Retrata Set/Out 2023

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RETRATA EULÍRICA

LITERATURA POTIGUAR

Escritoras Emergentes Feito por Mulheres Espaços de Acolhimento

2023 SETEMBRO
OUTUBRO

A Retrata surge da vontade de fazer a literatura das nuances do Rio Grande do Norte. Com palavras escritas por uma estudante de Jornalismo, as reportagens são a junção da liberdade autônoma, criatividade juvenil e qualidade acadêmica.

RETRATAPOTIGUAR

Dicas e conteúdos exclusivos, vem dar uma olhada!

REXPEDIENTE

DIREÇÃO, EDITORIAL, REDAÇÃO E PRODUÇÃO

Luana Yasmim

DESIGN GRÁFICO

Luana Yasmim Maria Eduarda Galvão

*Fotos de acervo pessoal e/ou domínio público

*

EDITORIAL

Em um país que cultua o cânone machadiano e permite que Júlia Lopes de Almeida seja esquecida, o Rio Grande do Norte vem fazendo a diferença. O coro de vozes literárias femininas sempre se fez muito presente na terra potiguar e é expandido continuamente. Dentro do estado com a maior quantidade de poetas por habitante, com uma cidade nomeada de Nísia Floresta e uma biblioteca que homenageia Zila Mamede, a celebração das “eu-líricas” não vem de hoje.

Nesta reportagem, vamos explorar histórias de escritoras potiguares da atualidade e os espaços que acolhem essas mulheres líricas. Contudo, sempre lembrando que ao falar de “Literatura Feminina” o raciocínio é o seguinte: nos referimos a literatura feita POR mulheres, e não apenas PARA mulheres afinal, se uma mulher consegue se identificar com um personagem escrito por um homem, um homem também pode se identificar com personagens escritos por mulheres.

Durante nossa jornada pelo mundo poético potiguar, conheceremos mais do enredo e trajetória de: Danielle Sousa, historiadora, escritora e mediadora do clube de leitura Leia Mulheres Natal; Sílvia Brito, professora, autora do livro Bestiárias e membro do projeto Alternativo 3zero1. E por fim, conheceremos os espaços que acolhem nossas eu-líricas.

Luana Yasmim

Fundadora da Retrata Potiguar

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CAPA DA EDIÇÃO

Danielle Souza (@seusuperego) fotografada por Caroline Macedo (@caroldasfotos)

DESENLACES 16 Perspectivas futuras da literatura feminina potiguar RESENHA “BESTIÁRIAS” 17 GALERIA 19 JORNADA EU-LÍRICA
Sousa Silvia Brito 06 09 CONVERGÊNCIAS LITERÁRIAS
3zero1 Leia Mulheres Natal 13 14 UMÁRIOS
Danielle
Alternativo

EU-LÍRICA JORNADA

DANIELLESOUSA

Historiadora, escritora e mediadora do Leia Mulheres Natal sem ordem de hierarquia Danielle Sousa é uma figura notável no cenário da literatura feminina potiguar.

Sua trajetória é um verdadeiro conto de paixão progressiva pelo mundo das palavras, marcada por um início tardio, mas repleto de determinação.

O lirismo é intrínseco a Danielle, mesmo quando nem sequer sabia que era escritora Com uma mente muito fértil, ainda criança, imaginava diversos personagens e cenários, e não entendia muito bem o motivo disso acontecer.

Chegou inclusive a indagar se essas fabulações eram algo normal: “eu achava que era doida, mas, deu que eu era escritora” diz Dani

Além da falta de entendimento de si como escritora, quando jovem, Danielle, que vem de uma família humilde, também não pôde contar com recursos financeiros suficientes para imergir no universo da literatura afinal, ser leitor e escritor custa tempo e dinheiro.

Então, para ela ficou claro que antes de pensar em se dedicar à escrita e leitura, era necessário conquistar sua independência financeira. Foi neste momento que Danielle escolheu cursar História. E felizmente, sua escolha abriu portas: além da questão financeira em si, Dani transformou-se em uma voz de autoridade como historiadora, assim engajando-se cada vez mais e com mais conhecimentos em discussões relacionadas ao lugar da mulher na história, na política, dentre outras pautas.

Ainda assim, Danielle se sentia muito solitária enquanto escritora, constantemente questionando sua própria voz e seu talento, em um mundo que muitas vezes exige que mulheres sejam verdadeiramente excepcionais para competir com a mediocridade masculina.

