Os recursos e a cidade

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Os recursos e a cidade



Os recursos e a cidade

Ricardo Ernesto Rose

SĂŁo Paulo 2013


© 2013, Autor Editor responsável: Cristiano Cabral Diretor de produção: Marisa Cecília da Silva Bento Roque Impressão e capa: Oxdealer Com. Livros e Copiadora Ltda www.oxdealer.com.br Foto da capa: Mathias Edward Rose

______________________________________________________________________ Ricardo Ernesto Rose Os recursos e a cidade – 1. Ed. São Paulo: LPB, 2013 ISBN 978-85-63044-16-7 1. Meio ambiente 2. Sustentabilidade 3. Gestão urbana

CDD-080

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Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem a permissão expressa da LPB, na pessoa de seu editor (lei nº 9.610, de 19.02.1998). Todos os direitos desta edição reservados pela:

Rua Augusta, 1414 - Consolação 01304-001 - São Paulo - SP Tel: 11 3288.4900 www.editoralpb.com.br


ÍNDICE Parte 1 - Gestão de recursos 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35.

A correta gestão dos resíduos urbanos A crise e o uso de recursos A energia do biogás A importância das energias renováveis na Alemanha A Mata Atlântica (nunca é demais falar dela) A segurança da Amazônia Agricultura e degradação do solo Agricultura orgânica e meio ambiente Agricultura, fome e desperdício de alimentos Ameaça ao etanol Áreas oceânicas precisam de mais proteção As bactérias da Mata Atlântica Aspectos históricos da gestão de resíduos Biodiversidade do planeta está diminuindo Breve histórico do desenvolvimento das atividades econômicas e da destruição ambiental Comércio internacional e a questão ambiental Desenvolvimento e impacto ambiental Desenvolvimento sustentável ainda é possível? Direitos para pessoas não humanas É isto crescimento? Economia em alta, vida em baixa Educação ambiental no Brasil Energia: o futuro e o presente Espécies desaparecem, e nós? Florestas, preservação traz lucro Geração de energia a partir do lixo Gestão empresarial e a questão ambiental Interação e adaptação de espécies Investimentos em unidades de conservação Mais consumo é progresso? Mais eficiência no uso dos recursos Meio ambiente, ética e política Natal, consumo e meio ambiente Normas e padrões de qualidade O impacto imprevisível das mudanças climáticas

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36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54.

Peixe não morre só pela boca O que é resíduo Os índios e nós Perguntando sobre a sustentabilidade Perspectivas para uma economia ecológica Pesquisa IBOPE revela como empresas vêem a sustentabilidade População e recursos Progresso pra quem? Qual o futuro da energia nuclear? Qualidade da água potável no Brasil precisa melhorar Questão de racionalidade ou moralidade Recursos não-renováveis e renováveis Resiliência e sobrevivência Se não for agora, quando será? Serviços ambientais da natureza Situação do resíduo urbano: demandas e perspectivas Transporte de produtos perigosos Tratamento e consumo de água Uso e abuso de agrotóxicos

Parte 2 - Temas ambientais urbanos 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12.

A falta que o planejamento urbano faz As megacidades Cidades, evolução e impacto Cidades, onde a vida acontece Enchentes e responsabilidade do Estado Evolução tecnológica e saneamento Gestão urbana e meio ambiente Migrações e meio ambiente Novo êxodo rural afetará as cidades O automóvel e o espaço urbano Os refugiados ambientais Saneamento, problema mundial

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A correta gestão dos resíduos urbanos Se por um lado o aumento do consumo acelera o ritmo da economia, proporcionando mais arrecadação de impostos e criação de empregos, por outro é fator de impacto ambiental. Estudo recentemente publicado informa que a geração de lixo no Brasil – resultado direto do aumento do consumo – está crescendo mais do que a população. Em 2010 o país gerou 60,8 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, volume 6,8% superior ao registrado em 2009 e muito acima do índice de crescimento da população urbana durante o mesmo período. De acordo com o levantamento realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), a geração de lixo aumentou de 359 quilos por pessoa em 2009, para 378 quilos em 2010 – um aumento de 5,3% em apenas um ano. O crescimento do consumo e da geração de resíduos, no entanto, não veio acompanhado de uma ampliação da infraestrutura. Apesar do aumento em 7,7% da quantidade de lixo coletada, mais de 10% do volume de lixo gerado – 6,5 milhões de toneladas – não foram retirados, findando em terrenos baldios e rios, contaminando o solo e a água. Além disso, do total de resíduos gerados 42,4%, ou 22,9 milhões de toneladas/ano, não receberam uma destinação correta, sendo depositados em lixões ou aterros controlados (sem tratamento de gases e de chorume). A reciclagem mostrou um crescimento muito abaixo do aumento da geração de resíduos e da expansão da economia. Em 2010 57,6% dos 5.565 municípios informaram possuir iniciativas de coleta seletiva, enquanto que em 2009 eram 56,6% dos municípios; um aumento de apenas 1%. Em muitos casos, segundo a Abrelpe, as iniciativas de reciclagem se resumem apenas à criação de pontos de entrega voluntária. A recente regulamentação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em dezembro de 2010, coloca 2014 como o prazo final para a eliminação dos lixões em todo o território nacional. Atualmente ainda são quase 3.400 municípios – cerca de

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60% do total – que ainda destinam seus resíduos de maneira incorreta. O estado mais avançado neste aspecto é São Paulo, que desde 1997 conseguiu diminuir o percentual de resíduos dispostos de maneira incorreta de 77,8% para apenas 3,7% em 2011. Esta redução só foi possível através de uma pressão exercida pela CETESB, a agência ambiental do estado, e com a ajuda de recursos financeiros destinados pelo governo estadual e ministérios. O crescimento da economia brasileira deverá manter um ritmo constante durante os próximos anos. Sendo assim, continuará a aumentar a geração de resíduos de todos os tipos; materiais reutilizáveis ou não. Por isso é imperativo que as administrações municipais, as associações do setor privado, os consumidores, as organizações não-governamentais e as agências reguladoras, estabeleçam juntos um planejamento visando atender as orientações da PNRS. Não é mais tolerável que um país com o nível de produção e consumo como o Brasil, ainda tenha uma maioria de municípios que sequer conseguem dar um destino correto ao seu lixo – quanto mais implantar qualquer programa de reciclagem, compostagem ou aproveitamento energético dos resíduos. Um correto tratamento dos resíduos significa economia de recursos e menos impacto ao meio ambiente.

A crise e o uso de recursos A crise da dívida pública americana, aliada à insolvência das economias periféricas da Europa, deverá dificultar mais ainda a recuperação da economia mundial. Os Estados Unidos, com crescimento econômico muito abaixo do esperando e gerando menos empregos, deverá amargar alguns anos de retração econômica. A consequência será a queda do consumo e a redução das importações - não esquecendo que a economia americana representa quase 30% de toda a economia mundial. No lado europeu, Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha - apenas para ficar nos casos mais graves - estão enfrentando problemas com o pagamento da dívida pública, o desemprego e a queda da

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produção. No futuro desses países - e do resto da União Européia segundo muitos economistas - prevê-se um período de recessão econômica com alguns anos de duração. O Brasil, apesar da boa situação do mercado interno, da manutenção das exportações e da criação de postos de trabalho, também será afetado. É pouco provável que em um contexto mundial recessivo o Brasil, a Índia e a China escapem sem qualquer arranhão. Não é por acaso que o governo já está alerta e pretende criar alguns mecanismos econômicos e fiscais para amortecer a queda da atividade econômica. Toda crise, porém, também representa uma oportunidade - para repetir a velha expressão. Trata-se de uma chance ideal, pouco aproveitada pelas empresas na crise de 2008, de melhorar o uso de insumos, diminuindo os custos de produção e fornecendo produtos mais econômicos, adaptados ao período de crise. A utilização mais eficiente de matérias primas, água, energia e outros ingredientes do processo produtivo, reduzem os custos por unidade de produto; diminuem o uso de recursos naturais e o impacto do processo de produção sobre o meio ambiente. Redução de matérias primas representa, por exemplo, menos petróleo extraído, redução do consumo de água; menor área desflorestada para criação de gado, extração mineral ou produção de eletricidade. A vantagem adicional destas medidas é que as empresas conseguem produzir a custos menores, tornando-se mais competitivas; fazem mais com menos. Exatamente aquilo que há décadas empresas inovadoras e preocupadas com o meio ambiente (e com o consumidor) vêm fazendo: o sistema Toyota de produção, os três Rs (reduzir, reutilizar e reciclar), a Produção + Limpa, a Prevenção à Poluição, a Análise do Ciclo de Vida de Produto; são técnicas que visam reduzir o uso de matérias primas e insumos, mantendo um alto padrão de qualidade de produtos e serviços. Como sempre ocorre, existem empresas e organizações que premidas pela crise desenvolverão novas respostas, soluções inovadoras. Outras tentarão fazer as coisas da maneira como sempre fizeram, esperando sobreviver até que a crise passe. Como acontece na natureza, as empresas que desenvolvem capacidades de adaptação ao novo ambiente (criado pela situação econômica) terão mais chances de sobreviver do que as que

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esperam a situação voltar ao que era antes; o que é pouco provável que ocorra, já que a história é irreversível. De certo modo, uma recessão pode ser comparada a um ataque cardíaco ao qual se sobreviveu: a recuperação implica mudança de dieta, redução de peso e novos hábitos. É isto o que as empresas também devem fazer daqui em diante, em relação ao uso de recursos naturais.

A energia do biogás O biogás é um combustível de origem orgânica, formado a partir da ação de bactérias sobre substâncias vivas – vegetais, dejetos orgânicos, corpos em decomposição, etc. Composto basicamente por metano (CH4), é muito danoso à atmosfera, por ser um gás causador do efeito estufa (aquecimento da atmosfera) com intensidade superior ao dióxido de carbono (CO2), emitido na queima de combustíveis. Também conhecido como “gás do pântano”, é altamente inflamável e por isso também usado como combustível. Seu aproveitamento, no entanto, só é possível em locais onde existe grande quantidade de matéria orgânica em decomposição, como nos aterros sanitários, locais onde são jogados dejetos de animais (gado, galinhas e porcos) ou grandes amontoados de resíduos vegetais em decomposição. A prática da extração de energia do biogás ainda é relativamente recente no Brasil, mas diversas técnicas já estão sendo desenvolvidas. Uma das práticas é a utilização do metano resultante da decomposição do lixo orgânico, nos aterros sanitários. O gás é captado através de tubulações subterrâneas e bombeado para motores de unidades geradoras de eletricidade. Somente na cidade de São Paulo existem duas instalações deste tipo em funcionamento. Uma delas, no aterro Bandeirantes, gera cerca de 20 Megawatts (MW); energia suficiente para abastecer cerca de 160 mil casas. A outra, no aterro São João, gerando 25 MW e capaz de suprir eletricidade para 199 mil casas. Mais usinas estão em construção por todo o Brasil, produzindo energia

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renovável e contribuindo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Outra tecnologia em implantação – principalmente em regiões onde existe a suinocultura – prevê o aproveitamento do biogás exalado dos dejetos dos porcos. Estes resíduos, produzidos em grande quantidade, precisam ser tratados antes de serem dispostos na natureza. Armazenados temporariamente em lagoas de estabilização hermeticamente fechadas, os rejeitos são consumidos por bactérias anaeróbicas (que sobrevivem sem oxigênio), que nesse processo liberam o gás metano. Este é então bombeado para um motor, que por sua vez aciona um gerador de eletricidade. O procedimento ainda é pouco usado devido aos custos de instalação, mas tende a se disseminar. A tecnologia do biogás também é bastante utilizada em outros países, muitas vezes partindo de outros pressupostos. Na Alemanha, por exemplo, até o final de 2009, já estavam em funcionamento 4.100 biodigestores, gerando 1.400 MW de energia – suficiente para abastecer com eletricidade cerca de cinco milhões de residências, considerando que o consumo médio de eletricidade em uma casa alemã é bem mais alto que no Brasil. O fator indutor do uso do biogás não foi, no entanto, a simples necessidade de gerar energia – esta foi conseqüência. O que levou a Alemanha a investir neste tipo de tecnologia foi a necessidade de dar uma destinação correta aos resíduos, baseado em uma legislação referente aos resíduos sólidos. Os outros aspectos; a geração de energia, de adubo orgânico e a redução de emissões de metano, foram apenas vantagens adicionais de tal prática. Temos aqui mais um exemplo de como uma política de resíduos sólidos pode trazer benefícios ambientais e econômicos, da destinação correta de resíduos à geração de energia. Quando a Política de Resíduos Sólidos, aprovada em 2010, começar a efetivamente ser posta em prática, muitos setores da economia brasileira receberão um impulso adicional.

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A importância das energias renováveis na Alemanha (publicado originalmente no livro "Das Renováveis à Eficiência Energética”)

Quanto mais desenvolvida materialmente uma sociedade, maior sua necessidade de energia. Por isso, a história das sociedades humanas sempre foi, sob certos aspectos, a luta pelo alimento e pelas fontes de energia. Toda tecnologia criada pela humanidade nos últimos cinco mil anos, desde as tabuinhas babilônicas de escrita cuneiforme até os nossos processadores de computadores, precisou de algum tipo de energia para ser produzida e operada. Nos últimos trezentos anos o desenvolvimento tecnológico deu um avanço muito grande. Fruto de fatores econômicos, sociais e tecnológicos, surge no final do século XVIII um sistema econômico que criará grandes demandas tecnológicas: o capitalismo. Novos sistemas de produção, maiores e diversificados, propiciam o aparecimento de novos tipos de máquinas e fontes de energia – o carvão mineral, o petróleo, a eletricidade, a energia nuclear, entre as mais utilizadas. A diversificação do sistema de produção capitalista faz com que tanto para a produção quanto consumo a energia seja essencial, grande parte dela gerada por combustíveis poluentes e não-renováveis. Na segunda metade do século XX, cientistas, empresários e estadistas se dão conta de não ser mais possível manter indefinidamente o crescimento da economia capitalista, baseada na tecnologia em utilização até então. Diversos fóruns realizados ao longo dos anos 1970 e 1980 debatiam os seguintes aspectos da crise: - Caminhava-se para uma escassez de recursos – água, solos agricultáveis, oceanos, metais – que tendiam a diminuir cada vez mais. Pela primeira vez na história os agentes econômicos haviam se dado conta de que os insumos de seus processos produtivos – os recursos naturais – não eram inesgotáveis. Os primeiros

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alarmes foram dados pelo Clube de Roma (1968) e pela Conferência de Estocolmo (1972); - A disponibilidade de energia, em grande parte baseada no petróleo e seus derivados, era outro problema de um futuro próximo. As seguidas crises do petróleo (1973, 1979) haviam tornado o quadro mais preocupante ainda. Os países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) agora ditavam o preço da principal fonte de energia do capitalismo; - A energia nuclear, junto com o carvão mineral, eram as principais fontes de geração de energia e calor nos países do hemisfério Norte. No entanto, dois acontecimentos nos anos 1980 afetaram fortemente a confiança nestas energias. Com relação à energia nuclear, ocorre em 1986 o acidente com o reator em Chernobyl, fato que abalou seriamente a confiança na segurança deste tipo de geração de energia. Com relação ao carvão mineral, descobriuse que sua queima - assim como de todos os combustíveis não renováveis - liberava gases, que provocavam alterações na atmosfera e no clima; os gases de efeito estufa (Greenhouse gases, GHG), causadores das mudanças climáticas. Neste contexto a Alemanha, especificamente, não estava em uma situação confortável. Altamente industrializada desde a segunda metade do século XIX, teve seu parque industrial e infraestrutura destruídos durante a 2ª Grande Guerra. Anos depois, reconstruída e dispondo de instalações industriais com processos produtivos modernos, o país estava em pleno crescimento econômico a partir dos anos 1960. Toda esta atividade econômica implicava o uso intenso de energia, que na economia alemã se baseava em três fontes principais: a energia do petróleo, do carvão mineral e de usinas nucleares. O movimento ambientalista alemão havia adquirido muita força a partir do final dos anos 1960 e em 1980 fundou um partido para representá-lo no parlamento: o Partido Verde. Por outro lado, influenciado pela opinião pública e pelas diversas conferências internacionais, ao longo dos anos 1970 e 1980 o governo alemão aprovou várias leis e implantou diversos programas ambientais relacionados com a questão dos resíduos, dos efluentes, das áreas contaminadas e das emissões atmosféricas.

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Em 1998, o governo da “Coalizão Vermelho-Verde” (partido socialdemocrata e partido verde) decidiu implantar um ambicioso programa de substituição das fontes energéticas não-renováveis e energia nuclear por um leque de energias renováveis, entre as quais: energia eólica; solar térmica e fotovoltaica; energia de biomassa e biogás; energia geotérmica; além de outras em fase inicial de desenvolvimento, como a energia das marés e hidráulica. Ao mesmo tempo, o governo alemão deu início a um programa de pesquisa e uso de biocombustíveis, com foco no biodiesel e no etanol. A Alemanha se tornou assim o primeiro país a introduzir uma política energética baseada na substituição das energias nãorenováveis e da energia nuclear – esta última com prazo de desativação até 2021. O Erneuerbare-Energie-Gesetz, a “Lei da Energia Renovável”, data de 2000 e nos últimos doze anos já alcançou índices importantes. Com referência à capacidade instalada ao longo dos anos, temos os seguintes dados do ministério do Meio Ambiente da Alemanha: Capacidade instalada em MW (Megawatt) 1990 2000 Hidrelétrica: 3.429 3.538 Eólica: 55 6.097 Biomassa: 85 579 Fotovoltaica: 0,6 76

2011 4.401 9.075 5.479 24.820

Com a lei, até 2011 a Alemanha chegou a gerar 20% de sua energia elétrica a partir de fontes renováveis – e os investimentos continuam aumentando anualmente. Em recente matéria veiculada na internet, ex-ministros do meio ambiente e políticos da Alemanha comentaram alguns aspectos da estratégia alemã com relação às energias renováveis. Dentre alguns objetivos da iniciativa foram apontados: - O objetivo de diminuir a dependência da Alemanha de importação de energia; o petróleo dos países árabes e gás da Rússia; - A intenção de atender às exigências do Protocolo de Kyoto, no que se refere à redução de emissões de gases de efeito estufa;

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- A preocupação em incentivar a formação de um novo tipo de indústria, com domínio de uma nova tecnologia, voltada à geração de energia renovável e não-poluente; - O objetivo de competir com estas novas tecnologias no mercado internacional e gerar novos postos de trabalho no mercado alemão (estima-se que em 2012 o setor estará empregando cerca de 350 mil pessoas); - Incentivar a geração descentralizada de energia. Grande parte do programa alemão de energias renováveis não teria sido possível sem a criação de mecanismos, garantindo a compra da energia gerada com a possibilidade de inseri-la na rede elétrica (Einspeisegesetz) e o financiamento de equipamentos para todos os interessados em aderir ao programa.

