Revista E - Fevereiro de 2001 - ANO 7 - Nº 7

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Ozualdo Candeias é cineasta e participou de debate com o Conselho Editorial da Revista E

cas, de Nelson Pereira dos Santos, é uma fita política, mas por que existe alguém que a faça? Porque existe uma pobreza que está aí. Os militares não tiveram a menor preocupação em censurá-la porque eles não se sentiam responsáveis por aquela miséria. Quando eu fazia fitas, todos as critica­ vam porque eu punha negros, pés descalços e a Igreja envolvida. Eu não tive receio. Meu nome foi esculacha­ do diariamente. Nos anos 90, Alberto Farias, um cara bom do Cinema Novo do Rio, fez Pra Frente Brasil. Ele filmou a revolução e a tortura. A fita ficou presa um tem­ po, mas passou. Essa foi a única fita contra o governo que eu vi. Recentemente, o filme Central do Bra­ sil deu certo, mas se fosse eu ou qual­ quer outra pessoa que tivesse feito esse filme, não teria acontecido nada. Talvez fosse para Berlim, ganharia e fim de conversa. Nós, que fazemos o

cinema brasileiro, não temos condi­ ção social e nem econômica para fa­ zer lobby. PÚBLICO

Todo mundo faz fita para o público, sendo que a maior parte dá um míni­ mo de bilheteria. Eu faço filmes com os quais tento atingir um determina­ do público, com uma determinada história. Mas eu não faço fita do tipo Mazzaropi. Normalmente, a pessoa que assiste Mazzaropi é aquele des­ graçado que levanta às quatro da ma­ nhã, chega no trabalho às sete, come marmita e anda seis horas de trem por dia. O dia em que ele for ao cine­ ma, não vai ver a minha fita, é claro! Ele precisa ver Mazzaropi mesmo. C in e m a d a b o c a

Após o Cinema Novo, as leis mais importantes feitas por Jânio Quadros, Juscelino e depois os militares possi­

bilitaram o surgimento do cinema boca-do-lixo. Essa modalidade surgiu na rua do Triunfo, por volta de 1968. Havia, além de uma farta produção realizada com o mínimo de dinheiro, certa liberdade “erótica” , “passional” . O tema passou a agradar o público. E houve complacência da censura: pri­ meiro a mulher podia aparecer só de costas, depois, só de frente. E tudo de acordo com as leis. Para mim, a gran­ de coisa é que eles me tinham como um anarquista, e isso funcionava. O ci­ nema da boca estava num momento em que se podia extrapolar um pou­ co, ir mais longe. Naquele momento, vivia-se a revolução de costumes, que começava a ser reconhecida no Brasil. Na minha opinião, foi uma conquista social, principalmente para a mulher. As senhoras casadas e as mulheres em geral começaram a ter consciência da morfologia masculina. Depois surgiu o pornô e tudo foi banalizado. ■ revista &

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