Retrata Nov/Dez 2023

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RETRATA

AUDIOVISUAL POTIGUAR

Identidade Cultural

Oscar e Cannes Produções Emergentes

VIDAMETRAGEM

2023 NOVEMBRO
DEZEMBRO

A Retrata surge da vontade de fazer a literatura das nuances do Rio Grande do Norte. Com palavras escritas por uma estudante de Jornalismo, as reportagens são a junção da liberdade autônoma, criatividade juvenil e qualidade acadêmica.

RETRATAPOTIGUAR

Dicas e conteúdos exclusivos, vem dar uma olhada!

REXPEDIENTE

DIREÇÃO, EDITORIAL E DESIGN GRÁFICO

Luana Yasmim

REDAÇÃO E PRODUÇÃO

Beatriz Lemos

Eduarda Medeiros

Luana Yasmim

FOTOGRAFIA*

Lucas Cândido

*Fotos de acervo pessoal e/ou domínio público

Miguel Sampaio

EDITORIAL

Retratar brevemente a vida de uma pessoa não é um trabalho fácil, e nessa mesma linha de raciocínio, os desafios são ainda maiores para aqueles que retratam ou inventam do zero a vida de todo um povo. Aqueles que, entre roteiros e câmeras, tentam fomentar a cultura de todo um estado e unificá-lo em uma identidade comum. O setor audiovisual do Rio Grande do Norte enfrenta dificuldades que requerem muita determinação e coragem para seguir em frente. Os desafios são múltiplos, vão da falta do imaginário do ‘o que é ser potiguar’ até à luta a fim de receber reconhecimento e visibilidade numa indústria que constantemente busca limitar quão longe um potiguar pode chegar.

As nuances deste cenário não são as mais favoráveis, mas felizmente improbabilidades não limitam por completo a vontade de fazer

acontecer dos diretores, produtores e roteiristas norte-rio-grandenses. E é sobre eles, compositores de um setor tão subestimado mas ao mesmo tempo tão grandioso, que iremos falar sobre nesta reportagem.

Além dos curtas e longas, vamos conhecer a “vida-metragem” de dois diretores potiguares: Pedro Fiuza, produtor do filme que nos levou a um dos maiores festivais de cinema do mundo e diretor da obra “A Edição do Nordeste”; e Valério Fonseca, diretor de “O Alecrim e o Sonho”, um dos filmes pré-selecionados ao Oscar na categoria de “Melhor Filme Internacional”, e sócio da produtora audiovisual Ponta Negra Filmes. Por fim, dissertaremos sobre a vanguarda do audiovisual norte-riograndense e suas perspectivas futuras ou melhor, o desfecho dessa grande narrativa.

UMÁRIOS

CAPA DA EDIÇÃO

Imagem do filme Sideral. Produção Casa da Praia Filmes (@casadapraiafilmes)

VIDA-METRAGEM

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Pedro Fiuza

Valério Fonseca

VANGUARDAS

Balacobaco 18

DESFECHO

20 Perspectivas futuras do audiovisual potiguar

RESENHA

21 A Edição do Nordeste

GALERIA

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METRAGEM VIDA-

ATRAJETÓRIADEQUEMCRIAFILMES

PEDROFIUZA

Antes de ser co-fundador da Casa de Praia, a produtora de “Sideral” (um simples, mas genial curta-metragem preto e branco que levou o Rio Grande do Norte ao Festival de Cannes), Pedro Fiuza tem outros papéis. Dentre eles, o que mais se destaca é o de ser natalense Desde 1986 Pedro Fiuza é natalense, e até o último dia de sua vida ele será. Ser natalense, neste contexto, não é apenas nascer em Natal. É querer entender Natal, fazer parte de Natal, levar Natal ao mundo. A relação dele com a cidade de Natal nasce e é cultivada de forma orgânica, a partir da sua relação prévia com o cinema. Então, antes de entender sua face natalense, é preciso entender sua trajetória como cineasta

Desde muito cedo o cinema interessa a Pedro Fiuza, que ainda na sua adolescência, assistia muitos filmes e era um grande fã da revista de cultura cinematográfica Set. Quanto mais ele sabia sobre o mundo do cinema, mais ele queria saber. “Eu gostava muito de pensar como funcionava isso, como é que se faz um filme { } cinema sempre foi minha paixão”, diz Pedro. Além disso, seu pai e sua mãe trabalhavam na TV Universitária da UFRN, então, o apoio familiar para seguir carreira no campo audiovisual nunca foi um problema.