A Mata Atlântica (nunca é demais falar dela) Originalmente a floresta atlântica cobria todo o litoral do Brasil do Rio Grande do Norte a norte do Rio Grande do Sul. Sua área estendia por cerca de 1,5 milhões de quilômetros quadrados. Hoje, ocupa menos de 8% da área original, concentrando-se principalmente nos Estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. Entre este dois últimos se concentra a maior área de mata, representada pela reserva ecológica Juréia-Itatins, que se estende por uma área de aproximadamente 12.000 hectares. Esta reserva reúne os ecossistemas típicos de parte da costa brasileira original, reunindo a vegetação de restinga, o mangue e a mata atlântica. As partes altas da Serra do Mar ainda são ocupadas por uma vegetação mais rala, formada por arbustos e cactáceas, resquícios do último período glacial, há cerca de 10.000 anos, quando a temperatura da Terra era mais baixa. A floresta atlântica foi o primeiro ecossistema encontrado pelos descobridores portugueses e onde se estabeleceram as primeiras cidades – pela própria proximidade do litoral. Atualmente, a maior parte das grandes capitais – Natal, Recife, João Pessoa, Aracaju, Salvador, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e

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Florianópolis – localizam-se em áreas de influência da Mata Atlântica. Isto sem contar as centenas de cidades menores do Nordeste ao Sul do Brasil, que também se localizam nesta área. A Mata Atlântica se estendia da Serra do Mar até o interior dos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. No entanto, depois das devastações promovidas pela cultura canavieira no Nordeste (século XVI ao XVII), pela do café e outras culturas em São Paulo, Minas Gerais e Paraná (séculos XIX e XX), a floresta atlântica acabou sendo relacionada apenas com o litoral. Assim permaneceu relativamente intocada em seus contrafortes litorâneos até meados do século XX, quando a indústria automobilística se estabeleceu no Brasil (em São Bernardo, praticamente dentro da Mata Atlântica, ironicamente). Teve início então a construção de estradas, ligando os grandes centros urbanos com o litoral e as praias, alcançando lugarejos até então remotos. Nestas localidades, a partir dos anos 1970 começou a ocorrer um “boom imobiliário”, promovendo a criação de loteamentos e suas péssimas conseqüências ambientais: derrubada de mata primária, secundária e da vegetação de restinga; aterro de mangues e descaracterização de barras de rios. A abertura de estradas mais amplas, facilitando o acesso ao litoral (a região ocupada pela floresta atlântica) e a construção de casas de veraneio aumentou drasticamente o afluxo de turistas ao litoral. As cidades, antes pequenas vilas sem qualquer estrutura sanitária, transformaram-se em poucos anos em cidades com dezenas de milhares de habitantes (ou até centenas, como no caso do município de Praia Grande). Em um artigo publicado em 2009, escrevi: “Descarga de esgotos domésticos em córregos antes cheios de peixes e falta de aterros sanitários para o resíduo doméstico, continuam a ser deficiências de muitas cidades litorâneas brasileiras. A derrubada de áreas remanescentes de mata atlântica, o aterro de mangues e a destruição da vegetação de restinga são características desta desordenada ocupação do litoral brasileiro. Por um lado, a abertura indiscriminada de loteamentos

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sem qualquer infraestrutura, de outro a interdição e privatização de praias, beneficiando proprietários de grandes mansões. O pretenso progresso expulsou a população caiçara de muitas praias, para dar lugar a condomínios de alto luxo. Este é com pequenas variações o quadro da ocupação do litoral brasileiro nos últimos anos. Destruição e descaracterização da natureza, promovida pelo ganho rápido e fácil, submisso aos interesses dos mais ricos e contando com a conivência da maior parte do poder político da região. As seguidas crises econômicas só vieram trazer mais problemas, diminuindo os recursos das prefeituras e deixando parte crescente da população litorânea sem perspectivas de encontrar um trabalho, aumentando os índices de criminalidade. O turismo tem se tornado um peso ao meio ambiente de toda a região litorânea. A cada verão ou feriado, milhões de visitantes acorrem às cidades, aumentando a população e sobrecarregando o sistema de abastecimento de água e de coleta de lixo. O serviço de tratamento de esgotos não existe ou, na melhor das hipóteses, é insuficiente para atender ao volume da demanda. Com isso, são descarregadas toneladas de lixo em terrenos baldios e o mar recebe, através de córregos, milhões de litros de água poluída por efluentes domésticos. O problema já é tão grande que as areias das praias de muitas cidades estão contaminadas por microorganismos que atacam o intestino e provocam doenças de pele, olhos e ouvidos.” (Rose, 2009). É neste ambiente socioeconômico que ainda sobrevivem os remanescentes da Mata Atlântica, atravessada por grandes autovias, estradas turísticas e vicinais. A capacidade de controle dos órgãos ambientais, principalmente a Polícia Florestal Estadual e os poucos departamentos de meio ambiente de algumas prefeituras mais organizadas é limitada. A preservação deste importantíssimo ecossistema depende também da conscientização da população, dos empresários locais e da pressão exercida pela imprensa. A floresta tropical úmida possui basicamente três andares, de acordo com o grau de complexidade ecológica e biológica com que queiramos analisar o ecossistema. O primeiro representa o nível do solo, relativamente livre de vegetação, onde estão as folhas e galhos mortos, que servem de alimentos para insetos

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(formigas, besouros e suas larvas), fungos e bactérias de todos os tipos. O segundo estágio, aquele no qual plantas de tamanho médio (até 5 metros, de troncos finos e compridos e copa pequena) disputam espaço físico e, principalmente, a luz solar. Nesta vegetação relativamente baixa para os padrões da floresta, se encontra teias de aranhas e diversos tipos de insetos (os borrachudos, por exemplo), cujo habitat é esta zona intermediária. Crescendo no meio desta vegetação mais baixa, estão os troncos das grandes árvores da floresta, como o jequitibá, a guapuruva, as figueiras, o pau-brasil, o jacarandá, a peroba, o jequitibá-rosa, o cedro e as palmeiras. Nos troncos, grandes quantidades de liquens, bromélias e orquídeas; formigas descendo e subindo os troncos, buscando e trazendo alimento aos formigueiros localizados no solo. No andar superior, onde estão as copas das grandes árvores, vive uma grande quantidade de insetos (alguns nunca descem ao solo), pererecas (nas águas das bromélias ou dos antulhos) e pássaros, como o tié-sangue, o sete cores, a saíra, papagaios, quero-quero, sanhaço, tucanos, gaviões e muitos outros. A Mata Atlântica é o ecossistema que está profundamente ligado à história do País. A maior parte de nossas lendas de origem indígena, como o Boitatá, o Curupira e outras, provieram de tribos indígenas (tupinambás, tupiniquins, caetés e tamoios) que habitavam a região da floresta. As lendas de origem caiçara ou caipira (Saci, Mula-Sem-Cabeça, etc.) também têm origem na região. Os bandeirantes começavam suas viagens atravessando a Mata Atlântica, utilizando-se de rios que cortavam a floresta (como o Anhembi, mais tarde batizado de Tietê). Os ciclos econômicos da cana-de-açúcar (Nordeste), dos metais (Minas Gerais) e do café (São Paulo) ocorreram em regiões dominadas pela Mata Atlântica. A industrialização também, em grande parte, teve início nesta região. Ainda será necessário escrever uma história econômica, social e ambiental da influência deste importantíssimo ecossistema sobre a história do Brasil. Isto sem falar de nossa pré-história, já que os

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habitantes do período sambaqui (7.000 A.C até 500 A.C.) viviam no litoral, em plena região de Mata Atlântica.

A segurança da Amazônia Apesar da grande disponibilidade de recursos naturais, a Amazônia sempre foi, em maior ou menor grau, uma região que pouca atenção recebeu do governo federal. Se, por um lado, o grande bioma é motivo de preocupação de ambientalistas e de todos aqueles interessados na preservação de sua biodiversidade, por outro, a população desta extensa bacia fluvial permanece desatendida. Não é por outra razão que a região continua sendo a mais pobre do Brasil, com os mais baixos índices de desenvolvimento. Diferentes governos, desde a época colonial, sempre temeram que esta parte do país fosse invadida por potências estrangeiras. No período militar, as autoridades decidiram construir a rodovia Transamazônica e adotaram o lema "integrar (a região) para não entregar (aos supostos invasores)". Ainda hoje existem grupos que alertam sobre uma eventual invasão da região, baseados em supostas declarações de líderes mundiais. Fato é que uma invasão militar da Amazônia é completamente descartada pelos estrategistas. O real problema da região continua sendo a miséria, a falta de perspectivas de um desenvolvimento econômico e social para sua população. Há anos que ambientalistas e estudiosos do assunto vem associando o aumento do desflorestamento, os focos de trabalho escravo e o aumento do tráfico de drogas na região à pobreza generalizada. Em recente estudo, o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS em inglês) - um dos mais renomados centros de estudos sobre estratégia no mundo, com sede em Londres identificou mais detalhes do problema. O estudo mostra que a Amazônia se tornou a grande rota para o tráfico de drogas, que via Rio de Janeiro e São Paulo atende o aumento do consumo na

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Europa, com drogas fabricadas no Peru e na Bolívia. Apesar dos esforços dos últimos governos em criar uma estratégia de defesa contra a entrada de drogas, é muito difícil manter a vigilância sobre uma fronteira tão extensa quanto a da região. Por isso, segundo o instituto inglês, o projeto brasileiro em investir 10 bilhões de reais na região até 2019, tem grandes chances de fracassar. "Enquanto o Brasil insiste que o maior perigo é a invasão da Amazônia por outro governo, a realidade é que a floresta já está sendo ocupada por grupos armados ilegais", diz a reportagem publicada no jornal O Estado de São Paulo. Especialistas da instituição inglesa constatam o que em outras palavras políticos, cientistas e entidades atuando na região já vêm dizendo há tempos: a luta contra o tráfico que atua na Amazônia também deverá ser uma luta contra a pobreza. É uma situação comparável à dos morros cariocas; se o governo não se faz presente, a contravenção e o crime ocupam o espaço deixado aberto pelo estado. A ausência de oportunidades faz com que o tráfico - muitas vezes coordenado de outros países - encontra mão de obra fácil. O estudo relata, por exemplo, como índios da tribo Tikuna aceitaram trabalhar como "mulas" para produtores de drogas bolivianos e peruanos; aponta a pobreza em que vivem os índios da reserva Raposa Serra do Sol (RR). Não é somente com tropas e radares que se garantirá a segurança da Amazônia. Ao invés disso, por que não começar a resolver o problema fundiário da região, que a cada ano faz dezenas de vítimas de assassinato entre sindicalistas, ambientalistas e posseiros?

Agricultura e degradação do solo A Revolução Verde foi a grande mudança na agricultura mundial nos últimos quarenta que possibilitou garantir alimentação para bilhões de pessoas. Trata-se da agricultura como a conhecemos hoje, utilizando grandes volumes de insumos químicos, intensa mecanização, irrigação e ocupando extensas áreas de solo fértil.

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Todavia, a constante exploração do solo também acaba cobrando o seu preço: a desertificação e a degradação ambiental já estão afetando 20% das terras agrícolas, 30% das florestas e 10% das pastagens de todo o mundo, segundo especialistas. De acordo com um estudo elaborado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o processo gradual de deterioração dos solos está aumentando ao invés de diminuir. Segundo o estudo, o principal fator causador desta degradação da terra é sua má gestão. As conseqüências imediatas da queda da qualidade do solo são a redução da produtividade agrícola, a queda do nível do lençol freático e a necessidade de aplicar quantidades cada vez maiores de fertilizantes. Em uma fase posterior cai definitivamente a produtividade da terra, forçando os agricultores a migrarem para as cidades ou para outras regiões ainda inexploradas, dispondo de cobertura vegetal original. Em suma, a degradação do solo acaba causando além da insegurança alimentar, migrações e destruição de ecossistemas. A população rural afetada por este fenômeno chega a quase um bilhão de pessoas em todo o mundo. Apenas na América Latina, há mais de 500 milhões de hectares comprometidos pelo processo de desertificação, ocasionando uma perda anual de 24 bilhões de toneladas de solo fértil, arrastadas pelas chuvas e pelos ventos e causando o assoreamento dos rios. Uma volta ao passado, à agricultura anterior à Revolução Industrial, todavia, não é possível. Se na década de 1960 não tivesse sido desenvolvida a Revolução Verde, muito provavelmente teríamos tido várias crises de abastecimento em todo o globo. A agricultura, como vinha sendo praticada durante milênios, não teria condições de alimentar toda a atual população mundial. Basta lembrar as grandes epidemias de fome na Europa e na Ásia, que chegavam a dizimar dezenas de milhões de pessoas. Todavia, é possível que a agricultura seja praticada com mais cuidado com o meio ambiente. Já existem defensivos agrícolas naturais, elaborados à base de extratos vegetais, afetando apenas as pragas, sem contaminarem o solo e as plantas. Temos as técnicas de plantio direto, já bastante disseminadas no Brasil, que revolvem menos a terra e assim evitam a perda de material

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orgânico e a compactação do solo. Dispomos de tecnologias para melhor aproveitamento da água na irrigação. Igualmente, muitas fazendas – até por força do Código Florestal – se preocupam com a manutenção de áreas com mata natural e com preservação da mata ciliar. Enfim, são práticas que estão sendo utilizadas por agricultores preocupados com a fertilidade do solo e com o ecossistema no qual suas propriedades estão inseridas. O Brasil, por seu grande potencial agrícola, deve incentivar práticas que ajudem a preservar este valioso patrimônio de que dispomos: o solo fértil. Este, uma vez perdido, será difícil de ser recuperado em curto espaço de tempo. Basta olharmos os livros de história, onde lemos sobre as dezenas de povos e culturas que pereceram por terem perdido a fertilidade de seus solos.

Agricultura orgânica e meio ambiente Cerca de 150 espécies vegetais cultivadas atendem a maior parte das necessidades alimentares da humanidade e somente 12 culturas – principalmente o arroz, o trigo, o milho e a batata – suprem 80% da demanda de proteína vegetal. Quase toda a produção agrícola mundial é do tipo convencional; utiliza herbicidas, inseticidas, adubação química, mecanização e, geralmente, é praticada em larga escala. Com a Revolução Verde, a agricultura convencional tem gerado colheitas suficientes para alimentar toda a humanidade – a fome nos países pobres é causada por falta de recursos econômicos para plantar ou comprar alimentos. Mas, como todas as atividades econômicas praticadas em larga escala, a agricultura convencional também tem seus aspectos prejudiciais ao meio ambiente: destruição de áreas naturais, exaustão do solo e dos recursos hídricos, contaminação do lençol freático e assoreamento dos rios. Como alternativa à agricultura convencional, surgiu a agricultura orgânica; desenvolvida ao mesmo tempo na Alemanha, por Rudolf Steiner (1924), no Japão, por Motiki Okada (1933) e na Inglaterra em 1940 com o lançamento do livro Um Testamento Agrícola, por Albert Howard. No Brasil, a técnica começou a ser introduzida a

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partir da década de 70, em parte por influência das comunidades alternativas. A agricultura orgânica define o solo como um sistema vivo, que deve ser nutrido, mantendo a sobrevivência dos organismos benéficos ao solo (vermes, insetos, fungos e bactérias); todos necessários à reciclagem de nutrientes e produção de húmus. Os insumos químicos, prejudiciais ao ciclo biológico do solo, não são utilizados. A efetividade destes princípios é comprovada na prática: culturas orgânicas propiciam mais qualidade aos produtos colhidos, além de manter a diversidade biológica no solo e na área de cultivo, em comparação com a agricultura convencional. Há alguns anos, a empresa Native Alimentos, produtora de orgânicos, associou-se à Universidade de São Paulo (USP) para pesquisar uma área em Sertãozinho (SP), na qual a empresa vinha plantando cana-de-açúcar pelo método orgânico. O estudo constatou uma diversidade de espécies – incluindo anfíbios, répteis e aves – bem maior, do que em outras áreas da região, onde é praticada a agricultura convencional. As empresas que praticam a agricultura orgânica e querem ter seus produtos certificados, possibilitando sua venda até para as grandes cadeias de supermercados, precisam seguir certos princípios. Se, anteriormente a área era dedicada à agricultura convencional, o empreendedor deve submeter a terra a um período de quarentena, que pode durar de 12 a 18 meses, dependendo do vegetal a ser cultivado. Ao iniciar a produção orgânica, além de não utilizar insumos químicos, o produtor deve preservar matas ciliares, mananciais de água e eventuais remanescentes da floresta nativa. O agricultor também deve respeitar a legislação trabalhista e investir em projetos sociais. A origem e a qualidade dos produtos são garantidas pela certificação do produtor, fornecida por uma instituição de credibilidade internacional, desde que os quesitos sejam preenchidos. O mercado mundial de produtos orgânicos movimentou cerca de US$ 60 bilhões em 2011, sendo os maiores consumidores a Europa (Alemanha, França, Itália e Suíça) os Estados Unidos e o Japão. No Brasil, estima-se que este mercado movimentou cerca de US$ 350 milhões em 2011, dos quais 65% foram destinados à exportação. O mercado interno de produtos orgânicos cresce 25%

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ao ano, mas representa somente 4% do volume de produtos do setor agrícola. A atividade ocupa aproximadamente 90 mil produtores, 10% dos quais são certificados (2006). A área de cultivo de produtos orgânicos no Brasil é de aproximadamente 300 mil hectares e só tende a aumentar. A agricultura orgânica não substituirá a agricultura convencional. Representa, porém, uma ótima alternativa para pequenos produtores, contribuindo para a manutenção do meio ambiente natural e produzindo alimentos de alta qualidade.

Agricultura, fome e desperdício de alimentos A busca por alimento, como em todos os seres vivos, sempre foi a maior preocupação da humanidade. Nossos antepassados do Paleolítico, ainda desconhecendo a prática da agricultura, dependiam da coleta e, principalmente, da caça. Durante mais de 100 mil anos o homem moderno, o Homo Sapiens, perseguiu manadas de gnus, zebras e antílopes pelas estepes africanas e mamutes, renas e bisões pelas geladas planícies da Eurásia. Aproximadamente há oito mil anos, no final do último período glacial, a caça começa a minguar. Com o aumento da temperatura, o clima começou a mudar e com isso flora e fauna também passam por mudanças adaptativas. Os animais, que por milhares de anos eram abundantes e proporcionavam grandes quantidades de proteína, decresceram em numero, deslocaram-se para outras latitudes mais frias ou se tornaram extintos. Nossos antepassados, espalhados por uma extensa área que se estendia da África à Europa e do Oriente Médio à Ásia até a América – onde os antepassados dos povos indígenas já haviam chegado através de uma ponte de gelo cobrindo o estreito de Bering – iniciaram a primeira grande revolução da humanidade: a prática da agricultura. Observando o crescimento de plantas perto dos acampamentos, resultado da queda ocasional de sementes, os homens devem ter percebido que este processo poderia ser repetido em escala mais ampla, gerando volumes maiores de sementes. Nos vales pantanosos à época dos rios Tigre e

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Eufrates, na região onde atualmente se situam a Turquia, o Iraque e a Síria, a agricultura passou a ser praticada pela primeira vez em larga escala a partir de 5.000 A.C. Cerca de milênio e meio depois, a atividade agrícola já havia se espalhado para outras regiões; como o vale do rio Nilo, no Egito; o vale do rio Amarelo, na China; e o vale do Indo, entre o Paquistão e a Índia. A prática da agricultura se desenvolveu ao longo de toda a história, sempre ocupando novas áreas, acompanhando o crescimento e a expansão das populações humanas. Basta lembrar as extensões de terras agricultáveis que se abriram na Europa, depois que gradualmente os povos celtas, germanos e eslavos foram cristianizados e incorporados ao império romano e depois ao carolíngio. Ou no século XVI, quando espanhóis e portugueses descobriram imensas extensões territoriais agricultáveis no outro lado do Atlântico, além de uma grande variedade de novas plantas comestíveis, como a batata, o milho, tomate, abacaxi, abacate, amendoim, baunilha, mandioca, feijão, cacau, pimentas, entre outras. Apesar do constante aumento das áreas plantadas a fome, no entanto, sempre acompanhou a humanidade. Já na Roma antiga, o historiador Tito Lívio nos informa sobre uma grande fome que teria assolado a República romana em 441 A.C. Pouco antes da Queda de Roma (476 D.C.) a história registra mais um período de grande carestia no então império Romano, provocada pelo saque da cidade, pelo rei visigodo Alarico. Entre os anos de 400 e 800, a ausência de uma estrutura político-administrativa estável, fez com que grande parte da Europa fosse afetada por períodos de carestia. A situação se tornou tão confusa, que em certas regiões da Europa, durante o século VIII, até ocorreram casos de canibalismo. As ocorrências de grandes carestias sucedem-se durante a Idade Média, em grande numero de países. No final da Idade Média, entre 1315 e 1317 ocorreu na Europa o que se passou a chamar de "A Grande Fome". Devido ao excesso de chuvas e frio em diversas regiões, perderam-se colheitas em extensas áreas, o que acabou provocando uma grande fome em todo o Velho Mundo. Milhões de pessoas morreram por falta de comida e em consequência de problemas sociais ligados à carestia, como o aumento de crimes, doenças e de assassinatos. Foi somente a partir de 1322 que a Europa conseguiu, aos poucos, se recuperar do terrível caos social que havia se instalado.

