Revista Pontos de Vista Edição 104

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PONTOS DE VISTA PONTOS DE VISTA NO FEMININO

EM POUCO TEMPO ACABEI POR DESCOBRIR UMA NOVA PAIXÃO A IGUALDADE DE GÉNERO! O facto é que sempre estive ciente de que não há desenvolvimento, sem uma aposta plena no ODS 5. A igualdade de género é um fator de desenvolvimento e o mundo precisa de assumir esta luta como sendo uma prioridade. Sempre defendi que a igualdade de género não pode ser o parente pobre do sistema e revolta-me sempre que constato uma resistência e uma propositada surdez que fazem com que os acessos ao poder continuem nas mãos dos homens. Se metade da população do mundo é constituída por mulheres, as decisões sobre como será o futuro que impacta homens e mulheres, meninas e rapazes, não podem continuar a ser determinadas sobretudo por homens. Repare que no mundo, 66% das mulheres são a força do trabalho, 50% produzem os alimentos, 10% tem acesso a esse rendimento e apenas 1% é proprietária desse rendimento. Há fossos gritantes que urgem ser corrigidos. Adotei um lema desde o início da minha entrada no ICIEG. A Hora é agora. Foi com esse lema que lutei, enquanto presidente do ICIEG, para que o país tivesse a lei da paridade e para que a igualdade entre homens e mulheres merecesse a centralidade da agenda pública, a ponto de fazer do meu país uma das referências em África em matéria de igualdade de género. Esta luta move-me ainda mais quando analiso o impacto da COVID-19 nas desigualdades de género no mundo. É preciso não perder de vista que a pandemia é uma crise que afeta profundamente as mulheres e que aumentou dramaticamente as desigualdades de género no mundo, empurrando milhares delas para fora do mercado de trabalho, arriscando as suas independências económicas tão cruciais para conseguir afastá-las de círculos viciosos da violência, sobretudo no próprio lar que se revelou o lugar mais perigoso para viver para muitas delas. Então, trabalhar para fazer de Cabo Verde uma referência no continente Africano em matéria de Igualdade de Género foi uma ideia que me fascinou, sobretudo por ter a responsabilidade de promover políticas sociais transformadoras. Ficamos com a sensação de estar a ser úteis para as gerações vindouras que precisam de caminhos abertos, outros desafios e igualdade de acesso e de oportunidades. 27 anos depois, temos um Cabo Verde com uma instituição responsável pelo seguimento e implementação das políticas de igualdade de género que iça a bandeira da transversalização do género nos setores chave de desenvolvimento do país, nomeadamente a educação. A introdução da igualdade de género no ensino,

FOTO: DÉCIO BARROS

buir para mudar mentalidade, promover uma sociedade mais igualitária e com justiça social sem deixar ninguém para trás, acabaram por ser uma luta que abracei com vigor.

“27 ANOS DEPOIS, TEMOS UM CABO VERDE COM UMA INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL PELO SEGUIMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS DE IGUALDADE DE GÉNERO QUE IÇA A BANDEIRA DA TRANSVERSALIZAÇÃO DO GÉNERO NOS SETORES CHAVE DE DESENVOLVIMENTO DO PAÍS, NOMEADAMENTE A EDUCAÇÃO” na formação profissional, a orçamentação sensível ao género, assim como a desnaturalização da violência baseada no género, a classificação da VBG como crime de prevenção prioritária, a introdução da lei de VBG no Código Penal, a aprovação e implementação, com sucesso, da lei da paridade, são os ganhos mais visíveis registados nos últimos cinco anos. O Estado de Cabo Verde assumiu o compromisso de ser uma Nação promotora da igualdade de género e, em abril de 2020, foi eleito pelas Nações Unidas um dos quatro países campeões em igualdade de género no continente africano no combate a pandemia da COVID-19. Tenho o privilégio de estar na liderança de uma instituição que ratifica todos os compromissos internacionais em matéria de género, de deixar a minha assinatura enquanto Presidente do ICIEG na adesão de Cabo Verde à plataforma Equal Rigth Coalition (ERC) para direitos LGBTI, tornando-nos no primeiro país em África a subscrever a plataforma. Na verdade, o arquipélago apresenta marcos legais nesta matéria dignos de registo. A Constituição da República de Cabo Verde e o quadro legislativo são favoráveis à igualdade entre homens e mulheres. Verifica-se igualmente a integração consistente da abordagem de género, em vários diplomas nacionais, bem como a adoção de regulamentações específicas para eliminar normas discriminatórias e o recurso a medidas especiais temporárias para acelerar a igualdade entre mulheres e homens. A revisão de instrumentos legais para suprimir barreiras no sentido da promoção e proteção de seus direitos são notórias, nomeadamente a que estabelece as medidas de apoio social e

escolar para garantir a permanência de alunas grávidas, mães e respetivos pais, no sistema educativo. Cabo Verde que em África é o país com maior taxa de meninas no ensino e nas universidades, acabou por corrigir assim uma grande discriminação ao permitir que alunas grávidas permanecessem nos estabelecimentos de ensino. Com o objetivo de conhecer os desafios que elas enfrentam, fizemos um estudo diagnóstico intitulado “Ela estuda por dois”, que foi financiado pela Fundação “Mujeres por Africa”. Este estudo traçou algumas recomendações essenciais e que foram já partilhadas com o Ministério da Educação para o seguimento e a implementação. A ideia é acompanhar as alunas grávidas nas escolas, ao mesmo tempo que estamos na luta para travar a gravidez na adolescência. Estamos de olhos postos no impacto da Covid-19 nas desigualdades de género e o que não podemos aceitar são retrocessos. Cabo Verde tem tido grandes ganhos a nível da saúde sexual e reprodutiva e por isso, não nos podemos dar ao luxo de andar para trás. Na verdade, o diploma assume uma abordagem holística no tratamento da gravidez, da maternidade e da responsabilidade paternal e reconhece a relevância da coresponsabilização de homens e mulheres com o trabalho reprodutivo ou do cuidado. As mudanças registam-se também na orgânica do Ministério de Educação, onde foi criado um departamento que promove os direitos humanos, a cidadania e a igualdade de género e que coordena e segue a implementação do Decreto nas escolas. Ao mesmo tempo, tenho apostado fortemente

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