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O SUICÍDIO NA VIDA RELIGIOSA: Realidade e prevenção

Onúmero de suicídios no Brasil avança ano após ano. O levantamento mais recente do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelou um aumento de 11,8% no número de suicídios, em relação ao ano de 2021. Foram 16.262 registros, que representam uma média de 44 por dia.

Esse tema, tão delicado e ainda pouco divulgado, ganha espaço também entre os religiosos. Uma pesquisa de 2008, apresentada no Congresso do ISMA Brasil, apontou que a vida sacerdotal é uma das profissões mais estressantes da atualidade, à frente de policiais, executivos e motoristas de ônibus.

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Doutor em Teologia e pesquisador em Mariologia, o Frei Jonas Nogueira da Costa, da Ordem dos Frades Menores (OFM), foi convidado para ser orientador do Retiro Espiritual do Capítulo Eletivo da futura Província Nossa Senhora Aparecida. Na oportunidade, ele falou sobre como o projeto de vida não recebe a devida atenção no dia a dia de ordens e congregações, elevando o número de religiosos e religiosas com adoecimento psíquico.

A explicação do Frei Jonas foi ampliada para a atual edição do Informativo da Província, na qual ele ainda destaca a importância de tornar os ambientes das comunidades cada vez mais humanos e leves, de modo a valorizar a qualidade de vida dentro de ordens e congregações. Confira:

1 – Quarenta pessoas se matam no Brasil por dia e, segundo uma pesquisa, de agosto de 2016 a junho de 2023, 40 padres se mataram no Brasil. Trata-se de uma média de 5 a 6 padres que se suicidaram por ano nestes últimos 7 anos. Quais são os fatores de risco para o fenômeno do suicídio na Vida Religiosa e Presbiteral?

Primeiramente, precisamos nos lembrar que o suicídio não tem apenas um fator desencadeante. Ele se ancora em elementos subjetivos, intrapsíquicos e sociais, que se articulam na vida de diferentes modos. O aspecto que configura um fator de risco para todas as pessoas é aquilo que podemos denominar como “tristeza profunda”. Desse primeiro fator de risco, é que outras mudanças de comportamento vão se dando. Nem todas as pessoas que experimentam uma “tristeza profunda” pensam no autoextermínio, contudo, algumas acabam adquirindo uma compreensão que, diante de sua dor e seu sofrimento, não existe mais sentido para todas as coisas ou não existe solução para um problema que se impõe, logo, sente a necessidade de minimizar os efeitos do desespero.

2 – Como tratar o suicídio na Vida Religiosa e Presbiteral, e quando procurar uma rede de apoio ou ajuda profissional?

Uma das formas de prevenção de suicídio na Vida Religiosa e Presbiteral começa quando tomamos um tema que tem sido muito mal trabalhado em nossos ambientes, que é o do projeto de vida. Muitas vezes ele se torna óbvio demais (repetição de horários e estatutos canônicos), romantizado (uma ideia de espiritualidade que não passa pela humanidade), inalcançável (a pessoa espera o irrealizável para si mesma) e outras possibilidades que nunca deveriam ser um projeto de vida.

Um projeto de vida deveria ter uma “pergunta secreta”, pois é da ordem da afetividade de cada pessoa, que nasce do eros em cada um de nós. Essa pergunta é: onde está minha paixão? Ou: para onde minha energia vital me impulsiona? Descobrir isso é uma missão imprescindível para qualquer pessoa. Se na experiência ambulatorial a expressão “pulso fraco ou pulso ausente” é sinal de alerta máximo, também na vida religiosa o é. Isso porque a ausência de pulso/pulsão leva ao adoecimento psíquico. Não ter paixão, ausência de energia vital pulsando em direção a seu objeto de afeto é a circunstância em que se deve procurar auxílio. Cada caso é um caso, mas a pessoa precisa dizer desse estado de apatia para outra, quer seja o superior, um psicólogo, um amigo.

3 – De que forma a espiritualidade e a comunidade religiosa podem contribuir nesse processo de prevenção e cuidado?

Toda a vida religiosa consagrada deve viver na contemplação, independentemente se é um instituto monástico ou de vida apostólica. Hoje, somos convidados a uma mística de olhos abertos. Logo, olhamos nossos confrades como quem busca os si- nais de Cristo. Não é um olhar intrometido, mas um olhar de afeto, de companheirismo. Sabemos que nem sempre alcançamos isso, por isso é que nunca deixamos de perguntar sobre o que existe em nós para que fiquemos tão irritados quando vemos o outro. Ou entender que existem situações de ausência de caráter que torna uma convivência terrível. Mas se esquivar da responsabilidade de tornar nossas comunidades ambientes mais humanos, leves, capazes de deixar os religiosos mais predispostos a partilhar a vida e seus sentimentos já é um grande fator de cuidado com a qualidade de vida.

4 – Qual conversão pessoal e estrutural precisamos ter para proporcionar mais ambientes saudáveis para a convivência fraterna?

Nessa circunstância, a conversão pessoal e a estrutural/institucional são dois lados de uma mesma moeda. Partindo da conversão estrutural/institucional, precisamos entender que nem todo religioso está apto para todo e qualquer tipo de trabalho, não levando em consideração talentos ou limites pessoais. Ou ainda, diante de tantos limites pessoais, tomar cuidado para não sobrecarregar alguns poucos que, honesta e corajosamente, se colocam a serviço. A instituição precisa se perguntar pelo modo como colaborar com o equilíbrio bio-físico-psíquico de cada religioso, para que ele possa dar o melhor de si mesmo.

Tomando agora a conversão pessoal, o outro lado da mesma moeda, faz-se necessário que o religioso não queira ser “pau pra toda obra e capaz de tomar paulada em toda obra”. Precisa reconhecer que ninguém tem a obrigação de ser excelente em tudo o que faz e que deve adequar a demanda de trabalho de acordo com suas capacidades. Contudo, isso implica que todos se empenhem em colaborar da melhor forma com a vida/missão da Congregação. Às vezes, uma pessoa tem uma carga maior de trabalho porque outros se dão ao luxo de contribuir com o mínimo do mínimo. O que levanta a questão do porquê tão pouco em um modo de vida que nos pede oblatividade.

5 – Quais hábitos o religioso consagrado pode praticar para cultivar sua saúde emocional?

Autorrespeito e atenção consigo mesmo. Os dois hábitos caminham juntos, mas, pedagogicamente, vamos diferenciar.

Autorrespeito como um dos mais nobres resultados do processo de formação para a maturidade. Entender que você não abandona as coisas que gosta de fazer, mas as adequa de acordo com o momento da vida e o lugar onde está. Que o descanso e o lazer são fundamentais. Que não se acumula férias vencidas, para nunca gozar dessa pausa restauradora. Não sermos nosso próprio carrasco.

Logo, é necessária a atenção. Querer perseguir um fim que é inacessível e irrealizável é lançar-se em um perpétuo estado de descontentamento, que nos deixa propensos à Síndrome de Burnout e a tantas coisas e a tantas outras patologias. Também devemos estar atentos para algo que podemos chamar de “suicídio disfarçado”, como o abuso de álcool, direção irresponsável, pornografia, abuso de medicamentos sem acompanhamento médico e tantos outros. Sabemos que isso não acaba bem.

Enfim, precisamos nos amar, entender-nos, aceitar-nos para sermos homens consagrados ao amor a Deus e ao próximo.

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