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Assim, mesmo com grande variedade de alimentos conhecidos a partir das Grandes Navegações – muitos autores falam em uma globalização do consumo de certas plantas, frutos e sementes – grande parte da humanidade ainda continuava a comer mal ou passar fome. O pintor e gravador alemão Albrecht Dürer (14711528), pintou em 1498 o famoso quadro “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, representando os maiores terrores da sociedade européia à época: a peste, a guerra, a fome e a morte. Foi somente a partir da gradual mecanização da agricultura e da utilização de fertilizantes químicos – processo iniciado na primeira metade do século XIX nos Estados Unidos, que já despontavam como grande potência agrícola – que as colheitas se tornaram mais garantidas. Mesmo assim, a fome ainda era uma ameaça real para a maior parte da população mundial, provocando grandes fluxos migratórios, principalmente da Europa para as Américas. Uma lista detalhada das principais ondas de fome ocorridas no mundo desde a Antiguidade até os dias atuais encontra-se em: http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_famines. Ainda na década de 1960 a fome era uma preocupação para cientistas, políticos e empresários – além do perigo de uma guerra atômica. O aparente problema da progressão aritmética no aumento da produção de alimentos, frente à progressão geométrica no crescimento populacional, ocupava grande parte das discussões acadêmicas da época. Tomando como base a taxa média anual de crescimento da população mundial naquele período (2,1%), previa-se a explosão de uma bomba populacional. Mantido a taxa de crescimento, a população se multiplicaria oito vezes no espaço de um século, 64 vezes em dois séculos, 512 vezes em três séculos, 4.096 vezes em quatro séculos e 32.768 vezes no espaço de cinco séculos. Isto significava que a população mundial de três bilhões de habitantes em 1960, chegaria a 98 trilhões de habitantes no ano de 2460; um número assustador. Muitos cientistas diziam que as previsões feitas pelo economista e demógrafo Thomas Malthus (1766-1834) em seu "Um ensaio sobre o princípio da população ou uma visão de seus efeitos passados e presentes na felicidade humana, com uma investigação das nossas expectativas quanto à remoção ou mitigação futura dos males que ocasiona” poderiam se concretizar em um futuro próximo. A humanidade cresceria tanto em número, que não haveria mais alimento para todos. Esta foi, inclusive, a

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principal preocupação das primeiras reuniões do Clube de Roma, em 1968. Felizmente, o ritmo de crescimento da população mundial começou a cair ao longo dos anos, se estabilizando em torno de 1% ao ano nos dias atuais. Mas, não foi esse o principal motivo pelo qual as preocupações do Clube de Roma mudaram o foco do crescimento populacional para o crescimento da poluição. O que provocou uma verdadeira mudança na segurança alimentar mundial foi a introdução da assim chamada “Revolução Verde” na agricultura. A técnica foi desenvolvida nos Estados Unidos pelo agrônomo Norman Borlaug e prevê a mecanização da atividade agrícola, do plantio à colheita, associada ao uso de sementes geneticamente modificadas e insumos industriais (adubos e defensivos químicos). A disseminação destas tecnologias em todo o mundo a partir da década de 1970, fez com que as colheitas aumentassem e que o espectro da fome – pelo menos aquele causado por falta de alimentos – desaparecesse ao longo dos últimos trinta anos. Ainda persiste a fome originada por guerras, falta de recursos financeiros ou por especulação; mas esta não tem causas naturais. Resolvido por ora o problema da fome por falta de alimentos para grande parte da humanidade, defrontamo-nos agora com novo desafio: o desperdício de alimentos. Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) dão conta que no mundo são desperdiçados 1,3 bilhões de toneladas de comida ao ano. Um estudo preparado pela entidade, intitulado Global food; waste not; want not (Alimentos globais; não desperdice; não sinta falta), mostra que grande parte dos alimentos em todo o planeta é perdida, principalmente, por condições inadequadas de colheita, transporte e armazenagem; por adoção de padrões visuais muito rígidos para os alimentos (maçãs vermelhas, bananas sem manchas, etc.); e fixação de prazos de validade rigorosos demais. Na Inglaterra, por exemplo, segundo reportagem do site da BBC, cerca de 30% dos legumes, frutas e verduras são sequer colhidos, por não corresponderem aos padrões de aparência que agradam aos consumidores. Outro aspecto apresentado pelo relatório da FAO é que depois de comprados aproximadamente 50% dos alimentos são jogados fora, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. O descarte de tão grande volume de alimentos representa uma perda de aproximadamente 550 bilhões de metros cúbicos de água, usados

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para produzir estas frutas e vegetais. Adicionalmente, segundo os cientistas, é preciso computar o volume de gases de efeito estufa (CO² e outros) emitidos para a produção e o transporte destes produtos, bem como o volume de metano (CH4) emitido quando de sua decomposição, sem terem sido consumidos. Liderado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), foi criado um movimento mundial, com o objetivo de reduzir as perdas e o desperdício de alimentos. A idéia, que surgiu durante a Rio+20, está sendo divulgada através de um site (www.thinkeatsave.org) no qual constam informações, relatórios, dados, dicas, eventos e iniciativas, sobre como economizar alimentos e evitar o desperdício. A idéia já estava em circulação há algum tempo: em 2012 o Parlamento Europeu aprovou uma recomendação para que fosse reduzido o desperdício de alimentos, que naquele ano chegou a 89 milhões de toneladas (equivalente a 179 Kg/ano/pessoa), com uma previsão de aumento para 126 milhões de toneladas até 2020. O Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), é um dos maiores desperdiçadores de alimentos do mundo. Segundo a instituição, 35% de toda a nossa produção alimentícia são jogados fora; algo em torno de 27 milhões de toneladas de comida ao ano. Dados do Instituto Akatu, publicados em 2003, informavam que 64% do que se plantava no País era perdido ao longo da cadeia produtiva: 20% na colheita; 8% no transporte e armazenagem; 15% na indústria de processamento; 1% no varejo; e 20% no processo de preparação dos alimentos e na alimentação. A questão da produção de alimentos é parecida com a da produção de eletricidade. Se ao invés de continuamente aumentar a produção fossem introduzidas medidas de eficiência, o consumo – tanto dos alimentos quanto dos KWhs – seriam otimizados. Reduzindo o desperdício e gerindo o processo de produção, distribuição e consumo de uma maneira mais racional, não haveria necessidade de se fazer tantos investimentos no aumento da produção – seja de alimentos ou de energia. O melhor aproveitamento dos recursos diminuiria a necessidade de aumentar área de plantio e de geração de eletricidade (hidrelétrica), reduzindo o impacto destas atividades ao meio ambiente. Voltamos assim a um dos princípios básicos da economia: os recursos são escassos e precisamos utilizá-los da melhor maneira possível.

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Ameaça ao etanol O Brasil tem o mais amplo programa de biocombustíveis do mundo. O uso que fazemos do etanol, como combustível de quase 50% da frota de veículos - e de quase 90% dos veículos nacionais leves novos na versão flexfuel -, é exemplo para as principais nações. Em uma comunidade mundial que precisa diminuir seu consumo de combustíveis fósseis para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, o etanol brasileiro aparece como referencial. O sucesso do biocombustível fez com que o ex-presidente Lula se tornasse grande garoto-propaganda do etanol, divulgando a tecnologia brasileira durante grande parte de suas viagens internacionais. A idéia era propagar o uso do combustível em todo o mundo, transformando o Brasil em um dos seus maiores fornecedores. Uma estratégia boa para o país e para o meio ambiente mundial, dado o grande impacto ambiental negativo de toda a cadeira de produção do petróleo. As perspectivas eram tão promissoras para a indústria nacional, que já se falava no aumento da exportação de etanol para os Estados Unidos e início do fornecimento para o imenso mercado da Europa - já que os países europeus também estavam iniciando a mistura de etanol à gasolina. A realidade, porém, acabou sendo outra. Aumentou o preço do etanol no mercado interno e em algumas regiões houve até problemas de abastecimento no período de entressafra. O país foi forçado a importar o etanol de milho dos Estados Unidos e a diminuir a mistura do álcool na gasolina. A diferença será completada por mais gasolina importada, que, no entanto, tem um preço mais alto do que o etanol. A situação, segundo os especialistas, tem causas diversas. Por um lado, o mercado dos combustíveis, por ser estratégico para o país, é condicionado por marcos regulatórios e instituições que estabelecem as regras que acabam distorcendo os preços. Segundo Arnaldo Corrêa, diretor da Archer Consulting, empresa de gestão de riscos em commodities agrícolas especializada no

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mercado sucroenergético, "Enquanto o açúcar tem o preço determinado pelo livre mercado internacional, o preço do etanol limita-se a 70% da gasolina, que apesar de ter seu preço livre no mercado internacional, no Brasil tem preço controlado pelo governo". Outro aspecto é que a crise financeira de 2008 acabou afetando o setor, forçando a contenção de custos com a adubação e renovação dos canaviais, fator que contribuiu para uma menor expansão da capacidade produtiva de etanol. Especialistas do setor concordam que o governo teve um comportamento errático em relação ao problema, tomando decisões equivocadas e atrasadas. Soluções paliativas como a importação de gasolina, não resolverão o problema, já que o mercado consumidor continua crescendo. O futuro do etanol depende da remuneração dos investimentos, através da fixação de regras claras e transparentes, no que se refere ao estabelecimento de impostos e à formação de preços. Outro aspecto é que o mercado do etanol não pode ficar eternamente atrelado ao da gasolina. A importância do etanol em seus aspectos industriais, tecnológicos, ambientais e como componente de uma política energética do país é imensa. Por isso, o assunto deve ser analisado com atenção, para que se evite um retrocesso como já houve no passado.

Áreas oceânicas precisam de mais proteção A biodiversidade marinha é muito maior do que se imaginava até hoje. Dados divulgados recentemente pelo estudo Censo da Vida Marinha trazem grandes novidades sobre a vida nos oceanos, que cobrem 70% da superfície terrestre. O trabalho é resultado de nove mil dias de pesquisa, envolvendo 2,7 mil cientistas, percorrendo todas as zonas marinhas do planeta, das plataformas continentais às regiões abissais, dos trópicos aos mares polares. No total, foram encontradas mais de 1,2 mil novas espécies ainda desconhecidas e outras cinco mil ainda estão em estudo. Outro

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aspecto importante da pesquisa foi a identificação de uma grande quantidade de tipos de microorganismos; cerca de 100 vezes mais do que se estimava anteriormente. Enquanto por um lado se constata a imensa diversidade biológica nos mares, por outro faltam programas de proteção aos oceanos em todo o mundo. Globalmente, menos de 1% da área dos oceanos está sob alguma forma de salvaguarda, apesar de a Organização das Nações Unidas ter previsto alcançar uma área de preservação de 12% até 2012. No Brasil, a situação também não é melhor. Em dezembro de 2006, a Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio) estabeleceu como meta colocar 10% dos 4,2 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro, situados em áreas oceânicas, sob proteção. O projeto, no entanto, foi engavetado. Mesmo entre os 1,5% de área protegida, a maior parte é constituída por regiões costeiras, praias, manguezais e restingas; áreas que não estão no oceano. As poucas zonas efetivamente sob proteção no ambiente marinho estão limitadas às cercanias da costa ou ao entorno de ilhas; não há nenhuma área de conservação completamente marinha. Este descaso com relação aos oceanos vem trazendo sérias conseqüências para a biodiversidade marinha. Os grandes cardumes de sardinhas, atuns e bacalhaus que povoavam os oceanos temperados, estão desaparecendo rapidamente. A quantidade de peixes capturada já é tão grande, que não nascem indivíduos em número suficiente para garantir a sobrevivência da espécie. Em algumas décadas, dizem os cientistas, estes tipos de peixes existirão somente em aquários públicos. No Brasil realizou-se entre 1995 e 2006 o Programa de Avaliação do Potencial de Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva (Revizee); uma iniciativa similar ao Censo da Vida Marinha, mencionado acima. O programa identificou a pesca exploratória, realizada na maior parte da costa brasileira, como principal perigo para a sobrevivência de cerca de 80% das espécies exploradas comercialmente. Todavia, apesar dos resultados preocupantes, não foram implementadas políticas públicas destinadas ao manejo e controle da atividade pesqueira, iniciativas que poderiam contribuir para uma gradual recuperação dos estoques pesqueiros. Enquanto o governo, através do Ministério da Pesca, oferece uma

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série de incentivos para a ampliação e modernização da frota pesqueira, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), sem recursos suficientes, tenta a duras penas controlar a intensidade da atividade e proteger a reprodução das espécies. Concluem os especialistas que caso não sejam criadas zonas de proteção marinha na costa brasileira, o aumento da produção pesqueira será temporário, e depois de decrescer não se recuperará mais.

As bactérias da Mata Atlântica As bactérias são os organismos vivos mais antigos, tendo surgido há aproximadamente 3,8 bilhões de anos. Possuem a maior variedade de espécies e maior quantidade de indivíduos sobre a Terra. Estes pequenos organismos, além de serem causadores de moléstias como o tétano, a tuberculose, o tifo, a pneumonia entre outras, também são os responsáveis pela fermentação da farinha, do vinho, pela degradação de resíduos orgânicos, pelo processo de fixação de carbono nos oceanos. Um estudo realizado em 2006 já havia feito algumas descobertas importantes com relação às bactérias que habitam a Mata Atlântica. A pesquisa demonstrou que as plantas desta floresta possuem uma grande diversidade de bactérias e que cada espécie de árvore dispõe de sua comunidade distinta e única, formada por centenas de espécies de bactérias. Agora, um novo programa de pesquisa coordenado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) vem fazendo uma série de novas descobertas sobre a interação das árvores da floresta e as bactérias. Segundo artigo publicado na versão eletrônica do boletim informativo Agência FAPESP, as bactérias que habitam uma espécie de árvore são diferentes das que habitam outras. Cada parte da planta tem uma comunidade específica destes microorganismos; na folha, na casca ou na raiz, as bactérias não se repetem. Somente nas folhas das plantas, foram encontradas de 30 a 600 espécies bacterianas distintas, dependendo da espécie vegetal. “Se computarmos a totalidade dessa diversidade, concluímos que cada espécie de planta pode ter mais de duas mil espécies de bactérias associadas. Uma diversidade gigantesca sobre a qual

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não conhecemos praticamente nada”, diz Márcio Rodrigues Lambais, professor do Departamento de Ciência do Solo da ESALQ e coordenador do programa de pesquisa. O estudo também descobriu que comparativamente o tipo de bactéria que vive em plantas cultivadas é bem diferente daquelas que vivem em vegetais das florestas. As bactérias associadas a plantas cultivadas são adaptadas a viver em um ciclo de vida mais rápido e sob outras condições de solo, temperatura, umidade e insolação. No entanto, como as bactérias variam de acordo com a espécie de vegetal, uma área cultivada tem necessariamente menos espécies de bactérias do que a floresta. Assim, em dez hectares cultivados com cana-de-açúcar vivem 50 bactérias associadas à cultura; ao passo que na floresta, onde vivem 200 espécies de vegetais por hectare, existem dez mil espécies de bactérias. Ainda restam muitas dúvidas sobre o papel das bactérias nos ecossistemas da Mata Atlântica. Um das funções do microorganismo, segundo os cientistas, é a fixação de nitrogênio, elemento essencial para o crescimento do vegetal e não disponível no solo da floresta. Algumas destas bactérias também possuem a capacidade de produzir substâncias antibióticas, o que talvez seja uma explicação porque as árvores da floresta raramente ficam doentes, ao contrário das plantas cultivadas. Ainda há muito por pesquisar no rico bioma da Mata Atlântica. Estudos como estes podem nos trazer novas respostas, úteis na medicina, na agricultura, na biologia e em diversas outras áreas do conhecimento humano. Por isso é importante conservar o que ainda resta da Mata Atlântica, cada vez mais pressionada pelo avanço das áreas urbanas e da atividade agrícola.

Aspectos históricos da gestão de resíduos Há milhares de anos, quando a população humana ainda era reduzida, o volume de resíduos produzidos pelos homens era

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menor e podia ser incorporado à natureza por ser de origem exclusivamente orgânica; éramos apenas algumas dezenas de milhares de indivíduos nômades, caçadores e coletores, vagando por toda a Terra. Os únicos resíduos de atividade humana que nos chegaram deste tempo são lascas de pedra (sílex), resíduos das atividades de fabricação de machados. Os paleontólogos conseguiram identificar verdadeiras “oficinas” de machados em diversos pontos da Europa, contendo grandes quantidades destas sobras de pedras. Todavia, por volta de dez mil anos atrás, ocorreram grandes mudanças; o clima ficou mais quente, fazendo com que muitos animais caçados pelo homem migrassem para outras regiões, ou se tornassem extintos – a mudança do clima estava alterando a vegetação e com isso toda a cadeia alimentar. Para sobreviver, grupos humanos se estabeleceram em regiões onde havia abundância de água e clima ameno, passando a praticar regularmente a agricultura. Esta já era conhecida, mas era feita de forma esporádica, provavelmente depois que se descobriu que os grãos de certos vegetais, jogados ao solo, germinavam e produziam plantas que davam os mesmos grãos e frutos, tempos depois. A prática regular e sistemática do plantio e do pastoreio aumentou bastante a oferta de alimento; o homem não dependia mais exclusivamente da disponibilidade de caça para garantir sua alimentação. Ao longo dos séculos, as aglomerações humanas em torno dos campos cultivados ganharam em tamanho, transformando-se nas primeiras cidades. Estas ocupavam regiões às margens de rios, como o Tigris e o Eufrates, localizados na atual Síria e Iraque. Ao mesmo tempo em que criava os centros urbanos, o homem desenvolvia (provavelmente também em razão de uma descoberta casual) a técnica da cerâmica. Assim, os primeiros resíduos de materiais transformados quimicamente pelo homem foram os dos objetos de cerâmica. Vasos, restos de tijolos e telhas, pratos e tabuinhas de argila sobre as quais estavam fixados registros escritos, foram os primeiros restos culturais, que se conservaram até os nossos dias e que fornecem muitas informações sobre aqueles períodos passados. Arqueólogos encontraram muitos dados sobre a história do homem e das culturas que este criou, literalmente no lixo das antigas civilizações. Com a pesquisa de ruínas de cidades e de

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documentos escritos, foi possível escrever uma história da gestão dos resíduos urbanos. Alguns dos principais marcos nesta longa história foram os seguintes: - O mais antigo aterro sanitário até hoje descoberto, está localizado na ilha de Creta, no Mar Mediterrâneo, tendo sido construído pela antiga cultura micênica, ligada ao palácio de Cnossos, em cerca de 3.000 a.C. Nesta primitiva construção o lixo era colocado em grandes covas, acondicionado em sucessivas camadas, cobertas por terra; - A invenção (ou descoberta) da fundição de metais representou uma nova fase no desenvolvimento tecnológico e, consequentemente, na geração de resíduos. A técnica, descoberta em torno de 3.000 a.C., também propiciou, pela primeira vez, a reciclagem de objetos (refundição e transformação em outro produto) e o reuso de restos de fundição; - Desde aproximadamente 2.000 a.C. a técnica da compostagem passa a ser aplicada e desenvolvida na antiga China, como forma de manter a fertilidade do solo. Os camponeses do “Império do Meio” desenvolveram técnicas que em parte até hoje ainda são aplicadas; - A partir de cerca de 500 a.C. Atenas é a primeira cidade européia a construir um aterro sanitário planejado. Uma lei específica determina que todo o lixo seja removido para pelo menos dois quilômetros além dos portões da cidade; - A Europa medieval, principalmente a partir do século XI, quando da reurbanização e do retorno do comércio entre as regiões, é assolada por diversas pragas provocadas pela maneira incorreta de lidar com os resíduos. Não era incomum nas cidades medievais, que se jogasse o lixo e os resíduos sanitários pelas janelas das casas para a rua. O costume provavelmente deveria causar muitos incômodos aos transeuntes, já que em 1185 a prefeitura de Paris instituiu uma lei proibindo jogar o lixo através das janelas para o passeio público; - Avançando um pouco mais na legislação, a cidade de Nápoles determina em 1220 que o lixo deveria ser jogado em lugares preestabelecidos dentro das cidades e que os cidadãos que desrespeitassem a lei seriam severamente punidos; - O problema do lixo urbano – e a aparente resistência da população em destiná-lo corretamente – era tão sério, que em 1297 a Inglaterra teve que elaborar uma lei determinando que

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todos os moradores das cidades mantivessem limpas as frentes de suas casas. Todavia, a lei, segundo os historiadores, foi quase ignorada; - Nas cidades, com o passar das décadas, a água superficial contaminada por resíduos foi penetrando no lençol freático e poluindo as fontes urbanas de água. Com o acúmulo de lixo no solo e nos rios, eram muito freqüentes os casos de epidemias de febre tifóide. Uma percentagem considerável da população infantil morria nos primeiros anos de vida, devido à água contaminada. Outro aspecto é que o ajuntamento de grandes volumes de lixo criava um ambiente propício para a sobrevivência dos ratos. Entre 1346 e 1353 a Europa foi assolada por uma epidemia de peste bubônica, originária da Ásia e transmitida pela pulga do rato. No espaço de alguns anos a doença – chamada de Peste Negra por causa das manchas que apareciam no corpo das vítimas – conseguiu dizimar quase um terço da população de toda a Europa. Mesmo com tais catástrofes, era desconhecido da maior parte da população o nexo entre o acúmulo de lixo e excrementos nas cidades e o aparecimento de doenças e epidemias; - Em 1354, logo após a Peste Negra, a prefeitura de Londres emprega funcionários cuja tarefa era coletar o lixo, colocá-lo em carretas e levá-lo para fora da cidade, uma vez por semana. Em 1388 o parlamento inglês publica lei proibindo jogar lixo em rios e canais. Outra lei de 1407 estabelecia que os resíduos domésticos devessem permanecer no interior das casas, até que os coletores viessem buscá-los. O lixo era então vendido como adubo para os camponeses, ou jogado em área previamente designada pela administração; - A partir do início do século XV as prefeituras das mais importantes cidades da Alemanha já haviam criado regras, estabelecendo que as carroças que trouxessem produtos e mercadorias para dentro das cidades, também seriam obrigadas a levar o lixo para fora dos limites urbanos; - Em 1506 o rei Luis XII da França decide organizar um sistema nacional de coleta de lixo, cobrindo todas as principais cidades francesas. É a partir deste período, o século XVI, que o gerenciamento do resíduo urbano passa a ser uma preocupação cada vez maior para as administrações públicas. No entanto a idéia, assim como qualquer iniciativa nova, não se impõe de imediato. Considere-se

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também que a correta gestão dos resíduos requer investimentos e regularização de atividades que antes eram praticadas livremente; o que implicava em ferir interesses políticos e econômicos. São necessárias várias gerações, para que a maioria das cidades européias institua sistemas de coleta de resíduos eficientes. O marco do moderno gerenciamento de resíduos, porém, foi estabelecido na Inglaterra, em 1842. Neste ano Edwin Chadwick publica seu estudo “Relatório a Respeito da Pesquisa sobre a Condição Sanitária da População Trabalhadora na Grã Bretanha” (Report of an Inquiry into the Sanitary Condition of the Labouring Population of Great Britain), que estabelece definitivamente o vínculo entre o aparecimento de certas doenças e as péssimas condições de saneamento das cidades, principalmente nos bairros mais pobres. Logo depois, no espaço de alguns anos, quase todas as cidades da Inglaterra passaram sistematicamente a incinerar o seu lixo. Em 1848, através da “Lei de Saúde Pública” (Public Health Act) o governo britânico começa a estabelecer as bases para uma legislação referente ao gerenciamento de resíduos. No Brasil a história do gerenciamento é mais recente, já que nosso desenvolvimento urbano e industrial é posterior ao dos países europeus. A literatura especializada disponível sobre as condições de moradia, a administração das cidades e a organização do saneamento no período colonial e parte do século XIX ainda é bastante esparsa, aguardando o interesse e a iniciativa de nossos historiadores. Em linhas gerais, podemos dizer que as cidades brasileiras deste período eram menos desenvolvidas e cosmopolitas do que as cidades européias. Salvador, Recife e depois Rio de Janeiro tinham uma estrutura de serviço público melhor, enquanto cidades como São Paulo – por sua localização geográfica e pouca importância político-social – mantiveram uma estrutura sanitária pouco desenvolvida por longo tempo. Em seu texto Por uma história do lixo, Rosana Miziara escreve que uma das primeiras referências à limpeza pública em São Paulo é uma comunicação da Câmara Municipal de 1623, escrita por ocasião das festas religiosas, convidando os donos de casas a “limpar e carpir testadas”. Em 1625, antes da Procissão de Passos, a Câmara Municipal determinava que cada morador

