sixteen years, and the key question that arises is: how can education help develop the theatre scene in general? And, therefore, what should one teach when teaching drama? The recent boom in creative writing courses available online and at cultural centres across the country has led to a controversial debate; some say they are pointless or a sham given that ‘no one can be taught how to write’1. And that is precisely the point, no one can be taught how to write, but at the very least, as we are reminded by educator Paulo Freire: “No one educates anyone else, nor do we educate ourselves, we educate one another, mediatized by the world” 2. Thus, on the one hand, teaching drama is linked to teaching people how to write and, on the other, to the theatre scene, which causes some noise. So, often, whenever I’ve taught drama classes in public places where they are subsidised by the State, there has been some initial confusion as to what drama actually was. The word is often associated with the theatre in its broadest sense by those who are unfamiliar with the subject matter. Of course there is a close connection between drama and the theatre stage, but there’s something that establishes that they are ‘not one and the same thing’, in the dialectical sense that brings the two concepts together and pushes them apart3. So, which dimension of theatrical text makes it possible to be taught and learned in a way that is different to the existence of the theatre scene itself? The first question to be considered hinges on the many potential ways to understand what drama is, what the theatrical text is. There are many

1

About the controversy, please refer to the article published in Piauí magazine. Available at https://piaui.folha.uol.com.br/nunca-fomostao-cool/. Visited on 13 December, 2021.

2

Freire, Paulo. Pedagogy of the Oppressed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 116.

3

Hegel, the German philosopher, tackles different meanings of this idea in works such as the Phenomenology of the Spirit, among others. Hegel, GWF Phenomenology of the Spirit, trans. by Paulo Meneses, 2nd ed., Petrópolis: Vozes, 1992, 2 v.

120


EN

possible ways to create and conceive this subject. From the kind of text that is produced in the spur of the moment, onstage, to texts written elsewhere by someone who isn’t necessarily on the frontline, between the stage and the audience. This kind of text, the kind of drama that is written as a literary genre, which is fixed on the page and often conceived to be published, which is shaped within itself and has a life beyond the stage, is also valid. It is one among many others, and this is the kind of text I address in my courses. Why? How important to the theatre scene, which is increasingly conceived as something separate, closer to the concept of “performativity”4, are texts written as something that has a life beyond it? Based on my experience with thousands of students, I can safely say: very important. The scene will always benefit from texts that are conceived and written as theatrical texts. On the other hand, the concept of texts that include the ‘full experience’ is becoming more widespread. In other words, the idea that theatrical texts can only be fully brought to fruition when performed on stage isn’t entirely true or at least that is not an irrefutable truth. This theory encompasses the concept of texts that include a sort of acting, a performative dimension ‘on paper’, in other words, they are created with their own representational dimension as part of their structure. The stage and, therefore, the director’s stage directions are an additional dimension to the creative power of the text5. Thus, the theatrical text has an emancipatory dimension, in the sense that it exists on its own, and can be enjoyed, analysed and ‘digested’ in and of itself. Well, one might raise the question: if that is the case, then what about the fact that

4

For more about this concept, please refer to: Féral, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo (Towards a Poetics of Performativity: Performative Theatre). In: Sala Preta Magazine, São Paulo, n. 8, 2008, p. 197-210. Translation: Lígia Borges.

5

On this issue, see Souza, Ligia de. O império das palavras: um estudo da parole teatral em Valère Novarina (The empire of words: a study of theatrical parole in Valère Novarina). Available at: https://www. teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27156/tde-03102018-153710/ pt-br.php. Visited on: 13 Dec. 2021.

121


the text is conceived for the stage? A text whose ultimate purpose, to a certain extent, is to be performed onstage and not remain on paper, where it was written? What we see increasingly on stages and in the many places where theatre can be found these days (even in social media now owing to the pandemic) is the creation of texts that include the space, texts that include the bodies, texts that go far beyond the word. What, then, is taught when drama is taught? What, then, would the role of the playwright be? Considering that the dimension of the stage can extrapolate words and go in multiple and as yet unimagined directions? In the words of the great playwright and professor Luis Alberto de Abreu, the playwright would, therefore, be the one who ‘organizes the action’6. The one who structures the narrative, provides it with meaning and direction. This is the primary role of the playwright. For that reason, the teaching of drama that was conceived as theatrical writing, as a literary genre with an internal structure that conceives itself, follows the direction of the narrative – what it needs, the direction in which it takes its structure. Let’s not forget that drama obviates the need for dialogue, so playwrights are not conversation writers, they are the creators of worlds, tillers of universes, architects of narrative. And the most interesting thing about this journey is that often the dramaturgical narrative goes beyond (or falls short of) what the playwright had conceived. Often, he or she must take another look back at the original structure to understand it at a later time. I always say that the writing takes place in the rewriting.