Além disso, existiam dilemas relacionados a quando, onde ou como publicar suas palavras Mas, apesar desse sentimento de solidão e de todas as dúvidas, como a própria Dani diz, ela “teimou”, e essa teimosia a levou a lugares muito bons.

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Em 2016, Dani conheceu o Leia Mulheres, ela afirma que o clube foi uma “abertura de perspectivas” nessa fase de sua vida. Passou a ler e a se inspirar em figuras como Carolina Maria de Jesus, dentre diversas outras autoras notáveis. Depois disso, não demorou muito para que ela se envolvesse com o projeto e se tornasse uma das mediadoras do clube cargo que ocupa até hoje.

Foi também neste ano que ela ouviu uma frase transformadora e curiosamente não proposital da renomada autora Maria Valéria Rezende, no encontro do Mulherio das Letras. Durante o encontro, Maria Valéria reservou um momento para responder perguntas de algumas das leitoras ali presentes, e em uma de suas respostas, ao invés de se direcionar a pessoa que fez a pergunta, ela olhou para Danielle e disse o seguinte: "Não se arrependa de não ter publicado, você vai ter seu momento". Depois de ouvir essas palavras, ela diz que livrou-se de qualquer arrependimento ou frustração por não ter começado a publicar mais cedo.

A jornada da eu-lírica de Danielle já começava a se concretizar, mas se entender e se titular como uma escritora ainda não era uma realidade. Em 2018, da mesma forma que tinha acontecido 2 anos antes, Dani recebe um forte sinal durante uma oficina de escrita. Desta vez, o sinal foi mais pessoal, mais profundo “Você já é uma escritora”, foi a fala feita a ela.

Se entender como escritor é um processo muito muito pessoal, mas a validação do outro sempre traz uma mudança de perspectivas Não necessariamente a validação da escrita técnica, mas sim a validação humana Quando alguém lê seu texto e consegue sentir ele, consegue encontrar um denominador comum entre o que está escrito e entre a experiência de ser humano. Quando sua eu-lírica toca o coração de um euliteral

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Depois de uma jornada cheia de fragmentos que se unificam num só propósito, em 2020 Danielle publica seu primeiro livro de contos, “No horizonte, a terra”, pela antiga Editora Escaleiras. Felizmente, Dani não para por aí e ainda no ano de 2023 podemos esperar o lançamento de sua nova obra “Salitre”.

Sem medo de esconder sua felicidade, ela diz nem acreditar até onde chegou. Danielle, que há muito tempo celebra diversas autoras, agora também é celebrada por todos que tem a oportunidade de conhecê-la.

Em suma, a jornada desta eu-lírica nos ensina muito sobre persistência ou melhor, a dita “teima” Apesar dos obstáculos que surgiram na sua trajetória, aprender a esperar o momento certo e a construir autoconfiança em seu trabalho a levaram longe Agora, como mediadora do Leia Mulheres Natal, Danille ajuda outras pessoas a confiarem mais em si, e as inspira a seguir aquele sonho antigo de escrever.

Teime, leitor.

SÍLVIABRITO

Dentre diversas possibilidades de títulos, como mestre, doutora ou escritora, Silvia Brito escolhe simplesmente ser “uma professora”. Talvez não tão “simplesmente” assim, mas com muita maestria no que faz e com uma jornada curiosa Sem sair muito da curva da experiência do que é ser uma mulher nesta sociedade, podese dizer que Silvia se encaixa bem no estereótipo da mulher de fases ou de aprimoramentos. Cada uma dessas fases tendo sua própria relevância na formação da eu-lírica que Sílvia é hoje, e da eu-lírica que ela será amanhã.

O caminho que Sílvia percorreu para chegar até aqui foi longo – e um pouco inusitado. Na infância, ela não tinha vínculo nenhum com a Literatura, e acredita que só passou a apreciar livros depois da vida adulta porque não foi apresentada aos livros certos.

Sendo assim, sua eu-lírica ainda estava adormecida, e uma formação na área da literatura não faria sentido. Mas, apesar do seu desinteresse inicial, as letras chamaram por Silvia – ou melhor, a licenciatura

Na época, a graduação escolhida por Silvia foi o Turismo. Mesmo que soe como algo muito distante da literatura, foi dando aulas de inglês para seus colegas do curso que Silvia despertou seu interesse pela atividade de ensinar. Um interesse que posteriormente virou paixão.