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mandasse seu escravo com sua enxada carpir o adro da igreja e a praça da vila. As tarefas de limpar, destinar resíduos, buscar água, eram consideradas tarefas aviltantes desde a Antiguidade e desempenhadas pelas classes mais baixas ou pelos escravos. Até meados do século XIX o lixo de São Paulo era depositado nas imediações da vila em buracos, ribanceiras e becos, chamados com nomes pejorativos, como “Beco do Mosquito”, “Beco da Cachaça”, “Beco do Inferno” e “Beco Sujo” (Miziara, 2008). Com o aparecimento das epidemias, estes locais passaram a ser vistos como causa de insalubridade pelo poder público e pelos higienistas. O foco, no entanto, não eram os insetos ou ratos que habitavam estes locais; eram os ares, os miasmas. A razão é que nesta época ainda se acreditava – mesmo a maior parte dos cientistas – que as doenças eram causadas pelos “maus ares”, exalados destes locais. No início da década de 1870, a cidade de São Paulo havia se transformado em centro de atividades comerciais e local de residência da burguesia cafeeira em formação. O povoado passa então por sua primeira revolução urbanística. Constroem-se avenidas; áreas de lazer como o Largo dos Curros (posteriormente Praça da República), a Praça da Sé e o Jardim da Luz foram abertas ao público. As ruas principais recebem calçamento de paralelepípedos, instalam-se os bondes puxados por burros e inaugura-se a iluminação pública a gás. Escreve Roberto Pompeu de Toledo em sua obra A capital da solidão – Uma história de São Paulo das origens a 1900: “As obras de João Teodoro (grande empreendedor à época) foram múltiplas e obedeceram a dois propósitos fundamentais: 1) criar condições para acelerar a expansão da cidade além do núcleo central; e 2) tanto quanto possível, embelezá-la e modernizá-la.” (Toledo, 2003, p. 370). A modernização da cidade institui coleta regular de lixo feita por carroças e estabelece várias leis ligadas à saúde pública, proibindo a queima de resíduos em quintais e nas vias públicas. Eliminam-se as várzeas onde era depositado o lixo da cidade, sendo este destinado agora para locais específicos. Em 1893 a

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cidade de São Paulo assina o primeiro contrato de coleta e incineração de lixo, varrição de ruas, limpeza de bueiros e bocas de lobo, celebrado entre a administração municipal e uma empresa particular (parece ter havido um prestador de serviços anterior em 1869, sobre o qual existem poucas informações). No ano seguinte, a Província de São Paulo elabora seu primeiro Código Sanitário, regulando procedimentos de higiene e saúde pública. Bibliografia History of waste and recycling information sheet < disponível em http://www.wasteonline.org.uk/resources/InformationSheets/History ofWaste.htm> Acesso em 14/12/2009. MIZIARA, Rosana. Por uma história do lixo. Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente. Disponível em < http://interfacehs.sp.senac.br/images/artigos/109_pdf:pdf> Acesso em 14/02/10. RUSCHEL, Rogério R.; ROSE, Ricardo E. A caminho do desenvolvimento sustentado – A memória dos primeiros 5 anos do Prêmio Ambiental von Martius. São Paulo. Câmara BrasilAlemanha: 2005, 235 p. TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da solidão – Uma história de São Paulo das origens a 1900. Rio de Janeiro. Editora Objetiva: 2003, 558 p.

Biodiversidade do planeta está diminuindo A biodiversidade, a variedade de espécies vivas de uma determinada região ou ecossistema, está diminuindo em todo o mundo. Estatísticas sobre o desaparecimento de representantes da fauna e da flora, apontam para um ritmo de destruição de três espécies ao dia. O biólogo americano Edward O. Wilson escreve em “O futuro da vida”, que a continuar este ritmo de depleção da

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biosfera provocada pelas atividades humanas, teremos eliminado metade das formas de vida da Terra nos próximos 100 anos. Trata-se de um acontecimento trágico, apenas comparável às seis grandes extinções em massa, pelas quais passou o planeta nos últimos 420 milhões de anos. Parece até um pouco irônico, que uma das mais novas espécies surgidas na história da vida – a nossa, a espécie homo sapiens – seja a causadora do desaparecimento de milhões de outras formas de vida, que nos antecederam no planeta em dezenas ou até centenas de milhões de anos. Para tentar reduzir este ritmo de destruição, a Organização das Nações Unidas criou a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), da qual participam 193 países. Em sua conferência de 2002, a CDB estabeleceu algumas metas, acordadas por todos os governos signatários da Convenção, a fim de reduzir a taxa anual de perda de biodiversidade até 2010. No entanto, mesmo tendo declarado 2010 o Ano Internacional da Biodiversidade, e apesar dos esforços de diversas instituições de pesquisa, ongs e outras entidades, os objetivos não foram alcançadas. São cada vez maiores os indícios de que está havendo um rápido declínio da biodiversidade em todo o planeta, através da destruição de ecossistemas, espécies e subespécies. A prova disto está em alguns fatos concretos observados pelos especialistas: diminuíram as espécies de anfíbios; ocorreu uma rápida deterioração dos corais marinhos; caiu o número de espécies de vertebrados em quase um terço, entre 1970 e 2006 – só para citar alguns exemplos. Não se trata somente do desaparecimento de animais e plantas, que evoluíram durante milhões de anos até chegarem ao que são hoje. O que acontece, é que deixam definitivamente de existir formas de vida que nem tivemos tempo de estudar, e que poderiam nos ensinar muito sobre a evolução da nossa própria espécie, ajudar a nos compreendermos melhor, a entender nosso lugar no cosmos. Em termos práticos, através destas espécies poderíamos descobrir substâncias ativas contra o câncer, a doença de Alzheimer, o HIV; ou simplesmente desenvolver substâncias que nos ajudassem a nos recuperarmos mais depressa de uma ressaca. Com o desaparecimento destas

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espécies diminuem as nossas chances de vivermos mais plenamente – sob todos os aspectos. A principal providência que podemos tomar para tentar reduzir o ritmo do desaparecimento da biodiversidade é proteger seu habitat: as florestas, as estepes, os campos, os mangues, os mares, enfim, todos os ambientes naturais. Para isso, precisamos aprender a utilizar melhor as áreas já ocupadas – seja pela pecuária, agricultura, mineração, pesca, entre outras atividades – sem avançarmos sobre os ecossistemas ainda pouco afetados. Isto, no entanto, só será possível com melhor tecnologia, mais conhecimento e melhor legislação. E não através da superexploração dos recursos e do abrandamento das leis já existentes.

Breve histórico do desenvolvimento das atividades econômicas e da destruição ambiental Alguns autores sustentam que a vida do homem sobre a Terra deixou de ser sustentável a partir do momento em que iniciou a atividade agrícola, entre 10.000 e 5.000 anos antes de nossa era. Escrevem Mozayer e Roudart em História das Agriculturas no Mundo: “Nessa mesma época, após algum tempo, essas plantas e esses animais especialmente escolhidos e explorados foram domesticados e, dessa forma, essas sociedades de predadores se transformaram por si mesmas, paulatinamente, em sociedades de cultivadores. Desde então, estas sociedades introduziram e desenvolveram espécies domesticadas na maior parte dos ecossistemas do planeta, transformando-os então, por seu trabalho, em ecossistemas cultivados, artificializados, cada vez mais distintos dos ecossistemas naturais originais.” (Mazoyer e Roudart, 2009, p. 70).

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Junto com a invenção da agricultura, no final do período Neolítico (Idade da Pedra Polida), começam a aparecer as primeiras vilas, quase sempre estabelecidas à beira de lagos ou rios, onde exista abundância de peixes e de caça. Alguns dos lugares onde primeiro se fixaram aldeias neolíticas foram as margens do rio Yangtsé (China), do Mar Negro (Rússia), do rio Indo (Índia/Paquistão), do rio Nilo (Egito) e dos rios Tigris/Eufrates (Iraque/Síria). Além destes, existem vários outros lugares menos estudados, onde os humanos começaram a agrupar-se para viver em sociedade. Nas aldeias e cidades agrícolas as relações sociais tornam-se mais complexas, exigindo o desenvolvimento de uma cultura mais elaborada, seja nos costumes, na moral ou na religião. A oferta de plantas e animais domesticados pela própria comunidade ou pelas aldeias vizinhas dá acesso a novas fontes de alimento – mais proteínas e vitaminas – aumentando as possibilidades de sobrevivência, principalmente na infância. Através da prática, estes agricultores do neolítico vão descobrindo e desenvolvendo os primeiros conceitos mentais abstratos, seja na mensuração e divisão de terras a serem cultivadas, ou na construção de canais para aproveitar as cheias periódicas dos rios. Através da constante observação, durante as gerações, os agricultores descobrem a relação entre a posição de certas estrelas e planetas, a mudança das estações ou a ocorrência de um ano seco ou chuvoso. Algumas pessoas daquelas sociedades começam a perceber que a natureza funciona por ciclos, que podem ser previstos e calculados. O excedente da produção agrícola é negociado e trocado por produtos manufaturados em outras regiões. Há objetos de uso diário que não são mais fabricados pelo próprio usuário; começam a aparecer as primeiras profissões, fruto da divisão do trabalho. Estes profissionais, através de anos e gerações de prática profissional, passam a desenvolver ferramentas e utensílios especializados, promovendo desta forma o desenvolvimento tecnológico. O arado, a roda, a carroça puxada por bois, a fundição de metais, o uso do vidro, a tecelagem; foram tecnologias desenvolvidas entre a Pré-História e a Antiguidade em cidades, cidades-Estado, reinos e impérios, cuja base econômica foi a agricultura e o comércio.

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Os impactos ambientais do período da Pré-História até o fim da Antiguidade (século V) ainda são reduzidos, segundo as fontes de que dispomos. Existem indícios de que houve grandes desflorestamentos no Líbano e nas costas da Grécia, para construção de frotas marítimas fenícias, gregas e romanas. A região do Tigris e Eufrates, originalmente dominada por pântanos, transformou-se em deserto, devido à lenta evaporação da água e à salinidade do solo, acentuadas pela constante irrigação. Outro motivo de não termos informações de grandes impactos ambientais provocados pelo homem na Antiguidade, é que provavelmente nada foi registrado e os fatos se perderam na memória dos povos. No entanto, arqueólogos encontraram muitos dados sobre a história do homem e das culturas que este criou, literalmente no lixo das antigas civilizações. Com a pesquisa de ruínas de cidades e de documentos escritos, foi possível escrever uma história da gestão dos resíduos urbanos. O mais antigo aterro sanitário até hoje descoberto, está localizado na ilha de Creta, no Mar Mediterrâneo, construído pela antiga cultura micênica, ligada ao palácio de Cnossos, em cerca de 3.000 AC. Nesta primitiva construção o lixo era colocado em grandes covas, acondicionado em sucessivas camadas, cobertas por terra. A invenção (ou descoberta) da fundição de metais representou uma nova fase no desenvolvimento tecnológico e, consequentemente, na geração de resíduos. A técnica, descoberta em torno de 3.000 A.C., também propiciou, pela primeira vez, a reciclagem de objetos (refundição e transformação em outro produto) e o reuso de restos de fundição. O autor americano Jared Diamond, por exemplo, faz referência à exploração excessiva dos recursos naturais, na Ilha de Páscoa. Durante mais de mil anos a sociedade viveu em relativo equilíbrio. No entanto, em determinada época de sua história (por volta do ano 1.200 ou 1.300), os pascoanos iniciaram um processo de destruição da cobertura vegetal da ilha, o que acabou precipitando a situação. Grande parte da população morreu de inanição; houve até canibalismo. Por fim, a população diminuiu bastante e entrou em equilíbrio com a pouca oferta de alimentos.

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O aumento dos impactos ambientais na Europa tem início em torno do século X, quando a população começa a aumentar e extensas áreas de floresta na Inglaterra, França e Alemanha são derrubadas, para darem lugar à atividade agrícola. Pântanos são aterrados, constroem-se canais de irrigação e de drenagem, novas cidades são fundadas. Camponeses alemães avançam para o leste, já que não havia mais terra disponível para a fixação de novas famílias de agricultores – aos poucos ocorria um aumento da população. Nas cidades, a falta de cuidado com os resíduos faz com que fontes de abastecimento de água se tornassem poluídas. A qualidade da água dos pequenos rios vai gradualmente diminuindo, devido ao acúmulo de todos os tipos de resíduos em suas águas. Exemplo da falta de higiene e ignorância quanto às conseqüências da falta de saneamento, é que era comum nas cidades medievais que os resíduos sanitários fossem jogados pelas janelas das casas para a rua. Ao longo de toda a Idade Média, diversas cidades européias criaram leis, visando melhorar a gestão dos resíduos e determinando locais específicos para sua disposição. Devido às péssimas condições de saneamento, uma parcela considerável da população morria ainda na infância. Os centros urbanos, cheios de lixo e excrementos, estavam infestados de ratos, o que ajudou no alastramento da epidemia de peste bubônica, chamada Peste Negra, entre 1346 e 1353. Este flagelo foi um dos maiores incidentes ocorrido na história da Europa, cujas causas foram ambientais: a falta de saneamento nas cidades acabou matando um terço da população. As condições de saneamento das cidades européias começam a melhorar lentamente a partir do século XVI, quando as aglomerações maiores passam a instituir coleta regular de lixo. A disponibilidade de alimentos também aumenta, com a introdução de tubérculos e legumes – como a batata, o tomate e o milho – na culinária européia, vindos do Novo Mundo. A batata se adaptou tão bem aos climas e solos da Europa, que serviu como base para alimentação das camadas pobres, permitindo o aumento da população em diversas regiões. No plano social, ocorre um movimento de migração do campo para as cidades, já que no ambiente urbano existiam melhores oportunidades de trabalho,

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longe das gleba. No artesão e artesanal, produção

péssimas condições nas quais viviam os servos de ambiente urbano, o camponês se transformará em trabalhará para uma oficina, quase uma fábrica controlada por um comerciante, que venderá a de seus contratados.

As sociedades de todo o mundo mantiveram um nível de desenvolvimento tecnológico e de geração de riquezas mais ou menos igual em todo o mundo, até o final do século XVIII. Na maioria das sociedades desenvolvidas da época, seja na Europa, Novo Mundo ou na Ásia, já existiam máquinas rudimentares, que aproveitavam a força de trabalho dos animais, de escravos, do vento ou da água; muitas delas conhecidas desde a Antiguidade. Todavia, a falta de energia – força suficiente para acionar equipamentos maiores e mais complexos – limitava o aumento da produção de bens e produtos. A grande mudança ocorreu no final do século XVIII, quando proprietários de tecelagens inglesas introduziram a mecanização em seus processos, usando a força gerada pelo vapor. Nos anos sequentes, a descoberta tecnológica seria aplicada a vários outros segmentos industriais (mineração, transportes, construção, produção de bens de consumo, entre outros), tendo como combustível o carvão mineral, bastante abundante na Inglaterra. Teria início o que mais tarde os historiadores convencionaram chamar de capitalismo industrial. Nessa primeira fase da Revolução Industrial, ocorrida aproximadamente no período 18201870, a industrialização – novidade surgida em Manchester, na Inglaterra – se espalharia por várias regiões da Europa e gradativamente ampliaria o leque de produtos fabricados, de acordo com a demanda dos mercados e as características de cada região. As atividades econômicas, antes limitadas à força manual ou de animais, seriam gradualmente mecanizadas, já que o principal combustível do desenvolvimento, o carvão mineral, também era abundante na maior parte da Europa continental. Sob o ponto de vista ambiental, o impacto da utilização generalizada do carvão foi um desastre; sujeira, poluição atmosférica na forma de uma espessa fumaça, eram comuns nas grandes regiões industriais como Manchester, Liverpool, Londres (Inglaterra) e a Renânia, na Alemanha. A tuberculose, bronquite, asma e outras

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doenças respiratórias estavam difundidas, matando grande parte das pessoas das classes baixas em torno dos trinta e cinco anos. A partir de 1850 surge a indústria química moderna, cujos produtos inicialmente são destinados à indústria têxtil (corantes), fabricação de tinta e adubos químicos para a agricultura. Havia desconhecimento dos perigos representados por estes processos industriais – que envolviam produtos tóxicos, altas temperaturas e pressões – o que provocou muitos acidentes, vazamentos e, eventualmente mortes de operários. Um dos principais insumos destes processos industriais, a água, era livremente coletada em rios e lagos e posteriormente devolvida, sem qualquer tipo de tratamento. A agricultura, igualmente, depois de se utilizar de adubos naturais durante vários séculos (representando a primeira revolução agrícola), tinha agora à sua disposição os primeiros produtos sintéticos, fabricados por processos industriais. Com relação à agricultura e à conservação do solo durante este período, escreve Foster: “A segunda revolução agrícola, ao contrário, ocorreu em um período mais breve – 1830-1880 – e se caracterizou pelo crescimento de uma indústria de fertilizantes e pelo desenvolvimento da química de solos, associada particularmente pelo trabalho de Justus von Liebig.” (Foster, 2005, p. 210). Sob o aspecto social, a industrialização tem efeito nefasto sobre a vida das classes pobres. Milhões de camponeses, muitas vezes expulsos de suas terras, dirigem-se às cidades, onde encontrarão jornadas de trabalho estafantes, com duração de até 12 horas extensivas também às crianças, e péssimas condições de sobrevivência. Descrevendo o modo de vida dos trabalhadores de Manchester em seu estudo “A condição da classe trabalhadora na Inglaterra”, Friedrich Engels relata entre outras coisas que as casas dos trabalhadores eram mal ventiladas, o que não permitia a circulação das substâncias tóxicas e do gás carbônico, gerado pela combustão e pela respiração. Como não havia sistemas de tratamento de esgoto, os dejetos humanos e animais se acumulavam e entravam em decomposição nos apartamentos, pátios e ruas, poluindo o ar e a água. Ainda segundo Engels, havia

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um alto índice de mortalidade por doenças infecciosas, como a tuberculose e o tifo (provocado pelo piolho), resultante da superpopulação e das baixas condições de higiene. É importante lembrar que até meados do século XIX a maioria das cidades não dispunha de sistemas de coleta e tratamento de esgoto. Londres, uma das mais progressistas metrópoles do mundo à época, só iniciou a construção de estações de tratamento de esgoto por volta de 1860. Os grandes prejudicados com isso eram os pobres, que se amontoavam em bairros operários, enquanto os proprietários, no relato de Engels: “residiam em chácaras ajardinadas, mais afastadas, em Chorlton e Ardwick, ou nas elevadas elevações de Cheetham Hill, Broughton e Pendleton, numa atmosfera pura salubra e campestre, em casa boa e confortável, servida por conduções que se dirigiam ao centro da cidade a cada meia hora ou quarto de hora” (Engels apud Foster, 2005, p.158). Hunt e Sherman, escrevendo sobre este período da história do capitalismo industrial relatam: “Não resta dúvida de que, ao longo da Revolução Industrial, o padrão de vida dos pobres sofreu, em termos relativos, um declínio considerável. (...) A máquina transformou-se no foco central do processo produtivo invertendo a situação que prevalecia anteriormente: deixou de ser o apêndice do homem para submetêlo à sua fria, implacável e despótica dominação.” (Hunt e Sherman, 2005, p. 72 e 73). Por ser a potencia militar e econômica da época, possuindo o maior índice de industrialização e de produção de bens, a Inglaterra forçou outras nações a liberarem seus mercados para os produtos ingleses. Esta providência atingiu diretamente o Brasil, obrigando D. João VI a assinar um ato, em 28 de janeiro de 1808, liberando vários portos à entrada de produtos ingleses. Mais tarde, em 1830, os ingleses proibiram definitivamente o transporte de escravos aos navios brasileiros. A Inglaterra passou a exerceu forte pressão, para que em toda a bacia do Atlântico o tráfico de escravos fosse abolido. Tal iniciativa não foi, evidentemente, por motivos humanistas, mas se deve ao fato de que os escravos representavam uma força de trabalho barata, que de certo modo ainda poderia concorrer com as indústrias britânicas.

