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Lugar para as ideias

Eva Martins Professora de Educação Física

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Evadventures em África

Olá!

Aqui estou eu, “EvAdventures”, para mais um relato de uma grande aventura - a conquista do teto de África, o Kilimanjaro (5895m), numa alucinante Ascensão! Natural de Vila das Aves, professora de Educação Física na Escola Básica Frei João de Vila do Conde, não escondo o espírito de aventura, de abertura à viagem, à descoberta, à imersão em experiências que formam e nos tornam mais ricos física e espiritualmente. Nas minhas andanças já trilhei caminhos em diferentes continentes e diferentes países: Europa, Ásia (Índia), África (Marrocos, África do Sul, Namíbia, Botswana Tanzânia) América do Norte, América do Sul (Perú, Chile, Venezuela, Brasil), Islândia,…não importa a quantidade nem a distância! Poder partilhar as minhas experiências inspiradoras é para mim um prazer estampado no rosto. O relato pessoal e caloroso de "EvAdventures" está de volta! Com mais um projeto, mais um sonho concretizado... Sob o mote: "Em cada viagem, uma aprendizagem", depois de longos anos ter fascinado a atenção daqueles que me seguem nas redes sociais, no dia-a-dia social, a nível profissional e entre família e amigos, para seguir os meandros das muitas viagens pelo mundo que como professora e viajante já realizei, estive novamente numa aventura! Vou -vos falar da fascinante viagem ao cume de África –KILIMANJARO. Uma montanha fascinante, de paisagens lunares tão inóspitas quanto belas, de vulcões. É a maior montanha da África e um dos maiores desníveis do mundo! Localizado no norte da Tanzânia, junto à fronteira com o Quénia, com uma altura de 5.895m. O Kilimanjaro é protegido por um parque designado Parque Nacional do Kilimanjaro, classificado pela UNESCO como Património da Humanidade. Famoso mundialmente, este vulcão emerge no meio da Savana africana e apesar do enorme desnível topográfico ele não representa um grande desafio técnico. Seu cume é alcançado por uma longa caminhada e não é preciso usar as mãos para escalar. Por isso, o Kilimanjaro é considerado a montanha mais fácil dos sete cumes mundiais, é todo um projeto ambicioso de montanhismo. A verdade é que o Kilimanjaro pode ser escalado por quase todas as pessoas. No entanto, a montanha também é a mais subestimada do mundo levando quase 50% das pessoas a desistirem a meio do caminho. Para subir até ao topo do Kilimanjaro é necessário estar fisicamente e mentalmente preparado. É também preciso ter muita determinação e força de vontade para superar este desafio. Queria pôrme à prova… de alguma forma queria provar a mim mesma ser forte o suficiente para fazê-lo! Pretendi com a aventura, conhecer e dar a conhecer mais do que o trilho e as suas lindas paisagens, vivenciar as comunidades

locais, a cultura e o povo que habita aquela região, fazer chegar a todos o maravilhoso estado de espírito que as montanhas nos oferecem. Foi num dia de verão de 2021, que pensei seriamente nesta aventura não hesitei em comprar minha viagem de avião para o aeroporto de Dar Es Salaam, situado na Tanzânia, território africano. Sem medo parti! Sem qualquer itinerário e tour comprado, fui

na aventura! Sabia das dificuldades que me esperavam; dos quilómetros a pé, do peso da mochila, das possíveis chuvas, do frio, da inexistência dos banhos, da altitude, do ar rarefeito, doença da montanha, etc… Apesar disso não desisti e avancei. Aterrar em terras africanas já me era familiar. Desta vez pisava o encantador país da Tanzânia. Pus-me a caminho no “train” (Fig.1 em cima), em direção a Moshi (cidade bem lá

no nordeste da Tanzânia, município e capital da região de Kilimanjaro). Em Moshi, após vários contactos arteiros, astuciosos, brincalhões, espertalhões, manhosos (digase que este povo tem fome de negócio turístico, com intuito de ganhar algum dinheiro! quem não o tem?! …), tentei encontrar a rota mais barata (nenhuma Rota ao Kilimajaro fica por menos de 1500€!).

