Editorial – Eia! Chegamos em 2023 e nosso fanzininho, nascido em 2021 e cuja periodicidade é a mais irregular concebível, ganha sua sexta edição. Desta feita, trazemos dois contos curtos, em ritmo de fábula, e a prata da casa, os já tradicionais poemas e frases de nossa autoria. Leia muitos outros de meus textos e livros aqui: www.linktr.ee/sreachers
PÊSSEGO
Lantejoula
Amenina,aindaemseusquatorzeanos, anotavaonomedosquenãoanotavam. Nemeraninguém,mocinhaainda, ejáteciagaláxiasemseucoraçãodefiandeira.
Tuapenugem,teuessetaldescalabro Dedeitarurticárianassanhas Teuspelosfriccionando-secontra Ospapilosdaslínguas...
Ah!Mamilorubicundo,conaaurirrubra, Sonhofibrosoencapando Umcoraçãooucerebelodeferro
Langorumidificado Queprestoescorre,raiodesumo Aover-secontrito,entredentes Realizado
Oasisdeolor,frutadecheiro Deapaixonarummundointeiro
Samizdat
POESIA – CONTO – LITERATURAGENS
Descalços
Andamos nossos passos nazarenos
Numa comissão feita de restaurações
De encontro ao abraço que do alto sol nos aquece com seu banho morno
Somos luas nômades, vinte séculos
De cisma e audácia bordados: Ágapes em busca de âmagos, almas
Arautos de uma missão sem centros
Nossa força nem é fé, nem esperança
Apenas, mas estarmos sempre confortáveis
No desconforto: rosas e lótus e girassóis
De amor sempre indiviso, sempre irisado.
O livro é uma ferramenta a um tempo prática e mítica: Ponte para os mundos possíveis, portal para os impossíveis.
Não importa o tema ou o gênero, número de páginas e sequer o autor: um bom livro será sempre aquele que arrancar você do chão, aquele que fundar um dia especial dentro dos dias.
Paz para praticar meu perenal ofício
Visto este andrajo de leão lá fora
Simulo humores em que ajo e interajo
E suores realizo, rito no qual contas quito.
Chegar em casa é meu fulcral laurel.
Revolucionário, mestre, pregador, menestrel?
Sou o que disso vai no interstício.
Sarau, academia, sodalício? Solitude almejo.
Cego, só por livros vejo: sou tatu cavoucando
Paz para praticar meu perenal ofício.
#06 – 2023
Sammis Reachers
da razão
Corria o ano de 451 depois de Cristo. Nas bordas de uma pequena floresta às margens de Milão, um asno e um texugo esbarraram-se, ambos em fuga da cidade, incendiada por Átila em sua fúria bestial.
Libertos do cativeiro pelos irmãos caos e chama, corriam por suas vidas tênues carregados de sentimentos entre suas penugens chamuscadas. Um deles trazia por bagagem extra um pequeno e tilintante alforge que, de passagem, furtara a um corpo humano justiçado pelos irmãos siameses. Temeroso da repentina solidão e do silêncio da floresta, terror medievo, e vendo que seu companheiro de ocasião já imbicava por uma trilha da mata, o que portava o pequeno alforje feito da pele de um seu semelhante propôs ao outro:
– Venha comigo, companheiro! Vamos por este outro caminho, ele dará numa pequena cidadela.
O segundo animal hesitou por um momento, volvendo um olhar de terno espanto para aqueloutro trânsfuga.
– Posso lhe dar todo esse dinheiro – antecipou-se o primeiro, chacoalhando as moedas do bornal.
– Dinheiro? O que faz cativos os homens?
– Cativos?? É ele quem lhes compra a alforria! E lhes descerra a janela dos sonhos.
– Com ele poderei comprar sonhos?
– Comprar? Não; com ele você poderá realizar cada um deles.
– Mas realizar um sonho é como matá-lo.
– ???... Ora!!! Nunca ouvi tão grande insanidade! Que dizes, néscio?!!
– Digo que passaste tempo demais com humanos – arguiu a besta, antes de mergulhar no silêncio verdejante.
RIO BONITO
A vida, inclemente, flui compromissada E calma, o poeta e o demônio em seu bojo.
Num repente, numa das curvas do pequeno centro Um casarão antigo, um quintal fundeado:
Era a Melancolia me roubando um beijo.
Sísifo e Afrodite
Na fábula, dez anos após Zeus ter punido Sísifo com a missão de rolar eternamente a enorme rocha montanha acima, apenas para vê-la despencar do alto e ter que recomeçar a movê-la, Afrodite, entre curiosa e apaixonada (e não é a paixão uma curiosidade exacerbada e mórbida?) disfarçou-se de humana e, escondida de seu pai Zeus, veio ter com o herói ou derrotado ladrão dos falsos deuses.
– Homem de grande força, gostaria de ter alguém para lhe acariciar nesta noite, revigorando sua masculinidade enquanto você rola esta enorme pedra? – perguntou, lânguida, a deusa vestida em tênues trajes.
– ... Não, minha bela jovem. Posso empurrar esta pedra por toda a eternidade, se assim for necessário. Mas confesso que gostaria de ter alguém, alguém que permanecesse para além de uma noite, e se assentasse sob aquele pé de zimbro e dissesse, de quando em vez, com um sorriso terno: "Você está indo bem, e eu estou aqui contigo. Continue."
Conta Homero ou Plutarco ou Borges ou mesmo Bolaño (pois a lenda perdeuse como a memória dos deuses quedos), que a deusa dúbia, sonsa e fulminante, incapaz de constância, ou de oferecer TÃO POUCO, transmutouse à sua forma célica e, contrafeita e incendiada, tornou ao Olimpo, o Olimpo dos frios vencedores.
SORORIDADE
Roubou coragem
Do livro santo, Da mocinha da novela
Fugiu daquela casa, Daquele cara Sem mala sem mochila
Só uma sacola de Supermercado
Cheia de segundas
Chances
O livro é um barco que te ensina a nadar.