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Tropicalismo

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Introdução

Introdução

Tropicalismo

Analisando a música Tropicália, que Caetano Veloso apresenta em 1967, é possível interpretá-la como sendo a imagem que o Brasil gostaria de passar de si mesmo: tropical, plena e suave, mesmo que a realidade fosse a da ditadura militar. Aqui a intenção parece ser a de misturar elementos e traços regionais com a cultura popular, incorporando o refinamento artístico e cultural, representado pela Bossa Nova, à realidade, muitas vezes precária, representada pela palhoça - espécie de abrigo construído com vegetais - removendo qualquer hierarquia que poderia haver entre as duas e criando uma espécie de colagem de vários elementos fragmentados, uma salada de frutas que une o passado e o presente.

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Cabe aqui ressaltar que não se trata de normalizar e romantizar o precário, mas assumi-lo como parte da realidade - a palhoça, não como um elemento exótico, mas como parte do cotidiano; chamativo porém frágil, desmaterializando a dimensão construída.

Planta da casa Elza Berquó - Vilanova Artigas O autor transparece que não é possível extrair uma imagem harmônica, única e consensual sobre o que é o Brasil, trazendo uma infinidade de fatos que chocam-se entre si, tensionandose e contradizendo-se o tempo todo. Aqui é possível fazer um paralelo, guardadas suas devidas particularidades, com os dizeres de Venturi, de que em vez de “esconder as contradições, expô-las e extrair delas novos significados”. O tropicalismo parece ser um fruto tardio do que teria sido originado a partir do movimento antropofágico dos anos 1920, em que a intenção era a criação de um estilo essencialmente brasileiro a partir de diferentes culturas, sem negar ou esconder as contradições, mas sim incorporá-las ao todo.

Como palco disso tudo, Brasília havia se colocado como a aposta do futuro, da capital da esperança, trazendo anseios pela superação de atrasos seculares, mas que trouxe uma enxurrada de contradições, sociais, urbanas e, mais recentemente, políticas, já que era o centro do poder ditatorial instaurado no Brasil a partir de 1964. Ironicamente, o que se percebe, porém, é que mesmo com o enfraquecimento político das esquerdas, a repressão não atingiu tão fortemente a produção cultural, pelo menos até 1968, quando o regime é endurecido ainda mais, constatado por Schwarz (1978) que há “relativa hegemonia cultural por parte da esquerda no país”.

Essa cultura, porém, era produzida e consumida por uma mesma parcela da população, confinando-a dentro de um mesmo estrato social, à estudantes e uma elite burguesa, deixando as massas de fora.

Schwarz denuncia a falta de contato com a realidade no Brasil e no mundo por parte da burguesia, do fortalecimento da figura da família, da religião, do obscurantismo e da repressão por parte do Estado, o que torna seu texto atemporal ao observarmos que o Brasil já era tomado pela figura de uma elite retrógrada composta por proprietários rurais aliados ao setor de importações e exportações.

Schwarz critica ainda a atuação dos arquitetos do período desenvolvimentista, dizendo que, além de deixar a questão da habitação de lado, “iriam torturar o espaço, sobrecarregar de intenções e experimentos as casinhas que os amigos recém-casadas, com algum dinheiro, às vezes lhes encomendaram”:

O processo cultural, que vinha extravasando as fronteiras de classe e o critério mercantil, foi represado em 64. As soluções formais, frustrado o contato com os explorados, para o qual se orientavam, foram usadas em situação e para um público a que não se destinavam, mudando de sentido. De revolucionárias passaram a símbolo vendável da revolução (SCHWARZ, 1978, p. 79)

No mesmo período, frutos desse desenvolvimentismo exacerbado da época, começam a ocorrer mudanças drásticas em diversas dimensões, a começar no interior do país, com a construção da Transamazônica e da Usina de Itaipu, rasgando as paisagens naturais a norte e a sul do Brasil; na arquitetura, que se expressava de maneira silenciosa a partir de uma dureza e um rigor austero, materializados em elementos estruturais mais evidentes, de modo a acentuar tensões; e por fim no urbanismo, em um momento em que o coração da cidade vai se tornando o anti-coração: o centro cívico torna-se um centro administrativo, marcado pela soberania do carro e por edifícios ensimesmados, que além de não conversarem com seu entorno, afirmam um distanciamento em relação à cidade, evidenciando uma cisão entre a arquitetura e o urbanismo, ideia completamente absurda dentro da perspectiva do movimento moderno.

Edifício Sede do Banco Central

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