A Rota “Marangu” foi a minha escolha por ser a mais acessível, turística e barata, a mais popular conhecida como a Rota da “Coca-Cola”, devido à sua singularidade é a mais antiga e preferível, é uma das sete rotas possíveis e existentes para subir o “Kili”! Após a minha decisão relativa à empresa, reuni com o meu guia e meu carregador (chamados de Posters) de equipamento necessário (mochilas, tendas, botas, casacos, lanternas, água,

alimentação, oxigénio, etc…). Foi a minha “equipa” nesta Ascensão ao Kilimanjaro, o trio: EvAdventures; o guia, Silvery e o carregador,James… No dia seguinte numa viagem aproximadamente de duas horas de carro, passando pela Vila de Marangu, fui levada à entrada do Parque para fazermos a entrega da documentação exigida pelas autoridades do Parque Natural do Kilimanjaro, e daí fomos até à porta da entrada de “Marangu Gate” (Fig.2.a, 2.b). Aqui começava! Comecei a subir pela floresta tropical num excitação difícil de explicar. Os guias dizem constantemente “pole pole” que significa “devagar, devagar”. Necessitava de sete dias no mínimo para aclimatização e encontro com o Kilimanjaro! Todo o trajeto

permitiu desfrutar das paisagens

Fig.1. Viagem de train- Dar Es Salaam – Moshi (Tanzânia)

Fig.2.a-Marangu Gate-a 1879m

Fig.2 b- Porta de Entrada da Rota Marangu. a 1879m.

únicas com uma caminhada inesquecível! Este é o maior segredo para subir o Kilimanjaro, temos que andar muito lentamente, beber 3L de água por dia, comer tanto quanto conseguir e descansar durante a noite. A floresta é mágica, repleta de névoa e gotas de água cristalina nas barbas do musgo que aqui me parecia mais verde que em qualquer outro lugar. É também aqui onde a maioria dos animais se encontram (os animais não são perigosos). Ao longo dos primeiros oito quilômetros percorridos, tive a oportunidade de ver os macacos colobus e de atravessar floresta de eucalipto. A meio do trajeto, fizemos uma pausa para almoçar e recarregar as energias antes de continuar o nosso caminho até o acampamento Mandara Huts, onde ía jantar e passar a noite, nessa paragem tomamos um chá quente, umas bolachas... Lá vamos nós sempre a subir...pole pole (devagar devagar). À medida que ia subindo a montanha passava por diferentes ecossistemas. As encostas mais baixas da montanha eram zona de floresta densa. Em altitudes mais elevadas (3000 metros) encontrava um cinturão de floresta tropical. Este cinturão é substituído por sua vez, por um deserto alpino que nos lembra a

paisagem lunar (4400 metros). Nas extremas altitudes encontrava uma zona de gelo e neve permanente. A floresta é incrível, tive que parar um milhão de vezes para tirar fotos e filmar as enormes árvores (com formas muito estranhas) que circundavam o caminho de terra batida e lama feita pelos montanhistas ao longo de décadas. Após algumas horas de caminhada (a última hora é dolorosa) chegava finalmente ao Mandara Hut onde ia passar a minha primeira noite. O Mandara Hut é um grupo de cabanas de madeira construído numa clareira no meio da floresta. Cada cabana tem 6-8 beliches para dormir com iluminação gerada pelo sol. A água é canalizada para o acampamento vinda das nascentes da montanha e há casas de banho por trás da cabana principal. O jantar foi preparado pelos meus cozinheiros (guia e carregador) e servido numa cabana de refeições comum a todo o acampamento. A comida não me satisfazia, sou um pouco esquisita com a alimentação fora do nosso país! Mas eles esforçaram-se, ao servir, uma sopa, umas salsichas com ovos mexidos, amendoins, pão, leite e água fervida, porém, o que me sabia sempre melhor era a fruta!

Como durante todos os dias da viagem, depois do jantar, o guia (Silvery) questionava-me sobre o meu estado físico e psicológico. Um processo que se repetia todas as manhãs e noites para avaliar como está o meu corpo a reagir à altitude. As cabanas são o que são… não esperava qualquer luxo quando se está em áreas tão remotas. São pequenas, frias, com colchões sujos por onde já passaram 20.000 alpinistas e que nunca foram limpos ou trocados… restava enfiar-me no meu saco cama e dormir. Quanto às Casas de banho…estava preparada, o xixi era de pé, e nem pensar em banho, apenas passar o corpo com uma toalhinha! Em todas as noites desta aventura tive problemas para dormir, sentia de alguma forma a falta de oxigénio, mas estava tão cansada que me deixava adormecer, embora num sono muito irregular! Ao cair a noite, antes de dormir, tirava sempre meu momento para escrever…à luz da minha lanterna. Nos dias seguintes, acordava muito cedo, tomava o pequeno-almoço e preparava minhas coisas. Na rotina do despertar, o meu guia visitavame com uma bacia de água para me lavar. Sentia-me ótima, não me doía as pernas, não tinha problemas de respiração…