Inevitavelmente um fato leva ao outro e ele decide graduar-se em Comunicação Social pela UFRN, que na época, em Natal, era o curso mais próximo da área do cinema. Já em 2004 ele cria o Cineclube Natal que até hoje perdura, com uma nova gestão e começa a fazer parte de militâncias para leis de incentivo à cultura no estado.

A bagagem de Pedro não para por aí na verdade, apenas começa. Ele também tem uma incursão paralela no teatro, mais especificamente no Grupo Carmin, do qual faz parte até hoje. Inclusive, é na peça teatral “A Invenção do Nordeste” que Pedro encontra inspiração para criar o curta “A Edição do Nordeste".

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Pedro Fiuza

anos após sua graduação, junto de legas, ele fundou a produtora isual Casa da Praia Filmes. mente suas produções eram mais as para a criação de peças tárias, mas em 2016, a produtora sua primeira obra de ficção. Pedro so inicia uma nova fase da Casa da em mim também. Isso é o que eu je”.

ova fase na vida dele é crucial no senvolvimento como cineasta e m é a partir dela que, de forma l, Natal começa a surgir para Pedro como uma matéria-prima, fonte de parte do conteúdo de suas obras e de suas pesquisas.

specificamente, a partir da ção da peça documental “Jacy”, que obre a vida de uma mulher nse na época da segunda guerra al, ele começa a notar um padrão us trabalhos: o surgimento da pauta de a gente vem”. Pedro diz: “Jacy é significativo para tudo que vem , esse pensamento de ‘o que é ou 'porque a gente nega Natal” negação” de Natal sendo eendida por ele no sentido dela não a cidade onde gerações perduram. emplo: se você é natalense, muito elmente seus pais ou seus avós não mesma cidade que você, e também provavelmente seus filhos ou seus rão se mudar.

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Pedro acredita que parte disso ocorre devido a falta de identidade do natalense em relação a sua própria cidade – uma situação que ele trabalha para que seja mudada. “Isso faz com que muitas obras tentem capturar essa identidade natalense, mas elas não conseguem, e eu acho isso muito interessante”, diz ele.

Durval Muniz, autor da peça “A Invenção do Nordeste” e um personagem que frequentemente inspira Pedro faz o questionamento:

OQUEÉIDENTIDADE?

Esta pergunta é uma grande motivação para que Fiuza continue a falar e pesquisar sobre a identidade não apenas do natalense, mas também do potiguar, e até do nordestino, como vemos no curta dirigido por ele “A Edição do Nordeste”. O filme é sobre o próprio cinema brasileiro, ou melhor, sobre como o cinema brasileiro edita o nordeste.

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Com a produção do curta “Sideral”, Pedro chega mais longe do que a maioria dos produtores de cinema potiguares, mas, mesmo assim, diz que até hoje tem um “sentimento de vira-lata”. Apesar dos esforços feitos por ele mesmo para cravar que o natalense pode sim chegar aonde quiser e que uma produção potiguar pode ser tão boa – ou melhor – do que uma produção internacional, quando Fiuza descobre que o curta produzido por ele e sua equipe foi um dos filmes indicados à Palma de Ouro, a surpresa é grande.

A chegada em Cannes foi planejada por todos que estavam por trás da direção e produção do curta-metragem, contudo, justamente por esse sentimento quase que imposto a todo potiguar de impotência devido a sua origem, a indicação continua sendo surpreendente. Pedro diz: “A gente luta muito para isso, mas na hora que acontece é muito doido.”

Mesmo sem ter a intenção de desvalorizar filmes ou premiações internacionais, Fiuza também destaca a importância do consumo de filmes brasileiros e mostra admiração aos esforços feitos pelos cineclubes de Natal em exibir diversas produções nacionais e potiguares.

