Revista Estilo 36

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10 PRÊMIO GAÚCHO DE EXCELÊNCIA GRÁFICA ABIGRAF 2005 Ano 8 N 0 36 R$ 4,50

VIAGEM: ASPEN FERVE ABAIXO DE ZERO DESIGNERS GAÚCHOS: UM TIME DE PRIMEIRA

Delícia! 4 CHEFS GAÚCHOS E SUAS RECEITAS PREDILETAS



NOTA

DO

EDITOR

Gauchismos A gente roda o mundo inteiro, vai pra lá e pra cá, aprecia lugares, paisagens e pessoas do Ocidente e do Oriente, do Sul e do Norte. Viajar é uma delícia, conhecer culturas diferentes é fascinante. Quem não gosta de sair de casa e bater perna mundo afora? Aqui na Estilo Zaffari não é diferente. O tempo inteiro, estamos de olho no que acontece fora das nossas fronteiras, viajando ou mesmo registrando a distância as tantas maravilhas do Brasil e do mundo. Mas o engraçado é que o Rio Grande do Sul não sai do nosso coração e das nossas cabeças. Na verdade, quase todo gaúcho é assim, tem um amor meio incondicional pela sua terra. Por isso resolvemos fazer desta primeira edição de 2006 uma revista bem gaúcha. E ela ficou uma beleza... Pra começar, convidamos quatro chefs locais, gente que nasceu e trabalha aqui no Rio Grande, para mostrar a nossos leitores suas receitas prediletas. Os pratos são lindos e deliciosos, mas as histórias de vida desses personagens são ainda mais saborosas. Não perca. Depois, selecionamos um time de designers gaúchos e montamos uma grande matéria, mostrando trabalhos recentes de cada um deles e contando um pouco de suas trajetórias profissionais. Você verá que temos um plantel de primeiríssima, que faz sucesso por aqui – ainda bem que sabemos reconhecer nossos talentos! – mas também arrasa fora do Rio Grande do Sul e mesmo fora do país. Até na seção Lugar apresentamos um ambiente da terra. Fomos a São Francisco de Paula conhecer a Pousada do Engenho, que tem charme, natureza, personalidade e, sobretudo, o mérito de ter criado um dos mais interessantes projetos culturais do Estado: o Mesa de Cinema. Se você ainda não conhece, leia a matéria de Daniel Martins e já se agende para participar dos eventos de 2006. É um programa e tanto. A revista finaliza com dois gaúchos geniais que divertem as nossas mentes e habitam o nosso coração. Como não ter um sentimento de intenso carinho por Klaunus e Pletskaia, ou Hique e Nico, ou Tangos e Tragédias? Hique Gomes e Nico Nicolaiewsky são parte da história porto-alegrense. Já não podemos viver sem eles. E é por isso que a cada janeiro começa uma nova temporada do espetáculo que está em cartaz há mais de 20 anos. Coisa de gaúcho. Mas, pra não sermos acusados de bairristas, e também porque o lugar é maravilhoso, lindo, cheio de glamour (e glamour anda na moda aqui pelos pampas...), colocamos nesta edição uma extensa e completa matéria sobre Aspen, a mais famosa estação de esqui das Américas. Se por aqui estamos derretendo a 40 graus, por lá faz um frio de congelar os miolos. Mas é alta temporada, e Aspen nesta época ferve. Então, tem tudo a ver conosco! Boa leitura!

OS EDITORES


Correio ENCANTADORA NINA

PAULISTA QUASE GAÚCHA Olá, Izabella. Sou paulistana e estou vivendo na ponte aérea (São Paulo–Porto Alegre), pois meu marido foi transferido para Porto Alegre para um projeto de dois anos. Estou te escrevendo para parabenizá-la por seu excelente trabalho nas revistas Zaffari. Tem sido prazeroso conhecer as cafeterias aconchegantes de Porto Alegre e relaxar lendo as revistas Zaffari, pela boa culinária gaúcha, pelas dicas de viagem, pela paisagem e qualidade das revistas. Me diverti muito ao ler e entender na pele as diferenças das paulistanas e das gaúchas no artigo “Estrangeirismos” da publicitária Tetê Pacheco. Obrigada por proporcionar através das revistas momentos agradáveis. Sinto que vocês estão conseguindo passar para o leitor o que queriam. Well done! Abraços, bom trabalho. P.S.: Particularmente gostei das revistas que vi do ano de 2003, se você puder conseguir os exemplares dos números 18, 19, 20 e 21 do ano de 2003 eu ficarei muito grata. Desde já agradeço.

Prezados: Somos leitores assíduos, eu e minha esposa Nêmora, dessa maravilhosa revista. Falar sobre ela e tecer elogios consideramos uma redundância. Tanto a qualidade das matérias quanto a qualidade gráfica são impressionantes. É uma leitura agradável, leve, que apenas soma ao nosso dia-adia. Na edição nº 34, porém, vocês se superaram. A capa, com a magnífica Nina, está indescritível, tamanha beleza de cores, formas e, em especial, a expressão cândida da “modelo”. Parabéns, parabéns e parabéns a vocês e, em especial, à fotógrafa Letícia Remião!!! ROGÉRIO CÓCARO E NÊMORA MENDES

A Nina encantou todos nós também. E o trabalho da fotógrafa Letícia Remião sem dúvida foi determinante para o resultado final daquela edição que, por sinal, já ficou na História: nunca recebemos tantos elogios por uma capa da Estilo! Obrigado pelo carinho e abraços para o casal.

LUCIANA FERNANDES SORIA – SÃO PAULO

Se estamos proporcionando momentos agradáveis aos leitores de nossa revista, então estamos concretizando nosso objetivo. E saber disso pelo testemunho dos próprios leitores é ótimo, Luciana! Muitíssimo obrigada pelos elogios. Continue nos prestigiando, seja em Porto Alegre ou em São Paulo, ok? Quanto às revistas mais antigas, vamos ver se é possível conseguilas pra você, pois muitas dessas edições já estão esgotadas. Mas aguarde o contato da nossa equipe de atendimento, ok? Pelo menos algum dos exemplares deve ser possível enviar a você. Um grande abraço e obrigada novamente!

SATISFAZENDO DESEJOS Olá, estou escrevendo pra vocês com o objetivo de lhes dizer o quanto admiro o trabalho maravilhoso dessa equipe de profissionais, que sem dúvida deu muito certo. A revista é linda, sempre com matérias interessantes, fotos e receitas... de vida e de culinária; todas feitas ao alcance de nossos desejos... Sucesso pra vocês. Abraços. LINA – THEATRO SÃO PEDRO PORTO ALEGRE

Obrigada, Lina! Que bom saber que estamos correspondendo aos desejos dos nossos leitores. Um superabraço pra você!


NÚMEROS ANTIGOS

DICAS DA CRIS APROVADAS

Bom dia! Gostaria de saber se é possível conseguir a revista Estilo Zaffari Ano 5 n º 18. Como devo proceder? Obrigada.

Acompanho as reportagens de Cris Berger há muito tempo e fico encantada com a riqueza de detalhes com que descreve cada lugar por onde passa. Adoro viajar e estive recentemente em Fernando de Noronha. Porém, quando amigos pedirem dicas de lá, apenas direi: leiam a reportagem da Cris. Parabéns!

MÁRCIA BERGALLO AYDOS

Prezada Márcia, a edição 18 circulou em 2002 e praticamente já não temos estoque desses números mais antigos. Mas aguarde contato da nossa equipe de atendimento, pois vamos tentar localizar um exemplar para você, ok? Um abração!

CRISTINA CORSETTI – FLORIANÓPOLIS/SC

Cristina, nenhum elogio pode ser melhor para um repórter do que esse que você acaba de fazer à Cris Berger. E nós, da Estilo Zaffari, também nos sentimos extremamente orgulhosos das suas palavras. Afinal, somos os “descobridores” da Cris: ela começou aqui nas nossas páginas esta maravilhosa carreira de repórter de viagens. E agora anda circulando mundo afora, sem fronteiras, trazendo na bagagem lindas matérias. Parabéns pra ela e obrigado por este seu e-mail tão gentil. Abraços!

PARABÉNS PARA A CRIS Oi, Cris. Sinceramente, mesmo que não quisesse, tenho que te falar. Nunca ouvi nem ouvi, nesses 14 anos de existência da Ilha do Papagaio, qualquer repórter que soubesse escrever e descrever o espírito de nossa pousada tão profundamente como você na matéria da revista Estilo Zaffari. Fico muito feliz, pois agora tenho certeza de que soubeste desfrutar bem como sentiste a verdadeira magia deste lugar. Teu texto nos chegou como poesia descrevendo com exatidão nosso paraíso. Beijos, BETY E RENATO – ILHA DO PAPAGAIO/SC

Bety e Renato, é uma honra receber uma mensagem como essa de vocês. A Cris Berger e nós, da Estilo Zaffari, ficamos muito felizes com a enorme repercussão que a matéria obteve, mas nada mais gratificante do que receber elogios assim vindos de quem foi o assunto da reportagem, não é? Parabéns a vocês por terem criado um lugar tão especial, que tornou lindas as páginas da Estilo. Um grande abraço!

COLECIONADORA Olá, sou leitora fascinada pela revista Estilo Zaffari, desde o primeiro número. Mas falta-me uma edição para completar a minha coleção: a de número 22! Agradeceria se pudessem enviarme. Agradeço novamente a atenção. MARIA ANGELA DA ROCHA – PORTO ALEGRE

Maria Angela, não podemos deixar uma leitora tão querida com lacunas em sua coleção da Estilo! Assim, aguarde contato da nossa equipe, pois vamos verificar se ainda há exemplares desta edição em estoque e então enviaremos a revista ao seu endereço, ok? Um grande abraço e obrigado!


Férias na

neve Aspen está abaixo de zero e mesmo assim ferve. É a alta temporada de esqui!

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Í N D I C E 10 Coluna: Cotidiano 11 Cesta Básica 42 O Sabor e o Saber 62 Lugar: Pousada do Engenho 72 Perfil: Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky 82 Coluna: Gauchismos


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JOVENS CHEFS GAÚCHOS E SUAS RECEITAS PREDILETAS Caroline Heckmann, Ricardo Teruchkin, Cristina Strassburger e Marcelo Gonçalves revelam receitas deliciosas e grandes planos para 2006

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design MADE IN RS Tuti Giorgi e Beto Salvi, Ilse Lang, Heloísa Crocco, Ana Vazquez e Renato Sólio, Débora Eichemberg, Tina e Lui exportam design do Rio Grande do Sul para o mundo. Conheça o brilhante trabalho desses gaúchos

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Cotidiano MARTHA MEDEIR OS

PARAR DE PENSAR Pedido ao gênio da lâmpada: dois dias de férias para o cérebro Você encontra uma lâmpada mágica no meio do deserto, dá uma esfregadinha, de dentro sai um gênio meio afetado e ele concede a você a realização de um desejo. Humm... Você pediria um segundinho pra pensar? Eu não pensaria um segundo. Aliás, o meu desejo seria justamente este: por bem mais que um segundo, digamos por dois dias, queria parar de pensar. Parar totalmente de pensar. Ué, Saramago escreveu sobre um lugar em que as pessoas paravam de morrer. Salve a ficção, a casa de todos os delírios. Que tal, temporariamente, parar de pensar? Eu acordaria e não pensaria em nada. Sendo assim, fatalmente voltaria a dormir, sem mais despertar às seis da manhã pensando em mil tranqueiras e coisas a providenciar. Mas parar de pensar não impede a fome, então uma hora eu teria que levantar da cama e ir pra mesa – quem decidiu o cardápio? Aleluia, eu é que não fui. Não penso mais nessas coisas. Abro o jornal, leio todas as matérias e não me ocorre nenhum pensamento tipo: “é pro bolso destes malandros que vai meu imposto”, “não acredito que fizeram isso com uma criança” ou “putz, como fui perder este show?”. Eu não penso, portanto, não sofro. Passo por um espelho e não dou a mínima para o que vejo. Espinhas, olheiras, cabelo fora de moda, danem-se. Moda, falei em moda? Era só o que me faltava ocupar meu cérebro com essas trivialidades. Tudo vazio lá dentro, um descampado, um silêncio, o paraíso.

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Estilo Zaffari

Você não pensa mais em como aumentar sua renda mensal, em como fazer seus filhos comerem, em como arranjar tempo para deixar o carro na revisão, em como encontrar um lugar barato para passar as férias, em como ajudar seus pais a atravessarem a velhice, em como não ser indelicada ao recusar um convite, em como ter coragem pra chutar o balde, em como responder a um e-mail irritante, em como esconder dos outros suas dores de cabeça, em como arranjar tempo para ir ao médico, em como você tem medo de que as coisas nunca mudem, e se mudarem, como enfrentar? Você não precisa pensar em mais nada, você pediu ao gênio e ele, camarada, atendeu. Aproveite, são apenas dois dias. Não precisa ter opinião sobre o José Dirceu, sobre a crônica do Diogo Mainardi, sobre a reviravolta do clima no planeta, sobre o último disco do Paul McCartney. Você está de férias de você. Não tem motivo pra chorar. Seu amor se foi, e você não pensa nada. Não precisa tomar antidepressivo, não precisa passar creme anti-rugas. Por dois dias, seu humor está neutro e suas rugas se foram. Este seu olhar sereno, esta sua fala pausada... Nossa, como você está sexy. Tudo isso é uma viagem sem sentido. Concordo. Mas algumas mulheres me entendem.

MARTHA MEDEIROS É ESCRITORA


Cesta básica NESTA SEÇÃO VOCÊ ENCONTRA DICAS E SUGESTÕES PARA CURTIR O DIA-A-DIA E SE DIVERTIR DE VERDADE: MÚSICA, CINEMA, LUGARES, OBJETOS ESPECIAIS, COMIDINHAS,

Presente à altura da data O cinqüentenário do mais importante museu de arte do Rio Grande do Sul certamente merece uma grande comemoração. E com a data veio um belo presente: o livro “MARGS 50 Anos” é uma publicação em três volumes, que apresenta ao público a história da instituição e sua produção intelectual. O primeiro volume, intitulado “Memórias do Museu”, retoma a trajetória do MARGS por meio de histórias, testemunhos e fotografias, com o depoimento de artistas, intelectuais e ex-funcionários. No segundo livro – “Selecta do Museu” –, o leitor encontra uma série de entrevistas, críticas e ensaios publicados nos veículos de comunicação do MARGS entre 1976 e 2003, uma verdadeira documentação do patrimônio intelectual gerado pela casa. O último volume tem o sugestivo título de “Memorias del Museo/Memories of the Museum”, trazendo a tradução para o inglês e o espanhol de sete artigos selecionados do primeiro volume, que melhor representam o trabalho desenvolvido pela instituição em prol da cultura. Sem dúvida alguma, um grande lançamento, para enobrecer qualquer biblioteca.