Estava realmente preparada para mais um dia… muito animada! Feliz! Saímos de Mandara Hut eu, Silvery (meu guia) e james (carregador) caminhamos aproximadamente por um pequeno caminho de floresta. Contornamos a base da cratera Maundi e entramos no ecossistema “moorland” que se define por ter bastante relva tipo savana. Contemplava e maravilhava-me com tais paisagens! Alguns instantes para tirar as minhas fotos!…Aqui pude ver algumas das plantas mais espetaculares do Kilimanjaro – a gigante lobelia endêmica que cresce até 3m de altura e o groundsel gigante (Senecia Kilimanjari), que pode alcançar alturas de 5m! Paramos para um almoço sentados nas rochas cercada pela imensidão da natureza. Após cerca de 6 horas de caminhada, chego finalmente à vila Horombo. Eu só queria era sentar-me ou deitar-me num Aiiii de cansaço, mas de satisfação!!! Não me cativava pensar em jantar, porque sabia que por mais esforços que faziam a preparar a comida, não me satisfazia, chegava ao ponto de engolir a comida sem saborear, para não me sentir fraca! dizem que com a altitude perdemos o apetite e que devemos contrariar isso…. Antes do jantar tive a habitual bacia de água quente para lavar

os pés (sim não se toma banho durante 7,8 dias, lava-se os pezinhos, passa-se um dodot ao final do dia e ao despertar! E estamos com sorte. Depois do jantar, ficava ali no convívio com os outros montanhistas aventureiros, partilhando histórias e aventuras vindas de todo o mundo! Aqui encontrei muitos viajantes que estavam a subir mas também aqueles que estavam a descer… há uma atmosfera de aventura e emoção. Era um ótimo lugar para falar com aqueles que chegavam ao topo, fazer algumas perguntas, pedir dicas… Claro que também falei com pessoas que não conseguiram, que passaram mal… melhor seria nem sequer ouvi-los para não ficar ansiosa.

Ao vislumbrar pela primeira vez lá longe o Kilimanjaro, senti uma enorme emoção, uma sensação indiscritível de alegria, ao ponto de caírem as lágrimas!

Sabia que estava ainda longe de o alcançar, faltavam ainda uns dias de caminhada, a motivação e excitação apoderou-se de mim aquando da Visão do “KILI”! Uma das mais belas visões da minha vida! O Kilimanjaro (Fig3). Para escalar a montanha de grande altitude precisava de estar focada, precisava de acreditar em mim. Era importante estar fisicamente em forma, mas igualmente

importante estar bem com a mente! Estar mentalmente preparada para sofrer e subir aquela imensidão! Tu

consegues! (sou eu a falar para mim!). Nos dias seguintes continuava a minha subida até ao deserto Alpino passando pela última nascente de água (4130m). A viagem calma, a inclinação da montanha aqui não era muito grande, apesar disso as pernas fraquejavam e a falta de oxigénio começava a fazer com que custasse cada vez mais mover o corpo. Sentia o cheiro do “Kili”, bem mais perto…etapa difícil! Muito vento, alguma dificuldade respiratória e um caminhar a passo de caracol! Pole Pole! Comecei a sentir a necessidade de algumas paragens para beber

Fig.3 Kilimanjaro- Deserto Alpinoaqui estava a 4720m.

