Flaubert #11

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homenagem a carlos franzino flávio vm costa

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Com policiais militares, traficantes, gente correndo de um tiroteio num buraco do Nordeste de Amaralina, arranjavase uma bala perdida e o problema estaria resolvido; ou um branco imbecil de classe média a dirigir bêbado pela orla; quem sabe um garoto de programa forte e humilhado, acossado pelo nojo de si mesmo, com uma faca de serra nas mãos em um hotel encardido no Dois de Julho; talvez um corno ultrajado, uma namorada ciumenta, uma briga entre vizinhos a ser apartada; seria bem alentador se o corpo de Carlos Franzino fosse colocado num dos cenários rotineiros da chamada “guerrilha urbana que arrasa Salvador nos últimos anos”. Abriríamos a boca para lamentar mais um homicídio de um jovem preto inocente (ou afrodescendente, se esta expressão te faz bem), para camuflar bocejos, por meio de expressões como apartheid social, limpeza étnica, escalada da violência, decadência soteropolitana; refugiar-nos-íamos na sabedoria do candomblé, estenderíamos as mãos na direção do pouco de catolicismo que nos resta, com ditos vagos sobre Deus; e vilipendiaríamos essa cidade caricata. Excelente seria vê-lo como mártir de uma conspiração de empresários e políticos para transformar de um pedaço de Mata Atlântica em um condomínio de apartamentos de cozinhas e quartos de empregadas estreitos, assolado por barbeiros nas imediações da Paralela. Reconfortante


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