RAFAEL BECK, JORNALISTA

FOTO: GENARO JONER/DIVULGAÇÃO

PASSEIOS, COMPRAS. BOM PROVEITO!


Cesta básica FOTO: ANDRÉ NERY

Mais uma opção com estilo

RAFAEL TRINDADE, JORNALISTA

As amigas Luciana Chwartzmann e Greice Antes se inspiraram no universo da cozinha e criaram uma linha de acessórios e objetos superoriginais. A Firula, nome da empresa das gurias, cria pulseiras, colares, carteiras, bolsas, porta-guardanapos e jogos americanos, sempre utilizando materiais que fazem a gente lembrar da cozinha da vovó: oleado com estampa de frutas e verduras, telas (como as das sacolas de feira), crochê. “A idéia é levar a cozinha para a rua”, diz Lu. Ela é publicitária e fez vários cursos para dominar a modelagem de bolsas e acessórios. E a sócia Greice tem formação em estilismo. As duas já estão comercializando suas peças em várias lojas bárbaras de Porto Alegre, em São Paulo e em Santa Catarina. Para saber mais, entre em contato com firulacessorios@terra.com.br

MILENE LEAL, JORNALISTA

FOTO: LETÍCIA REMIÃO

Nada mais justo que desfilar pela Calçada da Fama e encontrar um restaurante chique até no nome. Esse é o caso do Riverside’s Shikki Cafe, a nova opção de gastronomia e lazer da capital. Instalado na badalada Padre Chagas, o Shikki Cafe é dividido em três ambientes internos e um deck, espalhados ao longo de 600 metros quadrados. Com uma cozinha “fusion” sofisticada, a casa oferece um completo buffet de sushis especiais e pratos diferenciados “à la carte”. Perfeito para comemorações como formaturas e aniversários, o Riverside’s Shikki Cafe conta ainda com Bistrô & Lounge e com a presença de um DJ residente, que agita os convidados nas noites de quinta, sexta e sábado. O restaurante abre de terças a domingos das 11h30 às 24h, e nas segundas-feiras, das 11h30 às 15h. Fica na Padre Chagas, 44, no bairro Moinhos de Vento, fone (51) 3395.3885.

IDÉIAS, DETALHES, MIMOS, ENCANTADORAS FIRULAS


Curtas para curtir

FOTO: ANDRÉ NERY

Sabe aquele curta do Jorge Furtado que você viu uma vez e queria ver de novo? E aquele do Carlos Gerbase que você ouviu falar, mas nunca teve oportunidade de assistir? Ou ainda aquele da Ana Luiza Azevedo que você leu a respeito? Pois agora chegou a hora de ver e rever todos “aqueles” e muitos outros curtas dirigidos pelos nossos célebres cineastas. A Casa de Cinema de Porto Alegre lançou uma caixa com quatro DVDs que somam 38 curtas de ficção, documentários e especiais para a TV. A coleção traz os trabalhos de Furtado, Gerbase e Ana Luiza, além de outros diretores gaúchos convidados. As primeiras 1.000 unidades vêm com um DVD extra com Anchietanos, episódio da série Comédias da Vida Privada, e Meia Encarnada Dura de Sangue, episódio da série Brava Gente. Curtas da Casa, como é chamada a caixa, é pra ter na estante como um livro de arte. Prepare as almofadas, convide os amigos e dê play na sessão nostalgia. Porque rever O Dia em que Dorival Encarou a Guarda, Deus-Ex-Machina e Barbosa já é um programa e tanto.

RECEBENDO SEM STRESS: A BÍBLIA DOS ANFITRIÕES

MILENE LEAL, JORNALISTA

FOTO: CRISTIANO SANT’ANNA

Hehehe, só de pensar nesse livro já fico sorrindo à toa. Que sensacional idéia teve a autora Mônica Varella (que é fotógrafa e escritora). Ela criou um guia para quem gosta de receber amigos em casa, mas não conta com uma superinfra de empregados, objetos, cozinheiros, espaço, utensílios, grana. Preencheu páginas e páginas com idéias simples e bonitas, capazes de transformar qualquer reuniãozinha em um evento único e inesquecível. Tem dicas pra tudo: arrumação da casa, decoração da mesa, acomodação das bebidas, o que servir, como servir... Conselhos superpráticos e outros superlúdicos, especiais pra quem gosta de receber com criatividade, pra fazer a diferença e ser lembrado, sabe como é? Se tudo isso já não fosse ótimo, o livro ainda é lindo, bem editado, com belas fotos. Eu já adotei como bíblia lá em casa. Editora Mille F oglie, 135 páginas. Foglie,

PAULA TAITELBAUM, ESCRITORA


Cesta básica

Luiz Cintra tem uma longa experiência como chef, apresentador de TV, dono de restaurante e consultor de gastronomia nos seus 20 anos de trabalho em cozinha. A originalidade de Um chef sem segredos está nas receitas explicadas de forma acessível e didática, além de sempre fazer referência à história de certos pratos, aos hábitos alimentares dos brasileiros e de outros povos. Para Luiz Cintra, a simplicidade e o prazer em cozinhar são os ingredientes indispensáveis: “Não são necessárias receitas sofisticadas para obter aplausos e elogios, basta prepará-las com prazer e muito carinho, na ocasião certa e para as pessoas certas”, afirma. Um chef sem segredos também dá dicas sobre equipamentos de cozinha, como escolher os melhores ingredientes, além de explicar os vários métodos e técnicas de cozimento, como saltear, deglaçar, flambar, etc. Há também uma seção de curiosidades sobre vários pratos e ingredientes, como esta, sobre o bolo de aniversário: “Antigamente os povos rezavam ao redor das chamas das fogueiras. Acreditavam que a fumaça levasse seus pedidos e pensamentos até Deus, o que deu origem à tradição da vela acesa e, no caso dos aniversários, ao costume de tentar apagar as velinhas do bolo com um sopro só, para que os desejos do aniversariante sejam atendidos. Esta tradição existe em quase todas as culturas”.

BEATRIZ GUIMARAES, JORNALISTA

FOTO: ANDRÉ NERY

Desvendando os segredos do chef

YES, NÓS TEMOS TAPIOCA! Dizem as más línguas que, se examinarmos com cuidado o DNA de um gaúcho, é possível perceber pequenas partículas de picanha e erva-mate. Pura maldade, óbvio. Afinal, nem só de churrasco e chimarrão vive um habitante dos pampas. Pois agora os porto-alegrenses podem se deliciar com uma iguaria típica do Nordeste brasileiro. Tudo graças ao Tapioca do Brasil, inaugurado recentemente no Bourbon Country. O diferencial do restaurante fica por conta da adaptação da iguaria aos padrões do paladar gaúcho, seguindo as características da “fusion cuisine”. Tradicionalmente servido apenas com coco e leite condensado, na Tapioca do Brasil o prato foi “incrementado”, ganhando recheios doces e salgados. Ao todo, são 22 opções, como frango, calabresa, tomates secos e até mesmo “negrinho” com morango. Para o almoço, a dica é a tapioca acompanhada de uma salada da estação, e para a sobremesa, as deliciosas tapiocas servidas com sorvetes e calda de frutas. O cardápio ainda oferece 18 sabores de sucos naturais, típicos da região Nordeste, como cupuaçu e pitanga. O Tapioca do Brasil fica no 2º andar do Bourbon Country e o telefone é (51) 3338.5010.

RAFAEL TRINDADE, JORNALISTA UM CHEF SEM SEGREDOS, DE LUIZ CINTRA, ARTEMEIOS, SP, 2005. À VENDA NA LIVRARIA CULTURA


Consumo TETÊ PACHECO

EMPREGO NOVO PARA O PAPAI NOEL Por um Natal mais alegre, leve e familiar Hoje é 8 de janeiro e, há cerca de meia hora, eu estava num shopping center paulista onde dezenas de pessoas ainda faziam fila para visitar aquela decoração temática que inventam no Natal. Repito. 8 de janeiro. Decoração de Natal. Fila de gente. Já acho estranho ter que explicar pras crianças por que o Papai Noel do shopping chega dois meses antes daquele outro que vai em casa deixar os presentes. Mas explicar que já é 2006 e o Papai Noel continua batendo ponto na frente das lojas, é meio demais. Além disso, não é muito cinismo fazer o consumidor gastar todo seu 13º em presentes de Natal para, logo a seguir, ver os mesmos presentes custando a metade do preço nas liquidações? No shopping que mencionei lá em cima, quase todas as lojas já estão em liquidação. Com descontos de até 70%! Definitivamente, está na hora de deixarmos de ser reféns do calendário promocional dos shoppings e do varejo em geral. Eu pensei num como. Em primeiro lugar, deixemos Jesus Cristo fora dessa fobia que se estabelece embaixo dos pinheirinhos enfeitados. No dia 25, poderíamos nos reunir apenas para celebrar. Comer, beber, reencontrar os amigos e os familiares, sem stress de quem deu o quê para quem. Descompromissadamente. Com a leveza e a alegria que só são possíveis para quem não se matou na fila do

shopping horas antes da ceia. A tradição de comemorar o nascimento de Jesus, esse profeta do bem, não faz sentido com troca de pacotes, faz? Peraí. Mas ninguém ganharia presentes??????? No meu plano, é aí que entram os Reis Magos – que são uns presenteadores fantásticos e já têm até sua própria data: 6 de janeiro. Não faz todo sentido? No dia 6 tudo já está em liquidação, podemos comprar presentes e mais presentes lindos pela metade do preço que eles custam antes do dia 24. Assim deixamos de lado esse cinismo maluco para assumir nosso consumismo sem culpa nem disfarces. Dar presentes no Dia de Reis, como forma de lembrar a tradição que eles começaram levando mirra, ouro e incenso para Jesus, nos redime. Em alguns lugares já é assim. No Uruguai, por exemplo. No dia 6 de janeiro as portas das casas amanhecem com feno e água. Presente das crianças para os camelos dos Reis, que viajaram muito e estão cansados. Uma tradição supersimpática e sem falsos moralismos. Essa idéia só tem um furo. Onde enfiar a figura mitológica de Papai Noel? Já sei. Como ele tem sido um bom velhinho e trabalhado impecavelmente, quem sabe não arranja um bom emprego de gerente de marketing num shopping qualquer? TETÊ PACHECO É PUBLICITÁRIA

Estilo Zaffari

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Sabor Sabor

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JOVENS CHEFS GAÚCHOS E P O R M I L E N E L E A L F OTO S L E T Í C I A R E M I Ã O

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SUAS RECEITAS PREDILETAS Estilo Zaffari

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Sabor

Risoto de Filé de Cordeiro com Alho e Alecrim MARINADA DO FILÉ DE CORDEIRO 60 ML DE AZEITE DE OLIVA; 100 ML DE SHOYO (MOLHO DE SOJA); 2 COLHERES DE MEL; 6 DENTES DE ALHO; 1 RAMO DE ALECRIM SEM O GALHO

Modo de fazer: Toste o alecrim numa panela com 1 colher (sopa) de azeite, até ele escurecer. Depois, junte com os outros ingredientes e bata tudo no liquidificador. Reserve com o cordeiro mergulhado na marinada para pegar bem o sabor, por 12h, na geladeira.

CALDO DE CORDEIRO

CRISTINA STRASSBURGER E RICARDO TERUCHKIN

1KG DE OSSOS DE CORDEIRO; 1KG DE CENOURA; 1 AIPO; 1KG DE CEBOLA; 3L DE ÁGUA; 1 RAMO DE TOMILHO; 1 RAMO DE ALECRIM; 6 FOLHAS DE ALHO-PORÓ

ELES JUNTARAM AS CAÇAROLAS HÁ TRÊS ANOS. DESDE ENTÃO, TÊM SIDO RESPONSÁVEIS POR JANTARES, ALMOÇOS E EVENTOS GASTRONÔMICOS INESQUECÍVEIS. CRISTINA STRASSBURGER, 30 ANOS, E RICARDO TERUCHKIN, TAMBÉM 30, SE CONHECERAM EM ATLÂNTIDA E LÁ COMEÇARAM UMA PARCERIA QUE SÓ TEM RECEBIDO APLAUSOS. ATÉ O FINAL DE 2005 ELES MANTIVERAM O RESTAURANTE ATELIER DO SABOR FUNCIONANDO EM GRAMADO. AGORA, DURANTE A TEMPORADA DE VERÃO, SE TRANSFERIRAM PARA A PRAIA, COMO VÊM FAZENDO DESDE 2004. ALÉM DO RESTAURANTE, CRIS E RICARDO ORGANIZAM EVENTOS DOS MAIS VARIADOS PORTES, SEMPRE COM UM DIFERENCIAL: ELES MESMOS COZINHAM, DE PREFERÊNCIA NA FRENTE DOS CLIENTES, FAZEM QUESTÃO DE INTERAGIR COM OS COMENSAIS E ABSOLUTA QUESTÃO DE TORNAR REAIS OS DESEJOS GASTRONÔMICOS DOS CONVIDADOS. “SOMOS MEIO GÊNIOS DA LÂMPADA”, DIZ RICARDO. A ORDEM É DESCOBRIR RECEITAS, MUDAR A COMPOSIÇÃO DE PRATOS, ALTERAR COMPLEMENTOS, INVENTAR TEMPEROS, TUDO PARA SATISFAZER O PALADAR DO CLIENTE. CRIS ESTUDOU LETRAS, RICARDO É PUBLICITÁRIO. MAS AMBOS AMAVAM COZINHAR E ACABARAM TRANSFORMANDO EM PROFISSÃO O HOBBY QUE LHES DAVA TANTO PRAZER. SEMPRE QUE PODEM, ELES VIAJAM PRA SE ATUALIZAR. A CRIS É UMA AFICIONADA DA CULINÁRIA EXÓTICA DE LUGARES COMO A ÍNDIA. PESQUISA TEMPEROS, DESCOBRE INGREDIENTES E SABORES DIFERENCIADOS. O RICARDO É UM AMANTE DAS CARNES, TROUXE DE UMA ESTADA NA ESPANHA DIVERSOS SEGREDOS CULINÁRIOS. PARA 2006, ELES PLANEJAM DEDICAR-SE AOS EVENTOS, MONTANDO UMA BASE DE TRABALHO EM PORTO ALEGRE. A IDÉIA É OFERECER PACOTES COMPLETOS, QUE PODEM INCLUIR ATÉ GARÇONS, BEBIDAS E A DECORAÇÃO DO AMBIENTE. “SE A PESSOA QUISER CHEGAR EM CASA SÓ NA HORA DA FESTA, TUDO BEM!”, EXPLICA RICARDO. A PROPOSTA DOS DOIS REALMENTE PARECE MÁGICA. MAS O MAIS BACANA É O ESPÍRITO COM QUE CRIS E RICARDO TRABALHAM: “QUEREMOS TRANSMITIR ENERGIAS POSITIVAS ATRAVÉS DA COMIDA”, CONTA CRIS. NÃO É UMA DELÍCIA?