6

Words by Luis Alberto de Abreu during a course he taught in 2005 as part of the Cia dos Dramaturgos’ project Fomento ao Teatro (Fostering the Theatre) which the author attended.

122


EN

Hence, this process is driven by the dramaturgical narrative, which is constructed with a few basic tools that have been structuring it for thousands of years: character, plot, conflict and dialogue. Bearing in mind that they can be (and often are) present by being absent, suppressed: “Look, this play doesn’t have any dialogue, this other one doesn’t exactly have characters”. And there they are, present by being absent, structuring the dramaturgical narrative through the hole they leave in our expectation as readers/spectators. Again, and always, the most spectacular, challenging thing, the beauty of teaching drama, more specifically, and art in general is the absolute lack of strict rules when it comes to creating. On the other hand, there is something that has been around for thousands of years and which shows us the way to what these languages might be, what differentiates them and brings them closer. Thus, the teaching of drama can (and has) led to the creation of powerful texts, promising authors, new narratives and new perspectives for the theatre scene, especially in the last decade, with the increase in the number of workshops and drama courses. The combination of this very peculiar type of pedagogy and the power of the stage has been one of the healthiest piece of news in our theatre scene. Many other possibilities for formats, transformations and creations are certainly yet to come. It’s been stimulating, healthy and very inspiring to be able to experience this process, since, as Augusto Boal reminds us: “It is only possible to teach those who teach us something. Teaching is a transitive process… a dialogue, as all human relations should be” 7. 7

Boal, Augusto. Aqui ninguém é burro (No one here is stupid). Rio de Janeiro: Revan Publishing house, 1996, p. 103.

123


LA ENSEÑANZA DE LA DRAMATURGIA Y LA ESCENA TEATRAL PAULA AUTRAN ES DOCTORA Y MÁSTER EN ARTES POR LA ECA/USP. DRAMATURGA, ESCRITORA, PERIODISTA Y PROFESORA DE DRAMATURGIA.

Durante los últimos 16 años he dictado ininterrumpidamente talleres, clases y cursos de dramaturgia en los diferentes estados de Brasil y también en ciudades de Portugal. Y el tema que se plantea primordialmente es: ¿de qué forma esa enseñanza puede ayudar al desarrollo de la escena teatral en general? Y, por lo tanto, ¿qué se enseña cuando se enseña dramaturgia? Últimamente, debido a un cierto aumento en el número de cursos de escritura creativa en Internet y en centros culturales diseminados por el país, se ha generado una polémica en la cual hay una máxima de que los cursos de escritura serían inocuos o embustes, ya que ‘a nadie se le enseña a escribir’1. Y es exactamente así, a nadie se le enseña a escribir, pero en el límite, como nos recuerda el pedagogo Paulo Freire: “Nadie educa a nadie, nadie se educa a sí mismo, las personas se educan entre sí, mediatizadas por el mundo”2. De esa forma, la enseñanza de la dramaturgia está vinculada a la enseñanza de la escritura por un lado y, por otro, a la escena teatral en sí, lo cual genera ciertos ruidos. Así, muchas veces cuando impartía clases de dramaturgia en espacios públicos en los cuales dichas clases son subvencionadas por el Estado, había una cierta confusión inicial sobre qué seria exactamente la dramaturgia. La palabra muchas veces está vinculada al sentido general de teatro, para quien no tiene intimidad con el tema. Claro que existe un vínculo estrecho entre la dramaturgia y la dimensión del escenario teatral, pero hay algo que determina que ambos no son ‘una sola cosa y lo mismo’, en la acepción dialéctica que acerca y aleja los dos conceptos3 .

1

Sobre la polémica, consultar reportaje de la revista Piauí. Disponible en: https://piaui.folha.uol.com.br/nunca-fomos-tao-cool/. Acceso: 13 dic. 2021.

2

Freire, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 116.

3

El filósofo alemán Hegel se refiere a esa idea en diferentes acepciones en textos como Fenomenologia do espírito, entre otros. Hegel, G. W. F. Fenomenologia do espírito, trad. de Paulo Meneses, 2. ed., Petrópolis: Vozes, 1992, 2 v.

