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Coluna: Celebrar Nossa Cultura by Ricardo Câmara

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by Ricardo Câmara

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Artes sul-mato-grossenses: origens

Coube-me este espaço da Celebrar para fazer um passeio pelas artes e aspectos culturais de nossa terra. Vamos visitar as formas e cores das telas de artistas plásticos como Wega Nery, Humberto Espíndola, Edson Castro e muitos outros. Sentir a simplicidade de traços no ícone que mais representa este Estado, os bugrinhos de Conceição. Delirar nas palavras de Manoel de Barros e Emmanuel Marinho, nas músicas de Paulo Simões, Almir Sater, nas imagens de Joel Pizzini, etc. etc. Enfim, vamos ver o Mato Grosso do Sul através do olhar de seus artistas e tentar compreender um pouquinho quem somos e onde vivemos.

Bem antes da região sul de Mato Grosso tornar-se independente, em 1979, expressões culturais já refletiam a singularidade deste território tão próximo ao Paraguai e à Bolívia. Essas diferenças serviram de argumento no processo de separação dos dois Estados. A chipa, a sopa paraguaia e o tereré que se tem aqui não fazem parte dos costumes de lá. Porém, antes da chipa, da sopa paraguaia e do tereré, já havia nestas terras guaranis, marcas da presença do ser humano e de sua arte há pelo menos dez mil anos. É essa a estimativa de idade das pinturas rupestres encontradas em sítios arqueológicos como os de Alcinópolis, Corguinho e Rio Negro. É impossível falar da arte que se faz hoje sem rever essa tradição que abarca aproximadamente 100 séculos. Muitos desses anos se perderam no tempo, e o que ficou foi apenas um rastro da mistura de povos que aqui nasceram, chegaram ou foram embora. Esse primitivismo pode ser encontrado, no entanto, na maneira inaugural em que Manoel de Barros utiliza seus verbos, que ele mesmo chama de “idioleto manoelês arcaico” em que compara o aramaico, antiga língua afro-asiática, com o aruaque, língua dos índios Terena. Também a iconografia encontrada em Humberto Espíndola evoca as primeiras pinturas rupestres.

Mas, é a cultura indígena que mais contribui com o que chamamos arte sul-mato-grossense. As tramas das cestarias Kaiowá, a cor de barro das cerâmicas Terena, os grafismos dos desenhos Kadiwéu podem ser reconhecidos nas obras de grande parte de nossos artistas. A própria imagem do homem índio e mestiço inspirou o nosso principal ícone visual, as esculturas de Conceição dos Bugres. A arte de Conceição ressignificou até mesmo a palavra bugre, antes utilizada para menosprezar os indígenas, tornando-a identidade dos habitantes deste Estado.

Também há sangue indígena nas veias de nossos artistas. Edson Castro, pintor abstrato radicado hoje em Paris e um dos maiores expoentes de nossas artes visuais é filho de Terena com Guató. Também descendem das etnias tradicionais os pintores Jorapimo, Ruben Darío, Ilton Silva, além do escultor Índio e vários outros.

A expressão artística indígena ultrapassou fronteiras, e a cerâmica dos Kadiwéu, que são considerados os primeiros artistas gráficos brasileiros, tem reconhecimento internacional. Seus desenhos venceram um concurso em Berlim e estão estampados em azulejos das fachadas de edifícios que somam 3.200 apartamentos.

Apesar de tamanha importância, a arte que vem das aldeias pode estar a caminho do desaparecimento. A cestaria guarani, por exemplo, está nas mãos de uma única família na aldeia Jaguapiru, que já não a produz por falta de procura. As cerâmicas Terena, que trazem o vermelho da terra como marca, também já são quase inexistentes em Dourados, permanecendo em redutos como Campo Grande e Aquidauana. Junto com a arte, vão morrendo séculos de tradição e de sabedoria. Os ícones, símbolos, traços e cores que compõem o nosso patrimônio cultural vão se esfumaçando e é provável que, em pouco tempo, as novas gerações sul-matogrossenses encontrem apenas o vermelho da terra na poeira da estrada.

Ricardo Pieretti Câmara, Doutor em Humanidades pela Universidade Autônoma de Barcelona. Presidente da Fundação Nelito Câmara.

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