Modo de fazer: Refogue os ossos até dourarem. Acrescente as verduras e ervas e refogue até começarem a liberar os aromas. Complete com água fria. Cozinhe por 2 horas em fogo baixo. Coe e reserve.

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PREPARANDO O RISOTO 400 G DE ARROZ CARNAROLI TIO JOÃO; 200 G DE FILÉ DE CORDEIRO CORTADO EM PEDAÇOS DE 2 CM; 50 ML DE AZEITE DE OLIVA; ½ CEBOLA PICADA; 150 ML DE VINHO BRANCO SECO; 2 L DE CALDO DE CORDEIRO; 1 CABEÇA DE ALHO; 2 RAMOS DE ALECRIM; 100 G DE MANTEIGA SEM SAL; SAL E PIMENTA A GOSTO.

Modo de fazer: Refogue a cebola no azeite de oliva até dourar. Acrescente o cordeiro e refogue-o até dourar. Acrescente o arroz e refogue rapidamente. Adicione o vinho branco e mexa até secar. Adicione concha por concha o caldo, até cozinhar o risoto. Quando secar uma concha, coloque a outra, e assim sucessivamente até o arroz estar no ponto certo, al dente. Jogue a manteiga, o alecrim sem o galho, espere um minuto e mexa bem. Sirva e voe pra mesa antes que esfrie. Bom proveito!

DECORAÇÃO DO PRATO ½ CABEÇA DE ALHO; 2 COLHERES (SOPA) DE MANTEIGA; 1 COLHER (SOPA) DE AÇÚCAR MASCAVO; 1 RAMO DE ALECRIM

Modo de fazer: Corte uma cabeça de alho ao meio e doure na manteiga com o açúcar mascavo. Coloque sobre o risoto com um ramo de alecrim fresco e sirva.



Sabor


Torta de Morango INGREDIENTES DA MASSA 300 G DE FARINHA DE TRIGO; 160 G DE MANTEIGA DE BOA QUALIDADE; 2 GEMAS; 60 G DE AÇÚCAR REFINADO; 40 ML DE ÁGUA GELADA

INGREDIENTES DO CREME DE AMÊNDOAS 100 G DE MANTEIGA; 100 G DE AÇÚCAR CONFEITEIRO; 100 G DE FARINHA DE AMÊNDOAS; 2 OVOS; 1/2 COLHER (CHÁ) DE FARINHA DE TRIGO

INGREDIENTES DA COBERTURA TRÊS DÚZIAS DE MORANGOS; AÇÚCAR; GELÉIA DE MORANGOS PARA PINCELAR

Modo de fazer a massa: Misture a farinha, a manteiga e o açúcar. Isso pode ser feito à mão ou em processador, mas é importante misturar muito bem a manteiga e a farinha, para que a massa fique crocante. Acrescente as gemas e a água gelada. Depois de pronta a massa, envolva-a em filme plástico e deixe na geladeira por ao menos 30 minutos, para que fique manuseável. Disponha a massa no fundo de uma fôrma de 20 cm de diâmetro. Em cima da camada de massa, coloque papel-manteiga e encha o espaço com feijões crus (eles ajudam a assar a massa sem deformar). Pré-asse até que a massa fique firme, sem dourar. Depois, retire os feijões e asse até a massa ficar ligeiramente dourada. Modo de fazer o creme de amêndoas: Com a manteiga em textura cremosa (tipo pomada), misture o açúcar de confeiteiro. Junte a farinha de amêndoas (amêndoas processadas, moídas), a farinha de trigo e os ovos. Misture tudo muito bem, à mão ou em processador. Montagem: Sobre a massa pré-assada, coloque uma camada de cerca de um dedo do creme de amêndoas. Leve ao forno para terminar o cozimento, até que o creme fique fofo e firme. Em separado, pegue cerca de meia dúzia de morangos e esmague-os na peneira com um pouco de açúcar, fazendo uma espécie de calda crua de morangos. Faça furos com um garfo no creme de amêndoas e coloque a calda de morangos, embebendo e perfumando o creme. Sobre essa camada, encaixe os morangos inteiros e limpos, bem próximos uns dos outros. Finalize pincelando com uma geléia de morangos.

MAR CELO GONÇALVES DEPOIS DE TRABALHAR POR VÁRIOS ANOS MEIO ESCONDIDINHO – E FAZENDO MUITO SUCESSO –, O CHEF MARCELO GONÇALVES RESOLVEU COLOCAR SUAS DELÍCIAS NA VITRINE, LITERALMENTE. EM 2005 ELE ABRIU A PÂTISSIER, UM MISTO DE CONFEITARIA E CAFÉ, NA RUA MARQUÊS DO POMBAL, EM PORTO ALEGRE. ÀS VÉSPERAS DE COMPLETAR UM ANO DE PORTAS ABERTAS, MARCELO PRETENDE EM BREVE FAZER UMA INAUGURAÇÃO OFICIAL. ISSO PORQUE AGORA ELE CONSIDERA QUE A OPERAÇÃO ESTÁ AZEITADA, O LOCAL OFERECE O CONFORTO QUE SEUS CLIENTES MERECEM E O MIX DE OPÇÕES GASTRONÔMICAS FICOU MAIS EQUILIBRADO E VARIADO. ATÉ ABRIR A CHARMOSA (E CHEIROSA!) PÂTISSIER, MARCELO ATENDIA SUA VASTA CLIENTELA PELO SISTEMA DE ENCOMENDAS. NÃO HAVIA PRODUÇÃO PARA PRONTA ENTREGA. “NESTE ANO NÓS APRENDEMOS A ATENDER À DEMANDA DIÁRIA, A ESTAR NA VITRINE E A RECEBER PESSOAS QUE NÃO CONHECIAM O NOSSO TRABALHO. FOI UM GRANDE APRENDIZADO”, DIZ. O SONHO DESTE PERFECCIONSTA É DAR ORIGEM A UMA GERAÇÃO DE PÂTISSIERS, COMO É TRADIÇÃO NA EUROPA. POR ISSO, RELATA COM ENTUSIASMO O FASCÍNIO DA FILHA MARTINA, DE CINCO ANOS, PELA CULINÁRIA. “ELA CURTE ISSO ENLOUQUECIDAMENTE E ALIMENTA A MINHA FANTASIA DE VER ESSE NEGÓCIO SE PERPETUAR”, REVELA. FOI NA EUROPA QUE MARCELO APRENDEU E TOMOU GOSTO PELA PÂTISSERIE FRANCESA. E HÁ CERCA DE DEZ ANOS ELE ESCOLHEU ESSA ESCOLA GASTRONÔMICA COMO PROFISSÃO E ESTILO DE VIDA. A ESPOSA LALA, CRÍTICA FERRENHA E SUPERCRITERIOSA, É UMA GRANDE PARCEIRA: “SE A LALA GOSTA MUITO DE ALGO QUE EU FAÇO, JÁ FICO ACHANDO QUE POSSO VENDER ATÉ NO PÓLO NORTE”, CONTA, SORRINDO, MARCELO. NO DIA-A-DIA DA PÂTISSIER, OUTRA PRESENÇA FEMININA FUNDAMENTAL: ALINE MATTOS, QUE TRABALHA COM MARCELO HÁ MUITOS ANOS, É CRIA DA CASA E TAMBÉM TEM MÃOS DE FADA PARA A PÂTISSERIE.

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Sabor

Cesto Crocante com Parfait de Avelãs e Damasco 8 FOLHAS DE MASSA PHYLO; 8 RAMEQUINS; 100 G DE AÇÚCAR; 50 ML DE ÁGUA; 3 GEMAS; 500 ML DE CREME DE LEITE; 150 G DE CHOCOLATE MEIO-AMARGO; 100 G DE AVELÃS TORRADAS E MOÍDAS; 50 G DE DAMASCOS PICADOS; FOLHAS DE HORTELÃ PARA DECORAR; 1 COLHER (SOPA) DE LICOR DE SUA PREFERÊNCIA

CAR OLINE HECKMANN A CHEF CAROLINE HECKMANN, 30 ANOS, TEM UMA ÓTIMA FORMA DE DEFINIR O ESTILO DA GASTRONOMIA QUE ELA FAZ: “NA MODA EXISTE O VISUAL HIPPIE-CHIC. EU FAÇO UMA GASTRONOMIA HIPPIE-CHIC”, RESUME CAROL, QUE DESENVOLVEU AO LONGO DE DEZ ANOS UM JEITO MUITO PRÓPRIO DE COZINHAR. CAROLINE DIZ QUE A BASE DE TUDO É TRABALHAR COM INGREDIENTES SIMPLES, DE FÁCIL ACESSO (TANTO DO PONTO DE VISTA DO CUSTO COMO DA LOCALIZAÇÃO) E TRANSFORMÁ-LOS EM PRATOS BONITOS E DE SABORES INCOMPARÁVEIS. PARA ISSO, É FUNDAMENTAL UM TANTO DE CRIATIVIDADE E DE EXPERIMENTAÇÃO, ALGO QUE JÁ ATRAÍA A CHEF QUANDO ERA AINDA UMA MENINA, AOS 14, 15 ANOS, E OCUPAVA A COZINHA DE CASA TENTANDO EXECUTAR AS RECEITAS MAIS DIFÍCEIS E DIFERENTES. DEPOIS DE ESTAR À FRENTE DO VITORIOSO RESTAURANTE ALLSPICE, EM CANELA, POR QUATRO ANOS, CAROLINE ESTÁ TRABALHANDO AGORA EM OUTRO PROJETO, QUE CONTA COM TODO O ENTUSIASMO DA JOVEM CHEF: EM ABRIL ELA INAUGURA SEU NOVO RESTAURANTE, EM GRAMADO, DENTRO DO CONDOMÍNIO “O BOSQUE”, DA IVO RIZZO. O ESPAÇO VAI SE CHAMAR “O LUGAR” E SERÁ, SEGUNDO CAROL, MUITO CHARMOSO, AMPLO E CONFORTÁVEL. AFORA A QUALIDADE DAS INSTALAÇÕES DO RESTAURANTE – QUE CAROL VEM CONDUZINDO COM TODO O CAPRICHO –, O LUGAR TERÁ COMO PRINCIPAL ATRATIVO A GASTRONOMIA QUE CONSAGROU O ALLSPICE E OS JANTARES REALIZADOS PARA DIVERSOS CLIENTES NESSES ÚLTIMOS ANOS. EM SUA NOVA FASE, A CHEF CAROLINE HECKMANN PROMETE QUE VAI MANTER A CARACTERÍSTICA QUE A DISTINGUE E PERSONALIZA: A COMIDA DELICIOSA, DIFERENTE, CRIATIVA, BEM MONTADA E BEM APRESENTADA. PALMAS PRA ELA.

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MASSA PHYLLO: ORIGINÁRIA DA GRÉCIA, É UMA MASSA FINÍSSIMA DE FARINHA DE TRIGO, OVO, POUCA GORDURA E ÁGUA. DEPOIS DE ASSADA FICA COM VÁRIAS CAMADAS DE TEXTURA QUEBRADIÇA. PODE SER ENCONTRADA FRESCA OU CONGELADA. UMA VEZ ABERTA DEVE SER UTILIZADA EM POUCOS DIAS. RAMEQUINS: PEQUENOS PRATOS REFRATÁRIOS, DE CERÂMICA OU PORCELANA, COM LATERAIS RETAS, QUE SERVEM PARA ASSAR SUFLÊS OU OUTRO PRATO SALGADO NO FORNO, PARA SERVIR DE FORMA INDIVIDUAL. PARFAIT: SOBREMESA DE CONSISTÊNCIA SEMELHANTE À DA MOUSSE, FEITA COM CALDA DE AÇÚCAR E OVOS BATIDOS E COZIDOS, ACRESCIDOS, DEPOIS DE FRIOS, DE CREME CHANTILLY, PURÊ DE FRUTAS E NOZES.

Modo de fazer: Faça uma calda com o açúcar e a água. Bata as gemas e acrescente a calda em fio devagar até que esfrie e engrosse. Derreta o chocolate e acrescente a mistura juntamente com as avelãs e os damascos. Bata levemente o creme de leite e junte, formando uma mistura homogênea. Use forminhas de alumínio para colocar no freezer. Forre ramequins com a massa filo e leve ao forno para dourar. Tire do forno e ainda quente coloque o parfait enformado dentro, decorando com folhas de hortelã. Obs.: poderá ser acrescentado um licor de sua preferência antes de bater o creme de leite. Rendimento: Porção para oito pessoas.



Viagem


FĂŠrias na

neve T E X TO S

E

F OTO S

C R I S

B E R G E R


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ASPEN É UM DAQUELES LUGARES ONDE PARECE SER NATAL DE NOVEMBRO A ABRIL. ELA É REPLETA DE LUZINHAS POR TODOS OS LADOS. FICA NO ESTADO AMERICANO DO COLORADO E É VENERADA POR QUEM GOSTA DOS ESPORTES DE NEVE. CONSIDERADA A MELHOR ESTAÇÃO DE ESQUI DA AMÉRICA DO NORTE, FAZ DO FRIO UM COADJUVANTE DE SEU REQUINTE E GLAMOUR. EXISTE UMA FRASE MUITO FAMOSA QUE DIZ: “AS PESSOAS VÃO PARA ASPEN PELO INVERNO E FICAM PELO VERÃO”. EU AINDA NÃO TIVE A OPORTUNIDADE DE CONHECER A TEMPORADA DE CALOR EM ASPEN, MAS POSSO AFIRMAR QUE AS BAIXAS TEMPERATURAS JÁ ME FAZEM DESEJAR VOLTAR LÁ MUITAS VEZES.

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A S P E N F E RV E D E E N E R G I A . É S I N Ô N I M O D E E S P O RT E , R E Q U I N T E , B O M G O S TO E R O M A N C E Eu tinha plena consciência das delícias que uma estação de esqui do nível de Aspen poderia me reservar, mas torcia o nariz para aquela fama de ser um lugar reservado aos ricos e famosos. Fiquei feliz ao descobrir que eu estava enganada. Sem dúvida trata-se de um destino que requer um certo investimento financeiro, mas está longe de selecionar assim seus freqüentadores. O clima de Aspen é de total descontração. Colorida, bonita e atraente, ela é um delicioso convite para quem quer aproveitar a temporada de neve da América do Norte e dar uma trégua no calor de 40 graus do hemisfério sul do planeta. Vilarejo com as montanhas como inspiração Aspen nasceu como um pequeno vilarejo no fim do século XIX, época em que sua economia era voltada para as minas de prata. Em 1893 ela teve seu declínio acentuado com a desvalorização da prata. Apenas em 1940 voltou a crescer, quando um grupo de investidores

a elegeu para a construção de um centro de esportes de neve. Hoje exibe casas vitorianas restauradas, lojas de grife como Prada, Ralph Lauren, Louis Vuitton, Gucci e Dior, elegantes cafés, sofisticados restaurantes, ótimos hotéis, cinemas e galerias de arte. O Colorado tem tanta personalidade que ele parece um lugar à parte dentro dos Estados Unidos – e Aspen é seu lado mais quente. Realmente a estação ferve de energia, seja dos esquiadores com suas manobras arrojadas, da noite movida a música lounge em boates animadíssimas, da excelente gastronomia e de todos aqueles sorrisos de bem-estar. Afinal, Aspen é sinônimo de esporte, bom gosto e romance, com as montanhas por ali emprestando uma dose extra de inspiração. Viajei acompanhada de três jornalistas paulistas. Éramos quatro mulheres em um lugar onde a presença masculina sempre se destaca. Olha, de todas as minhas viagens como repórter esta foi uma daquelas em que mais tive que me concentrar para não esquecer que eu estava lá a

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N O S H OT É I S, O C O N F O R TO É E X T R E M O. T Ê M AT R A Ç Õ E S AT É PA R A Q U E M N Ã O E S Q U I A

tra-ba-lho. Não há dúvidas: Aspen é o paraíso para quem gosta de duas coisas: dia e noite. Dia para deslizar nas montanhas e noite para se esbaldar nas pistas de dança. A vida cinco estrelas Fiquei hospedada em um lugar encantador, o Aspen Meadows Resort. De tão amplo, meu quarto mais parecia um apartamento. Todo decorado em tons pastel, com uma vista bárbara das montanhas nevadas. Tudo muito acolhedor. Na recepção, uma máquina de café e chocolate quente e copos descartáveis de isopor, destes para servir e sair bebendo. Um hábito americano que logo tratei de absorver. O Meadows tem também um comple-

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xo de esportes que oferece aulas de yoga e pilates. Um espaço com aparelhos de musculação, uma piscina ao ar livre climatizada e o melhor: uma hot tub! Acho que essa foi minha primeira pergunta: tem hot tub? Vibrei quando a resposta foi sim. Para quem não sabe, hot tub é uma pequena piscina, como uma jaccuzi, superaquecida ao ar livre. Se lá fora a temperatura vai a 6 graus negativos, dentro da piscina chega a 40 graus. Uma combinação magnífica. Hot tub no fim do dia equivale a conhecer novos amigos. E foi assim que fizemos amizade com o Tim Struby, repórter do canal ESPN. Naquela noite acabamos jantando com toda a equipe de trabalho do Tim e mais parecíamos parte dela. Um belo começo, eu diria.



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A língua inglesa está cheia de expressões interessantes. Tem uma de que eu gosto muito e traduz com perfeição o delicioso Remède Spa do luxuoso Hotel St. Regis: “Spoil yourself”. Em português: mime-se! E os mimos vão de tratamentos para pele, massagens, piscina de hidromassagem e hot tub à sala de ginástica. Imagine que eu ganhei uma massagem de 105 minutos no spa para que eu pudesse com fidelidade contar como é boa a vida cinco estrelas. A magia começa logo ao chegar. Roupão, chinelinhos, champagne e trufas. Alguns minutos em uma sala de relaxamento com uma música suave e uma lareira. Velas aromatizadas e um ambiente clássico, aconchegante, adorável. A vontade que eu tinha era fazer o tempo parar, e acho que parou de verdade. “Srta. Cris Berger, o massagista está esperando”, escutei, e desta forma fui conduzida a uma das 15 salas de massagem, onde um atencioso massagista dividiu minha vida entre antes e depois do St. Regis. Diversão na neve O complexo Aspen Snowmass engloba quatro imponentes montanhas: Snowmass, Aspen Highlands, Aspen Mountain e Buttermilk. Ao todo são 40 skilifts (meios de elevação), 193 quilômetros de área de esqui e 300 pistas. Com um único passe você pode circular nas quatro montanhas e contar com trans-

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O C O M P L E XO A S P E N S N O W M A S S E N G LO BA Q U AT R O G R A N D E S M O N TA N H A S


Viagem


NA NEVE APRENDEMOS MUITO SOBRE NÓS MESMOS. ESQUIAR DÁ UMA SENSAÇÃO DE LIBERDADE SEM IGUAL

porte de ônibus gratuito. A temporada 2005/2006 começou em 24 de novembro e vai até 16 de abril. Na temporada passada os brasileiros foram os maiores visitantes da estação, segundo o Aspen Skiing Company. Além do esqui e do snowboard, Aspen oferece interessantes diversões na neve, como o snowmobiling (moto da neve), o lead dogs (trenó puxado por cães) e o cross country (trekking na neve com esquis). Apesar de esta ter sido minha terceira vez na neve, foi meu début como esquiadora. Foi em Aspen que aprendi a gostar de esquiar e entendi que a habilidade no esporte está diretamente ligada a ter aulas com um bom professor – no seu idioma. Em três dias eu já esta-

va descendo algumas pistas. E a sensação não pode ser melhor. O segredo é começar devagar, cada um dentro do seu limite, mas sempre colocando uma pitada de ousadia. Na neve aprendemos muito sobre nós mesmos. Eu caí pouquíssimas vezes, não por ser um prodígio nos esquis, mas por tentar manter o controle 100% do tempo. O que é um erro. Jamais esquecerei meu instrutor dizendo: Less control, Cris! – Menos controle, Cris. – Já minha parceira, a Adriana Moreira, do Estadão, caía a cada dois minutos simplesmente por se atirar o tempo todo, o que rendeu ótimas risadas. Inacreditável mesmo foi quando conseguimos bater de frente, mas ninguém se machucou.

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Viagem NA A LTA T E M P O R A DA , A S P E N T E M I N T E N S O M OV I M E N TO E S E D I A D I V E R S O S E V E N TO S I M P O R TA N T E S


Quem está mais acostumado esquia ouvindo música, mas no meu caso toda a concentração era pouca, por isso, deixei o som do vento me guiar e provei uma paz de espírito e liberdade sem igual. No meio de um dia deslizando pela neve, vale a pena dar uma parada em um dos restaurantes que ficam no alto das montanhas para recarregar as baterias, fazer um lanche, desfrutar daquela incrível atmosfera e de música ao vivo. As famosas Montanhas de Maroon Bells Passear de snowmobile (moto da neve) é divertido e um presente aos olhos. Picos nevados emolduram a paisagem e tiram o fôlego. Quem oferece este passeio é o pessoal do T Lazy 7, um dos mais antigos ranchos do Colorado, construído em 1938. Praticantes de cross country cruzam o caminho acompanhados de seus cães. Em uma simpática confraternização, todos se cumprimentam. O trajeto leva os aventureiros a estarem frente a frente com o expressivo conjunto de montanhas chamado Maroon Bells. Nos contaram que elas são as montanhas mais fotografadas dos Estados Unidos. Aos seus pés tem um lago: no inverno ele fica congelado, no verão reflete a imponência das imensas formações rochosas. Um chocolate quente, servido em uma casinha estrategicamente bem localizada, trata de devolver calor ao corpo.

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E S T E P E Q U E N O V I L A R E J O E S B A N JA C H A R M E E C O N Q U I S TA S E U S V I S I TA N T E S Depois de uma manhã ao sabor do vento e alimentando a alma com a força da natureza, é chegada a hora do almoço. Rumamos para uma encantadora cabana de madeira no meio de uma floresta, linda, coberta de neve. Nosso guia preparou churrasco de hambúrgueres, inclusive vegetarianos, ao estilo americano, enquanto tomávamos uma Heineken em uma tarde deliciosamente ensolarada. Este passeio me fez dar mais pontos ainda a Aspen. Esquiar é bom? Sim, maravilhoso. Mas programas alternativos são muito bem-vindos. No final da tarde apostamos corridas na pista de alta velocidade do rancho e acabamos o dia felizes e prontas para mais uma sessão de hot tub. Assim é este pedacinho do Colorado, clima invernal em seu melhor estilo. Uma paisagem estonteante composta por uma majestosa cadeia de montanhas. Um pequeno vilarejo que esbanja charme e conquista seus visitantes como os bons vinhos fazem com os paladares mais requintados: com tradição, sabedoria e elaborada estrutura. Cheers a Aspen!

SERVIÇO QUEM VOA: AMERICAN AIRLINES 03007897778 – WWW.AA.COM.BR QUEM LEVA: INTERPOINT VIAGENS E TURISMO 0800-771-9400 WWW.INTERPOINT.COM.BR POINT DA NEVE (51) 33287171 WWW.POINTDANEVE.COM.BR MASSAGEM: REMÈDE SPA – ST. REGIS RESORT WWW.REMEDE.COM

CRIS BERGER VIAJOU A CONVITE DA AMERICAN AIRLINES E ASPEN SNOWMASS – WWW.ASPENSNOWMASS.COM

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O sabor e o saber FERNANDO LOKSCHIN

GALINHA DE POUCO CURRY Ela já foi o alimento dos poderosos. Depois, tornou-se a carne do povo A galinha chegou ao Brasil na comitiva de Cabral. Capaz de crescer e se multiplicar rapidamente e, ao mesmo tempo, fornecer ovos e carne, a ave participou das grandes navegações e descobrimentos europeus. Registra a carta de Caminha: os nativos que subiram a bordo ignoraram solenemente a presença de um carneiro, mas ficaram terrivelmente espantados ao se depararem com uma galinha. Aqui a galinha se aclimatou. O Cozinheiro Nacional, nosso primeiro texto culinário (séc. XIX), junto a pratos de onça, macaco, gambá e cobra, com humor bem brasileiro traz uma ‘Sopa de Leite de Galinha’. Natural das florestas indianas, a galinha foi dos últimos animais domesticados, primeiro para sacrifício religioso, depois para rinha e ornamentação e só depois como recurso alimentar. Quando as crianças disputam o ‘osso da sorte’ à mesa, repetem uma prática milenar. Na Ásia, ossos e sangue de galinha são usados em adivinhação e as religiões africanas têm na galinha a vítima sacrificial preferencial. A canja de galinha servida ao doente – a ‘penicilina judaica’, um tratamento universal – conserva a aura mágica da ave. “Com canja tudo se arranja’’, diz o ditado. Especial para o enfermo, o ‘frango de botica’ era vendido no balcão da farmácia, e seu seu caldo, receitado pelo doutor, era cozido pelo próprio farmacêutico. No Brasil Império, a galinha era a dieta ideal para a gravidez, puerpério e aleitamento. Os romanos faziam futurologia a partir do modo de a galinha ciscar o alimento. Nas Guerras Púnicas, quando as galinhas sagradas se recusaram a comer, o general Cláudio Marcelo disse: “Pois então vão beber”, jogandoas ao mar. O General foi derrotado e morto por Aníbal. Ainda no séc. XIX, as raças eram selecionadas mais

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pela plumagem do que pelo potencial alimentar. A velha questão, “o que veio primeiro, o ovo ou a galinha?” tem uma resposta clara: o ovo. Não é à toa que a galinha bota ovos de ouro; a carne – o inevitável frango novo (pré-púbere) e a galinha velha (post-menopausa) – era mero subproduto da produção de ovos. Do ponto de vista religioso, o ovo era considerado carne e interditado na Semana Santa. Os ovos colhidos nesses dias só eram consumidos no Domingo de Páscoa, não antes de pintados e decorados para cobrir os vestígios da sua conservação em banha, daí a tradição. Para nos dar tanto ovo e carne, a galinha teve de sacrificar uma característica básica da ave: o vôo. A maioria das aves voa, mas não põe mais do que alguns ovos a cada primavera, mas a galinha é diferente: tem asas atrofiadas e o peito e coxas carnudas, deitando um enorme ovo a cada ciclo solar. Como usual, as fêmeas são menos pontuais que os machos: se o galo canta ao nascer do sol, a galinha deita um ovo, duas belas formas de saudar o futuro, o dia que se inicia. A rotina do frango à mesa é recente. “Quando pobre come galinha, um dos dois está doente”, dizia o Barão de Itararé. No conto medieval, o sonho camponês era comer “aquilo que o patrão chama de frango assado”. A galinha era alimento dos poderosos. As ‘Memórias Gastronômicas’ de Alexandre Dumas registram que Cussy, mordomo de Luís XVIII, teria criado 366 pratos diferentes de galinha, um para cada dia do ano, incluindo os bissextos! Conta também que Luiz XVI, antes de subir a guilhotina, ceou galinha “comida com as mãos em sofreguidão, até que não restasse fiapo de frango, migalha de pão”.

FOTO: ANDRÉ NERY


CORTAR OS PEITOS EM PEQUENOS CUBOS. DEIXAR HORAS EM SUCO DE LARANJA. SECAR E TEMPERAR COM SAL. PASSAR NA FARINHA DE TRIGO. BORRIFAR UM MÍNIMO DE AÇÚCAR. DOURAR NA MANTEIGA OU ÓLEO. REFOGAR EM CEBOLA, ALHO, TOMATE E PIMENTÃO (POUCO, SEM CASCA E SEMENTES). ADICIONAR PASSAS E DAMASCOS PICADOS. COZINHAR LEVEMENTE. ADICIONAR AMÊNDOAS TOSTADAS. DAR VOLUME E CONSISTÊNCIA AO MOLHO COM CALDO DE GALINHA, VINHO BRANCO E FARINHA DOURADA. BORRIFAR PIMENTA PRETA. COLOCAR UM POUCO DE CURRY. SERVIR COM ARROZ.


O sabor e o saber F E R N A N D O

LO K S C H I N

Segundo a tradição, o cozinheiro de Napoleão punha um frango a assar a cada 20 minutos: o imperador não tinha hora para comer e detestava comida requentada. D. João VI, nosso rei glutão, era famoso por devorar muitas galinhas numa única refeição, e seu neto, D. Pedro II, degustava uma canja nos intervalos das apresentações teatrais. O novo ato só se iniciava após a ceia do camarote imperial. ‘Galinha na panela é visita ou festa’; durante séculos, a galinha era o ‘luxo ocasional’ da mesa do trabalhador, o prato das festas e domingos. Na França, o rei Henrique IV sonhava com um frango na panela dominical de cada súdito. Nos Estados Unidos, na ressaca da Grande Depressão, Hoover foi eleito presidente com o lema: “Um frango em cada mesa”. Ainda há pouco, as casas, como as caravelas, tinham um galinheiro, onde ovos eram colhidos e, em dias especiais, uma ave era abatida, assada e consumida pela família reunida. O frango, destrinchado pelo chefe de família numa distribuição de pedaços a expressar a hierarquia e o gosto de cada um, é uma versão atual de ritos e festins de caça que remontam à Pré-História. Haute cuisine ou mesa camponesa, disponibilidade e preço dão o destino do alimento. O frango se tornou a carne do povo, trilhou o caminho inverso do caviar, salmão, ostras, trufas e bacalhau, que migraram da boca plebéia à abonada. Hoje a galinha é a principal fonte de proteína animal, a forma mais barata de produzi-la. Hábitos sexuais considerados promíscuos fizeram da galinha um tabu para muitos hindus. Símbolo da curiosidade frívola e pouca inteligência, nossa cultura cultiva o preconceito: galo é elogio, galinha é ofensa. Arrastar a asa é seduzir, franga, galeto ou cocota é a jovem desejada, mas galinha é a mulher promíscua. Coquete, que descrevia os hábitos do galo (F. coq) excursionando por todas as galinhas do galinheiro, se transfigurou num termo pejorativo reservado ao feminino. A imagem das galinhas empoleiradas, uma defe-

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cando na cabeça da outra, ganhou notoriedade em conhecida figura de linguagem. Curiosamente, uma das raras alusões positivas à galinha foi feita por Jesus ao pregar em Jerusalém: “Quantas vezes quis reunir teus filhos como a galinha que reúne seus pintinhos sob as asas” (Mt 23:27). A cruel passarinhada e a pedofilia gastronômica do galeto ao primo canto dos imigrantes italianos são heranças alimentares de Roma Imperial a atestar que a ave era tão importante como pão e circo. ‘Gália/gaulês/ galo’, a sonoridade, criou afinidade, e a França, Gália romana, se representa como um galo e entende de galinha. O melhor frango francês, tal o queijo e vinho, tem sua procedência e criação bem explicitados: oposto do monstruoso Frangstein – o pseudofrango industrial –, há a bênção artesanal do poulet de Bresse, criado ao ar livre, embalado em imaculado tecido branco e ostentando o selo de ‘Appellation d’Origine Contrôlée’. Na natureza tudo se transforma. A galinha é uma grande recicladora biológica, capaz de transformar insetos, vermes e sobras em carne de qualidade. A ave não mastiga com o bico, tem a moela como dente. Quando um grão é muito duro, a ave ingere pedrinhas para auxiliar a triturar o alimento. Na fazenda tradicional, a vaca comia o milho, o porco comia sobras do milho no esterco da vaca e depois a galinha não deixava qualquer sobra no esterco do porco. O ciclo se fechava com o esterco da galinha adubando o plantio do milho. A manipulação hormonal e genética e a criação intensiva transformaram de tal forma a carne de frango que se prepararmos uma receita do séc. XVIII com a gordura e o tempo de cozimento recomendados obteremos um patê. Assim como certos povos orientais têm menos calvície, barba, câncer de próstata e tamanho de pênis devido à ingestão de soja (rica em isoflavona, hormônio feminino), o maior consumo de frango (rico em hormô-


A CARNE BRANCA E SUAVE DA GALINHA É PERFEITA PARA RECEBER O AMARELO DO CURRY, FORTE EM COR, ODOR E SABOR

FOTO: ANDRÉ NERY

nio do crescimento) pode ter causado o aumento de estatura das novas gerações em todo o planeta. Durante séculos, a porção mais nobre da galinha foi a sambiqueira, então chamada de uropígio. As expressões ‘carne branca’ e ‘carne vermelha’ antecedem a moda do colesterol e se criaram no moralismo vitoriano inglês. Como não era de bom-tom pronunciar à mesa as palavras ‘peito’ (breasts) e ‘coxas’ (legs), surgiram os eufemismos ‘carne branca’ (white meat, o peito) e ‘carne vermelha’ (read meat, as coxas). É linda a história de Churchill, que, repreendido por uma dama ao solicitar um pedaço de galinha pelo termo ‘breasts’, desculpou-se enviando-lhe um colar e um cartão sugerindo que usasse a jóia junto à sua ‘white meat’. Os franceses também recorrem à metáfora sensual quando chamam o peito de frango pelo adjetivo supréme... Carne branca ou vermelha na quantidade apropriada só é questão de gosto; a única carne imprópria ao consumo humano é a azul-esverdeada. Banhada a ouro, a carne branca e suave da galinha é perfeita para receber o amarelo do curry, forte em cor, odor e sabor. O pássaro tem um encontro com o tempero. A mesma geografia produziu alimento e condimento, acasalou contrastes. A Galinha de Pouco Curry não é canja, mas é fácil de preparar, mais ainda de apreciar. O puritanismo é inimigo do prazer. Em relação à cozinha exótica, que se divulgue a verdade ímpia: quanto menos autêntica e mais promíscua, mais gostosa. Oferenda ao futuro. Se a ave dedica o canto ao dia que se inicia, ela cede o corpo à boca da noite: magia e religião, a sorte no prato, jóia de ‘luxo à mesa’. Um jantar memorável, para tais coxas e peitos, só um adjetivo, supréme! Que bela forma de saudar a natureza.

FERNANDO LOKSCHIN É MÉDICO E GOURMET fernando@vanet.com.br

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MadeinRS P O R

I R E N E

M A R C O N D E S

F OTO S

L E T Í C I A

R E M I Ã O



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design SIM. VOCÊ VIVENCIA ESTA PALAVRA DIARIAMENTE NO SEU TRABALHO, NA SUA CASA, NA RUA, NO SUPERMERCADO, NO AEROPORTO... DÊ UMA RÁPIDA OLHADA AO SEU REDOR E ESCOLHA ALGUNS OBJETOS DOS QUAIS VOCÊ NÃO ABRIRIA MÃO NEM POR UM DECRETO. PODE SER AQUELA LUMINÁRIA BIARTICULADA QUE LEVA O FOCO DE LUZ PARA O PONTO QUE VOCÊ DESEJA, OU QUEM SABE AQUELE TECLADO ERGONÔMICO DO SEU COMPUTADOR... UMA SIMPLES GARRAFA TÉRMICA QUE CONSERVA A ÁGUA DO CHIMARRÃO EXIBE FORMAS E SISTEMAS CADA VEZ MAIS EFICIENTES. A ESTÉTICA DESSES PRODUTOS É OUTRO PONTO VITAL – UMA BUSCA CONSTANTE DE TRAÇOS QUE PERMEIAM A BELEZA E O EQUILÍBRIO. DESIGN É ASSIM. PURO. ESSENCIAL. SIMBIÓTICO. EMBORA O HOMEM SEMPRE TENHA PRODUZIDO ARTESANALMENTE PRODUTOS PARA SEU USO E COMUNICAÇÃO, ASSOCIAMOS AS ORIGENS DO DESIGN COM O APOGEU DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, NO SÉCULO XIX. A FABRICAÇÃO DE PRODUTOS PARA AS MASSAS EXIGIU UMA RACIONALIZAÇÃO DOS PROJETOS E O DESENVOLVIMENTO DE UM RACIOCÍNIO ATÉ ENTÃO INEXPLORADO. NA FILOSOFIA, O SUBSTANTIVO ABSTRATO – DESIGN – REFERE-SE A OBJETIVIDADE OU PROPÓSITO. O DESIGN É O OPOSTO DA CRIAÇÃO ALEATÓRIA. NA VISÃO TRADICIONAL, CONCLUI-SE, PORTANTO, QUE O DESIGN SÓ PODE SURGIR POR INTERMÉDIO DE UM DESIGNER CONSCIENTE. AQUI NO RIO GRANDE DO SUL EXISTE UM TIME DESTES PROFISSIONAIS, E NÓS CONVIDAMOS ALGUNS DELES, ESPECIALISTAS NA CRIAÇÃO DO MOBILIÁRIO, PARA REVELAR AS MINÚCIAS DESTE COMPLEXO PROCESSO. OS MÓVEIS QUE VOCÊ VERÁ A SEGUIR JÁ CONQUISTARAM CONSUMIDORES DAQUI E DE FORA, COMPROVANDO QUE O DESIGN É MESMO UMA PALAVRA SEM FRONTEIRAS.

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Beto Salvi Tuti Giorgi Em 1990, quando aceitaram o primeiro e grande projeto de suas carreiras, Tuti e Beto não imaginavam o tamanho do desafio que teriam pela frente. A dupla projetou a primeira loja de CDs do Rio Grande do Sul. “Não só desenvolvemos o layout do espaço como desenhamos todos os móveis e displays, já que não havia no mercado nada adaptado para acomodar os CDs”, conta Tuti. “Apostamos também no uso dos materiais primários, evidenciando seu estado bruto”, ressalta Beto. Soluções irreverentes, como a utilização de canos de cobre como suporte de iluminação e chapas metálicas como prateleiras, agradaram à nova geração de consumidores dos disc lasers. “Curiosamente, nos projetos seguintes também sentimos a necessidade de desenhar móveis para solucionar problemas específicos dos nossos clientes”, conta Tuti. “Percebemos que estas peças preenchem lacunas do mercado e por isso buscamos a produção em série para cada uma delas”, complementa Beto. A dupla projetou, por exemplo, umas das primeiras soluções de estantes e de prateleiras componíveis no Brasil. O sofá Vasarely e o revisteiro horizontal,

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ambos modulares, reforçam o lado prático e ao mesmo tempo lúdico destes designers. “Cada um pode montar o seu ambiente como imaginar. Essa liberdade é fantástica”, afirma Tuti. Algumas diretrizes básicas norteiam o trabalho desses arquitetos: utilização de materiais ecologicamente corretos, racionalização no uso dessas matérias-primas e simplificação da logística. “Pensamos no mercado globalizado sempre que desenhamos um produto. Por isso, ele tem que ser fácil de transportar e de montar e deve atender às necessidades mundiais de consumo”, conta Tuti. Trabalhar com a tecnologia disponível nas indústrias nacionais não é um limitador para a dupla. Pelo contrário, é um desafio. “Quem disse que somos obrigados a ficar restritos ao que existe nas fábricas? Somos grandes incentivadores para que elas aprimorem seu parque industrial. Muitas vezes dizemos para o fabricante: você precisa modernizar sua estrutura, precisa adequá-la às novas exigências do mercado. Fazemos pesquisas constantes. Afinal, nosso assunto é design, e não artesanato”, afirmam.


TUTI (À ESQUERDA) E BETO (À DIREITA) APOSTAM NAS SOLUÇÕES MODULARES, COMO ESTE REVISTEIRO QUE ACABAM DE LANÇAR


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ILSE LANG APRESENTA A CADEIRA ONDA, INSPIRADA NO DESIGNER JAPONÊS SORI YANAGI


IlseLang Liberdade de criação, produção em larga escala e conquista de mercados nacionais e internacionais são os três grandes motivos que levaram a arquiteta gaúcha Ilse Lang a mergulhar no universo irrestrito do design. “Por trás do trabalho existe a convicção de que desenhar artefatos utilitários com coerência e rigor é transpor a barreira das soluções técnicas e funcionais, evocando emoção, poesia, curiosidade e senso de identidade”, explica. Logo que começou a desenhar, em 1986, Ilse lançou uma cama de casal que conquistou não só o mercado como também o Prêmio Movesp, de 1988. “Ela está até hoje na minha casa e faz parte de um projeto que visa a relançá-la. É ótimo perceber que o design permanece atual. Isto só foi possível porque sempre busquei o essencial, o estritamente necessário”, conta. Os traços de Ilse denunciam uma forte influência do modernismo e de suas concepções racionais, mas a presença de soluções de cunho popular regionalista estabelece um contraponto marcante. Bom exemplo é o banquinho Tribo, que tem sua raiz no popular banco de madei-

ra presente nos galpões campeiros. Usado pelos gaúchos para tomar o mate ao redor da fogueira, o rústico assento logo inspirou a designer. A busca pelo mobiliário lúdico é outra temática constante. “A minha formação como arquiteta transparece na estrutura formal dos meus trabalhos. Gosto de explorar a versatilidade das ferragens, colocando-as nas gavetas e nas mesas extensoras. Elas possibilitam a mudança na forma dos móveis de acordo com o seu uso. Os consumidores interagem com as peças, adaptando-as às suas necessidades”, explica a arquiteta. Rabiscar, prototipar e rabiscar novamente são etapas que Ilse percorre sempre que desenvolve novos produtos. “Quando a peça está tridimensional consigo concretizar ainda melhor a sua forma. O design não é estanque. Mexo no produto diversas vezes antes de colocá-lo em linha”, revela. A loja Faro Design, em Porto Alegre, reúne a coleção completa da arquiteta. O nome não poderia ser mais aguçado: traça um paralelo entre o instinto animal e o comportamento humano de “encontrar algo sem uma procura racional”.

