4 minute read

ICMS NA TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIAS

PorGustavoSilva,AdalbertoBragaeHeloisadeAraujoLopes,especialistasdaLBZAdvocacia

Advertisement

Muito se tem discutido sobre o julgamento dos Embargos de Declaração opostos na Ação Direta de Constitucionalidade - ADC 49 pelo Supremo Tribunal Federal.

Como já é de conhecimento, a Lei Kandir que dispõe sobre o ICMS (Lei Complementar nº 87/1996), já na sua redação original, previu a ocorrência do fato gerador do ICMS mesmo na circunstância de meras transferências entre estabelecimentos da mesma Pessoa Jurídica, porém, tal prática, foi declarada inconstitucional em 19/04/2021.

Em termos práticos, em razão do regime da não cumulatividade, o contribuinte pode se apropriar de crédito correspondente ao valor do ICMS pago quando da compra de determinada mercadoria. Assim, quando da transferência de mercadorias para uma filial em outro estado, o contribuinte pode utilizar esse crédito para pagar o ICMS incidente nessa operação e, em função da existência dessa nova tributação, ganha um novo crédito que pode ser utilizado para pagamento do tributo quando a filial vendia o produto já no outro estado para o consumidor final.

Em que pese o entendimento do STF representar uma incontestável vitória dos contribuintes, o resultado do julgamento gerou preocupação, surgindo alguns pontos de atenção e possíveis impactos aos contribuintes: i) em relação às futuras transferências entre estabelecimentos da mesma PJ, o risco de os Estados exigirem o imediato estorno dos créditos de ICMS; ii) em relação às transferências ocorridas no passado, o risco de as autoridades fiscais glosarem os créditos escriturados e aproveitados nos 5 (cinco) anos anteriores ao julgamento da ADC 49, o que possivelmente motivaria a lavratura de autuações fiscais para a exigência de eventual ICMS devido; iii) a respeito da manutenção dos créditos de ICMS venha por meio de alterações legislativas, como, por exemplo, eventuais ajustes nos próprios dispositivos da Lei Kandir que foram declarados inconstitucionais pelo STF, e por consequência, nas legislações estaduais.

Contra essa decisão do STF, o Estado do Rio Grande do Norte apresentou, no dia 13/05/2021, Embargos de Declaração, pleiteando a modulação temporal da decisão, a fim de que produzisse efeitos a partir do exercício financeiro subsequente à conclusão do julgamento, o que, na prática, resguardaria os interesses dos Estados e do DF quanto aos fatos geradores do corrente ano e de anos passados, ao menos em relação aos contribuintes que não ajuizaram ação judicial sobre o tema.

Adicionalmente, o Estado de RN abordou um segundo ponto que objetivou justamente que o STF esclarecesse expressamente sobre a necessidade de cumprimento de obrigações acessórias de forma unificada ou trazer conclusões sobre a controvérsia relativa ao aproveitamento de créditos de ICMS.

O julgamento dos Embargos de Declaração havia sido iniciado em setembro de 2021 e após ter sido suspenso outras 3 vezes, o Ministro Alexandre de Moraes pediu vista, suspendendo mais uma vez a decisão definitiva dos Embargos de Declaração.

Espaço Livre

Julgamento ADC 49 e a tal da modulação de seus efeitos

O STF retomou o julgamento no último dia 31/03/2023 e no dia 19/04/2023 encerrou a discussão da seguinte maneira:

Relator Ministro Edson Fachin:

Votou pela modulação para que a decisão do Supremo tenha vigência a partir de 2023, ressalvando os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito.

Em relação aos créditos, Fachin defendeu que, exaurido o prazo da modulação sem que os estados disciplinem a matéria, fica reconhecida a possibilidade de transferência. O Relator foi seguido pelos ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e a Presidente do STF, Rosa Weber.

Ministro Dias Toffoli (divergiu do Relator):

Toffoli entendeu que, por tratar de regime de compensação de imposto, a regulamentação sobre a transferência dos créditos deve ser feita por meio de lei complementar. O magistrado, que foi seguido por Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Nunes Marques e André Mendonça, estabeleceu prazo de 18 meses a partir da data de publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração para que o Congresso edite norma sobre o tema. A partir desta data também estaria vigente a decisão do STF que afastou a incidência do ICMS, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data da publicação da ata do julgamento do mérito.

No placar final, seis ministros consideram que a modulação deve se dar a partir de 1º de janeiro de 2024 e cinco consideram que os efeitos do julgamento devem ocorrer 18 meses após a publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração.

Considerando que a proposta de modulação vencedora foi a do Relator Ministro Edson Fachin, a decisão do STF produzirá efeitos em 2024 e os Estados poderão disciplinar a transferência de créditos. Porém, exaurido esse prazo sem que haja disciplina sobre a sistemática de transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito de os contribuintes transferirem os seus créditos.

Em primeira análise, a decisão final respeita os princípios da segurança jurídica e interesse social, evitando, por exemplo, o acúmulo de crédito para aquela unidade que adquire a mercadoria do fornecedor, e consequentemente, não conseguirá enviar ao centro de distribuição, que poderia utilizá-lo para abater o ICMS incidente na operação subsequente.

Apesar de prever uma modulação menor, o voto de Fachin é considerado em alguma proporção positivo aos contribuintes em relação ao voto do ministro Dias Toffoli. Isso porque, pela dinâmica proposta pelo ministro Toffoli, ficaria autorizada a transferência de crédito mediante lei complementar disciplinando o tema, no prazo de 18 meses, contados da data de publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração. Ou seja, a existência de lei condicionaria ao gozo do benefício. Além disso, Toffoli deixava nas mãos do Congresso a regulamentação da transferência de créditos, prevendo apenas que, caso o Legislativo não tratasse do tema, o contribuinte procurasse o Judiciário, o que poderia reinaugurar uma nova discussão.

Pelo resultado definitivo do julgamento, a dinâmica de créditos continua sem depender de aval legislativo, mas dependente de regulamentação pelo consenso dos Estados.

Quanto ao início de efeitos, começarão em 2024:

• a cobrança do imposto nas operações interestaduais é tida por inconstitucional do ano que segue;

• ficam ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data da publicação da ata de julgamento da decisão de mérito da ADC 49 (29/04/21), em que a aplicação é imediata. Ou seja, nesses casos, os contribuintes terão decisão favorável, não deverão mais pagar o ICMS e/ou terão o direito de repetir os valores pagos.

• até 2024 (ou até a regulamentação dos Estados) a sistemática atual segue vigente – cobrança do ICMS segue possível e transferência de créditos também, de forma ampla.

Uma vez encerrado o capítulo sobre o julgamento e modulação, todas as atenções se voltarão para a etapa, espera-se, final da história, que é a regulamentação dos Estados via CONFAZ, já que de lá virão todas as possíveis restrições operacionais e condições dela decorrentes.

This article is from: