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A ilha que virou cidade

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Muito antes de ser conhecida como Florianópolis, a cidade insular teve outros nomes e outras histórias

Mateus H. R. Spiess

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Ahistória de Florianópolis teve início muito antes das primeiras casas do período colonial terem sido construídas, muito antes mesmo dos primeiro europeus se interessarem pelas terras que haviam além do Atlântico. De fato, os primeiros sinais de povoamento na Ilha de Santa Catarina datam de 4800 a.C., quando os chamados Homens de Sambaqui caminharam por estas paragens - e deixaram rastros que podem ser percebidos ainda hoje, em localidades como o Costão do Santinho.

Nos milênios posteriores, povos indígenas de etnias tapuia habitaram a região.

Sua ocupação se estendeu até por volta do ano 1000, quando foram expulsos por povos tupis, especialmente indígenas carijó, que migraram da região da Amazônia para o sul do Brasil. Foram os carijó quem deram o primeiro nome registrado para a ilha. A chamaram de Meiembipe, que significa montanha ao longo do mar, em alusão ao relevo acidentado da região. Com a chegada dos europeus ao Novo Mundo, no século XVI, a ilha de Meiembipe passou a ser usada como parada pelas embarcações que se dirigiam à Bacia do Prata, para reabastecimento de água e suprimentos. Mas apenas no ano de 1673 a Ilha foi oficialmente ocupada pelos europeus, sob a liderança do bandeirante Francisco Dias Velho. Foi Dias Velho quem deu o nome de Ilha de Santa Catarina a Meiembipe, pois aportou por essas águas no dia de Santa Catarina. Ele trouxe consigo a família e agregados, e fundou o povoado de Nossa Senhora do Desterro - que, no futuro, iria se tornar Florianópolis. O vilarejo foi o segundo a ser fundado no estado, atrás apenas da vila de Laguna. Oficial- mente, Desterro fazia parte da vila de Laguna, tendo se desmembrado apenas em 15 de março de 1726. No dia 26 de março do mesmo ano, Nossa Senhora do Desterro foi elevada à categoria de vila.

Com a vinda de Dias Velho, a quantidade de migrantes do sudeste do território brasileiro aumentou. Por conta da posição estratégia que a Ilha de Santa Catarina ocupa no litoral, a meio caminho da Bacia do Prata e no extremo sul dos domínios portugueses, serviu de posto avançado da colônia. Ocupada militarmente, a partir de 1737 sua paisagem passou a ser marcada por uma série de fortalezas para a defesa de seu território. Na Baía Norte da Ilha, três formavam um triângulo defensivo - as fortalezas de Santa Cruz de Anhatomirim, São José da Ponta Grossa e de Santo Antônio de Ratones, as maiores dessas edificações. Além dessas, outras oito fortificações pontilharam a costa de Meiembipe, protegendo o território português das naus espanholas. Os migrantes açorianos, incentivados pela coroa portuguesa, começaram a chegar em maior quantidade à ilha no século XVII. Com eles, boa parte das características que hoje marcam a cultura de Florianópolis chegaram pela primeira vez: os engenhos de farinha de mandioca e a manufatura das rendas de bilro. Apenas no século XIX, em 24 de fevereiro de 1823, a vila de Desterro foi elevada à categoria de cidade, tornando-se capital da Província de Santa Catarina, agora no Brasil Imperial. Esse período foi marcado pela modernização a paisagem, em virtude do investimento de recursos provenientes do governo central. O porto foi expandido e inúmeros prédios públicos foram inaugurados, na preparação para uma visita do imperador D. Pedro II, realizada em 1845.

Bandeirante nascido em São Vicente, no ano de 1622, foi o fundador e capitão-mor do povoado de Nossa Senhora do Desterro, posição que ocupou até 1687, quando foi assassinado por piratas ingleses que atacaram a ilha.

No final do século XIX, na esteira das instabilidades do início da República, Desterro teve seu nome alterado. Em 1891, o então presidente, marechal Deodoro da Fonseca, renunciou à presidência por conta da Revolta Armada. Seu vice, Floriano Peixoto assumiu o poder, sem realizar as eleições exigidas pela Constituição da Velha República. Esse ato teve como resultado o surgimento de duas revoltas: a Segunda Revolta Armada, no Rio de Janeiro, e a Revolução Federalista, encabeçada por fazendeiros gaúchos. Em Desterro, as colunas rebeldes participantes das duas insurreições se encontraram em Desterro, apoiados por catarinenses que, na época, eram contrários à república. Floriano Peixoto, no entanto, conteve as revoltas ao aprisionar os seus líderes e, em 1894, executou quase trezentos revoltosos presos na Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim - episódio que ficou conhecido como Chacina de Anhatomirim. Com a execução dos ilhéus rebeldes, restaram na cidade apenas os simpati- zantes ao novo presidente, liderados pelo então governador Hercílio Luz. Em homenagem a Floriano, e em busca de aplacar o clima de terror que reinava na ilha em decorrência da pesada repressão, o nome da cidade foi alterado de Desterro para o atual Florianópolis - a cidade de Floriano.

As mudanças na paisagem da Ilha de Santa Catarina se aceleraram com a passagem do século XIX para o século XX. Nesse período ocorreu um extensivo esforço de modernização da capital, que refletiu na construção da Ponte Hercílio Luz, inaugurada em 1949, na revitalização do centro da cidade, caracterizada pela canalização dos córregos da região e a construção do sistema de fornecimento de água e da rede de coleta de esgoto.

A Florianópolis que hoje vemos sofreu transformações significativas no passado recente. Nos anos 70 o litoral oeste da ilha, em torno de sua região central, foi aterrado para a instalação de uma avenida que atendesse às demandas do automóvel - que começou a se popularizar neste período. Além disso, mais duas pontes foram erguidas: a Colombo Sales, inaugurada em 1975, e a Pedro Ivo Campos, aberta no ano de 1991. Este processo de modernização acelerou o crescimento populacional da ilha, o que refletiu na urbanização acelerada de bairros afastados do centro, principalmente no Norte, como os Ingleses, Canasvieiras e Jurerê.

Hoje, o que um dia foi Meiembipe se transformou em uma metrópole, uma das três únicas capitais insulares do Brasil. Em meio à mata ainda virgem de suas encostas e das reservas naturais que cobrem grande parte de seu território, Florianópolis se vê cercada das contradições que afetam outras tantas cidades do país - a desigualdade social, a violência, o alto custo de vida. O asfalto que cobriu seus centros urbanos espalhados ao longo da ilha tenta, em vão, apagar as marcas da história que a cidade carrega, marcada por violência e beleza, mais antiga que os homens que a pisoteiam podem atestar lembrar. Nossa Senhora do Desterro e Meiembipe ainda resistem por baixo do concreto e do asfalto, ecos da memória de todos que um dia passarame passarão - pela Ilha de Santa Catarina.

Origem incerta

O nome “Nossa Senhora do Desterro”, ou apenas Desterro, como ficou conhecida durante o período imperial, tem duas possíveis origens. A primeira é baseada na crença de que o nome havia sido escolhido de modo a evidenciar o projeto colonial da Ilha: receber bandidos e miseráveis rejeitados da metrópole. Já a segunda versão diz respeito a uma homenagem realizada à fuga da Sagrada Família de Jesus para o Egito.

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