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AnaVazquez Renato Sólio

Esta dupla tem mais de 200 produtos comercializados atualmente no Brasil e no exterior, já recebeu seis importantes premiações e em 2004 participou da mostra “Brasil Faz Design”, em Milão, com a poltrona Santa Bárbara, produzida pela Saccaro. À primeira vista essas informações parecem objetivas demais. Mas a questão é que elas sintetizam a essência do design: móveis que reúnem viabilidade industrial, matérias-primas inovadoras e ecológicas e desenhos que atendem aos anseios do mercado. “Eu costumo dizer que pesquisas, domínio das tecnologias e das matérias-primas representam 80% do esforço no desenvolvimento de um produto. Apenas a porcentagem restante é de pura inspiração”, conta Renato Sólio, arquiteto gaúcho, que projeta peças do mobiliário desde 1984 em parceria com a arquiteta uruguaia Ana Vazquez. “Como designer, pretendo passar para o mundo alguns conceitos, soluções e inovações. Mas isso só é possível se não perdermos o foco no mercado. Caso contrário, não vamos conseguir passar nada”, conclui Ana, uma apaixonada confessa pelo Brasil. O desafio constante desses arquitetos é trabalhar com novas matérias-primas, principalmente as provenien-

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tes da natureza. “Ainda temos muito para descobrir. Não se trata apenas de revelar materiais inéditos, mas principalmente de aproveitar o que já existe de forma diferente e mais ampla, sempre atentos à preservação do meio ambiente”, diz. Ela sugere, como exemplo, o bambu: tantas vezes empregado para estruturar o móvel, agora começa a ser usado nos tampos. “Na Bahia, os artesãos extraíram a fibra do coco e passaram a criar objetos com ela. Eles enxergaram algo além do simples fruto. Essa é a fronteira que temos que ultrapassar”, comenta. Deixando a parte técnica um pouco de lado, eles revelam de onde vêm aqueles 20% de pura inspiração. “Temos um olhar aguçado o tempo inteiro. Quando viajamos, trazemos novas referências não só do mobiliário, mas principalmente das ruas, dos metrôs, da moda e da gastronomia. Tudo isso serve de back ground para nossas discussões”, comenta Renato. A arquiteta finaliza: “Gosto de um pensamento de Philippe Starck que diz que é preciso ignorância no ato de criar. Sua mente tem que estar livre de todas as referências na hora de conceber uma nova idéia. A verdadeira criação irá surgir de um milhão de informações que você guarda dentro de si”.


RENATO SÓLIO E ANA VAZQUEZ ASSINAM A MESA DE CENTRO VITÓRIA RÉGIA, PRODUZIDA PELA SACCARO


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HELOÍSA CROCCO POSA AO LADO DE ALGUNS DOS PAINÉIS DE PINUS QUE FICARAM EXPOSTOS NA MOSTRA “BRASIL NA FRANÇA”


Heloísa Crocco A “Nova Ordem no Planeta” é um dos movimentos mais fortes hoje na Europa e significa, em outras palavras, a luta pelo reaproveitamento dos recursos naturais no mundo. A designer e artista plástica Heloísa Crocco tem seu trabalho intimamente ligado ao reaproveitamento da madeira. Por isso, no ano passado, uma comissão formada por brasileiros e franceses convidou Heloísa a expor seus painéis de pinus na mostra “Brasil na França”, durante os dias 10 de setembro e 31 de outubro de 2005. “Como parte da programação oficial, acabo de apresentar os trabalhos da minha pesquisa Topomorfose na galeria BOA. BOA, em Hossegor, no sudeste da França. Ali está localizada a maior floresta de pinus da Europa, plantada por Napoleão há 200 anos”, conta Heloísa. A mostra reuniu cinqüenta painéis modulados, medindo 50 cm x 50 cm cada um e executados com pequenos volumes de pinus reflorestado e pintura, numa geometria de efeito óptico e lúdico. Produzida em 2005, a série possibilita uma infinidade de montagens, onde predominam os brancos, os vermelhos e um conjunto multicolorido. “O resultado foi impressionante. O

europeu tem muita consciência da importância da preservação ambiental, e meu trabalho envereda nessa temática”, conta a designer. “O povo francês, em particular, vê muita alegria e muito frescor na cultura brasileira. O comentário geral sobre o meu trabalho destacava a originalidade da montagem”, lembra Heloísa, que há pouco desembarcou da França. Ela conta que a sua ligação com o meio ambiente começou desde criança. “A natureza sempre me seduziu, sempre me impressionou, me contagiou. Aprendi não só a olhá-la, como a escutála e a senti-la, em sua força, exuberância, cheiro, cor e magia. Esta é a nossa grande mestra”, diz. Depois de um longo convívio com diferentes materiais da natureza, Heloísa elegeu como foco de pesquisa o veio da árvore com seus anéis de crescimento. Do seu corte em topo resultam grafismos, padrões e texturas que começou a explorar na pesquisa denominada Topomorfose. “Para mim, o design não é simplesmente um símbolo de status ou de poder aquisitivo. Ele é espaço de sonhos, de emoções, de sobrevivência e de filosofia do ser. Atrás de um projeto estético há sempre a busca de um homem novo”, conclui.

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Débora, Tina e Lui A cultura tradicionalista do Rio Grande do Sul ganhou o mundo a partir do design de móveis das irmãs Tina e Lui. Com uma galeria de prêmios nacionais e internacionais de causar inveja, elas sempre buscaram valorizar e evidenciar o artesanato gaúcho. “Sem aqueles ranços de regionalismo, é claro”, afirma Tina, no seu escritório, em Porto Alegre. Gêmeas, elas garantem que a parceria na arquitetura e no design é eterna. “Somos sócias desde o útero de nossa mãe”, brinca Tina. Uma das coleções que consagraram o trabalho da dupla foi a linha de mobiliário Imigrantes, que resgata os traços dos móveis coloniais italianos e alemães, desta vez apresentados com uma linguagem mais contemporânea. É também no interior do estado que essas arquitetas buscam inspiração: artesãs gaúchas são muitas vezes co-autoras dos trabalhos desenvolvidos aqui. A poltrona Mantô, por exemplo, produzida pela Saccaro, valoriza as tramas de tear, que podem ser de couro com fios de algodão ou de fibra de bananeira. “O artesanato do terceiro setor, como costumamos

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chamar, pode enriquecer de forma substancial o design do mobiliário e ainda não é explorado suficientemente”, ressalta. Desde 2000, a irmãs Tina e Lui contam com um reforço na sua equipe de criação: a recém-formada arquiteta e designer Débora Eichemberg. “Ela chegou trazendo um sopro de renovação. A nossa troca é muito produtiva, e a afinidade e a sintonia são visíveis”, afirma Tina. Entre os ideais compartilhados pelo trio, evidencia-se a preocupação com a natureza. “Fomos as primeiras designers a receber o Prêmio Ibama, em 1990, com a peça SofáBerço, de madeira Tauari e Marupá, provenientes do manejo sustentado”, lembra Tina. Desde então, elas só desenvolvem projetos com as espécies autorizadas pelo Instituto. Atualmente o trio faz parte do Laboratório Piracema de Design – uma iniciativa que envolve arquitetos, designers, entidades e artesãos que pesquisam e apontam novos caminhos para o artesanato gaúcho. “Este laboratório é uma fonte inesgotável de aprendizado e de inspiração”, conclui Tina.


TINA (DE PÉ), DÉBORA (SENTADA) E LUI (APOIADA NA POLTRONA) VALORIZAM O ARTESANATO NESTAS PEÇAS PRODUZIDAS PELA SACCARO


Bom conselho P O R M A LU C O E L H O

TRADIÇÃO NO VERÃO GAÚCHO O ano novo começa e as nossas expectativas de que pode ser melhor e diferente também. Ah! Parece fácil falar que as mudanças dependem de nós... Mas dependem... A vida é uma aventura extraordinária e existem milhares de caminhos possíveis. Com ousadia, coragem e fé chegamos lá... As mudanças em nossas mãos. Desde se livrar de antigos hábitos, até cuidar mais dos detalhes do seu dia-a-dia, acompanhe algumas dicas para começar o ano com energia positiva e muito bom humor. Veja como: 1. LIMPE O SEU CORAÇÃO: NÃO GUARDE RESSENTIMENTOS, MÁGOAS E CIÚMES. 2. FAÇA AS PAZES COM O SEU CORPO: CURTA-SE DIANTE DO ESPELHO. 3. NÃO TOME DECISÕES IMPOSSÍVEIS DE REALIZAR. 4. RECLAME MENOS DA VIDA E VALORIZE OS MOMENTOS BONS. 5. CUIDE DO PLANETA, FAÇA A SUA PARTE, ECONOMIZE ÁGUA, SEPARE O LIXO, PLANTE FLORES E ÁRVORES. 6. DIGA A SEUS AMIGOS O QUANTO ELES SÃO IMPORTANTES PARA VOCÊ. 7. LIVRE-SE DOS ENTULHOS (TUDO QUE INCOMODA VOCÊ). É HORA DE RECICLAR A VIDA. 8. LEIA MAIS. VALORIZE A NOSSA LITERATURA. TEMOS EXCELENTES ESCRITORES.

Fala sério.... O verão tá aí! E como é tradição de todo gaúcho, aquela mudança para a praia na temporada sempre acontece. No roteiro não falta aquela passada pelo supermercado para abastecer a casa de praia, nem a rede para os cochilos de depois do almoço. No kit básico do verão, roupas novas e leves, protetores solares, cremes e muita vontade de curtir as novidades do litoral gaúcho. Afinal, a gente praticamente fica morando na praia, não é? Neste momento, vale seguir novamente a tradição: um bom churrasco, chimarrão curtindo o fim de tarde, conversa com amigos, leitura, muita leitura.

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Os engenhos de uma

pousada T E X TO S DA N I E L

E F OTO S M A R T I N S



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ALGUNS VÃO PASSAR LÁ O FIM DE SEMANA, MAS NÃO CONSEGUEM IR EMBORA NO DOMINGO 64

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Os engenhos de uma pousada Alguns quilômetros e uma história curiosa separam a praia da Ferrugem, em Santa Catarina, e São Francisco de Paula, na Serra gaúcha. Conta um dos proprietários da Pousada do Engenho, Ananta Alano, que o final da década de 70 trouxe grandes mudanças à pequena praia catarinense. Da noite para o dia, os nativos deixaram de se interessar pela pesca e pelo trabalho nos engenhos de farinha. A luz elétrica anunciava o progresso e a nova onda passou a ser carros, terrenos e tudo o mais que pudesse trazer lucro imediato. “Daria um bom material para uma tese de sociologia”, brinca. Ananta, que na época passava uma temporada por lá, decidiu salvar um pouco do que restava da vida mais agrária e artesanal, que estava ficando para trás num piscar de olhos. Ele percorreu a região em busca de engenhos que estivessem em boas condições. Visitou mais de 50, até que finalmente encontrou um que lhe agradasse e o comprou por um preço irrisório, já que esse não era mais o negócio por ali. Transportou-o com certa dificuldade para terras gaúchas, colocando o enorme engenho no terreno onde hoje é a pousada, mas que na época era simplesmente o lugar onde ele e o irmão passavam as férias com a família e também faziam as melhores festas juninas da região. “O astral aqui foi sempre muito bom. Por sorte, só atraía gente com boa energia”, contam os donos. A máquina ficou por lá até o dia em que Ananta foi morar no Chile e resolveu doar o engenho para alguém que pudesse realmente tirar proveito dele. Entrou em contato com a prefeitura de Novo Hamburgo e fez uma doação, legitimada e reconhecida em cartório. Para a sua surpresa, ao regressar do Chile anos mais tarde, o engenho estava completamente em desuso, num estado deplorável. “Deu pena de ver. A vontade que eu tive foi de chorar”, lembra. A única peça resgatada adorna hoje a fachada da pousada: uma enorme prensa de madeira, que no engenho servia para amassar a mandioca. Nessa época começaram os movimentos para transformar a casa de veraneio da família numa grande cabana para alugar. A construção original foi preservada com toras de araucária trazidas do Paraná, num tempo em que a laminação desse tipo de madeira ainda era permitida. “O frete foi mais caro que a própria madeira”, lembra Ananta. Mais tarde, a casa do caseiro também virou


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A POUSADA CONTA COM UMA MARCENARIA PRÓPRIA. cabana e passou a receber hóspedes. Hoje são 10 cabanas, mas o projeto é não ter mais do que 13, afirmam os donos. Luxo no meio do mato Quem está dentro do quarto vê a janela como moldura de um lindo quadro, preenchido por mata nativa, de um verde vivo. Se fixarmos o olho, a impressão que temos é de que não existe interferência do homem nessa paisagem. E, de fato, essa é a grande preocupação por ali: manter esses dois hectares o mais preservados possível. Uma caminhada revela pequenas “ilhas” de bosques mantidos ao longo do terreno. As cabanas, estilo loghouses canadenses – você vai lembrar do Daniel Boon –, respeitam uma distância entre si, o que privilegia o silêncio. Nem mesmo o Pavarotti hospedado na cabana ao lado vai conseguir quebrar o seu sossego. Aliás, o que não falta por ali são cuidados para que os hóspedes passem bem. Imagine só: pantufas ao lado da cama, uma seleção musical escolhida a dedo,

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QUASE TODOS OS MÓVEIS SÃO FEITOS LÁ MESMO hidromassagem tamanho família, lareira no centro do quarto e um skylight para os dias ensolarados. Mas antes de pensar em ficar o final de semana inteiro entocado, saiba que é só botar o pé fora da cabana para ter o que fazer: quadra de tênis, piscina aquecida sem cloro – com sistema de salinização –, um lounge com música e cafeteria, salão de jogos, ofurô, sala de fitness e sauna. Outra atração exclusiva da pousada é o Lareiral, uma espécie de luau em torno da lareira, com músicos especialmente convidados. Além de tudo isso, a pousada ainda oferece um pacote exclusivo de lua-de-mel para os apaixonados. Gastronomia e cinefilia Na desolada costa da Dinamarca vivem Martina e Philippa, as belas filhas de um devoto pastor protestante que prega a salvação por meio da renúncia. As irmãs sacrificam suas paixões da juventude em nome da fé e das obrigações, e mesmo muitos anos depois da morte do pai elas mantêm vivos seus ensinamentos entre os habitantes

da cidade. Até que a chegada misteriosa de uma refugiada da guerra civil da França mexe com o pequeno povoado, e a vida das irmãs começa a mudar. A forasteira as convence a tentar algo realmente ousado: um delicioso banquete francês. A essas alturas, você já deve estar se perguntando o que o enredo do filme sueco “Festa de Babette” tem a ver com uma pousada em São Francisco de Paula. Pois foi justamente inspirado em filmes como esse que o inventivo projeto Mesa de Cinema nasceu. Uma vez por mês, em um final de semana, é promovido um encontro entre a sétima arte e a culinária. Tudo começa com a apresentação de um filme, seguido de um debate comandado por especialistas nas respectivas áreas. Logo após o bate-papo, quando todos já estão com mais água do que palavras na boca, acontece o tão esperado jantar. Para cada exibição, há um chef especialmente convidado para comandar as caçarolas e performances exclusivas, de acordo com o tema do filme. No dia de “A Grande Noite”, que conta a história de dois irmãos italianos donos de um restaurante na Nova Jersey de 1950, os termô-