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de Sideral
Imagem
do set
Imagem do set de Sideral

Infelizmente, ir tão longe quanto nossa imaginação nos permite nem sempre é possível Muito se fala sobre o “apego emocional” aos filmes que, por vezes, impossibilita alguns diretores de seguirem em frente com novas produções, mas, nem tanto assim se fala sobre a impossibilidade financeira de realizar novos filmes. Ao ser perguntado sobre o tópico de desafios na produção audiovisual, Pedro diz: “Não consigo não militar nessa resposta”.

A luta para ter o direito de fazer filmes é árdua, e inclusive, Fiuza diz se sentir até uma pessoa “privilegiada”, nesse sentido. Escolher viver da arte no Rio Grande do Norte não é fácil para ninguém e isto não é novidade. O principal fator limitante é a falta de políticas públicas, e pior ainda, o discurso de que o trabalho artístico não é profissional. “A gente tem esse imaginário ruim no Brasil de que arte não é profissão, então, não precisa de política pública”, diz Pedro.

Ele continua a falar que gostaria de possuir o “direito de ter um dia chato” e fazer filmes nem tão bons assim, mas que, por essa falta de oportunidades de se destacar e conseguir retorno com seu trabalho, toda produção precisa ser uma obra-prima, se não, ela é completamente ignorada e quase tudo é feito em vão. Enquanto isso, em Hollywood, o retorno financeiro de grande parte dos filmes é completamente desproporcional à sua qualidade, levando em consideração seus orçamentos multimilionários E essa desigualdade pode ser vista até dentro do próprio Brasil, ao comparar o cenário do audiovisual no centro do país (Rio de Janeiro e São Paulo) e na região nordestina

Imagem de Sideral

“Não quero estar no centro [do país], mas ao mesmo tempo, quando a gente participa de festivais, a gente percebe que a concentração, não só da verba, mas também da informação está com essas pessoas [do centro].”, diz Pedro. Esta realidade, lamentavelmente, comprova que o nordestino ainda é colocado numa posição periférica neste país “de segunda categoria mesmo”, nas palavras dele.

Ainda sobre a xenofobia, mas agora numa escala internacional, Fiuza comenta sobre sua experiência no Festival de Cannes: além de notar que filmes muito inferiores às produções do Brasil eram ovacionados no festival, ele diz que até na própria cidade de Cannes não viu nada de mais, “Por que o festival [de cinema] mais famoso do mundo não é no Rio de Janeiro, que é uma cidade muito mais bonita, mais interessante, que tem bem mais gente?” Enfim, no contexto potiguar, os empecilhos para trabalhar com arte são múltiplos, indo da imposição de que não somos capazes “as pessoas não falam quão foda a gente é”, diz Fiuza até os desafios financeiros e a discriminação

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Imagem de Sideral

Nesta longa jornada cinematográfica cheia de altos e baixos, Fiuza diz ter alguns arrependimentos, dentre eles, a espera pelo momento perfeito para fazer filmes, já que, apesar das dificuldades, ele admite que por vezes espera um “momento ideal” que não existe. Contudo, ele não vive em lamentação por nenhum de seus arrependimentos, inclusive, diz que o “Pedro de antes” iria se surpreender positivamente vendo onde o “Pedro de agora” chegou. E aos jovens que estudam audiovisual, ele deixa uma simples mensagem: “vejam filmes”. Criar um repertório sociocultural e cinematográfico é essencial para qualquer um que deseje trabalhar com filmes, mas também é uma tarefa que demanda tempo coisa que falta para quem já entrou no mercado de trabalho.

“[O cinema] não é uma ciência exata, mas também não é qualquer coisa, {…} ele precisa ser intencionado, e para isso, você tem que saber o que é cinema.”, diz Fiuza, explicando a importância de estudar e ver filmes, mas sem desconsiderar que “é um privilégio você ter o tempo do ócio criativo”. O trabalho cinematográfico, por muitas vezes, é posto num campo sublime e encantador que pode acabar fomentando o pensamento de que “arte não é trabalho”, e por isso também, Pedro ressalta que o discurso de que “não é preciso estudo para ser artista” pode ser perigoso para os próprios artistas. Por fim, ele também diz que seus anos de cineclube foram importantíssimos para seus trabalhos atuais, e é muito grato por ter feito parte desses grupos.