Silvia entrava em uma nova fase, a das Letras. Fase esta que assim como as outras foi crucial para seu posterior envolvimento com a escrita lírica Inicialmente, ela imaginava que seu caminho seria o da linguística, área que até hoje é um de seus interesses. Mas, durante seu percurso na graduação, inevitavelmente ela se encanta e envereda-se pela literatura

Depois de formada – para felicidade de seus leitores – já em 2016, Silvia começa a rascunhar alguns textos. “Rabiscos. Aquela coisa que você faz e guarda ali numa gaveta”, diz ela. Além disso, ainda no mesmo ano, ela participa de algumas oficinas de escrita e se torna frequentadora do Leia Mulheres Natal. Estes foram os primeiros passos tomados por sua eu-lírica, agora, já desperta e ansiosa para agir.

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Contudo, assim como a maioria das mulheres que escrevem, ela teve que enfrentar um obstáculo específico antes de começar a publicar seus textos. Não era uma questão técnica, mas sim, de autoestima Se entender e se chamar de escritora foi um dos empecilhos que Sílvia precisou lidar.

Enquanto lia, relia e revisava seus textos, questionamentos como “por que estou fazendo isso se nem vou publicar” vinham à sua mente Mas, independente do propósito, a poesia chama Sílvia. Mesmo sem um objetivo concreto, sua eu-lírica espontâneamente acorda e faz com que ela continue a escrever

Além de um longo processo individual, Sílvia diz que suas companheiras dos clubes de leitura foram “as mulheres que me deram força para que eu me entendesse como

Se ela é animal, você também é. Se ela riu, você vai rir Se ela sente, você sente A intenção de nenhum poema passa batido, cada verso é composto por sentimentos muito envolventes e reais. Sílvia gosta de textos que marcam, e deixa isso muito claro. “A pior coisa que existe é a insignificância”, diz ela.

“Extremamente chocada” é a reação que a Sílvia do passado teria ao ver a Sílvia do presente a menina que não pegava num livro, agora além de ter uma coleção deles, é autora de um. A literatura fez com que ela se sentisse muito mais confortável em sua autenticidade.

Sem grandes remorsos, ela vivenciou todas fases da sua vida acolhendo as derrotas e as desistências Sílvia se permite mudar, e chama essas mudanças de “aprimoramentos” pessoais. Durante seus aprimoramentos, pessoas que estavam a muito tempo em sua vida já não a reconheciam mais: “conheceu uma Silvia em 2010 e queria que eu ainda fosse a mesma em 2016, mas eu não era”. Ela não “descarta as coisas”, reconhece a importância de cada etapa que vivenciou até chegar aqui, e não tem problema em mudar novamente caso novas etapas venham a surgir.

Em retrospectiva, a trajetória de Sílvia Brito é uma história de evolução e originalidade. Ela passou por várias fases, enfrentou desafios de autoestima e descobriu seu amor pela escrita. Hoje, como autora de 'Bestiárias', Sílvia não só abraça sua autenticidade, mas também compartilha sua toda intensidade e emoções com seus leitores. A jornada dessa eu-lírica é um lembrete de que o crescimento e a mudança são partes essenciais da vida, e que a busca pelo autoconhecimento pode levar a descobertas surpreendentes. Sílvia nos lembra que cada fase da vida tem seu propósito, moldando quem somos e quem podemos nos tornar no futuro.

Permita-se viver, leitor.

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CONVERGÊNCIASLITERÁRIAS

Nenhumescritorpercorresuajornadacompletamentesozinho.Aolerum livro,vocêlênãoapenasumpoucodoautor,mastambémumpoucodetodos queconvivemcomele.Alémdisso,seentendercomoescritoresaberporonde começarnãosãotarefastãosimplesassim,eporisso,asconvergências literárias clubesdeleitura,discussão,etc sãotãoimportantesnãoapenas paraosqueleem,mastambémparaosqueescrevem.

ALTERNATIVO3ZERO1

Formado por três amigos de infância, o Alternativo 3Zero1 surge graças ao amor pela literatura. Sílvia Brito, Christi Rochetô e Theo Alves são os fundadores do projeto. Eles que cresceram juntos brincando de tica, correndo pela rua e contando fofocas, se reencontraram na vida adulta e curiosamente com uma paixão em comum.