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SÃO 10 CABANAS EM 2 HECTARES DE MATA NATIVA. metros estavam marcando temperaturas baixíssimas. “Era um frio de rachar”, lembra Alex. Terminado o filme, os convidados tiveram que encarar uma caminhada da sala de exibição até o restaurante, mais ou menos 200 metros. O jeito foi se aquecer com pequenos goles de grapa. Sem que se dessem conta, as pessoas foram entrando no espírito da noite que as aguardava. Chegando no restaurante Casa de Babette, perceberam que o clima de “A Grande Noite” estava por todos os cantos. As mesas, a música, a iluminação e o atendimento feito por todos que estavam trabalhando ali lembravam com criatividade cenas do filme. Embalados pelo mambo italiano extraído da trilha sonora do filme, os convidados arriscaram passos e mostraram que, àquela altura, não era só a música que os fazia dançar. O aroma vindo da cozinha anunciava o cardápio comandado por Mario Gradella, composto de um risoto tricolor e um delicioso tímpano, recriando com maestria as maravilhas gastronômicas do filme. Jantares assim já aconteceram inspirados pelos filmes Festa de Babette, Simples-

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mente Marta, Como Água para Chocolate, Vatel, Tampopo, O Cheiro de Papaya Verde, O Amor está na Mesa e Comer, Beber e Viver. Um engenho movido a paixão Conversando com os donos, aos poucos vai-se descobrindo como nasceu cada um dos atrativos, o porquê disso ou daquilo. Descobrimos, também, que todos os móveis, com raras exceções, são feitos por eles na marcenaria da pousada. À medida que vamos conhecendo melhor o lugar, a palavra engenho vai assumindo mais de um significado. Não apenas o da máquina de moer que deu origem ao seu nome, mas também o da capacidade de inventar, de criar com técnica e arte. Das espreguiçadeiras estendidas no deck da piscina ao Vatapá Oriental, delicioso prato feito com camarão, grão de bico, leite de coco, curry e especiarias, tudo tem o toque dos donos. E se for pela paixão que eles dedicam a cada dia de trabalho, esse engenho vai continuar funcionando bem por muitos e muitos anos.


TUDO TEM O TOQUE APAIXONADO DOS DONOS

SERVIÇO A POUSADA TRABALHA EM PARCERIA COM AGÊNCIAS QUE REALIZAM PASSEIOS PARA OS PRINCIPAIS PONTOS TURÍSTICOS DA REGIÃO. MAIS INFORMAÇÕES PELO FONE (54) 3244.1270 OU PELO E-MAIL POUSADADOENGENHO@POUSADADOENGENHO.COM.BR

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(con)vivências RUZA AMON

FEVEREIRO Férias para o relógio e para os lenços de papel Fevereiro é o mês em que os psicoterapeutas tiram férias. Não bastasse estarem de recesso, a grande maioria viaja para lugares remotos, deixando o celular em casa. Portanto, pacientes das mais diversas linhas terapêuticas, sejam compreensivos e não se metam em encrencas. Crises, pedidos de divórcio, pedidos de demissão, depressões, dietas severas – por favor – deixem pra março. Dêem férias para os problemas, ou então segurem a barra sozinhos, fazendo valer o investimento que foi feito durante o ano. Pensem positivo: por um mês estaremos livres dos dois equipamentos fundamentais da sala de terapia: o relógio que só é visto pelo terapeuta e a caixa de lenços de papel, aquela que está na mesinha ao nosso lado. É isso mesmo, o relógio é sempre posicionado na linha do olhar dele, para que a verificação das horas seja discreta. Consultar o relógio de pulso estaria fora de questão. Seria um gesto agressivo, de quem tem pressa ou de quem está com o pensamento em outro lugar. Palestrantes também têm esse cuidado retirando o relógio do pulso e colocando-o sobre a mesa. Mas os terapeutas não estão preocupados com a etiqueta, e sim como os nossos sentimentos. Camuflam os relógios para evitar olhares enviesados e traiçoeiros em busca dos ponteiros, o que macularia, com algum tipo de interpretação negativa, os nossos 45 minutos de lama. Haveria no mundo algum assunto mais urgente do que nossa crise existencial semanal? Estaria o

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terapeuta entediado com o relato do sonho que tivemos na noite anterior? Teria o próximo paciente um caso mais interessante ou mais patológico? Não, nossos terapeutas não querem aumentar o nosso repertório de angústias. E quanto aos lenços de papel, não se enganem. Eles não estão ali para o caso de estarmos gripados. Tampouco servem para se tirar a maquiagem enquanto reclamamos sobre nossos chefes e nossos pais. Eles foram plantados ali para enxugarem nossas lágrimas. Sim, em algum momento, no meio da tarde de um dia de semana, vamos chorar diante daquele estranho. (Ao menos esta é a fantasia dele.) E podem apostar que efetivamente vamos chorar, nem que seja na hora de fazer o cheque mensal de seus honorários. E você nem tinha reparado na caixinha de lenços? Ou pior: seu terapeuta ainda não tomou esta providência? Pois em março, solicite a sua. Em contraposição ao relógio, ela é a parte que lhe favorece. Quanto aos lencinhos usados, seja educado e lembre do que aprendemos com Celia Ribeiro: não havendo cestinha de lixo, leve-os com você. Assim estará retribuindo a etiqueta do relógio, e se não for por esta razão, tenho argumentos mais fortes: deixá-los será um ato falho, passivo de interpretação. E se bobear, lá se vão mais dois anos de análise para cada lencinho deixado para trás. RUZA AMON É JORNALISTA



Perfil


TANGOS, TRAGÉDIAS E OUTRAS HISTÓRIAS P O R P A U L A TA I T E L B AU M F OTO S L E T Í C I A R E M I Ã O

HIPERBÓLICOS, HISTRIÔNICOS, ROCAMBOLESCOS, LÉPIDOS E FACEIROS. ASSIM SÃO O MAESTRO PLETSKAIA E O VIOLINISTA KRAUNUS SANG, PERSONAGENS – OU SERIAM ALTEREGOS? – DE NICO NICOLAIEWSKY E HIQUE GOMEZ. VALE DIZER QUE NICO E HIQUE SÃO MAIS CONTIDOS E MENOS CARETEIROS DO QUE OS PERSONAGENS QUE ASSUMEM NO ESPETÁCULO TANGOS E TRAGÉDIAS, MAS NÃO MENOS CARISMÁTICOS DO QUE ELES. HÁ MAIS DE VINTE ANOS, OS DOIS LOTAM AS PLATÉIAS DE PORTO ALEGRE E LEVAM O PESSOAL AO TRANSE COM SUAS MÚSICAS CARREGADAS DE DRAMATICIDADE CÔMICA. NO APARTAMENTO DE NICO, EM UM AMBIENTE QUE PARECE QUERER CONTRASTAR COM O FIGURINO MONOCROMÁTICO DO TANGOS E TRAGÉDIAS, CONVERSEI COM A DUPLA DE ARTISTAS QUE, COM O PERDÃO DO TROCADILHO QUE ELES MESMOS CRIARAM, SÃO MAIS DO QUE ÍCONE: SÃO NÍCONE E HÍQUEONE.

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Perfil


QUANDO O HIQUE COMEÇOU A AFINAR MUITO, NA VERDADE EU COMECEI A ESTRANHAR NICO E HIQUE SÃO APELIDOS. QUAIS OS NOMES DE VOCÊS? NICO: Meu nome de batismo é Nelson, e o Nico é um

apelido da adolescência vindo do Nicolaiewsky. HIQUE: Luiz Henrique Gomes. Meu apelido de infância era Ike, mas eu mudei para Hique porque eu queria ser mais brasileiro. Depois do Tangos e Tragédias eu me descobri muito espanhol dentro do Brasil, e o z no Gomez fica mais diferente. Eu adorava o Gomez da família Adams, minha mulher é meio Mortícia, morena de cabelos compridos, e adora humor negro. Eu acho que fiz o Kraunus Sang para conquistá-la, sabe... depois eu adoro o Zorro... e o meu herói musical é o Zappa.

QUANDO VOCÊS SE CONHECERAM? NICO: Em 80, 80 e poucos... eu tava com o Saracura...

(aqui eles discordam, Hique diz que foi no fim da década de 70, Nico diz que não... eu digo que não importa e Nico continua...). Nessa época, cada um tocava na sua banda, mas sem nenhum contato tête-à-tête. Aí, dentro da minha memória, nos encontramos uma vez numa praia em Santa Catarina e nós passamos a noite tocando. Só anos depois é que nos encontramos de novo, por acaso, eu tava a fim de fazer coisas novas, tava saindo do Saracura, conversamos e resolvemos fazer alguma coisa juntos, o Hique tava começando a estudar violino. E aí começamos a nos encontrar pra estudar.

MAS O QUE MAIS UNIU VOCÊS? AS DIFERENÇAS OU AS SEMELHANÇAS? NICO: Primeiro as semelhanças, os dois estavam preci-

sando de trabalho. Segundo, tinha uma oportunidade de tocar num bar e o Hique tocava um instrumento, eu tocava outro, a coisa somava. HIQUE: E a gente se divertiu, começamos descompromissadamente. Eu ficava meio inseguro: “Ah, esse violino que eu tô tocando não tá muito afinado, aí eu digo pô, mas tá bom isso aqui, tá bacana”. O Nico já tocava O Ébrio no Saracura e aí a gente começou a tocar... Eu jamais tocaria O Ébrio... Eu achava interessante porque sempre tive interesse por história da música, meu pai era percussionista, então ele promovia muitos saraus em casa, sempre trazia

muita música antiga. Mas O Ébrio não era um tipo de música que meu pai tocava, era mais samba e tal, e aí o Nico começou a tocar O Ébrio e vamos lá...

E OS PERSONAGENS FORAM NASCENDO NATURALMENTE? HIQUE: Pois então, a gente tocava O Ébrio, e o Nico

tinha mais umas músicas do Vicente Celestino. Daí começamos a procurar um jeito de interpretar essas músicas e vieram os personagens. NICO: E sendo personagens podia desafinar, não tinha problema. Tanto que, anos depois, quando o Hique começou a afinar muito, na verdade eu comecei a estranhar. É a mesma coisa, por exemplo, quando tu escuta o Vander (Wildner) cantando. Daqui a pouco o Vander aparece superafinado com uma voz bonitinha, tu diz: “Epa, tem um lance aqui que não tá...”. HIQUE: E tinha um negócio integrado...

OS DOIS SÃO MEIO ATORES, NÉ? NICO: Eu gostava de teatro, sempre gostei, mas nunca

tinha atuado. Quando a gente começou o Tangos e Tragédias, nenhum dos dois tinha feito nada. Eu me lembro que às vezes eu sugeria uma atuação e o pessoal dizia: “Não enche o saco com esse lance de teatro”. E o Hique embarcou na história, entrou na brincadeira. HIQUE: No nosso caso, veio muito naturalmente essa coisa dos personagens, começou a fechar, fechar, fechar... e pum, fechou. Logo que nós começamos o Tangos e Tragédias, o Dilmar Messias me convidou pra fazer uma peça com ele, o que, para mim, foi a minha formação de ator.

E A HISTÓRIA TODA DOS PERSONAGENS. DA SBÓRNIA E TAL, VEIO DEPOIS? NICO: Foi ao longo dos anos. Primeiro nasceram os per-

sonagens e depois veio a história. Os próprios personagens, no início, não tinham uma definição. Tinham uma roupa. O nome, na verdade, foi na estréia.

AH É? NICO: É. O Hique diz que foi antes, mas na verdade não foi.

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Perfil COM DEZOITO ANOS, EU RESOLVI QUE NÃO IRIA FAZER FACULDADE, QUE EU IRIA SER MÚSICO HIQUE: É que nós temos duas memórias, entendeu? E a gente respeita isso. NICO: Pra mim, o nome foi dado nos corredores do IAB, onde a gente tava. Não tinha camarim, a gente tava no corredor, sentados na escada, esperando pra entrar, quando se deu conta de que podiam ser os nomes aqueles. Mas o Hique tem uma outra história. HIQUE: Eu acho que foi na casa da mãe do Nico, na cozinha. Eu me lembro claramente que a gente tava ensaiando e ensaiando uma música do Chaplin que eu trouxe pra gente colocar uma letra. E daí eu disse: “Pô, vamos cantar aquela música, vamos inventar uma letra”. E começamos a inventar, daí eu inventei uma parte da música, ele inventou a outra e tinha uma parte que era assim: “Pletskaya e Kraunus Sangue, Desesperovna Schissell, Pobrovna mãe materna, Klicson Wander Boi Tatá...”. Que não quer dizer nada, mas quer dizer tudo, contém uma sinopse... NICO: É pela sonoridade, uma sonoridade meio iídiche... HIQUE: Pobrovna mãe materna é a história do coração materno, que era capa do CD, então tinha aquela expressão ali, Pletskaia e Kraunus Sang... NICO: A gente criou a capa do CD cinco anos depois, ele inverteu um pouco o tempo... HIQUE: O que eu tô dizendo é que essa imagem é tão importante... bom, mas o que eu tava falando? Ah, daí na casa da mãe dele pintou essa coisa: “Vamos fazer personagens, cara!”. Eu sou o Kraunus Sang. Daí o Nico falou (Hique fala meio contido, sem ânimo): “Tá, eu sou o Pletskaia” (risos). Mas ele diz que foi depois lá no IAB. NICO: Foi o que aconteceu... Mas a gente nunca sabe o que é real e o que é imaginário... HIQUE: A estréia no IAB é que foi superlegal, a gente se divertiu muito, tinha bastante gente... NICO: Lotou! HIQUE: Vieram parabenizar com muita ênfase. Eu não tinha a menor noção da qualidade, porque a gente tava mais se divertindo... Não quero dizer que eu tava totalmente descompromissado, porque depois a gente decidiu que ia ser assim, um tipo de performance... toda essa estética do preto-e-branco que a gente assumiu vem de uma memória do Vicente Celestino. E tudo ligado ao cinema preto-e-bran-

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co, a obra do Chaplin, que pra mim é uma referência de arte muito forte.