Enfim, é com esta grande carga que Pedro Fiuza tem a autoridade de se nomear produtor, roteirista, diretor, cineasta e por último, mas de forma alguma menos importante: natalense. Mesmo ainda tendo muitos anos de produção cinematográfica e de obras-primas por vir, já é claro que o legado de Pedro Fiuza não será esquecido pelas pessoas que formam o setor audiovisual de Natal.

Pedro Fiuza

VALÉRIOFONSECA

Uma das principais necessidades da vida humana é a coragem de ir, de vir e de ser quem realmente é. Ser corajoso, felizmente, é uma das principais facetas de Valério Fonseca O ator e diretor potiguar, em 1988, com 17 anos – num tempo onde era ainda mais difícil ser nordestino fora do nordeste – sai de casa para ir viver no Rio de Janeiro e “conhecer novos universos”, diz ele. Apesar de suas maravilhas e diversas oportunidades de trabalho, o Rio estava num contexto social de certa forma repressivo para pessoas da mesma origem de Valério – o que requereu dele ainda mais coragem

Na época, a motivação de sua saída de Natal não era novidade nenhuma. Por trás do atual diretor e ator premiado, existe um menino que adorava ir ao cinema sempre que a oportunidade surgia. Ainda em sua pré-adolescência, Valério já tinha a certeza de que um dia ele trabalharia com filmes. Inclusive, era um fã assíduo do próprio cinema brasileiro: “Aquilo [nos filmes] era meu povo, isso me confortava”.

Antes da produção cinematográfica, ele envereda-se pelo teatro: “Ele é base do entendimento do cinema”. Sua primeira peça, produzida ainda em Natal, foi “O Mito do Andrógeno”, um conto com diversas cenas de amor, que na época, foi assistido pelo seu pai, que sai do teatro dizendo a Valério: “Mas você gosta de uma putaria mesmo, né?” Humor à parte, essa fala retrata um fato vivenciado por Fonseca durante muito tempo de sua vida: a falta de apoio dos pais –“Também tive que lutar com isso”, ele revela.

Ainda sobre suas vivências no setor cinematográfico antes de ir morar no Rio, Valério fala sobre um momento bastante decisivo em sua vida: no final dos anos 80, um tempo muito fértil para a filmografia brasileira, Natal, pela primeira vez sedia um festival de cinema. Nele, Fonseca assiste filmes que aumentam sua vontade de trabalhar na área, e um em específico, o encanta ainda mais: “Leila Diniz” uma biografia dirigida por Luís Carlos Lacerda, que retrata o Rio de Janeiro dos anos 60 e 70 De acordo com Valério, este filme, dentre outras experiências vividas por ele, o faz ter vontade de “lutar para fazer cinema”.

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Valério Fonseca

que ele “leva natal” consigo ao Rio, e eventualmente, ao mundo.

Valério diz que sua vontade de trabalhar com cinema estava condicionada a ir morar no Rio de Janeiro: “Naquela época para você se comunicar, era preciso chegar junto, olhar no olho” – diferentemente dos tempos atuais, com o advento da Internet. Mas, também afirma que quer participar do movimento crescente que vem acontecendo no audiovisual potiguar.

Além do cenário repressivo vivido por ele devido às suas raízes regionais, houveram diversos outros desafios – que perduram até hoje, como diz Valério: “A luta continua” A invisibilidade do nordestino foi um dos principais empecilhos para ele, que diz ter vivido “uma época de uma invisibilidade no Rio”. Apesar de gostar do anonimato, ele lamenta as vezes que participou de grandes filmes –inclusive com personagens que falavam em cena – e seu nome sequer apareceu nos créditos. Dentre as maiores produções que ele atuou, estão os filmes: "Sítio do Picapau Amarelo", " Confissões de Adolescente" e "A grande família", e as novelas: "Velho Chico", "Império" e "Amor à vida".

Os obstáculos financeiros são reais para qualquer um que tente trabalhar com cinema independente no Brasil, mas Valério explica que atualmente, graças a Lei Paulo Gustavo, estamos em um “momento importante de transição” desta realidade. E, mesmo com as dificuldades, “na guerrilha”, ele se torna sócio da produtora Ponta Negra Filmes em 2015, e logo no ano seguinte, ganha o edital que permite a produção do filme “O Alecrim e o Sonho”. As filmagens do filme se iniciam um ano antes da pandemia.“Foi bem punk”, diz Valério.

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Valério Fonseca no set de O Alecrim e o Sonho

A ideia de “O Alecrim e o S quando Fonseca ainda tinh filme retrata a vida de um tem sonhos lúcidos. Es sempre foram presentes próprio Valério Ele diz q roteiro inteiro em uma “numa tacada só”. Do fim a o processo foi muito feliz, que os envolvidos gostavam que fala sobre a terceira id forma muito esperançosa, hipocrisias ou romantização excessiva, já que envelhecer no Brasil é um processo muito difícil – principalmente para os que trabalham com arte, e não possuem garantia real nenhuma de uma futura aposentadoria Mas, como diz Fonseca, “Na vida você chora de manhã e ri de noite. É assim”. Além desta nuance de esperança trazida pelo filme, o sentimento de identificação com a narrativa e com a ambientação é um dos motivos do seu grande sucesso com o público.

De forma muito merecida, filme foi préselecionado a categoria de “Melhor Filme Internacional” do Oscar 2024. Apesar de não ter sido de fato indicado, a conquista continua sendo muito significativa não apenas para o povo potiguar, mas para o nordeste como um todo. Além disso, ele é premiado no Festival Internacional de Cinema da Índia, o 4° maior festival de cinema do mundo; e também no Festival Internacional de Cinema Molodist, em Kiev, Ucrânia. Valério revela que tem planos para “O Alecrim e o Sonho” ser exibido novamente nas telonas do Rio Grande do Norte, especificamente no bairro do Alecrim, ainda esse ano.

Enfim, é com muita nostalgia, mas sem deixar de criar expectativas boas para o futuro, que Valério Fonseca fala sobre toda sua trajetória. Diz que durante sua jornada profissional e pessoal, ele teve diversos erros e acertos, e que é crucial não deixar que seus arrependimentos virem fardos, mas sim que se transformem em aprendizados: “O erro é um dos alicerces do ser humano”, ele explica.

Set de O Alecrim e o Sonho Set de O Alecrim e o Sonho

OFonseca diz também que “cada um sabe das suas lutas”, mas que tem um recado à juventude do audiovisual potiguar: ele fala da importância de entender que o cinema não tem glamour, e que nada vem sem esforço, ou seja, é preciso agir e “criar seus próprios mecanismos, encontrar a sua turma para que vocês possam lutar juntos”. Por fim, ele lembra que

CINEMA AGRADECE

“Ele [cinema] é como um santo, se você dá para ele, ele dá de volta para você”

Imagem de O Alecrim e o Sonho

VAN GUAR DAS

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Entrar na faculdade dos sonhos é sentir como se tudo estivesse ao seu alcance e é ter a esperança de um futuro profissional bem sucedido. São esses alguns dos sentimentos de um grupo de estudantes do Curso de Audiovisual da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que logo no primeiro semestre foram incentivados a criar uma produtora a fim de realizar curtas. Daniel Tapajós e Letícia Queiroz - que também atende por Leli - são dois dos integrantes da produtora Balacobaco, formada no início de 2023. Ao contar como foi o processo de formar o grupo, Leli diz: “A gente foi juntando quem tem afinidade e perguntando que tipo de filme cada um gosta, aí vimos que dava certo e criamos.”

Para eles, todo o processo é um grande aprendizado e quando as dúvidas surgem, o auxílio dos professores se faz fundamental. Mas, infelizmente, fazer arte como já foi visto em outros parágrafos desta reportagem exige muito mais do que apenas desejo e o apoio dos docentes Para Daniel e Leli, o principal obstáculo é a barreira financeira que limita o desenvolvimento de ideias promissoras desse grupo de jovens que a todo momento estão explorando os limites da própria criatividade.

BALACOBACO

Eles explicam: “Existem editais [para auxílio financeiro], mas é muito difícil conseguir, {...} tem muita gente concorrendo também, então esse é o principal problema”. Devido a essa falta de investimento, os alunos se vêem constantemente na impossibilidade de fazer mais, já que um filme, por menor que seja, não é produzido se ninguém pode custear os equipamentos, a alimentação, a locomoção e tudo mais que se é necessário para realizar um curta-metragem que tenha uma produção equivalente à imensidão de ideias inovadoras da nova geração do audiovisual potiguar.