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A segunda fase da Revolução Industrial vai de 1870 a 1913, caracterizando-se pela difusão dos avanços tecnológicos para vários países fora da Europa (principalmente as colônias das potências européias e os países com os quais têm fortes relações comerciais), pelo desenvolvimento nas comunicações e transportes, e pelo liberalismo econômico, através do livre comércio. Fato significativo nesta fase é a gradual mudança da matriz energética do carvão mineral para o petróleo e seus derivados, apoiado na invenção do motor a combustão interna. Ainda neste período, devido à pressão dos trabalhadores organizados, contanto com a ajuda dos movimentos anarquistas, socialistas e comunistas, os empresários europeus foram forçados a oferecer melhores condições de trabalho aos seus empregados fabris. Países altamente industrializados como a Inglaterra, a França e a Alemanha – onde o movimento operário era numeroso e organizado – criaram as primeiras legislações trabalhistas, propiciando alguns benefícios à classe trabalhadora. A terceira fase da Revolução Industrial (1913-1950) foi a mais trágica; tendo sido marcada por dois conflitos mundiais. Economicamente o período se caracterizou pela Crise da Bolsa de 1929, levando toda a economia mundial a uma recessão, da qual só se recuperaria completamente depois da Segunda Guerra (1939-1945). Outra característica econômica do período foi a crescente supremacia da economia americana, o que fez com que se disseminasse por todo o mundo (principalmente depois de 1945) o capitalismo com inovações tipicamente americanas, pejorativamente chamado de American way of living (o modo de viver americano), caracterizado em alguns aspectos por: - a instituição da linha de produção em série, inicialmente na indústria automobilística, passando depois a ser usada em grande gama de setores industriais. Grande impulsionador da linha de produção em série foi o esforço de guerra americano, quando a indústria precisou fabricar grande quantidade de produtos para suprir as tropas americanas espalhadas pelo mundo e ajudar as economias dos países aliados; - a oferta de bens de consumo, conseqüência da disseminação do uso da linha de produção em série tornou-se mais comum e barata. Junto com as mercadorias vieram os supermercados e, nos anos 60 os malls ou shopping centers; centros de compras

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reunindo grande quantidade de lojas oferecendo as mais variadas mercadorias; - Bens móveis como geladeiras, fogões, máquinas de lavar roupas, passaram a fazer parte da vida diária de grande parte da população. O que antes era restrito a uma elite econômica, tornava-se acessível a uma parcela maior da população; - O automóvel tornou-se o principal meio de transporte em todo o mundo. Relativamente acessível na sociedade americana, passou a ser cobiçado pela classe média mundial como símbolo de riqueza e liberdade. Economias inteiras de países em desenvolvimento organizaram seus sistemas de transporte em função do automóvel, em detrimento de políticas de transporte público; - Surge a propaganda, como maneira de aumentar as vendas de produtos. Veiculada através das diversas mídias, a propaganda tinha como tarefa principal manter as linhas de produção em série funcionando e trazendo cada vez mais lucros. Passado o conflito mundial (1945), diversas regiões do globo, notadamente os Estados Unidos, a Europa e o Japão (estes dois últimos com recursos do Plano Marshall), apresentam um crescimento sem precedentes em suas atividades econômicas. A indústria cresce exponencialmente e com ela o fluxo mundial de matérias primas, fontes energéticas (principalmente petróleo) e produtos acabados. O capitalismo industrial se espalha por todo o mundo, criando novos mercados fornecedores de matérias primas e consumidores de produtos. Alguns aspectos desta grande expansão do capitalismo industrial no pós Guerra, foram: - Surgimento do bloco econômico capitalista, liderado pelos Estados Unidos e seus aliados, e do bloco comunista, formado pela União Soviética e seus países satélite. No meio destes dois blocos, estavam os países do Terceiro Mundo; mais de 90 nações em diferentes graus de desenvolvimento, entre os quais o Brasil, constituídos em grande parte por ditaduras, simpáticas aos americanos ou soviéticos; - Ajuda financeira e técnica (fornecida por instituições como o americano USAID, o Banco Mundial, o FMI, e outros que foram aparecendo ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980), para que países estratégicos do Terceiro Mundo pudessem se desenvolver política e economicamente. Os financiamentos tinham razões político-estratégicas, como no caso da Coréia do Sul, do

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Paquistão, do Iraque e da Pérsia (atual Irã); países aliados e bases militares americanas. A ajuda financeira também podia ter motivos político-econômicos, visando promover o desenvolvimento, a fim de fazer frente ao avanço comunista, como na maior parte dos países da América Latina (caso isso não resolvesse o problemas, valia o estratagema da boa e velha intervenção militar – direta ou indireta); - Expansão das empresas multinacionais dos diversos setores – automobilístico, metalúrgico, químico, construção, eletroeletrônico, bens de consumo, serviços – se estabelecendo em países que ofereciam uma razoável infraestrutura, mão de obra barata e mercado consumidor crescente. Com o estabelecimento destas indústrias, surgiram diversas cadeias de produção, criando condições para que também se desenvolvesse uma indústria nacional; - Estas mudanças econômicas deram início a mudanças culturais e sociais, ampliando o tamanho da classe média e provocando o deslocamento de milhões de pessoas do campo para a cidade, à procura de melhores condições de vida. No campo, a expansão da Revolução Verde, baseada no latifúndio de monocultura, na mecanização e no uso da química, também ajudou a reduzir os postos de trabalho, contribuindo na migração para os centros urbanos. Com relação aos pontos acima comentados, escreve Ladislau Dowbor: “As economias dominantes continuam a ter grande necessidade de matérias-primas e consideram do seu interesse – e do interesse de suas empresas instaladas no Brasil – manter a estrutura agrária existente: com o desenvolvimento da indústria exigindo a reprodução da orientação da produção agrícola, o que tem implicações diretas sobre a reprodução das relações de produção no campo, como separa as contradições e como poderá o camponês lutar contra os “senhores feudais” sem lutar contra a burguesia industrial que os mantêm? E como poderá lutar contra os dois, sem lutar contra o imperialismo?” (Dowbor 2009, p. 30). Este o quadro geral. Constatamos que ao longo dos anos 50, 60, 70 e 80 do século XX o capitalismo se expandiu e modernizou, espalhando-se por todo o planeta, chegando a todas as culturas e sociedades. No final do segundo milênio não era mais possível ficar fora da influência deste sistema econômico.

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A partir dos anos 70 tem um rápido desenvolvimento a tecnologia eletrônica e seus sucedâneos; a informática e as telecomunicações baseadas em satélites, as redes de computadores e a internet. Fruto da corrida espacial e da Guerra Fria, estas tecnologias terão uma grande influência na expansão do capitalismo, tornando o fluxo de capitais, informações e produtos ainda mais rápidos, movimentando volumes de mercadorias e valores financeiros nunca imaginados. No final dos anos 80, ocorre a simbólica Queda do Muro de Berlim; em 1991 a União Soviética deixa de existir. Desaparece o socialismo e seus ideais e expande-se o capitalismo, aliando a abertura de novos mercados consumidores e fornecedores (os antigos países socialistas) à expansão do liberalismo. Escreve Zygmunt Bauman sobre esta fase: “Esta nova e desconfortável percepção das “coisas fugindo ao controle” é que foi articulada (com pouco benefício para a clareza intelectual) num conceito atualmente na moda: o de globalização.” (Bauman, 1999, p. 66-67). A expansão acelerada do capitalismo a todos os rincões da terra acabou acelerando o aparecimento de uma crise maior, que se manifestou em 2008. Antes disso, o sistema já vinha apresentando diversos problemas, como: - Exploração da mão de obra em países pobres. Muitas empresas nem se estabeleciam em determinado país; apenas escolhiam fornecedores e impunham preços com baixa margem de lucro, importando o produto acabado para suas matrizes; - Desemprego em massa. A automação das linhas de produção em série e a substituição de muitas profissões, acabam criando uma multidão de desempregados e achatando os salários daqueles que ainda têm empregos; - Endividamento de grandes contingentes da população, incentivados pela propaganda de fabricantes e bancos, visando aumentar o consumo e as linhas de crédito; - Crise financeira nos Estados Unidos que acabou dando origem à crise do capitalismo em 2008, a maior depois da de 1929; No momento, o capitalismo passa por uma grande crise. Conceitos até recentemente universalmente válidos, como “estado

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mínimo”; “autoregulação dos mercados”; “desregulamentação da economia”; “flexibilização do trabalho”, entre outros, estão bastante desacreditados. Aliada à crise econômica, o mundo enfrenta uma crise ambiental, que terá cada vez mais profundas influências na economia. Com relação aos impactos ambientais provocados pelas atividades econômicas, sempre existiu a percepção de que as atividades industriais, quando não controladas, ocasionavam destruição dos ecossistemas. Nos primórdios da industrialização, como descrito no texto acima, as populações das regiões industrializadas – principalmente os pobres e operários – já haviam sentido no próprio corpo os efeitos da falta de saneamento, da falta de gestão dos resíduos, da poluição atmosférica e das substâncias tóxicas. Já no início do século XX ocorrem grandes acidentes que provocam poluição e matam centenas de pessoas em diversos lugares do mundo. A falta de conhecimento, porém, faz com que tais eventos sejam considerados fatos isolados, acidentes inerentes à atividade industrial. No início da década de 1960, novos acontecimentos começam a mudar este panorama. Em 1962 a bióloga norte-americana Rachel Carson publica o livro Primavera Silenciosa, que analisa o efeito dos inseticidas, especificamente o DDT, no meio ambiente. A obra tem grande impacto sobre a sociedade americana e em alguns países da Europa, dando início às discussões sobre o efeito das substâncias químicas sobre a saúde humana e as outras espécies. Pouco anos depois, em 1968, é criado o Clube de Roma, formado por cientistas, empresários e políticos, dedicados a estudar a degradação da natureza provocada pelas diversas atividades humanas. As previsões feitas pelo Clube de Roma, baseadas em estudos da época, não acabaram se concretizando. Todavia, parte do material produzido e das questões levantadas serviu como alerta para muitos governos e instituições, chamando a atenção sobre os rumos que a economia mundial estava tomando. No aspecto social, surgem nos Estados Unidos e na Europa diversos movimentos sociais, com diferentes orientações ideológicas, questionando o sistema econômico e a organização social vigente. Alguns anos depois, muitos remanescentes destes grupos vieram a constituir as primeiras ONG's (Organizações Não-

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Governamentais) atuando no setor ambiental, como a Greenpeace e a Worldwatch Institute, a WWF entre outras. A década das grandes mudanças no setor ambiental mundial foi a de 1970. A situação, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos era insustentável. Rios poluídos por efluentes domésticos e industriais, aterros fora de controle e solos contaminados por hidrocarbonetos e outros produtos químicos poluentes. Por outro lado a pressão exercida pelas ONGs, opinião pública e pelos partidos verdes, forçou a criação de uma legislação ambiental mais rígida, órgãos de controle ambiental e a realização de grandes obras de saneamento e descontaminação. No âmbito internacional, durante os anos 1980 e início dos anos 1990 realizaram-se diversas conferências internacionais (Comissão Brundtland e a Eco 92 no Rio de Janeiro, por exemplo). Estas iriam estabelecer as bases para a regulamentação de atividades econômicas que envolvessem vários países e que tivessem grande impacto ambiental (como o transporte marítimo de produtos perigosos, a proteção às espécies ameaçadas, questão das emissões, a proteção das florestas, entre outras). No Brasil, as primeiras leis especificamente ambientais foram criadas na década de 1980, estabelecendo marcos que balizaram todo o desenvolvimento posterior do setor. Foi também em 1988 que a nova Constituição dedicou todo um capítulo à questão ambiental, garantindo a todo cidadão acesso a um meio ambiente limpo e saudável – pelo menos no papel. Se os países desenvolvidos conseguiram em parte reduzir o impacto de suas atividades ambientais, o mesmo não ocorre com os países em desenvolvimento e muito menos nas nações pobres. Por isso, em qualquer análise é preciso criar uma linha divisória entre a prática ambiental dos países industrializados e aquela praticada nos outros. Com legislações bastante tolerantes ou não efetivamente aplicadas, as nações em desenvolvimento ainda permitem atividades econômicas bastante danosas ao ambiente. Há casos em que uma atividade industrial proibida, ou de custo ambiental muito alto, é deslocada da matriz – localizada na Europa ou Estados Unidos – para a filial estabelecida em algum país periférico, já que ali ela é tolerada por gerar imposto e empregos. Gilberto Dupas escreve que:

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“A ciência moderna não produziu o conhecimento necessário para lidar com a atual crise ambiental. Além de serem insignificantes os recursos investidos em pesquisas no impacto social e ambiental, os seus efeitos negativos recaem principalmente sobre os países pobres, enquanto estas pesquisas enfocam principalmente as preocupações dos países ricos. Assim, o caminho pelo qual a ciência está sendo conduzida não se encaixa facilmente com neutralidade; ele serve bem aos valores do capital e do mercado, mas não aos da sustentabilidade.” (Dupas, 2008, p.10). Assim, os problemas ambientais dos países pobres e desenvolvimento continuam sendo aqueles que assolaram os países ricos no começo do capitalismo, entre os quais: - Falta de saneamento e má gestão dos resíduos; - Problemas de poluição atmosférica, principalmente nas grandes cidades, devido ao grande volume de veículos e por vezes a baixa qualidade do combustível (como no caso do diesel brasileiro); - Aumento das áreas contaminadas, sem que se dê início ao processo de recuperação; por vezes porque os autores não são identificados ou são empresas falidas; - Grandes problemas de perda de água potável, devido a vazamentos na tubulação de distribuição; - Milhões de pessoas vivendo em área de risco, sujeitas a desabamentos, enchentes ou contaminadas por produtos químicos; - Muitas áreas com agricultura do tipo monocultura, utilizando grandes quantidades de agrotóxicos prejudiciais às colheitas e provocando contaminação do solo, de lençóis freáticos e de cursos de água; - Desflorestamentos, para plantação de produtos agrícolas de exportação (soja no Brasil, óleo de palma na Indonésia) ou criação de gado, cuja carne também é destinada à exportação; - Falta de legislações específicas com referência a produtos cujo uso, seja na agricultura ou para consumo, já está proibido nos países desenvolvidos; - Morosidade na emissão de licenças ambientais para projetos; - Morosidade da justiça no julgamento de processos ambientais. Estes só alguns dos problemas que ainda enfrentamos com relação à questão ambiental, principalmente nos países em desenvolvimento e pobres. É claro que este tipo de situação não

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pode levar um país ao desenvolvimento. O economista indiano Amartya Sen, citado por Cechin, descreve o desenvolvimento como: “um processo de ampliação das liberdades humanas, ou seja, de expansão das escolhas que as pessoas têm para terem vidas plenas e criativas O crescimento econômico é um simples meio desse processo. Os benefícios do crescimento devem servir à ampliação de no mínimo quatro capacidades humanas mais elementares: ter vida longa e saudável, ser instruído, ter acesso aos recursos necessários a um nível de vida digno e ser capaz de participar da vida na comunidade.” Outro fator de destruição dos recursos naturais é o consumo insustentável. Este é assim chamado por que não pode se sustentar, não pode se manter indefinidamente. A maneira como consomem os países ricos demanda uma grande quantidade de matérias primas, insumos, energia; todos direta ou indiretamente extraídos de fontes naturais – renováveis ou não. E a tendência – a estratégia de muitas empresas globalizadas – é que este tipo de consumo se estenda a todos os demais países. A própria lógica do capitalismo pressupõe que sejam fabricadas grandes quantidades de produtos, consumidos em profusão, para manter ou aumentar o lucro das empresas. As fabricantes de bens de consumo ganham na quantidade de produtos vendidos, já que a concorrência não permite grandes margens de ganho em cima do preço unitário. Através da propaganda e outros artifícios, esperam os fabricantes aumentar cada vez mais o número de consumidores, o que significa maiores vendas, aumento da produção; mas também aumento do consumo de matérias primas, de recursos naturais, de água e energia, de geração de resíduos. Gilberto Dupas comenta com relação a isto: “Nos últimos vinte anos o capitalismo global gerou duas tensões fundamentais, que agora convergem para um mesmo impasse estrutural. De um lado, a estagnação de níveis de miséria e pobreza – e o agravamento na concentração de renda – de muitos dos grandes países da periferia mundial que haviam sido deixados ao livre-arbítrio dos mercados e de sua lógica global, trazendo a imperiosa necessidade de retomada de seu crescimento. De outro, uma crise ambiental sem precedentes, provocada pelo próprio

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modelo econômico “sucateador” de produtos e “esbanjador” de energia, agora agravada pela bem-sucedida opção da China e Índia por se associarem àquela própria lógica, crescendo a taxas elevadas.” (Dupas, 2008, p.21). Considerando estes aspectos, o sistema está colocado perante um dilema: 1) Aumenta democraticamente o consumo mundial, oferecendo a todos o mesmo padrão de vida do qual atualmente dispõem os países ricos. Esta providência, evidentemente, deveria incluir serviços públicos, além de produtos de consumo. Para isso é necessário que os países pobres possam aumentar a capacidade de compra de suas populações, criando empregos mais bemremunerados e em maior quantidade; 2) Aumenta (ou se mantêm) o consumo nas sociedades ricas e aos pobres sobrará o papel de fornecedores de matérias primas, como sempre foram, e de consumidores das sobras, até por não terem recursos para consumir; 3) Ambas as hipóteses acima não são factíveis. A primeira nos levará a uma rápida exaustão dos recursos. Algumas gerações, e depois disso teremos que viver com os restos de uma civilização, em meio ao caos. A segunda hipótese nos daria um pouco mais de sobrevida, mas aprofundaria o abismo entre ricos e pobres, com todas as suas conseqüências. Resta ainda a hipótese de alterarmos gradativamente as relações econômicas, o sistema de produção e o consumo. Em outro artigo descrevemos nossa maneira de ver estes aspectos.

Bibliografia Baumann, Zygmunt. Globalização – as conseqüências humanas. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro: 1999, 145 p. Dowbor, Ladislau. A formação do capitalismo no Brasil – 2ª ed. Editora Brasiliense. São Paulo: 2009, 226 p. Dupas, Gilberto. Meio Ambiente e Crescimento Econômico. Editora Unesp. São Paulo: 2008, 298 p. Foster, John Bellamy. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: 2005, 418 p.

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Hunt, E., K.; Sherman, Howard, J. História do Pensamento Econômico. Editora Vozes. Petrópolis: 2005, 218 p. Jessua, Claude. Capitalismo. L&PM Editores. Porto Alegre: 2009, 117 p. Mazoyer, Marcel; Roudart, Laurence. História das agriculturas no mundo. Editora Unesp. São Paulo: 2008, 567 p. Ruschel, Rogério R.; Rose, Ricardo, E. A caminho do desenvolvimento sustentado – a memória dos primeiros 5 anos do prêmio von Martius. Câmara Brasil-Alemanha. São Paulo: 2005, 235 p.

Comércio internacional e a questão ambiental Historicamente o comércio internacional sempre foi assim: países industrializados exportam tecnologia cara para os países em desenvolvimento. Estes, por sua vez, exportam commodities primárias, produtos agrícolas, minérios, alguns manufaturados e poucos produtos industrializados – geralmente fabricados em processos de alto risco ambiental ou de uso intensivo de energia. Esta situação, no entanto, está gradualmente mudando. Países em desenvolvimento querem se tornar, cada vez mais, industrialmente avançados, chegando a exportar o excedente de sua indústria. Ao mesmo tempo, a agricultura dos países industrializados é cada vez mais subsidiada, representando uma concorrência desleal para os produtos dos países em desenvolvimento. Nesta situação de concorrência, onde todos querem obter as maiores vantagens possíveis sem deixar de parecerem justos, deflagra-se uma constante guerra comercial entre as nações e seus blocos. Um dos instrumentos utilizados pelos países ricos para impedir a entrada de produtos são as barreiras nãoalfandegárias, entre as quais se incluem as ambientais. Sob a ótica ambiental, todavia, estas barreiras e pressões exercidas pelos países industrializados representam um impulso

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ao desenvolvimento de práticas ambientais mais corretas, nas empresas e instituições públicas dos países em desenvolvimento. O comércio internacional teve um grande crescimento durante os últimos 50 anos, particularmente a partir da década de 1990, quando se abriram novos mercados depois da queda do Muro de Berlim e do desenvolvimento das telecomunicações, que se tornaram mais rápidas. O aumento da demanda permitiu que cada vez mais os países em desenvolvimento – grandes fornecedores de commodities em geral – participassem do comércio internacional. “A economia mundial não está mais monopolizada pelos países desenvolvidos. Sem a África, Ásia e a América Latina ou a Europa do leste, não pode haver globalização. Já que o crescimento econômico em economias em desenvolvimento e em transição é maior do que em economias em países desenvolvidos. É provável que dentro das próximas duas décadas o mapa econômico global mude mais do que nos últimos 20 anos. Empresas no Brasil, China, Índia e Polônia, continuam a reunir energia e se tornarão gradualmente grandes atores nos mercados internacionais. Isto significará uma mudança fundamental na paisagem corporativa mundial”. (UNCTAD, 2001, pg. 17). Os países em desenvolvimento sempre foram exportadores de commodities e importadores de tecnologias. Por isso, estiveram sempre em desvantagem no comércio internacional. As cotações das matérias primas e dos produtos agrícolas sempre estiveram abaixo dos preços das tecnologias desenvolvidas nos países industrializados. “O papel do progresso tecnológico é chave para compreender o porquê do desenvolvimento desequilibrado entre centro e periferia, pois sua disseminação e, consequentemente, a distribuição dos ganhos e produtividade não era uniforme entre os países. Prebisch baseava seus argumentos em evidências empíricas que revelavam uma desigualdade muito grande entre os produtores e exportadores de bens manufaturados e os produtores e exportadores de commodities primárias, manifestada nas diferenças de elasticidade de demanda desses dois tipos de bens e na tendência à deterioração dos termos de troca das commodities primárias.” (Ministério do Meio Ambiente, 2002, pg. 42).