Após cruzarem caminhos, eles criam um grupo de discussões sobre literatura no WhatsApp o primeiro passo para o que se tornou o atual projeto literário. Num determinado momento, os três amigos percebem que aquelas discussões privadas poderiam impactar positivamente outras pessoas, e tomam a decisão de fundar o Alternativo3zero1.

Independentemente da plataforma, o objetivo do projeto é falar sobre literatura. Seja em forma de podcast, de lives no Instagram ou até visitas à escolas. A descrição do que eles fazem é simples: “Somos três escritores falando sobre literatura”, diz Sílvia Brito.

Apesar da simplicidade da descrição, o projeto recém fundado alcança e acolhe diversos leitores. Inclusive, já mediou uma roda de conversa em uma escola do Rio Grande do Norte, potencialmente abrindo portas para jovens que querem iniciar sua vida como escritor e cultivando o hábito da leitura.

Assim, iniciativa ainda possue muito espaço para crescimento e mostra como a literatura é unificadora e impactante. Sílvia Brito, Christi Rochetô e Theo Alves, ao transformarem suas conversas sobre livros em um projeto literário acessível a todos, demostram que a simplicidade de seu propósito é a força motriz por trás de sua influência. Dessa forma, o Alternativo 3Zero1 se torna um farol para todos aqueles que compartilham o amor pela literatura

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LEIAMULHERESNATAL

Além de promover a leitura, o movimento também organiza eventos especiais, como debates com autoras locais e nacionais, sessões de autógrafos e palestras sobre literatura escrita por mulheres. Essas iniciativas não apenas celebram as conquistas das autoras, mas também promovem a discussão sobre questões de gênero na literatura e na sociedade em geral.

Leia Mulheres Natal faz parte de um movimento mais amplo chamado Leia

O Leia Mulheres Natal, fundado por um grupo de amantes da literatura e igualdade de gênero, tem como objetivo principal promover a leitura e a discussão de obras escritas por mulheres, bem como ampliar o espaço para autoras femininas no cenário literário e intelectual da cidade.

O projeto visa criar um ambiente inclusivo e diversificado para a apreciação das vozes e perspectivas femininas na literatura. O movimento realiza encontros regulares, geralmente mensais, nos quais os

DESEN LACES

Perspectivas futuras da literatura feminina

potiguar

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A literatura feminina potiguar está vivenciando um momento de efervescência e expansão que promete um futuro brilhante e diversificado. Ao longo das décadas, as escritoras do Rio Grande do Norte têm desempenhado um papel fundamental na construção da identidade literária da região, e esse legado continuará a ser honrado e enriquecido no futuro.

Danielle Sousa, Sílvia Brito e todas as outras escritoras do estado, com sua habilidade de combinar palavras e montar um belo mosaico de significado, fazem o papel que um dia Zila, Nísia e Aura já fizeram: são as guardiãs das histórias que ecoam através do tempo e continuam a inspirar gerações futuras.

Com muita diversidade, autenticidade e engajamento a literatura feminina continuará a se expandir. À medida que mais escritoras emergirem e continuarem a compartilhar suas histórias, perspectivas e talentos, o Rio Grande do Norte continuará a se destacar no cenário literário nacional como um celeiro de talento feminino notável.

RESENHA BESTIÁRIAS

Escrúpulos à parte, com muita animalidade Sílvia Brito fabula seus poemas. Sentimentos intensos acompanham suas palavras sem falar da linguística impecável.

Se ela é animal, eu também sou. Se ela é irônica (menção honrosa a frase “tudo sempre foi resolvido por um homem com um pau na mão") eu também sou. Tudo que ela sente, eu sinto. Isso é Bestiárias, é um livro que te faz sentir menos só, que com sua própria individualidade fala sobre sentimentos da vivência coletiva do que é ser mulher.

Escuto um suspiro de alívio imaginário após cada poema que leio, como se as palavras estivessem ali há muito tempo, loucas para serem lidas.

E claro, a linguística não esconde, Sílvia domina as letras como ninguém. Talvez o uso de algumas palavras incomuns possa confundir leitores iniciantes, mas, para aqueles que já tem afinidade com a literatura, eu rogo: leia Bestiárias.

Posso ser suspeita a falar, mas a poesia potiguar nunca me decepciona.

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@retratapotiguar Nº 02

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