Para a produtora independente, o futuro é uma tela em branco e eles são as tintas e pincéis sonhando e indo atrás de uma realidade multicolor, na qual a Balacobaco chega ao próximo patamar. Apesar dos empecilhos, o que de fato não falta é a fé, especialmente após a aprovação e o lançamento dos editais da Lei Paulo Gustavo, que representa o maior investimento direto já realizado no setor cultural, destinado à implementação de ações e projetos em todo o país A esperança de que as políticas públicas façam efeito e de que as pessoas continuem a fomentar as produções cinematográficas locais é o que mantém vivo o sonho de estudantes como Leli e Daniel de viver o cinema

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DESFECHO

Perspectivas futuras do audiovisual potiguar

Geralmente, depois de muitas histórias desenvolvidas e vários momentos de tensão, toda obra cinematográfica chega a um fim a obra da vida não.

Apesar das dificuldades, o cinema potiguar persiste. As pessoas potiguares que formam o setor audiovisual, persistem. Entre lutas e conquistas, eles conseguem crescer e chegar a lugares que foram negados a nordestinos por muito tempo. A identidade norte-riograndense está em processo de formação, e o fomento ao cinema é um divisor de águas no contexto da falta de uma unidade cultural.

O desfecho dessa narrativa é positivo. A vontade de seguir em frente está se mostrando, dia após dia, muito maior do que qualquer empecilho no caminho. Com profissionais como Valério Fonseca e Pedro Fiuza levando o cinema potiguar a um patamar internacional, e com a juventude do audiovisual representada por produtoras estudantis promissoras como a Balacobaco, o Rio Grande do Norte vai conseguir ir ainda mais longe.

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Set de O Alecrim e o Sonho

RESENHA AEDIÇÃODONORDESTE

Nordeste é criado

Nordeste é oficializado

Nordeste é inventado

Nordeste é editado”

O Nordeste, visto sob uma ótica insólita, foi inventado. Durante muitos anos, as produções cinematográficas o retrataram de maneira simplista e caricatural, perpetuando estigmas que resumiam a nossa região à seca e ao sertão. Pedro Fiuza consegue, de maneira surpreendente, desvencilhar o paradigma nordestino do audiovisual e escancarar essa situação, produzindo curta-metragem com decupagens certeiras de filmes que retratam o Nordeste com aquela mesma visão estereotipada.

O filme não apenas desvincula, mas também reescreve a narrativa do Nordeste, expondo com maestria a sua complexidade cultural obscurecida por tanto tempo. Inspirado na provocativa obra "A Invenção do Nordeste", Fiuza propõe uma reedição que não só é um exercício artístico, mas também uma denúncia política perspicaz. Por meio de cortes habilidosos, o curta aponta cenas que contribuíram para a construção da cultura nordestina inventada pela elite do país

A região, por muito tempo confinada ao sertão, ao cangaço e ao estigma do 'cabra macho', finalmente encontra uma voz desafiadora. Esta reinvenção transcende o cinema; é um chamado à reflexão sobre como as representações culturais moldam a percepção pública Fiuza não apenas critica, mas desconstrói a visão estreita que aprisionou o Nordeste em estereótipos, oferecendo ao público uma oportunidade de reconsiderar a riqueza cultural negligenciada.

Esta obra representa uma virada significativa, abandonando décadas de simplificação para finalmente reconhecer o Nordeste em toda a sua complexidade e esplendor cultural. O cinema, ao se renovar através desta obra, abre espaço para uma compreensão mais profunda e apreciativa de uma região há muito tempo subestimada.

Em um mundo saturado por narrativas simplificadas, A Edição do Nordeste destaca-se como um farol de originalidade e questionamento. É uma oportunidade de desvendar as camadas ocultas por trás dos retratos estereotipados, convidando cada espectador a mergulhar na riqueza cultural e histórica dessa região tão diversa.

Eduarda Medeiros

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@retratapotiguar Nº 03

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