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Situação semelhante viveram os países produtores de petróleo. De 1911 a 1969, ano de criação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), os países produtores eram simples joguetes nas mãos das “Sete Irmãs”, as sete grandes companhias petrolíferas que exploravam e revendiam todo petróleo extraído. Todavia, quando resolveram juntar-se em uma associação e ditar os preços do petróleo, a situação mudou radicalmente: da noite para o dia estes países obtiveram recursos suficientes para investirem em infra-estrutura e serviços, de modo a atenderem as necessidades de seus cidadãos. Esta decisão dos países produtores de petróleo repercutiu negativamente em todo o capitalismo industrial; haviam-se acabado os tempos de petróleo barato e em grande quantidade. Muitos países em desenvolvimento já alcançaram certo grau de industrialização como o Brasil, México, Indonésia, Filipinas, Argentina, entre outros, estão entre as nações onde desde a década de 1950 e 1960 as indústrias multinacionais estabeleceram suas bases. No Brasil, tivemos entre os anos 1950 e 1960 a fase da indústria de máquinas, indústria metalúrgica e automobilística; a fase da indústria química, eletro-eletrônica e de bens de consumo, nos anos 1970 e 1980. As empresas aqui estabelecidas atendiam a todo tipo de legislação vigente no país, sem, no entanto, manterem os mesmos padrões de qualidade de produto, de processo ou de preocupação com o meio ambiente e o consumidor, que praticavam em seus países de origem. Outro aspecto desta fase do capitalismo é a migração de determinados tipos de processos de produção para os países periféricos. Linhas de fabricação de produtos altamente tóxicos e contaminantes foram deslocadas dos países ricos para a periferia pobre que precisava, a todo custo, acelerar seu processo de industrialização. Estas iniciativas acabaram causando desastres ambientais em muitos países em desenvolvimento, cujas legislações e normas técnicas ainda não estavam preparadas para controlar e monitorar tal tipo de atividade. Exemplo disto são os diversos casos de contaminação de solo espalhados pela cidade de São Paulo – e devidamente levantados pelos órgãos de controle ambiental –, causados por indústrias, principalmente químicas. Outro exemplo trágico deste tipo de transferência de indústria, foi o acidente que ocorrido em Bhopal, na Índia, em

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1984, quando uma nuvem tóxica de isocianato de metila se espalhou pela cidade, matando milhares de pessoas. No longo prazo, o objetivo dos países em desenvolvimento é aumentar seu grau de industrialização, a fim de poderem atender principalmente seu mercado interno, deixando de ser dependentes das importações de tecnologias dos países ricos. Por outro lado, países com desenvolvimento equivalente ao do Brasil, já atingiram certo nível de desenvolvimento tecnológico e podem suprir grande parte da demanda de seus mercados internos. Para estes países, no entanto, permanece a situação de que a maior parte do saldo da balança comercial ainda é devida às exportações de produtos agrícolas, minérios, alguns produtos manufaturados e poucos produtos industrializados. Resta a estes países, portanto, “dar o grande salto à frente”, desenvolvendo a própria tecnologia, a fim de se tornarem também exportadores de produtos industrializados, a exemplo do que aconteceu com os países europeus no final do século XIX, com os Estados Unidos no início do século XX, com os Tigres Asiáticos nos anos 1970 e 1980 e com a China a partir dos anos 1990. Para iniciar este processo de modernização são necessários recursos para pesquisa e desenvolvimento, bem como melhoria da estrutura industrial existente. Todavia, convém lembrar que todos estes países só conseguiram desenvolver uma indústria potente através de impedimentos tarifários. Esta posição, no entanto, vai contra a estratégia dos países ricos, que querem assegurar sua posição de fornecedores de produtos industrializados e de know-how tecnológico, em troca de commodities a preços baixos. Além disso, os países desenvolvidos também produzem alguns itens agrícolas, altamente subsidiados, porque suas agriculturas não conseguem competir com as dos países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, estes países não podem abrir mão de quase toda sua produção agrícola, já que isto causaria problemas sociais, como migrações do campo para a cidade e colocaria a segurança alimentar destas sociedades nas mãos de outros países. Outro aspecto é que o fato de também produzirem commodities agrícolas, dá a estes países poder de barganha nos fóruns internacionais, frente aos países em desenvolvimento.

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O resultado deste impasse é que os países em desenvolvimento criaram, ao longo do tempo, tarifas para protegerem suas crescentes indústrias. (Prática comum no século XIX e início do XX entre os países hoje classificados como desenvolvidos). Nos anos 1960, 1970 e até o final dos anos 1980, a maioria das economias dos países em desenvolvimento eram fechadas, com proibições de importação ou altos impostos (tarifas) de importação, visando impedir a entrada de produtos estrangeiros, disponíveis a preços mais baixos, apesar dos custos de logística. Ao final dos anos 1980 ocorre a Queda do Muro de Berlim. A circulação de capitais de investimento torna-se mais rápida, abrem-se novos mercados e aumenta o número de potenciais consumidores nos ex-países socialistas. Ao mesmo tempo, através de políticas capitaneadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), os países de mercados fechados, como o Brasil, a China e a Índia são convencidos a abrirem suas economias, em troca de promessas de investimentos em infraestrutura e industrialização. No caso do Brasil, os investimentos na indústria e em infra-estrutura – acompanhados pela privatização de parte das empresas do setor público – foram realizados e deram um novo impulso à economia, junto com o Plano Real, o plano de saneamento da economia implantado pelo governo (1994). Em final dos anos 1990 a economia mundial entra em um processo de crescimento constante, impulsionado em parte pela boa forma da economia americana e recuperação da economia japonesa. A China torna-se a grande beneficiária das mudanças econômicas, seguida pela Índia, o país mais populoso do mundo. A um crescimento médio de 13% ao ano, desde meados da década de 1990, a China passa a ser o maior consumidor mundial de vários produtos agrícolas e pecuários (soja, carne, café, entre outros) e de minério de ferro. A Índia, apesar de crescer em ritmo mais lento (cerca de 7% ao ano), também se torna grande importador de produtos agrícolas e outras matérias primas. Este processo faz com que aumente rapidamente o preço dos produtos agrícolas, provocando uma inflação mundial dos preços (aumento médio de 38% entre 2005 e 2008). Os países desenvolvidos, impulsores e apoiadores de todo um processo mundial de flexibilização das economias, não podem

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mais utilizar barreiras tarifárias para dificultar o acesso a seus mercados. Aumentam então as barreiras não-tarifárias, para impedir a entrada de produtos que, eventualmente, possam representar perigo de competição com a produção local. Neste contexto, a questão ambiental entra como uma componente a mais, um argumento adicional, que os países desenvolvidos por vezes podem utilizar para impedir a entrada de produtos dos países em desenvolvimento. “Estudos realizados pela UNCTAD demonstram que os requisitos ambientais tem se tornado cada vez mais freqüentes, rigorosos e complexos em determinado setor, dificultando o acesso a mercados. A União Européia, por exemplo, utiliza cerca de 16,7 mil barreiras não tarifárias, dentre as quais 648 são barreiras de natureza ambiental”. (Paiva Silva, s.d.) Apoiados em uma opinião mundial cada vez mais consciente em questões ambientais – principalmente em seus próprios países – as nações industrializadas utilizam-se do argumento ambiental para impor limites às exportações de países em desenvolvimento. Trata-se, em muitos casos, de uma barreira comercial disfarçada de preocupação com o meio ambiente. “Os países desenvolvidos tem criado, segundo a UNCTAD, diversos regulamentos ambientais, em setores nos quais os países em desenvolvimento tem se tornado particularmente competitivos, como produtos provenientes da pesca e do setor de base florestal, como produtos têxteis e alguns bens de consumo”. (Paiva Silva, s.d.) Os conflitos comerciais motivados por questões ambientais acabam criando até Painéis Especiais no GATT/OMC (General Agreement on Tariff and Trade - Acordo Geral de Tarifas e Comércio / Organização Mundial do Comércio). Em um estudo do Ministério do Meio Ambiente do Brasil são tomados cinco casos ilustrativos: 1. Painel do Amianto, entre o Canadá e a França, onde indiretamente o Brasil se envolveu como terceira parte. A proibição de importação estabelecida pela França foi julgada improcedente. 2. Painel de Gasolina, dos Estados Unidos contra o Brasil e a Venezuela, no qual os Estados Unidos, baseados em uma resolução da EPA (Agência Ambiental dos Estados Unidos), queriam impor barreiras às gasolinas brasileiras e venezuelanas, exportadas para aquele país. A decisão do tribunal foi que o motivo alegado pelos EUA era contra o sistema multilateral de comércio.

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3. Painel Atum-Golfinho, entre os Estado Unidos e o México. A alegação americana era que a pesca do atum no México não estava utilizando as redes que evitam prender golfinhos. Novamente, neste caso, alegou-se não-conformidade, de acordo com as regras do sistema multilateral de comércio. 4. Painel Camarão-Tartaruga, entre Índia, Malásia, Paquistão e Tailândia contra os Estados Unidos. Alegavam os EUA que o instrumento de pesca do camarão nestes países deveria ser o mesmo que nos EUA. O processo foi considerado não-conforme. 5. Painel Carne- Hormônio entre o Canadá e USA versus a União Européia foi julgado da mesma maneira. Em outras palavras, as questões ambientais têm gerado Acordos Multilaterais Ambientais (MEA – Multilateral Environmental Agreements), dos quais existem cerca de 200 e destes mais de 20 incorporam medidas comerciais. Os principais dentre eles são: a) A Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção; b) Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio; c) Convenção de Basiléia sobre Controle dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito; d) Acordo Internacional sobre Madeiras Tropicais; e) Convenção de Roterdã sobre o Procedimento de Consentimento Prévio Informado para o Comércio Internacional de Determinadas Substâncias Químicas e Pesticidas Perigosos; f) Protocolo de Cartagena sobre Biosegurança g) Protocolo de Kyoto. As barreiras não-tarifárias impostas aos produtos dos países em desenvolvimento, principalmente, também tem uma influência positiva na questão ambiental destes mesmos países. A maioria das nações da América Latina criou leis ambientais e órgãos de controle a partir do início da década de 1990, coincidentemente no mesmo período em que suas economias sofriam um processo de abertura. As normas de qualidade de produto ou serviços da série ISO 9000 tornaram-se populares a nível mundial no final dos anos 1980 e as normas ambientais ISO 14000 a partir da segunda metade da década seguinte. No caso do Brasil, o processo aconteceu um pouco mais cedo, mas não foi diferente. O próprio mercado adotou outros padrões de qualidade ambiental, quando grandes empresas foram forçadas por suas matrizes a

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introduzirem um procedimento ambiental mais rígido, implantando sistemas de gestão ambiental e participando de acordos setoriais internacionais (como o Responsible Care da indústria química). No início da década de 1990, por exemplo, a indústria de papel e celulose do Brasil sofreu grandes pressões dos consumidores na Europa. O grande problema era que para produzir o papel as indústrias estavam poluindo os rios, ao descarregarem seus efluentes e utilizarem grandes volumes de água no processo de produção. Em menos de dois anos, a maioria dos grandes exportadores de papel instalou estações de tratamento de efluentes e sistemas de reciclagem de água. “Uma diferença importante entre os defensores do meio ambiente e os defensores do livre-comércio, reside no fato de que para os ambientalistas, as normas ambientais usadas nos acordos comerciais deveriam ser as mais elevadas, o que permitiria um processo generalizado de melhoria das condições ambientais, ao passo que para livre-cambistas, tais normas deveriam ser mais baixas, de tal maneira que não comprometessem a liberalização comercial com restrições “indevidas”, associadas ao meio ambiente. Assim, os ambientalistas compartilham uma visão maximalista e os livre-cambistas uma visão minimalista no que se refere ao nível de rigor das normas ambientais.” (Ruppenthal e outros, 2002, s. pg.) Se o ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Sérgio Amaral disse em 2001: “O comércio é a guerra do século XXI” e o general-filósofo alemão Carl von Clausewitz no século XIX, que “a guerra é uma simples continuação da política por outros meios”, podemos concluir que o comércio internacional, ligado à política internacional, tem muitos componentes de uma guerra entre as nações. Neste contexto nunca cessará a competição por mercados, por vantagens, pelo lucro. As nações sozinhas, ou em blocos, estarão sempre competindo com seus concorrentes. É por isso que a questão da proteção ambiental, apesar de ser um tema global, capaz de afetar todas as nações, ainda continua sendo subterfúgio para restringir o comércio ou, por outro lado, oportunidade para auferir lucros exorbitantes, se ocorrer o dumping.

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Com o pretexto de proteger o meio ambiente e espécies em extinção, tem se protegido às vezes setores da economia e premiado sua ineficiência. Outras vezes, tais ações ajudaram efetivamente a forçar setores da economia a introduzirem medidas de proteção ambiental e órgãos do governo a instituir leis e controles. A questão do comércio e do meio ambiente está tomando proporções inimaginadas. Todos os grandes problemas da atualidade estão relacionados com a questão ambiental: a) A questão da produção e comércio dos produtos agrícolas – a crise de alimentos; b) A questão do aquecimento global e suas influências no mundo – a crise do clima; c) A questão da energia e sua geração – a crise de energia; d) A questão da produção eficiente e do consumo – consumo sustentável. Será possível basear o comércio na cooperação entre os países, para fazer face aos grandes problemas ambientais?

Bibliografia AMARAL, Sérgio Silva, Meio Ambiente na Agenda Internacional – Comércio e Financiamento, disponível em < www. scielo.br/scielo.php?pid=s010340141995000100015&script=sci_arttext> acesso em 18/05/08 CASTRO, Diego; CASTILHO, Selene; BURNQUIST, Heloísa. O comércio e meio ambiente – as diversas faces desse binômio. MARTÍNEZ, Osvaldo. O livre comércio: raposa livre entre galinhas livres. Cuba Socialista. Havana, maio 2005. Ministério do Meio Ambiente do Brasil, Comércio & Meio Ambiente – Uma Agenda Positiva para o Desenvolvimento Sustentável, Ministério do Meio Ambiente: 2002, Brasília, 310 pgs. SILVA DE PAIVA, Henry Iure, Interação entre comércio internacional e meio ambiente. RUPPENTHAL, Janis e outros, As interfaces entre o meio ambiente e o comércio internacional. UNCTAD, International marketing and the trading system, International Trade Centre UNCTAD/WTO: Geneva, 2002, 215 pgs.

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Desenvolvimento e impacto ambiental O conceito de desenvolvimento sustentável estabelece que "devemos crescer sem colocar em risco as mesmas possibilidades para as gerações futuras". Em outras palavras, devemos nos desenvolver econômica e socialmente de tal maneira, que não coloquemos em risco as chances das gerações futuras poderem fazer o mesmo. A afirmação é bastante justa, já que pretende garantir a todas as gerações a possibilidades de alcançar o bem estar. Bem estar é comumente associado ao crescimento econômico; cresce a economia, crescem as vendas, a arrecadação e o emprego. Tudo baseado no aumento do consumo, que por sua vez é resultado do aumento da produção industrial - uso de recursos, como matéria prima e energia - cada vez maior. Da maneira como nosso sistema econômico está estruturado, o aumento do bem estar e do crescimento significam mais consumo de recursos naturais e ampliação dos impactos ao meio ambiente. Desta forma temos um dilema: para melhorar o bem estar precisamos crescer, produzir mais aumentando a exploração dos recursos naturais, ampliar a geração de empregos e propiciar mais consumo. Este processo, no entanto, vai gradualmente dilapidando os recursos - água limpa, solos férteis, minerais, recursos marinhos, entre outros -, reduzindo seu estoque para as gerações futuras. A situação que descrevemos não é algo que irá acontecer em um futuro longínquo. Já atualmente o sistema econômico, mesmo com as crescentes diferenças entre ricos e pobres, está utilizando mais recursos do que a natureza pode gerar. Estamos exaurindo a capacidade de depuração dos rios, descarregando grandes quantidades de esgoto em suas águas. A pesca predatória nos mares de todo o mundo tem reduzido rapidamente os cardumes de peixes comestíveis. A atmosfera de toda a Terra está cada vez mais impregnada de gases poluentes, o que está aumentando a temperatura média dos oceanos. Somem-se a isso os impactos provocados pelo desflorestamento em várias partes do globo, pela

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contaminação de eletrônicos), pela agressões a que espécies. Isto sem uma polução de decentemente.

solos com produtos tóxicos (químicos e destruição das espécies e vários outras estão sujeitos os ecossistemas e neles as falar que por volta de 2050 a Terra deverá ter nove bilhões de pessoas, querendo viver

Qual a opção que temos? Segundo alguns economistas, precisamos reduzir gradualmente a demanda por matérias primas, reutilizando e reciclando materiais e produtos. Isto, no entanto, seria apenas uma pequena providência. Precisamos diminuir nosso consumo de energia, melhorando a eficiência de toda a parafernália elétrica e eletrônica, base de nossa sociedade tecnológica. Na agricultura é necessário utilizar menores quantidades de produtos químicos e aplicar técnicas de conservação do solo. Todas as nossas máquinas precisam ser mais eficientes e consumir combustíveis renováveis. Não é o caso de voltarmos ao passado, abrindo mão de toda a tecnologia que temos, já que isso seria impossível. Trata-se de reduzir nossa "pegada ecológica", ou seja, o impacto de nossas atividades sobre os recursos da natureza. Será um processo longo durante o qual - se conseguirmos fazê-lo - teremos que rever nossos conceitos de crescimento, desenvolvimento e melhoria do bem estar.

Desenvolvimento sustentável ainda é possível? O conceito de desenvolvimento sustentável foi definido pela primeira vez pelo Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987. Definia-se da seguinte maneira: “O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo

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tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais.” A definição do que é desenvolvimento sustentável foi sendo aprimorada, recebendo detalhamentos (quanto à melhor maneira do uso dos recursos) em diversas comissões posteriores, como Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, a RIO 92. É consenso entre os especialistas de que o desenvolvimento sustentável é composto por três componentes: a) A sustentabilidade ambiental, ou seja, a conservação dos ecossistemas, permitindo que continuem prestando os serviços ambientais para o homem e as outras espécies; b) A sustentabilidade econômica, que propicia a manutenção do crescimento econômico com a incorporação de práticas de gestão mais eficientes dos recursos; e c) A sustentabilidade social, que implica a incorporação das preocupações sociais ao crescimento, propiciando melhor padrão de vida a toda a população. De uma maneira simplificada existem três visões distintas do desenvolvimento sustentável. Primeiramente, o grupo que pensa que o crescimento deverá ser abolido, que a economia deve entrar em uma condição estacionária, na qual bens, serviços, produtos, etc., serão apenas substituídos, sem que haja qualquer aumento da produção. Dessa forma seria diminuída a dissipação de energia e perdas de insumos ao longo de todo o processo econômico. Este grupo de pensadores defende o que se convencionou chamar de economia em estado estacionário. O outro grupo é formado por aqueles que dizem que podemos fazer o melhor possível para minorar nosso impacto sobre os recursos naturais, mas que estes, por final, acabarão. Isto significará a decadência de nossa espécie, caso não possamos desenvolver outra solução tecnológica até agora não conhecida. Por fim, temos o grupo dos otimistas, que pensam que a tecnologia com o tempo resolverá todos os nossos problemas de energia, alimentação e meio ambiente, e que poderemos manter o nosso tipo de economia.

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O mais provável é que tenhamos deixado de ser sustentáveis quando, há oito mil anos, começamos a regulamente a praticar a agricultura – por motivos climáticos. O alimento disponível, a caça, deslocou-se para outras regiões ou simplesmente desapareceu com a mudança do clima no final da última glaciação. A agricultura deu início ao desenvolvimento da tecnologia e com esta ao aumento da população. Um planeta que pode no máximo sustentar – de acordo com os padrões dos países desenvolvidos – dois bilhões de habitantes, está acomodando mais de sete bilhões. Desta forma, mesmo que haja um forte decrescimento da população nos próximos séculos, será pouco provável que venhamos a ser sustentáveis – a 2ª lei da termodinâmica nos impede definitivamente de sê-lo.

Direitos para “pessoas não humanas” Já faz tempo que as culturas humanas observam que certas espécies animais têm comportamentos que se parecem aos nossos. Os antigos gregos e romanos admiravam a industriosidade das abelhas e formigas; trabalhavam em grupos com funções definidas visando um objetivo comum: a sobrevivência do enxame e do formigueiro. As sociedades asiáticas, principalmente a indiana, admiravam o elefante, entre outras coisas, por sua prodigiosa memória; tanto para o bem quanto para o mal. Um animal que tenha sido excessivamente castigado na infância podia, mesmo ainda na velhice, reconhecer seu agressor e às vezes vingar-se mortalmente. Nossos indígenas, em lendas colhidas por viajantes, religiosos e pesquisadores, contam histórias de animais que têm comportamento humano e de seres mitológicos que são parte gente e parte animal. Fábulas, lendas e anedotas sobre os hábitos dos animais são projeções de nossas expectativas sobre o comportamento destas criaturas. Formigas, abelhas, elefantes, cegonhas, crocodilos, e muitas outras espécies, já se comportavam desta maneira – e

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achamos de certa forma humana – muito antes de nós chegarmos por aqui, há uns 100 mil anos. Não são os animais que se parecem conosco; somos nós que nos parecemos em muitos aspectos com eles. Apesar desta semelhança – afinal somos criaturas que se originaram de um mesmo ser que viveu há uns 3,8 bilhões de anos – não temos sido muito gentis com nossos irmãos, desde que surgimos na Terra. Os animais foram e ainda são utilizados como alimento, máquinas de força, meios de transporte, fonte de matérias primas, instrumentos de experiências científicas ou simplesmente como brinquedos descartáveis. O grande sábio renascentista, Leonardo da Vinci, escreveu certa vez que "Chegará o dia em que todo homem conhecerá o íntimo dos animais. Nesse dia, um crime contra um animal será considerado um crime contra a própria humanidade." Apesar de algumas sociedades já terem elevado seus padrões de tratamento dos animais em geral, ainda estamos longe da sabedoria do grande mestre italiano. Um fato não tão novo assim, mas que passou a ser discutido com mais profundidade nos últimos anos, é o do grau de inteligência de determinadas espécies, como os macacos – especificamente os chimpanzés e os bonobos – e os cetáceos – as baleias, os golfinhos e os botos. Com referência aos golfinhos, foi descoberto recentemente que estes podem reconhecer a si mesmos em um espelho; sinal de especial inteligência e que nós humanos só adquirimos aos 18 meses de idade. Dotados de cérebros grandes e complexos, os golfinhos ajudam feridos de sua espécie e conseguem manejar ferramentas. Segundo o professor especialista em ética da Universidade Loyola Marymount, Thomas White, “A ciência já mostrou que a individualidade e autopercepção não são propriedades apenas humanas. E isso traz todo tipo de desafios”. Para muitos especialistas, os golfinhos são criaturas tão avançadas que devem ser consideradas “pessoas não humanas”, tendo direitos à vida e à liberdade, que devem ser garantidos por um tratado internacional. A batalha será dura, já que para muitos a classificação de “pessoas não humanas” parece absurda. No

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entanto Leonardo da Vinci, de onde estiver nos observando, talvez esteja sorrindo...