124


ES

Entonces, ¿cuál es la dimensión del texto teatral que hace que pueda ser enseñado y aprendido de forma diversa de la existencia de la escena teatral en sí? La primera cuestión que debemos considerar se refiere a las muchas posibilidades de entendimiento de lo que es la dramaturgia, de lo que es el texto teatral. Son muchas las formas posibles de crear y concebir el tema. Desde un texto creado en el momento, arriba del escenario, para presentarlo de la forma en que se va elaborando, hasta el texto creado en otro lugar, por alguien que no necesariamente está allí enfrentando el movimiento entre el escenario y el público. Ese tipo de texto, esa concepción de la dramaturgia pensada como un género literario, que se fija en las páginas, que muchas veces se concibe para ser publicada, que permanece plasmada en sí misma, que tiene esa vivencia más allá del escenario, también es válida. Es una entre tantas otras, y es sobre ella que normalmente hablo en mis cursos. ¿Y por qué? ¿Cuál es la importancia para la escena teatral, cada vez más concebida como algo autónomo y cercano al concepto de ‘performatividad’4, de un texto que se concibe como algo con existencia independiente de dicha escena? Puedo afirmar, por mi experiencia con miles de alumnos, que es mucha. La escena siempre se beneficiará de textos que han sido pensados y concebidos como textos teatrales. Por otro lado, cada vez más se desarrolla la noción de textos que ya traen en sí mismos la ‘experiencia total’. O sea, la idea de que el texto teatral solo se realiza plenamente cuando se lleva al escenario no es del todo verdad, o al menos, no es una verdad irrefutable. Dentro de esa concepción existe inclusive la idea del texto que ya incluye una especie de escenificación, una dimensión performativa en el propio ‘papel’, o sea, un texto que ya nace con su dimensión representacional dentro de su propia estructura. Y el escenario, y, por lo tanto, la concepción escénica del director sería una dimensión adicional para esa potencia creativa del texto5. De esa forma, el texto teatral tiene una dimensión emancipadora, en el sentido de tener una existencia propia, y puede ser disfrutado, analizado y ‘digerido’ en sí mismo. Y bien, se puede preguntar entonces: Siendo así, ¿dónde queda la cuestión

4

Sobre el concepto consultar: Féral, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. In: Revista Sala Preta, São Paulo, n. 8, 2008, p. 197-210. Traducción: Lígia Borges.

5

Sobre el tema ver Souza, Ligia de. O império das palavras: um estudo da parole teatral em Valère Novarina. Disponible en: https:// www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27156/tde-03102018153710/pt-br.php. Acceso: 13 dic. 2021.

125


de ser un texto pensado para la escena; un texto que, de cierta forma, tendría su finalidad última en el escenario y no en el papel en el cual es concebido? Lo que vemos cada vez más en los escenarios y en los más diversos lugares en los cuales el teatro se inmiscuye en la actualidad (habiéndose alojado inclusive en el universo de las redes sociales debido a la pandemia) es la creación del texto con el espacio, del texto con los cuerpos, del texto que va mucho allá de la palabra. ¿Qué se enseña entonces cuando se enseña dramaturgia? ¿Cuál sería, así, el rol del dramaturgo, ya que la dimensión del escenario puede extrapolar las palabras en múltiples y aún inimaginables direcciones? Haciendo uso de las palabras del gran dramaturgo y profesor Luis Alberto de Abreu, el dramaturgo sería, así, quien ‘organiza las acciones’6. La persona que estructura la narrativa, le da dirección y sentido. Ese es el rol primordial del dramaturgo. Por ese motivo, la orientación de la enseñanza de la dramaturgia concebida como escritura teatral, como un género literario con una estructura interna que se concibe a sí misma, va en el sentido de la narrativa, de lo que ésta precisa, de la dirección hacia la cual orienta su estructura. Recordemos que la dramaturgia también prescinde de diálogos, o sea, el dramaturgo no es un creador de conversación, y sí, un creador de mundos, un labrador de universos, un arquitecto de la narrativa. Y lo más interesante en ese trayecto es pensar que, muchas veces, la narrativa dramatúrgica va más allá (o queda distante) de lo que el dramaturgo ha concebido. Muchas veces, el dramaturgo necesita observar aquella estructura inicial y entenderla solo en un segundo momento. Siempre digo que la escritura se da en la reescritura. 6

Discurso de Luis Alberto de Abreu en curso dictado en 2005, con motivo del proyecto de Fomento al Teatro de la Cia de los Dramaturgos, de la cual la autora formaba parte.