TU ESTÁS CADA VEZ MAIS ENVOLVIDO COM CINEMA... INCLUSIVE FIZESTE UM FILME EM QUE A NETA DO CHAPLIN É A PRODUTORA... HIQUE: Na verdade, ela assinou como produtora pro filme entrar no pacote da família. “A Festa de Margareth” é o título. É um tributo ao Chaplin.

TÁ NO CIRCUITO COMERCIAL? HIQUE: Já foi lançado em DVD nos Estados Unidos e

ele entrou no MoMA... Aqui, já passou, mas passa assim, uma semana, duas semanas.

HOJE, COMO É QUE VOCÊS SE DEFINEM? ARTISTAS? NICO: Eu me considero uma personalidade. (risos) FALA MAIS SOBRE ISSO. NICO: É brincadeira... Na verdade eu me considero um Nícone mesmo... HIQUE: É o Nícone e o Híqueone...

VOCÊS PENSAVAM ISSO? QUE CHEGARIAM ONDE CHEGARAM? NICO: Com dezoito anos, quando eu resolvi que eu não

ia fazer faculdade, que eu ia ser músico, eu pensei: quero fazer uma banda e quero fazer desenho animado. Duas coisas que eu pensava que eu queria fazer. Ou seja, eu já tinha a idéia de não ser uma coisa só. Na verdade, eu tô longe de ser um músico com as características de um músico. Eu tenho uma visão, eu vejo a música como uma forma de... HIQUE: Expressão... NICO: Eu ia dizer de expressão, mas isso não define... é algo muito mais aberto... uma tentativa com a música de exprimir uma coisa que eu já sei que é maior do que a música... Eu estudava piano clássico, eu era músico, mas isso não me fazia a cabeça totalmente...

QUAIS SÃO OS SIGNOS DE VOCÊS? HIQUE: Eu sou Áries, com ascendente em Touro e lua em Sagitário.



Perfil


AQUELA CARGA PERFORMÁTICA DOS ANOS 70 É A MAIOR ESCOLA. MUTANTES, POR EXEMPLO NICO: Eu sou Gêmeos, ascendente em Gêmeos, lua em Escorpião.

feito concertos em orquestras e tenho misturado essas duas coisas, os personagens com os arranjos.

TÁ, E TU, HIQUE, IMAGINAVAS QUE UM DIA SERIAS ATOR? HIQUE: Não... Quando eu nasci, o meu pai era jogador

O QUE VOCÊS GOSTARIAM DE FAZER QUE NÃO FIZERAM AINDA? PROFISSIONALMENTE. HIQUE: Pra mim é muito claro que o desenvolvimento

do Grêmio, já tinha jogado no Renner. Então, quando eu tinha onze anos, eu queria ser jogador de futebol. Mas daí meu pai falou: “Hoje vai vir um professor de violão aqui e tu vais começar a ter aula”. E eu: “Pô! Aula, cara, de violão? Eu sou jogador!”. Daí começou a ir o professor lá e eu na primeira aula fiquei desbundado com a música. O professor era delegado de polícia e meu pai chegava depois da aula. E daí eles ficavam até uma parte da noite tocando, os dois ali, meu pai na percussão. Depois meu pai foi trabalhar na Caixa Econômica Federal e a gente se mudou pra Soledade. Lá, quando eu tinha quinze anos, virei profissional, porque eu entrei numa banda de baile, tinha que ter carteirinha profissional, meu pai teve que assinar autorização...

MAS SEM NENHUMA INTERPRETAÇÃO, EXPRESSÃO? HIQUE: Não, não, completamente tocado pela música e

só... Pra mim, aquela carga performática dos anos 70 é a maior escola. Mutantes, por exemplo. Rita Lee... O primeiro show de rock que eu vi na minha vida foi da Rita Lee. Eu fugi de Soledade, meus pais não queriam que eu viesse, aí eu fui pra estrada, peguei carona.

QUANTOS ANOS TU TINHAS? HIQUE: Antes de ser profissional... Uns 14, eu acho...

Vim ver o show da Rita Lee. Fiquei enlouquecido... Era incrível o show, era incrível.

JÁ FALOU ISSO PRA ELA? HIQUE: Já, já... Ela pra mim é uma referência de arte, per-

formance e anarquia. E isso tinha na minha casa também, anarquia e música, brincadeiras... Depois que eu encontrei o Nico, a gente começou a tocar e eu me expus pelo lado do violino. O que eu queria ser, antes de encontrar o Nico, era músico arranjador de orquestra. Tava começando a escrever arranjos. E aí, quando eu encontrei o Nico, isso tudo desandou, totalmente... Mas agora, nos últimos tempos, eu tenho

do Tangos e Tragédias trouxe um desenvolvimento pessoal e profissional muito grande. Aquele lado de compositores ficou em segundo plano, porque o palco passou a ser o nosso ganha-pão, subsistência. Então a gente passou a investir muito no palco, nas performances do Tangos e Tragédias e deixamos de gravar e de compor as nossas próprias músicas. Pra mim, pelo menos, começou a ficar um problema ter que abrir mão da criatividade e ter que negociar contratos com gravadoras. Porque a gente não depende de absolutamente nada, não depende de lançar disco, inclusive não dependemos de patrocinador. A gente conseguiu público suficiente pra nossa caminhada independente... Então, gostaria de lançar mais discos, compor mais... NICO: Eu tenho muitas vontades, vontades demais, idéias demais, na verdade, e aí vão sendo selecionadas essas idéias e vai acontecendo. Mas realmente não sei o que eu vou acabar fazendo na vida. Muitas coisas estão acontecendo, várias coisas bacanas, inclusive esse show que eu tô fazendo agora, de canções, num bar, que era uma idéia, um projeto que eu queria tocar mais próximo das pessoas. Mas essa mistura de animação e música é uma coisa que eu gostaria de fazer. Adoraria participar do próximo “A noiva cadáver” (filme de Tim Burton). HIQUE: Uma coisa que eu tenho muita vontade de fazer é produzir outros artistas. Porque quando eu entro em contato com o trabalho de um artista, eu sei do potencial dele, eu sinto e sei que eu posso fazer alguma coisa, formatar algo e botar ele na estrada.

VOCÊS TÊM ALGUMA IDÉIA TIPO “VAMOS FAZER O TANGOS MAIS CINCO ANOS E VAMOS PARAR”? NICO: Tem uma coisa que é o tônus da idade. Por exemplo, eu fui ver um espetáculo do Marcel Marceau, grande mímico, maravilhoso, a turnê de despedida, ele tava com 70 e poucos anos, sei lá... Na verdade, achei muito triste, porque ele já não

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Perfil O NICO NÃO GOSTA DE COMER NADA ANTES DO SHOW, MAS EU GOSTO DE COMER SANDUÍCHE

tinha a energia necessária pra fazer, não tinha o tônus muscular. E daí eu disse: “Eu não quero fazer o Tangos e Tragédias até isso”. Enquanto tiver fazendo e tiver uma energia, não for aquela “coisa antiguinha que se repete”, vamos fazendo...

VOCÊS JÁ PENSARAM EM MORAR FORA? NICO: Eu morei dez anos no Rio e tenho muita vontade de morar em Barcelona ou Madri, morar na Espanha, ficar um tempo lá estudando e fazendo coisas... HIQUE: Depois dessa experiência do filme Festa de Margareth lá em Nova Yorque, com uma aceitação absurda, chegar lá com expectativa zero e ter um retorno tão fantástico das pessoas, pô, entrou no acervo do MoMA, Museu de Arte Moderna, fez uma excursão pelos Estados Unidos, foi o único filme da América do Sul no Tridex Film Festival, que o De Niro e o Scorcese organizaram, depois foi pra Paris... Então, depois de conhecer pessoas lá e ver possibilidades de trabalho, ver que não é um mundo tão alienígena, eu penso, em algum momento, em morar por um tempo nos Estados Unidos.

VOCÊS JÁ APRESENTARAM O TANGOS FORA DO BRASIL... NICO: Nós temos ele todo em espanhol. A gente apresentou em Buenos Aires, Colômbia, Equador, Espanha...

ALGUMA DIFERENÇA? NICO: Igual. Em espanhol ele fica muito bem. Têm coi-

VOCÊ NÃO COME NEM PEIXE? HIQUE: Eu passei muitos anos sem comer peixe. Faz uns três anos que eu voltei e agora como uma vez por mês. Na estrada eu me adapto, mas em casa, pô, em casa é excepcional, a comida é feita pela minha mulher, que também é vegetariana...

E O QUE NUNCA FALTA NO CAMARIM DE VOCÊS? NICO: O que nunca falta no camarim é água, conhaque...

HIQUE: No do Pletskaia! NICO: Sim, eu tô falando do meu camarim. Água, conhaque e espelho. HIQUE: Pra mim, nos últimos anos, não falta spray forte. Nosso camarim é muito simples... E sanduíche integral. Eu gosto de comer antes do show. O Nico não gosta de comer nada antes do show, mas eu gosto de comer sanduíche.

E SE VOCÊS PUDESSEM FAZER QUALQUER EXIGÊNCIA DO MUNDO NO CAMARIM? HIQUE: A gente poderia fazer algumas exigências... Ter champanhe. De vez em quando tem, mas não é uma coisa que a gente exija. NICO: Chimarrão de vez em quando tem, é uma coisa de que eu gosto...

sas que ficam melhores do que em português. Aquele dramalhão...

UM PEDIDO PARA 2006. PODE PEDIR QUALQUER COISA. SEU DESEJO SE REALIZARÁ... HIQUE: Eu queria pedir para que aquelas pessoas que

O QUE NUNCA FALTA NA GELADEIRA DE VOCÊS? O HIQUE É VEGETARIANO. E O NICO, É CARNÍVORO? NICO: Sou! Sou supercarnívoro. Sou carnívoro, assim,

têm responsabilidade sobre o meio ambiente, as grandes indústrias, que pensem e pensem muitas vezes sobre qual é o impacto que isso vai ter sobre o nosso futuro. Acho que não importa o nível de sucesso que a pessoa tenha, sempre tem um negócio muito profundo sobre o estar vivo. Qualquer ação, pequena que seja, de qualquer pessoa, separar o lixo em casa, uma coisinha pequenina... mas de coisinha pequenina em coisinha pequenina a gente consegue muita coisa. NICO: Pra 2006, eu queria o fim da miséria, o fim da pobreza.

de carteirinha. Me faz muito bem. Quando eu tô meio mal do estômago eu preciso de um bifão mal passado e aí ajeita... E faço churrasco. Churrasco de forno, né? Sou gaúcho de apartamento... Faço uma picanha do forno bárbara. Agora o que nunca falta na minha geladeira é Manteiga Aviação. HIQUE: Eu sou vegetariano e quando eu tô na estrada eu sofro um pouco... E na minha geladeira nunca falta rúcula.

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Assim, ó... LUÍS AUGUSTO FISCHER

GLAMORIZAR É CIVILIZAR O glamour é quase um caso de educação pública Não faz muito veio a público um debate interessante, protagonizado pelo publicitário Miltinho Talaveira e potencializado pela Martha Medeiros. Apareceu quase em forma de palavra de ordem: “É preciso glamorizar nosso litoral”, bradou o Miltinho; e a Martha, apoiando a idéia, deu seu depoimento, evocando o exemplo de Punta del Este como modelo de praia que valoriza as coisas bonitas. (Estou grafando “glamorizar”, que é a forma registrada no melhor dicionário do português brasileiro de nossos dias, o Houaiss.) Claro que, como toda conversa pública, também esta correu o risco da incompreensão. Teve gente que tomou como uma ofensa pessoal a restrição às nossas praias; mas também teve gente, como eu, que vibrou com a possibilidade de ver um atrito intelectual produzir luz. É evidente que há vários fatores a ponderar, como bem sabem o Miltinho e a Martha. Tem o problema puro e simples da renda média das pessoas que vão a Punta ou a uma das praias próximas das grandes cidades gaúchas. Tem também o problema da educação, que não tem relação tão direta assim com a renda, porque muita gente que faz todas as refeições com a melhor comida e estuda em colégios muito bem pagos acaba praticando indelicadezas de todo tamanho, a começar pelo barulho que não deixa a vizinhança dormir e a terminar, talvez, pelos cachorros perigosos que andam sem a devida proteção. Tem também o aspecto físico das praias gaúchas, que em média dispõem de uma linha reta, sem outra atração na beira-mar, em contraste com o litoral recortado, sinuoso e acolhedor de Santa Catarina e também de Punta. (Mas tem também o fato de que nós aproveitamos muitíssimo mal outras maravilhas locais, como as lagoas.) Outros lados do problema poderiam vir à tona, na mesma conversa. Um deles é o seguinte: estamos falando do destino dos espaços públicos, espaços que compartilhamos com todo mun-

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do. Que um sujeito queira pintar o interior de sua casa com cores horríveis e deixá-lo sujo, problema dele, em princípio; mas que ele deixe a calçada dele suja ou pintada de cor insuportável, problema de todo mundo. O que diremos, então, de espaços como prédios públicos, ou aquilo que os urbanistas chamam de mobiliário urbano (postes, hidrantes, bancos, sei lá mais o quê), ou as praças? O Miltinho e a Martha, como eu e creio que todo mundo de bem, estão clamando por beleza. Beleza para todos. O que talvez o leitor não saiba é que glamour (ou glamor, na escrita norte-americana) veio de grammar, que é “gramática” em inglês. No século 18, os escoceses adotaram a palavra, grafando glamer. Ou por ser a gramática uma ciência erudita e misteriosa para o povo, ou por haver uma associação entre aprendizado em geral e o aprendizado da feitiçaria, a palavra glamer passou a significar “feitiçaria”. Daí teria vindo o sentido do glamour como feitiçaria, só que ligada ao apelo sexual, ou ao encanto, ao magnetismo pessoal, charme, sensualidade. Para nós, no Brasil, o termo teve uma escala na França, onde se diz “glaMURR”, com “r” na garganta e acento na última sílaba, ao passo que em inglês se diz “GLÉ-mâr”, tônica na primeira. Por mim, então, glamorizar é civilizar, retomando um significado que ficou lá atrás, ligado à gramática, no sentido de um código de regras com validade geral. É um caso, daria pra dizer, de educação pública, a mesma que eu sinceramente gostaria que fosse universal e de qualidade para todos, de tal forma que a glamorização fosse acompanhada do fim dos feios e incompreensíveis grafitos, aquela sujeira pintada em público mas para ser compreendida apenas por uns poucos, numa contradição irritante. LUÍS AUGUSTO FISCHER É PROFESSOR DE LITERATURA E ESCRITOR




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