É isto crescimento? Nos últimos dez anos a economia brasileira entrou em um ritmo de crescimento relativamente constante. O controle da inflação, o aumento do consumo interno, a expansão da agricultura comercial e a aceleração da demanda mundial das commodities, foram fatores que ajudaram a impulsionar a economia, depois de duas décadas de estagnação. A retomada da atividade econômica fez com que fossem criados mais postos de trabalho e que aumentasse a massa salarial. Empresas, em diversos setores, viram seus resultados anuais crescerem gradualmente e o Estado aumenta a arrecadação de impostos a cada ano. No entanto, o crescimento econômico provocou um impasse. Bastaram alguns trimestres de ampliação das atividades, para que a infraestrutura – estradas, portos, aeroportos, energia elétrica, administração pública, entre outros – desse sinal de inoperância, mostrando o quanto o país ainda está subdimensionado para um ritmo de expansão constante. Fala-se, também, em uma falta de mão-de-obra qualificada; resultado dos baixos investimentos em capacitação e das constantes oscilações do mercado de trabalho, ao longo das crises econômicas das décadas anteriores. Além de pressionar a infraestrutura, o crescimento econômico também tem forte impacto sobre o meio ambiente, já que a expansão da economia implica em maior exploração dos recursos naturais; mais consumo de energia, aumento na geração de resíduos e emissões. Em outras palavras, as empresas utilizam mais matérias primas, energia e água, produzindo mais e gerando volumes maiores de resíduos; o cidadão aumenta seu consumo de bens e serviços, mas também multiplica seus excedentes. Em suma, o processo econômico extrai recursos da natureza – na forma de minérios, alimentos e água – e devolve imensos volumes de sobras – na forma de lixo, resíduos industriais e esgoto. Qual o impacto ambiental e social deste processo?

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Nas sociedades mais industrializadas – onde a atividade econômica é mais intensiva – a legislação ambiental e a pressão da sociedade civil existem há mais tempo e são mais efetivas, forçando todos os agentes econômicos a adotar medidas de controle da poluição e redução na geração de resíduos. Na administração pública estas sociedades já lograram, há décadas, resolver seus problemas com relação à gestão dos resíduos domésticos e do saneamento. Leis garantem a proteção dos direitos do cidadão, no que se refere às condições seguras de trabalho, educação e assistência à saúde. No Brasil, tais medidas ainda estão pouco implantadas. Apesar do gradual desenvolvimento da legislação ambiental desde o início da década de 1980, a falta de efetivo controle das atividades econômicas, o diminuto volume dos investimentos do Estado e o baixo nível de conscientização da maior parte da população, fazem com que o crescimento econômico ainda aconteça fortemente à custa dos recursos naturais e, consequentemente, provocando impactos sociais. Um dos principais problemas de meio ambiente, gestão social e de saúde, continua sendo o saneamento; o tratamento de água potável e do esgoto doméstico. Dados de 2008 informam que 81,2% da população dispunham de acesso à água tratada. Somente 43,2% do esgoto gerado eram efetivamente coletados e deste volume 34,6% eram tratados. Entre 2012 e 2030 o governo planeja investir cerca de R$ 420 bilhões no setor através do “Programa de Aceleração do Crescimento” (PAC). Esta previsão se confirmará ao longo dos anos (e governos), já que investimentos em infraestrutura são frequentemente sujeitos a revisões e cortes. A realização da Copa de 2014 e das Olimpíadas em 2016 esperança de um aumento nos investimentos em saneamento – já que se planejava apresentar ao mundo uma “copa verde” – não deverão trazer relevantes benefícios ao setor, dada a falta de organização, recursos e tempo hábil para as obras. O saneamento, prioritário sob aspecto de saúde pública, continuará sendo uma meta não alcançada pelo país em médio prazo.

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Para uma nação do porte do Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os investimentos anuais no setor deveriam ser de no mínimo 0,5% do PIB (R$ 10 bilhões), o que não está acontecendo. Assim, continuaremos indefinidamente poluindo os rios, lagos e oceano com esgotos domésticos e até efluentes industriais, degradando o meio ambiente, os recursos hídricos e exterminando espécies – muitas desconhecidas ainda. No aspecto social continuarão as epidemias de dengue, viroses e doenças provocadas por águas contaminadas, sobrecarregando o sistema de saúde e matando milhares de crianças a cada ano, geralmente aquelas das camadas sociais mais desprotegidas. A questão do lixo e dos resíduos industriais também não foge à regra, por ser um problema ambiental e de saúde pública. Diariamente são geradas hoje no Brasil 182 mil toneladas de lixo doméstico – média de 0,95 kg/habitante /dia, para uma população de 191 milhões. Os dados, reunidos pela Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública - ABRELPE, também dão conta de que deste volume 88% são coletados pelas prefeituras. O restante é despejado no meio ambiente, muitas vezes provocando contaminação de solos e rios. Da quantidade total coletada, 60% vão para lixões, sem qualquer tipo de fiscalização, ou para aterros com limitado padrão de controle. Somente 40% de todo o volume de lixo gerado têm destinação correta em aterros sanitários devidamente construídos. Na área industrial o Brasil gera 86 milhões de toneladas anuais de resíduos (dados de 2008). Deste volume, quatro milhões de toneladas/ano são formados por resíduos perigosos. No entanto, somente 30% deste volume – 1,2 milhões de t/ano – recebem tratamento adequado; os restantes 70% são depositados em lixões, sem qualquer tipo de cuidado. A má gestão destes resíduos provocou a formação de milhares de áreas contaminadas em todo o país - somente no Estado de São Paulo são mais de 3.000 locais poluídos. Já os resíduos de serviços de saúde chegam a 1.100 toneladas por dia em todo o país, dos quais cerca de 340 t/dia são efetivamente tratados. A quantidade restante vai para aterros e não recebe processamento especial, representando grande perigo para as cerca de 50.000 pessoas, que em todo o território nacional ainda sobrevivem com o que coletam nos lixões.

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A aprovação da Lei Nacional de Resíduos Sólidos, em dezembro de 2010, trouxe importantes mudanças na gestão dos resíduos sólidos no Brasil – pelo menos quanto ao que se planeja para o futuro. Até 2014, empresas, consumidores, prefeituras, cooperativas de catadores; todas as partes envolvidas na gestão dos resíduos terão que contribuir para que seja dado um tratamento eficiente ao lixo. Seja pela reincorporação ao sistema produtivo ou o descarte correto. A introdução de um sistema deste porte demandará anos de trabalho e investimentos e já é previsto que o prazo de implantação deverá ser prorrogado. Esta só uma pequena amostra das dificuldades ambientais e sociais que continuam afetando a sociedade brasileira. Isto sem abordar todas as outras mazelas sociais, como o ainda péssimo nível do ensino, o caos que perdura há décadas no sistema de saúde e a baixa qualidade de vida nas grandes cidades – principalmente em suas periferias. Também não mencionamos aqui os impactos ambientais e sociais de um crescimento por vezes desordenado e introduzido a qualquer custo – como os grandes empreendimentos no setor de geração de energia e transporte. O crescimento da economia não pode ser objetivo único de uma nação. Não é só a expansão do consumo, cada vez mais exacerbado, que trará bem estar ao cidadão. A diminuição do ciclo operacional da mercadoria, gerando mais receita, mas sem considerar as externalidades da atividade econômica, provocará um gradual depauperamento ambiental e humano da sociedade. Por isso, é preciso perguntar qual o tipo de crescimento queremos e quem deverão ser seus beneficiários.

Economia em alta, vida em baixa Apesar do crescimento do consumo, do aumento da classe média, e das boas perspectivas econômicas para o futuro, o país ainda continua com os mesmos problemas estruturais das décadas passadas. Estradas em péssimo estado de conservação, hospitais desaparelhados e sem médicos, aeroportos congestionados,

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portos sem estrutura, transporte público insuficiente e caro, dezenas de milhões de brasileiros sem acesso a esgoto tratado; e muitas outras mazelas. Isto sem falar na questão da educação, fator importantíssimo para o desenvolvimento, que demora a sair de seu mais baixo nível na história recente. Obstáculos não nos faltam, apesar de sermos a sexta maior economia do mundo e das mídias nos lembrarem a toda hora das maravilhas do consumo. Ascender alguns degraus na escala econômica e poder consumir o básico é o mínimo que se espera em uma sociedade medianamente civilizada. Viver dignamente, no entanto, é mais do que isso. Sendo o sexto país mais rico do mundo e tendo tantas deficiências, como não será difícil a situação do povo em economias mais pobres que a nossa? Esquece-se, no entanto, que mesmo colocados entre as seis nações mais ricas do globo, somos ainda um dos países com a pior distribuição de renda, ou seja, poucos têm acesso a muito e muitos têm acesso a pouco. Os benefícios que poderiam resultar do PIB de 2,2 trilhões de dólares que o país produziu em 2010 – boas escolas, bons hospitais, aposentadorias decentes, saneamento e acesso a educação e cultura –, são apenas tema de campanha política. Ainda que mais de 35% deste valor seja formado por impostos, que teoricamente deveriam se transformar em benefícios para a sociedade, são poucas as políticas públicas devidamente estruturadas, destinadas a devolver este dinheiro transformado em melhorias para a sociedade. Temos então um quadro contraditório. Por um lado, somos um país que está começando a ocupar um lugar de destaque entre as nações em desenvolvimento, graças à pujança de sua agricultura, de sua moderna indústria, das grandes obras de infraestrutura e das oportunidades que um mercado interno em franco crescimento oferece aos investidores. Por outro temos uma carência de mãode-obra especializada, tanto de nível técnico quanto superior, fruto do nosso sistema de ensino e das crises econômicas, que reduziram a demanda por estes profissionais. Cerca de 30% da população brasileira (57 milhões de pessoas) é formada por analfabetos e analfabetos funcionais. Mais de 40% da população não tem acesso à coleta e tratamento de esgoto. A rede de saúde

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é mal administrada, não tem verbas suficientes – reduzidas mais ainda com o corte do orçamento no início de 2011 – e os hospitais públicos são, com raríssimas exceções, sujos e desorganizados. A economia está se contrapondo à vida; fatos ocorridos nas últimas semanas ilustram esta situação. Apesar da negativa das empreiteiras, é claro que a revolta dos trabalhadores no canteiro de obras da barragem de Jirau, em Rondônia, foi provocada principalmente pelas deficientes condições de trabalho. No rico interior de São Paulo, trabalhadores migrantes são submetidos a condições de trabalho degradantes, o mesmo acontecendo em obras de uma ferrovia a poucos quilômetros da capital. Na periferia pobre de São Paulo, moradores ficam semanas sem água. E tudo isto na sétima economia do mundo!

Educação ambiental no Brasil A educação ambiental (EA) no Brasil ainda não tem uma sistemática pedagógica estabelecida, sendo influenciada por diversas tendências. No documento “A educação ambiental no Brasil” lemos: “Deve ser considerado que há diversas e variadas formas de conceber e praticar, tanto a pesquisa quanto ações em Educação Ambiental. De fato, as concepções de Educação Ambiental são diversas e variadas, pois dependem das concepções que seus praticantes têm de Educação, de Ambiente e de Sociedade. De outra forma, podemos dizer que as concepções de Educação Ambiental sofrem as mais variadas interferências (e, portanto, assumem diferentes matizes) das diversas condições de sua produção, em especial, das propostas produzidas e veiculadas pelas seguintes principais instâncias: OG’s, ONG’s, mídia, empresas, legislação e normas etc. (GARCIA MUÑOZ, 2002; SATO & PASSOS, 2002; LEVY, 2004)” (Apud Fracalanza, 2005). Observamos que há uma variação no ensino da EA entre as diversas escolas e até entre professores. Alguns enfoques são mais do tipo “corretivo”, apontando apenas os diversos problemas ambientais existentes – como a falta de saneamento, a destinação

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incorreta de grande parte do lixo, a questão da reciclagem, a poluição atmosférica – e mostrando as soluções a nível governamental, mas sem se aprofundar em outros aspectos. Outras abordagens nem chegam a este nível de detalhamento, apresentando a EA apenas como um adendo à Biologia, estudando apenas a questão da biodiversidade e a destruição da fauna e da flora. Escreve Edson Travassos em “A educação ambiental nos currículos: dificuldades e desafios”: “Muitos professores, preocupados com os problemas ambientais, acham que a educação ambiental tem que estar voltada para a formação de uma consciência conservacionista. Uma consciência, portanto, relacionada com aspectos naturalistas, que considera o espaço natural fora do meio humano.” (Travassos, 2001). Estes são apenas alguns exemplos da vasta gama de direcionamentos que existem em termos de EA. A falha de todas estas abordagens é a falta de uma visão sistêmica e o relacionamento desta visão com os aspectos sociais, econômicos, isto é, os aspectos humanos. Não podemos esquecer que a função principal da EA é capacitar os discentes a terem uma visão mais aprofundada da realidade, das implicações das ações humanas – da ecologia humana, como diriam alguns – com o meio ambiente natural. Afinal, não se pode dissociar um de outro; ambos formam um todo e estão presentes no conceito de biosfera terrestre. Desta forma, consideramos a EA como forma de análise da interação das estruturas econômicas e sociais com o meio ambiente, considerando aspectos políticos, éticos e ideológicos envolvidos. Nesta ótica a EA capacitará os alunos a poder exercer uma função crítica em relação à organização de sua sociedade e o impacto desta organização social ao meio ambiente onde se localiza. Esta abordagem considera como básicos os seguintes aspectos: a) A conscientização dos indivíduos sobre as relações socioambientais da sociedade; b) A construção de um conhecimento, baseado em fatos e teorias; c) A adoção de práticas éticas em relação à natureza e aos semelhantes;

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d) O desenvolvimento de competências, capacidade de agir efetivamente em seu meio social; e) Desenvolver a capacidade de avaliação, considerando o grau de acerto das ações empreendidas; f) Desenvolver a capacidade de participação em grupos, visando a apresentação de soluções para problemas. Somente através da prática constante da EA e de sua concretização através de ações, é que os diversos grupos sociais poderão chegar a um denominador comum sobre a melhor maneira de praticar a EA. A própria diversidade cultural, social, geográfica e ambiental impede que se crie uma “fórmula única” de praticar a EA no País. Evidentemente, os problemas enfrentados pelo morador da caatinga, no interior do Nordeste, são completamente diferentes daqueles do ribeirinho amazônico ou do morador da periferia de São Paulo. Para cada comunidade – com suas características sociais, inserida em um ambiente natural específico e com organização econômica distinta – deverá haver uma abordagem diferente da EA, sempre considerando os aspectos de abordagem mencionados acima. Bibliografia Fracalanza, Hilário, et al. A educação ambiental no Brasil Panorama Inicial da Produção Acadêmica. Disponível em: http://www.fe.unicamp.br/formar/revista/N000/pdf/EA%20no%20B R%20-%20Artigo%20(01-07-08)%20Reformulado.pdf Acesso em 31/05/10. Travassos, Edson. A educação ambiental nos currículos: dificuldades e desafios. Revista de Biologia e Ciências da Terra, Volume 1, nº 2, 2001. Disponível em : < http://eduep.uepb.edu.br/rbct/sumarios/pdf/educamb.pdf> Acesso em 31/05/10.

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Energia: o futuro e o presente As sociedades industriais modernas não podem sobreviver sem o uso intensivo de energia. A energia, não importando sua fonte de origem – petróleo, gás, água, biomassa, luz solar, urânio ou vento – é imprescindível para o desenvolvimento de um país. Não é por outra razão que cientistas elaboraram parâmetros de avaliação do desenvolvimento material e cultural de uma sociedade, baseados no uso das energias disponíveis no meio ambiente onde floresce esta comunidade. O principal aspecto nesta avaliação não é a fonte de energia utilizada, mas a tecnologia aplicada para o uso desta energia; já que é esta que vai espelhar o grau de desenvolvimento tecnológico – significando conhecimento científico e técnico – da sociedade em questão. Ao longo dos últimos 230 anos aproximadamente, o uso das fontes energéticas tem se desenvolvido rapidamente. Se até quase o final do século XVIII as máquinas para aproveitamento da energia cinética (movimento e força) e calorífera (calor) eram bastante primitivas e ineficientes, o grande salto foi dado quando técnicos-artesãos, principalmente da Inglaterra, desenvolveram máquinas capazes de utilizar a energia cinética gerada pelo vapor d´água, queimando carvão mineral. Durante todo o século XIX e XX, só aumentaram e se diversificaram as tecnologias capazes de aproveitar a energia das diversas fontes; do carvão vegetal e mineral aos derivados de petróleo; do aproveitamento da água, da luz do sol e do vento, até o urânio para geração de eletricidade. Jacques Attali, doutor em economia e assessor do governo da França, é famoso por seus livros discorrendo sobre o futuro da sociedade mundial. Em seu livro Uma breve história do futuro (Novo Século Editora, 2008) faz uma série de previsões sobre como o mundo evoluirá social, econômica e politicamente ao longo do século XXI. No que se refere ao tema da energia, Attali escreve entre outras coisas: “A energia solar, bem como a energia eólica,só serão fontes inesgotáveis quando se tornarem estocáveis. Será difícil desenvolver a biomassa em grande escala, exceto para alimentar carros particulares, o que é muito importante. As outras fontes de energia naturais (geotermia,

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ondas, maré) parecem incapazes de responder a uma demanda significativa. Enfim, a fusão termonuclear, que poderia, sozinha, representar uma fonte quase ilimitada, com certeza não será praticável antes do fim do século XXI, pelo menos. No total, a energia será cada vez mais custosa, o que incitará a economizar, substituindo os movimentos físicos pelas trocas imateriais.” (Attali, 2008). Apesar de ser difícil ter-se uma antevisão a respeito das futuras aplicações das energias renováveis – já que é imprevisível a maneira como estas tecnologias se desenvolverão – é certo que a obtenção de energia se tornará cada vez mais difícil. Por diversas razões, desde a escassez das fontes energéticas até a limitação tecnológica e o forte impacto ambiental da geração, a energia se tornará um insumo caro e disputado. Com isso, todos os países, do mais ao menos desenvolvido, enfrentarão dificuldades em diversos graus para obterem a energia necessária ao seu crescimento – se é que na segunda metade deste século ainda se falará em crescimento econômico. Outro estudioso do desenvolvimento do setor energético global, Daniel Yergin, enfatiza em seu livro The Quest (A Questão – The Penguin Press, 2012) a dificuldade em se fazer uma previsão a respeito do desenvolvimento futuro das fontes de energia. Certamente, afirma o autor, surgirão “fontes de energia que não identificamos até hoje”. Como exemplo disso, o especialista cita o fato de que no auge da Revolução Industrial, com larga utilização do carvão mineral, não se imaginava o imenso potencial energético (e industrial) de outra fonte, o petróleo. Assim, segundo muitos especialistas europeus e americanos, a única maneira de enfrentar este impasse em relação ao futuro da energia – no que se refere às fontes e às tecnologias de geração – é investir em pesquisa (P&D) e tornar toda a economia, desde os processos de produção e distribuição aos produtos e equipamentos, mais eficiente, consumindo menos energia. Outra providência sugerida é investir na geração a partir de fontes baratas e não poluentes, como as energias renováveis. Junto com a solar e a eólica, a energia de biomassa representa uma das maiores fontes de energia renovável em todo o mundo.