126


ES

Así, la narrativa dramatúrgica guía ese proceso. Se da mediante algunas herramientas básicas que la estructuran hace milenios: personaje, acción dramática, conflicto y diálogo. Siempre recordando que éstos pueden estar – y muchas veces están – presentes a través de la supresión, de la ausencia: “Mira, esta pieza no tiene diálogos, esta otra no tiene personajes, exactamente.” Y así, allí están ellos, presentes por su ausencia, estructurando la narrativa dramatúrgica por el hueco que dejan en nuestra expectativa como lectores/espectadores. Una vez más, y siempre, lo más espectacular, desafiante y bello en la enseñanza/aprendizaje de la dramaturgia en particular y del arte en general es la total falta de reglas rígidas cuando se trata de crear. Por otro lado, hay algo que existe hace milenios y que nos muestra el camino de lo que sean esos lenguajes, de lo que los diferencia y los acerca. Así, la enseñanza de la dramaturgia puede generar – y ha generado – textos potentes, autores promisores, nuevas narrativas y nuevas miradas sobre la escena teatral, principalmente en la última década, con el aumento de talleres y cursos de dramaturgia. La unión de esa especie tan peculiar de pedagogía con la potencia del escenario ha sido una de las más saludables novedades de nuestra escena teatral. Ciertamente aún habrá muchas posibilidades de formatos, transformaciones y creaciones. Poder experimentar ese proceso ha sido estimulador, saludable y muy inspirador, ya que como nos recuerda Augusto Boal: “Solo se le puede enseñar algo a quien algo nos enseña. La enseñanza es un proceso transitivo… un diálogo, como deberían ser diálogos todas las relaciones humanas”7.

7

Boal, Augusto. Aqui ninguém é burro. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1996, p. 103.

127


SESC – SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO ADMINISTRAÇÃO REGIONAL NO ESTADO DE SÃO PAULO / SÃO PAULO STATE REGIONAL MANAGEMENT / ADMINISTRACIÓN REGIONAL EN EL ESTADO DE SÃO PAULO

PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL / CHAIRMAN OF THE REGIONAL BOARD / PRESIDENTE DEL CONSEJO REGIONAL Abram Szajman DIRETOR DO DEPARTAMENTO REGIONAL / REGIONAL DIRECTOR / DIRECTOR DEL DEPARTAMENTO REGIONAL Danilo Santos de Miranda SUPERINTENDENTES / ASSISTANT DIRECTORS / SUPERINTENDENTES técnico-social / social-technicial / tecnico-social Joel Naimayer Padula comunicação social / social communication / comunicación social

Ivan Giannini administração / administration / administración

Luiz Deoclécio Massaro Galina assessoria técnica e de planejamento planning technical

/

/ asesoría técnica

y de planificación

Sérgio José Battistelli GERENTES / MANAGERS / GERENTES ação cultural / cultural action / acción cultural

Rosana Paulo da Cunha / studies / estudios y desarrollo Marta Raquel Colabone artes gráficas / graphic design / artes gráficas Rogério Ianelli difusão e promoção / publicity and promotion / estudos e desenvolvimento and development

difusión y promoción

Marcos Ribeiro de Carvalho assessoria de imprensa / press / relations prensa

Ana Lúcia de La Vega assessoria jurídica / legal advice / asesoramiento jurídico

Carla Bertucci Barbieri assessoria de relações internacionais / international affairs / asesoría de relaciones internacionales

Áurea Leszczynski Vieira Gonçalves sesc santos

Simone Engbruch Avancini Silva


MIRADA – CADERNOS DE REFLEXÕES SOBRE AS ARTES CÊNICAS NA REDE IBEROAMERICANA

CURADORIA DE TEXTOS/ EXECUTIVE COORDINATION AND CURATORSHIP / COORDINACIÓN EJECUTIVA Y CURADORÍA Emerson Pirola, Sergio Luis de Oliveira, Rani Bacil Fuzetto, Rose Silveira e Silvio Luiz da Silva EQUIPE SESC/ SESC TEAM / EQUIPO SESC Aline Ribenboim, Aline Stivaletti, Daniel Tonus, Fernando Hugo da Cruz Fialho, Heloisa Pisani, João Paulo Leite Guadanucci, José Gonçalves Jr., Karina Musumeci, Kelly Adriano de Oliveira, Tamara Demuner, Tiago Marchesano, Tina Cassie, Thais Franco e Thomas Castro fluxo, produção, revisão e tradução textual

/

flow, production, proofreading, and textual translation

/ flujo, producción, revisión

y traducción textual

Mariana Delfini, Samantha Arana e Patricia Pick


M671 Mirada: Cadernos de reflexões sobre as artes cênicas na rede ibero-americana, 2022. Realização do Serviço Social do Comércio de São Paulo. São Paulo: Sesc São Paulo, 2022. 128 p. : color. Trilingue. ISBN 978-65-89239-13-0 1. Artes Cênicas. 2. Teatro. 3. Teatro Ibero-Americano. 4. Caderno. I. Título. II Subtítulo. III. Serviço Social do Comércio de São Paulo. IV. Sesc.



Sesc Santos R. Conselheiro Ribas, 136 CEP 11040-900 Santos – SP Tel.: 13 3278-9800 www.sescsp.org.br


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.