água, umas barritas energéticas, sentia-me tão fraca e a desfalecer, nesta fase pedi ao meu carregador (que já tinha chegado ao camp Kibo Hut4720mantes de mim) para voltar para trás e trazer-me um chá e uma sopa quente para ganhar

forças e continuar meu caminho até atingir o novo patamarCamp Kibo Hut 4720 metros. Uns montanhistas que se cruzavam comigo, já estavam a desistir, lembro que ofereci minhas barras energéticas e cubos de marmelada para aumentar a sua energia…como ficaram para trás, não sei se continuaram (Fig.4)! O meu objetivo estava apenas a 1195m acima de mim. Conseguia ver ao longe a neve na cúpula, conseguia ter ideia do que faltava para subir. O “Pole Pole” (devagar, devagar) começava a fazer jus ainda mais fortemente! Estava nervosa…sentia perfeitamente o ar rarefeito da altitude! Uma sensação única! Vivia algo duro fisicamente, exigente, uma etapa muito íngreme com bastantes rochas exigindo um grande esforço físico e mental. Começava a ser

assustador, sem dúvida partes exigentes de todo o percurso. É aqui também que entro em modo automático… Não conseguia pensar ou sentir qualquer dor ou frio… Apenas caminhava e caminhava… o meu coração batia, não sei se rápido ou lento, comecei a ficar preocupada! Falei de imediato com o guia que me ia ajudando com comida e água. Num páraarranca (Fig.5) …com vistas do sol a querer furar as nuvens, a vislumbrar glaciares, vistas deslumbrantes! Por cima das nuvens! Minha cabeça parecei ir estourar! Finalmente, chegada ao Gillmans Point, para mim, chegar aqui foi

como se a missão tivesse sido cumprida… Sabia que a pior parte já tinha passado, comecei a sentir-me mal, uma pressão muito forte na cabeça! Um simples passo parecia o mesmo que “correr uma maratona”… muito pouco oxigénio lá em cima por isso qualquer movimento é muito mais difícil. No topo do deserto Alpino encontramos o Kibo Hut 4720 metros (Fig.6), uma espécie de casernas com beliches para 60 alpinistas. Havia casas de banho na plataforma atrás das cabanas, o cheiro era insuportável, os buraquinhos no chão davam diretamente para um poço com tudo o que possam imaginar (dos últimos anos), lol uma verdadeira aventura! Vi um montanhista deitado numa daquelas macas de rodas que transportam os alpinistas doentes! (se não mortos!) com todo Staff à volta, num ambiente silencioso e comprometedor!

Fig. 4 Zona alpina, onde ofereci minhas barritas energéticas a uns montanhistas. a 4720m. Fig. 5 Mais perto do “KIli”, num pára-arranca!

Fig.6 Chegada a Kibo Hut- Camp a 4720m.

Acabaram por descer com ele pelo monte abaixo, num tom tenso e triste.! Fiquei ainda mais nervosa! Nestas alturas só nos lembramos das desgraças e é um esforço enorme que temos de fazer para superar o medo. Mas o caminho era para a frente!! Cruzei com inúmeros viajantes vindos das diferentes rotas, a atmosfera era maravilhosa, todos com ar cansado mas bem-dispostos! Nos últimos metros apercebi-me que tinha conseguido, foi quase como um descer à terra ainda que já tenha estado em outras montanhas igualmente altas, esta era especial! Estava no ponto mais alto da África. (Fig.7). Total histerismo e satisfação – mas com uma dor de cabeça fortíssima, uma pressão enorme que me fez descer imediatamente…pedi ao

meu guia para descermos imediatamente! Comecei a chorar como um bebé, não sei exatamente porquê… Talvez pelo alívio de tudo ter corrido bem… Talvez porque no fundo sempre acreditei que iria conseguir, talvez porque a paisagem era de “outro mundo” – Senti-me tão forte, tão feliz, ao mesmo tempo que queria gritar e rir de satisfação, não conseguia parar de chorar…mas

a forte dor de cabeça persistia, só acalmou após alguns metros de descida! As condições meteorológicas lá em cima determinam quanto tempo podes lá ficar. Normalmente, podes ficar 15 minutos… infelizmente a dor de cabeça não permitiu contemplar por muito mais tempo a estonteante visão quase a tocar o céu! Foi uma ascensão simplesmente extraordinária, proporcionando magnificas vistas sobre as montanhas, vales, florestas, rios

e glaciares. A ascensão final é uma experiência única de esforço, cansaço, satisfação e alegria (polê, polê,), sendo tudo isto rapidamente assimilado dentro de nós ao atingir o cume e o vislumbrar de um magnífico nascer ou Pôr do sol a 5.895 mts.

Senti a conquista deste meu sonho de Mulher, Professora, Atleta, Amante da Montanha, a elevar ainda mais o

meu histórico de conquistas de aventura.

Fig.7 Pôr do Sol por cima das nuvens no Topo do Kilimanjaro

Eva Martins EvAdventures

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