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Vida Urbana
from Revista Citadina
ao dono, que estava sentado atrás do balcão. Era um senhor coreano com cabelos salpicados de cinza e um esboço de sorriso no rosto. Os olhos no relógio do computador à sua frente, ele pensou um pouco antes de responder: “claro, podem me seguir”. Nos levou então até as mesas, no pavimento superior do restaurante. O cômodo tinha janelas amplas voltadas para a rua, para as luzinhas penduradas do lado de fora, e era iluminado por uma luz amarelada que parecia imitar a cor delas. Apenas uma mesa estava ocupada, por um casal de meia idade que apreciava os últimos goles de suas taças de vinho antes de ir embora.
Em frente à escada, duas garçonetes encaravam entediadas seus celulares, esperando os minutos finais do expediente passarem. Confesso que senti seu desapontamento quando nos viram subir os degraus e caminhar em direção a uma das mesas no canto. Entendo como são os minutos finais de um expediente, a pressa de ir embora misturada à preguiça de ter que iniciar qualquer nova tarefa, sabendo que, num trabalho como o delas, significa adiar a hora de ir embora. Olhei para meus amigos, sem saber se alguém partilhava meu sentimento. Impossível não sentir o olhar delas em nos- sas nucas, ainda que disfarçassem seu desejo de que não tivéssemos aparecido.
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Fábia e Laura escolheram para nós uma daquelas mesas com assentos acolchoados como um sofá, presos à parede.“Oi, tudo bem?”, uma das garçonetes nos cumprimentou. Explicou como funcionam os pedidos e que o cardápio poderia ser acessado por meio de um QR Code, colado à mesa. O problema é que nenhum de nós sabia o significado do nome de nenhum prato, por mais que a lista de ingredientes nos desse alguma ideia.
“Você pode explicar para a gente o que são esses três pratos especiais?”, novamente, foi Artur quem perguntou. A garçonete deu um meio sorriso, respirou fundo, e gastou quase dez minutos descrevendo cada um dos três pratos - todos eles com algum tipo de carne. Para Fábia e eu, esses não serviriam. Já passavam das nove e quarenta e cinco quando ela terminou e, para seu desespero, fizemos outra pergunta: “Tem alguma opção vegana?”. Foram mais alguns longos minutos de descrições a respeito de receitas com ingredientes asiáticos que eu nunca tinha ouvido falar, mas que pareciam deliciosos para meu estômago vazio. Quando decidimos, já se passavam das dez e lá fora, a garoa fina começava a engrossar.
Algo me fizera simpatizar imediatamente com o lugar quando entramos. Lá dentro, a simpatia apenas aumentou, mas misturada com um sentimento azedo de estar incomodando os funcionários, atrapalhando seus planos para depois do fim do expediente. Artur parecia alheio a essa sensação, mas Laura e Fábia sorriam um tanto nervosas. Observavam a mulher correr com os pedidos em direção à cozinha, no andar de baixo. A comida chegou com uma velocidade fora do comum, carregada pelas duas garçonetes. Junto dela, chegaram três amigos nossos, que tinham planejado chegar junto conosco, mas ficaram presos no trânsito sempre ruim de Florianópolis. Sentaram-se à mesa e foram gentilmente pressionados a pedir. “É que a cozinha vai fechar logo”, uma das mulheres explicou, para então listar com calma todos os itens do complicado cardápio. Elegantes. Confesso que, no lugar delas, não seria capaz de esconder meu descontentamento. Nunca fui uma pessoa que gosta de trabalhar. Um trabalho que me forçasse a sair depois da hora combinada, à mercê dos clientes? É demais para mim. Digo isso sem medo de soar esnobe - somos todos pessoas diferentes, afinal, com gostos e talentos distintos. O delas, claramente, era a elegância de não nos mandar para a casa, quase uma hora após o final de seu expediente. Nesse caso, tínhamos apenas de agradecer e, óbvio, apreciar a comida. Meu prato acabou mais rápido do que eu esperava, no fim das contas. Não por pouca quantidade - a tigela que me foi servida estava quase transbordando do arroz com legumes bem condimentado que eu havia escolhido. Minha cabeça ansiosa tinha pressa de ir embora. O sentimento de estar incomodando persistia no fundo da minha mente e, somado à fome, teve certo papel na cena deselegante que protagonizei à mesa. Me fez engolir cada bocado quase sem mastigar, como um personagem de desenho animado. Fez com que eu terminasse antes de todos, para aguardar de mãos - e boca - vazias enquanto meus amigos saboreavam os seus próprios pratos. Nos minutos finais daquela refeição, acompanhei as garçonetes que encaravam o relógio, impacientes a contar cada segundo até poderem ir embora. Os ponteiros marcavam onze e meia quando o restaurante fechou. Debaixo da garoa fina e insistente, vimos as duas garçonetes se despedirem com um aceno e irem em direções opostas para casa. O dono, em uma perua verde água, foi logo depois, dobrando a esquina em direção ao norte. Ficamos apenas nós sob o brilho amarelado das luzinhas, em frente ao restaurante que, por nossa culpa, fechou uma hora e trinta minutos mais tarde que o normal.
