RODA #5

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PItaCOS valVUlaDOS

POR BRUNO COSENTINO

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Racionais irracionais Na última sexta-feira, os Racionais MC’s se apresentaram pela primeira vez na Zona Sul do Rio de Janeiro, num evento chamado “Menina Leblon”. Nada mais contrário a um grupo cuja aversão agressiva aos playboys é conhecida. Acontece que, de uns anos pra cá, os manos vêm fazendo shows em festa de gente rica em São Paulo; Mano Brown protagonizou um comercial da Nike; Edi Rock foi divulgar seu disco solo na TV Globo. Uma coisa chama a atenção: parece que eles estão ali sempre a contragosto. Em vídeo disponível na Internet, Luciano Huck pega Edi Rock no hotel e, a bordo da sua carroça estilizada, puxa o saco dos Racionais, mas recebe de volta um sorriso de escárnio de Edi Rock, que não consegue disfarçar em nenhum momento a cara de contrariado (como se estivesse sendo forçado àquilo). Mano Brown, por sua vez, se justifica dizendo que cobrou um valor alto para participar do comercial e pegou toda a grana para investir na Blue House, casa onde produzem artistas da “música negra” brasileira. Nas festas de playboy, a mesma coisa: entram no palco tarde da noite, alteram as

letras, fazem um show mais curto, cantam de má vontade. A pergunta é: por que fazem, então? Se aceitam voluntariamente os convites, por que estão sempre contrariados? Não seria melhor bancar a decisão? O argumento de Brown é que, se a grana que entra é revertida para o coletivo, eles estão abertos à negociação. Porém, a negociação é dura, claro! Afinal, nunca pediram nada pra ninguém e, depois de tantas negativas, estão numa posição privilegiada para barganhar. Segundo Brown, todas as decisões são deliberadas em “família”, isto é, entre as pessoas que compõem o grande grupo dos Racionais: produtores, músicos, amigos, respeitando, contudo, as opções individuais. Se Brown quer usar tênis Nike, ele usa; se Edi Rock quer ir ao Caldeirão, ele vai. Mesmo que um e outro não compartilhem da mesma opinião. Brown diz no programa Roda Viva que, se existe uma pessoa contraditória, essa pessoa é ele mesmo.

O momento de enfrentar o mercado é crucial - e pode ser fatal - na vida do artista. A maioria se dá mal. A música essencialmente nada tem a ver com o mercado. Obedecem inclusive a duas lógicas irreconciliáveis. A racionalidade econômica é padronizadora, a racionalidade do artista é singular, libertadora (e por isso contestadora do status quo). Na década de 60, época em que os artistas da MPB eram joguetes de festival da canção (o diretor da Record, Paulinho de Machado, disse que pensava os festivais como espetáculos de luta livre: “tinha o mocinho, o vilão, a heroína, entre outros.”), a tensão entre as duas lógicas veio à tona, criando inclusive um racha, como é sabido, entre a MPB e a Jovem Guarda. Os tropicalistas se colocaram no meio e passaram para a história como aqueles que conseguiram superar tal impasse. Superar o impasse significou, nesse caso, agir dentro da estrutura do mercado


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