Revista USO #3

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O meu nome quer dizer verdade Texto por Zênite Astra Ilustração por Noelodram A

o banheirão só era divertido mesmo quando eu encontrava a vera.

eu lá no chuveiro e ela entrava, me via e abria o sorrisão. abria o chuveiro do meu lado e sussurrava “travesti disfarçada!” e a gente cascava o bico. ela tinha acabado de começar com os hormônios e os peitinhos já despontavam em mamilos otimistas no peito agora pelado. a gente se atualizava, batia um papo animado no que era em outros momentos um reino de silêncio. nos chuveiros a palavra é coisa proibida. o som do vapor quente é a única música que toca nesse domínio de olhares furtivos. se um extraterrestre espiasse o que se passa entre aqueles azulejos, chegaria à conclusão de que o homem é bicho que não fala. a vera iluminava aquela brancura com a risada que cortava qualquer regra. a navalha-língua da vera era outra. se vinha alguém, o papo era cotidiano. se a gente estivesse a sós, a gente jogava o jogo que tinha ido jogar ali. claro, sempre tinha espaço pra um carinho: a gente se ensaboava os ombros e as costas, fazia espuma uma nas espaldas da outra. todo mundo precisa de toque, e a gente silenciosamente sabia disso. uma hora a mão ia descendo e... o esquema era pra ser rápido, e logo a gente esporrava. quase sempre era noite, vestiário vazio, mas não dava pra dar bobeira. lavada a porra, a gente ria. gozar é isso né. a gente terminava o banho e ia vestir as roupas de menino, porque ninguém entra no vestiário masculino se não estiver disfarçada. partíamos pra fumar um cigarro sentadas nas escadas que davam pra pista de corrida. um dia vera virou pra mim e disse, o meu nome quer dizer verdade. não queria continuar nessa de ser homem por muito mais tempo: a mentira tem pernas curtas.

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