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No que concerne a esta fonte de energia, os países industrializados já estão antecipando o futuro. Segundo dados da Agência de Energia da Alemanha (DENA), em 2009 foram gerados em todo o mundo aproximadamente 125.600 gigawatt horas (GWh) a partir da queima de biomassa sólida. Deste total, cerca de 32% (40 mil GWh) foram gerados nos Estados Unidos e 10% (12.900 GWh) na Alemanha; os dois maiores produtores mundiais de eletricidade a partir da biomassa sólida. Na União Européia, entre 2001 e 2009, o volume de eletricidade gerada a partir da biomassa aumentou 14,7%, alcançando 62.186.000 GWh no ano de 2009. No Brasil, apesar do grande potencial de exploração desta fonte energética, ainda não existem estatísticas sobre o volume de energia elétrica gerada a partir da biomassa. Especialistas, no entanto, estimam que em 2012 foram produzidos aproximadamente 2,5 mil GWh a partir desta fonte. Segundo estudo da União das Indústrias de Cana de Açúcar (ÚNICA), até 2020/2021 somente as usinas de cana-de-açúcar (sem contar as outras fontes geradoras) poderão produzir um total de 13.150 MW; cerca de uma Itaipu e meia. Diante do fato de que o consumo de energia no Brasil aumenta a cada ano e da possibilidade de uma nova crise energética, é cada vez mais urgente o planejamento do setor energético brasileiro. Além de aumentar e diversificar a geração, é necessário investir em pesquisa de novas fontes e tecnologias e em medidas de eficiência energética.

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Espécies desaparecem, e nós? Nas últimas semanas chamou atenção uma pesquisa realizada pela universidade de Plymouth, da Inglaterra, mostrando que os oceanos estão ficando cada vez mais ácidos. A acidificação gradual das águas marinhas ocorre, segundo os cientistas, devido a quantidades cada vez maiores de dióxido de carbono (CO²) contidas na atmosfera, que se diluem nos mares. Este gás é em grande parcela resultante da queima de combustíveis pelo setor industrial, de transportes, da geração de energia (principalmente nos países do Norte) e de queima de florestas, após o desmatamento. A previsão é que este processo acidificação das águas poderá causar uma mortandade de até 30% das espécies marinhas. O processo, evidentemente, não ocorrerá em alguns anos; mas aos poucos, ao longo de um ou dois séculos. O cientista britânico Jason Hall-Spencer, autor da pesquisa, comenta que no passado geológico o planeta passou por processo parecido. Há 55 milhões de anos os oceanos terrestres sofreram acidificação semelhante, mudança que levou 10 mil anos para atingir seu ponto máximo. Depois disso, o grande ecossistema da Terra reverteu a alta concentração de CO² nas águas, precisando para isso outros 125 mil anos. Outro fato que despertou a atenção foi a reportagem do jornal O Estado de São Paulo, informando que a pesca de peixe no litoral do estado está caindo a cada ano. Segundo pescadores artesanais da região de Camburí, litoral norte de São Paulo, a quantidade de peixe capturada vem caindo há pelo menos uma década. A percepção dos pescadores é confirmada pelos dados oficiais: segundo o Instituto de Pesca de São Paulo, o volume de pescado capturado no Estado em 2011 foi de 20,5 mil toneladas; 20% a menos que há dez anos e 60% a menos que há 20 anos. A culpa, segundo os pescadores, é dos grandes barcos que operam em águas mais profundas, com compridas redes e radares, com capacidade de localizar os cardumes a grandes distâncias. Com isso assiste-se ao colapso de diversos tipos de pescado. A sardinha-verdadeira (sardinella brasiliensis), por exemplo, já foi um dos principais produtos da pesca nas regiões Sul e Sudeste. Na década de 1970 a produção anual deste peixe era de mais de 200 mil toneladas, caindo para 32 mil na década de 1990 e chegando

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a 17 mil toneladas anuais em 2000. Depois da instituição do período de defeso, quando o peixe está em fase de reprodução e sua pesca é proibida por lei, a produção subiu e estacionou em torno das 80 mil toneladas anuais. Os dois fatos muito pouco tem a ver um com o outro, pelo menos até agora. No entanto, são dois indícios de como, através de nossas atividades produtivas, estamos reduzindo e gradualmente destruindo o estoque de recursos naturais. Por um lado, a crescente acidificação das águas destruirá a população dos corais, que funcionam como habitat e local de alimentação e procriação para muitas espécies marinhas: peixes, crustáceos, tartarugas e moluscos. Por outro lado, a pesca intensiva, destruindo peixes jovens e as fêmeas em fase de reprodução, reduzirá cada vez mais as possibilidades de sobrevivência das espécies destes peixes. Ao final, resta a pergunta sobre que tipo de futuro antevemos para a humanidade, já que a Terra cuida de si mesma, não precisa de nossa intervenção. Ferida, se recupera; as espécies vêm e vão e no final a vida continua; com ou sem nós.

Florestas: preservação traz lucro Nos últimos meses acompanhamos várias discussões sobre o Código Florestal brasileiro. Os debates ainda devem continuar no senado, com contribuições eventuais de outras entidades da sociedade civil. De um lado, os que propõem alterações na lei, visando aumentar a área de desflorestamento e legalizar derrubadas já feitas, para uso agropecuário. De outro, grupos que se empenham na preservação da vegetação para o uso sustentável do bioma e de seus serviços naturais. Este debate também poderia ser resumido em dois pontos de vista opostos. Um defende que é necessário preservar da melhor forma os biomas dos quais ainda dispomos, já que sua redução em pouco tempo nos trará perdas ambientais e econômicas. Os defensores da outra visão são de opinião que a área atualmente sob preservação é muito extensa e que sua redução só traria

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vantagens econômicas privatizadas).

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quais

seriam

evidentemente

Enquanto o Brasil ainda se perde neste tipo de discussão, outros países há muito descobriram o valor das florestas em pé – inclusive seu valor econômico. A Alemanha é um bom exemplo de como é possível manter extensas áreas de floresta, sem comprometer a atividade agrícola, o desenvolvimento urbano e a infraestrutura. Cerca de um terço do território alemão é ocupado por florestas e bosques, em um país com uma superfície de 357.000 km²; área equivalente ao estado do Mato Grosso do Sul (que ocupa pouco mais de 4% do território brasileiro). Nesta diminuta área vive uma população de 82 milhões de alemães, comparados aos 192 milhões de brasileiros habitando um território 24 vezes maior. 11,1 milhões de hectares de floresta cobrem a Alemanha. Para se ter uma idéia desta área, basta lembrar que os 6% remanescentes da área original da Mata Atlântica cobrem cerca de nove milhões de hectares. Com esta pouca extensão florestal – comparada aos imensos estoques vegetais que possuímos – a Alemanha desenvolve uma série de atividades econômicas, culturais e serviços ambientais. O Parque Nacional de Müritz, por exemplo, recebe todo ano meio milhão de visitantes. Em 2011, Ano Internacional das Florestas, aconteceram em toda a Alemanha 5.000 eventos em áreas florestais: caminhadas, visitas guiadas, concertos e plantios de árvores. Mas, nem só de cultura e lazer vive a floresta alemã. As matas também são locais de prática de esportes e de atividades econômicas. O setor silvicultor e madeireiro está entre os mais importantes da economia alemã, gerando 1,2 milhões de empregos e um faturamento anual de cerca de 170 bilhões de Euros (cerca de 500 bilhões de reais), bem acima, por exemplo, do faturamento do setor químico brasileiro em 2012 (R$ 320 bilhões). No entanto, segundo a revista “magazin-deutschland” as florestas não são superexploradas; o crescimento é maior que a colheita. Mesmo assim, o segmento das serrarias alemão congrega 46 mil empresas, empregando 350 mil pessoas. A Alemanha é também o maior fabricante de papel e papelão da

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Europa, reunindo 330 empresas que juntas faturam 14 bilhões de euros (cerca de 40 bilhões de reais em julho de 2013). Assim como a Alemanha, existem vários outros exemplos, mostrando que é possível manter uma atividade econômica, forte e diversificada, e ao mesmo tempo conservar a floresta em pé. Limitar a discussão ao dilema entre a floresta e a agropecuária, reflete a falta de informação em relação ao imenso potencial de nossos biomas.

Geração de energia a partir do lixo Já se foi o tempo em que o lixo era só e simplesmente refugo. A crescente escassez de recursos, aliada às necessidades cada vez maiores de materiais de diversos tipos, torna a disposição dos resíduos em aterros sanitários coisa do passado. É necessário que antes de descartar o lixo, a parte reutilizável seja reciclada, e que até os materiais orgânicos, quando possível, sejam compostados e transformados em adubo. A tendência é eliminar cada vez mais as perdas de materiais e reduzir as áreas destinadas para construção de aterros. Os países desenvolvidos já se encontram em estado mais avançado. Nestes, depois da seleção do material reaproveitável para a reciclagem e da parte compostável, uma parte significativa do lixo urbano é incinerada, gerando energia que abastece as residências e as indústrias. Atualmente, segundo reportagem da revista Saneamento Ambiental, 10% a 15% da energia consumida pela França são geradas por 123 incineradores de resíduos domiciliares. O processo não é novo e já existe na Europa há pelo menos 35 anos. No entanto, foi nos últimos quinze anos que a atividade – além de eliminar o lixo – também passou a gerar calor e eletricidade. Uma sociedade com demanda cada vez maior por eletricidade precisa obtê-la de todas as maneiras possíveis – inclusive do lixo. A realidade brasileira ainda é bem diferente. A coleta de lixo ainda não cobre todos os municípios brasileiros e uma quantidade ainda

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menor de cidades possui aterros construídos de acordo com os padrões técnicos ideais. Se, por um lado, sonhamos com uma das maiores economias do mundo, com uma classe média ascendente, por outro ainda temos as piores condições possíveis na gestão de nossos resíduos. Baixíssima taxa de reciclagem; praticamente não existe compostagem do lixo orgânico e a incineração ainda é sonho. É preciso começar a pensar sobre a reutilização e o destino final que queremos dar ao nosso lixo. Há alguns anos, a Secretaria do Meio Ambiente da cidade de São Paulo tentou implantar incineradores para queima do lixo. No entanto, uma significativa parte dos ambientalistas foi contra o projeto, alegando que haveria emissões de dioxinas e furanos. Nesse ínterim, as tecnologias de incineração e de filtragem das emissões foram mais aprimoradas e estão sendo usadas em países com padrões ambientais mais altos do que os nossos. Assim, o argumento das emissões perigosas não deverá ter mais tanta aceitabilidade; neste caso vale o argumento técnico. As perspectivas para vários municípios brasileiros são bastante promissoras, em relação ao uso energético do lixo. As prefeituras, que em sua maioria não tem recursos para destinar à gestão de resíduos, poderiam estabelecer parcerias públicas privadas com grupos privados, que por sua vez supririam a tecnologia e seriam pagos pelos serviços prestados e por parte da energia vendida. Além disso, eliminando grande parte do lixo, não haveria quase a formação de metano, um dos gases de efeito estufa, causador das mudanças climáticas. Com o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) em pleno andamento, com grande número de obras voltadas à infraestrutura, já é hora dos governos e prefeitos começarem efetivamente a pensar em soluções para a questão dos resíduos. O prazo para a implantação definitiva da Lei Nacional de Resíduos Sólidos já está à porta (sabe-se já que não será possível atender a lei até 2014, mas pelo menos um esforço de boa vontade seria válido). Afinal, o Brasil é grande, mas não pode ser transformado em um gigantesco lixão.

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Gestão empresarial e a questão ambiental A gestão empresarial tem como principal objetivo a melhoria constante da atuação da empresa e o aumento da produtividade, através de técnicas de gerenciamento e uso de tecnologias. A administração empresarial incorpora todas as modernas práticas gerenciais e inovações tecnológicas, como ferramentas para uma atuação empresarial responsável, baseada nos parâmetros do desenvolvimento sustentável. Até que chegassem ao moderno conceito da gestão com preocupações socioambientais, as empresas passaram por grandes transformações e tiveram que aprimorar seus sistemas de gerenciamento. Sob ponto vista histórico, são três os principais fatores ou paradigmas a mudarem a gestão empresarial nos últimos 50 anos: 1) o desenvolvimento das tecnologias da informação; 2) a expansão da economia de mercado; e 3) a questão ambiental.

Origens "As possibilidades para o consumidor são imensas. As oportunidades do consumidor atual são praticamente ilimitadas. Não é fácil imaginar um objeto que não se encontre no mercado e, por outro lado, nenhum ser humano pode imaginar e cobiçar tudo o que é oferecido. Hoje pode-se comprar muito mais, porque a indústria barateou quase todos os seus produtos." Ortega y Gasset em A revolução das massas (1929) O primeiro grande marco na melhoria do processo produtivo durante o século XX foi a introdução da linha de montagem em série, nos Estados Unidos, no início da década de 1920. A partir deste período, em poucos anos, a linha de montagem será utilizada em diversos segmentos indústrias, principalmente na indústria de bens de consumo. Esta inovação revolucionou o parque industrial à época, propiciando um enorme aumento de produtividade e, consequentemente, o barateamento dos produtos para o consumidor. Apesar do hiato provocado pelo crash da Bolsa de Nova York em 1929 e pela 2ª Grande Guerra dez anos

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depois, as linhas de produção em série serão introduzidas na maioria dos segmentos industriais de todo o mundo – com maior ou menor sofisticação tecnológica – até o início da década de 1960. Uma das conseqüências da produção em série foi o aumento do número de fabricantes e do número de consumidores.

As tecnologias da informação "O que está acontecendo, por conseguinte, é uma completa reconceptualização do significado da produção e da instituição que, até agora, tem sido encarregada de organizá-la. O resultado é uma complexa mudança para uma companhia de novo estilo de amanhã." Alvin Toffler em A terceira onda (1980) As tecnologias da informação são o resultado prático de teorias científicas elaboradas ao longo dos anos 20 e 30 do século XX (teoria planetária do átomo e modelos matemáticos). De início, utilizada somente em círculos restritos, como a pesquisa e a inteligência militar, a informática passou a ampliar seu campo de aplicação a partir do final da década de 1960. Associada ao processo de produção em série, a incorporação da informática e da automação permitiram à indústria e ao setor de serviços um grande salto tecnológico. O Japão e os chamados tigres asiáticos (Taiwan, Malásia e Singapura) foram os grandes beneficiados com o desenvolvimento e a proliferação destas tecnologias. Estes países partiram de um nível de industrialização muito baixo. Mas, através de medidas de incentivo à industrialização, voltada para a exportação, os tigres asiáticos queimaram etapas, instalando parques industriais modernos, com altos níveis de automatização e informatização. O Japão, que já tinha uma tradição industrial desde o século XIX, reconstruiu inteiramente seu parque industrial após a 2ª Guerra Mundial, e, por dispor de mão-de-obra qualificada, rapidamente passou a desenvolver e fabricar tecnologias da informação. A etapa mais recente do processo de desenvolvimento das tecnologias de informação foi a criação da rede mundial de computadores, a wolrdwide web (www), nos Estados Unidos. Como um dos maiores resultados tecnológicos da Guerra Fria, a rede mundial de computadores representa ao mesmo tempo um desafio e uma oportunidade para as empresas. Desafio, em

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adaptar-se e rapidamente dominar a nova tecnologia. Oportunidade, porque a utilização da comunicação eletrônica agiliza todo o processo de produção e distribuição. E, por ser uma tecnologia nova, seu domínio representa uma vantagem competitiva para as empresas que saibam utilizá-las mais eficientemente, antes de seus concorrentes.

A economia de mercado "Uma poderosa dinâmica está em andamento. A economia está impulsionando nações para a desintegração e simultaneamente regiões para a integração. Acontecimentos e instituições em uma parte do mundo, impulsionam acontecimentos e instituições em outra parte." Lester Thurow em O futuro do capitalismo (1996) Neste quadro de rápido desenvolvimento tecnológico, cabe situar o mais importante acontecimento na política mundial dos últimos 50 anos: a derrocada das economias socialistas ou Queda do Muro de Berlim, levando à expansão das economias de mercado. Convencionou-se chamar este processo de globalização. Sob o aspecto econômico, a globalização passou a significar a predominância do sistema de livre-mercado em todo o mundo. Desaparecidos os regimes socialistas, os países pertencentes ao extinto bloco soviético adotaram sistemas políticos democráticos e economias de livre-mercado. Em poucos anos, entre o final dos anos 1980 e início dos anos 1990, abriram-se novas economias, com milhões de consumidores. Para empresas do Brasil e de vários países em todo o mundo, a globalização representou em seus aspectos econômicos: a) Abertura da economia, tendo como conseqüência uma competição maior pelos mercados, a formação de parcerias estratégicas entre empresas e o desaparecimento daquelas que não se adaptaram à nova situação; b) Redução do papel do Estado em diversos setores da economia, resultando em economia de recursos públicos; e c) Privatização de serviços públicos (como telefonia, energia, transportes, etc.). A abertura da economia e a retirada do Estado de diversos setores propiciaram o surgimento de diversas oportunidades de negócios

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para as empresas privadas. Por outro lado, aumenta a competição, já que, com a abertura da economia e a facilidade das comunicações, as oportunidades são mais divulgadas e ficam abertas também a empresas de outros países.

A questão ambiental "Hoje podemos ao mesmo tempo conceber uma comunidade de destino, no sentido em que todos os humanos estão sujeitos às mesmas ameaças mortais (...) e ao mesmo perigo ecológico da biosfera que se agrava com o efeito estufa, provocado pelo aumento de CO2 na atmosfera, os desmatamentos em larga escala, a esterilização dos oceanos, mares e rios fornecedores de alimentos, as poluições sem conta (...)" Edgar Morin em A cabeça bem-feita (1999) São bastante antigos os impactos das atividades humanas ao meio ambiente. A Grécia e o Líbano, por exemplo, eram regiões com grandes concentrações de coníferas no passado. A corte para construção de embarcações, por armadores gregos e fenícios, dizimou estas florestas quase completamente. Do mesmo modo, existem hipóteses que dão como causa do desaparecimento da civilização maia a devastação da mata tropical em torno das cidades, causando a exaustão dos recursos hídricos. O efeito das atividades humanas sobre o meio ambiente aumentou significativamente a partir do início da Revolução Industrial, no final do século XVIII. Desde este período até os dias atuais, o impacto das atividades industriais, dos grandes aglomerados urbanos e da expansão da agricultura sobre a biosfera só vem aumentando. O alarme sobre o impacto das atividades antrópicas sobre o meio ambiente foi dado a partir da década de 1960, quando diversas publicações passaram a se ocupar do assunto, passando pela reunião do Clube de Roma (final dos anos 60), pela Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente em 1972 e o relatório “Nosso Futuro Comum”, elaborado por uma comissão da ONU em 1987. Em 1985, reunida no Canadá, as maiores empresas do setor químico instituem a estratégia da “atuação responsável” visando reduzir o impacto ambiental das atividades industriais deste setor.

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O aumento da preocupação com o meio ambiente exerceu um grande impacto sobre as atividades empresariais. A partir de meados da década de 1980, a maioria dos países criou leis ambientais ou tornou as existentes mais restritivas, regulando as atividades industriais e comerciais, no que concerne a seus impactos sobre o solo, a água e o ar. Para garantir o cumprimento da legislação, surgiram órgãos ambientais nos diversos níveis governamentais. Paralelamente, houve um aumento exponencial no número de ONGs, que passaram a atuar de maneira crítica em relação às atividades dos governos e das empresas. Para completar este quadro, acrescente-se o aumento da conscientização da população, devido ao surgimento da imprensa especializada e pela maior importância dada ao tema por veículos de comunicação de massa. A maior mudança do posicionamento das empresas em relação à questão ambiental veio a ocorrer a partir da promulgação da chamada “Carta de Roterdã”, em 1991. Elaborada pela Câmara Internacional do Comércio (International Chamber of Commerce), esta carta define os “Princípios do Desenvolvimento Sustentável”. Trata-se de 16 princípios que estabelecem a gestão ambiental como uma das mais altas prioridades das empresas. É evidente que a grande maioria das empresas em todo o mundo ainda não incorporou todos os 16 princípios da carta. Todavia, seu conteúdo serve como base de avaliação das melhorias implantadas até o momento. Ao mesmo tempo, baseados nos princípios da norma de qualidade de processos e serviços ISO 9000, especialistas em todo o mundo contribuíram para criar a norma de qualidade ambiental da série ISO 14000. Esta norma foi introduzida no Brasil em 1996, ano em que foi certificada a primeira empresa, a Bahia Sul, do setor de celulose e papel. No decorrer dos últimos anos, o número de empresas certificadas vem gradativamente aumentando, tendo alcançado cerca de 4.500 certificações até o final de 2012. Especialistas do setor estimam que cerca de outras 300 empresas estejam em processo de preparação para a certificação. A maioria destas empresas é de médio e grande porte, muitas delas multinacionais do setor industrial. A pequena empresa, na maioria dos casos, ainda não dispõe de recursos financeiros, humanos e

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tecnológicos para implantarem um sistema de gerenciamento ambiental (SGA) e obter a certificação na norma ISO 14001. A maneira como as empresas das economias desenvolvidas encaram a redução da poluição ambiental mudou nos últimos vinte anos. Até a década de 1980 o enfoque era dado sobre o tratamento de “final de tubo”, ou seja, atuava-se de maneira corretiva, tratando os efluentes, os resíduos ou as emissões já gerados. Esta ainda é a forma de atuação da maioria das empresas brasileiras. O tratamento, e a correta destinação dos resíduos representam, todavia, um custo adicional para a empresa, além do fato de que resíduos descartados serem matéria-prima e produtos desperdiçados. Surge, neste contexto, o conceito da gestão eco-eficiente, que visa operar uma empresa reduzindo ao máximo o consumo de matérias-primas, insumos e energias, otimizando todo o processo produtivo e reduzindo o impacto ambiental. A eco-eficiência também inclui a utilização de tecnologias menos poluentes ou perigosas (tecnologias limpas) e técnicas operacionais de “prevenção à poluição”. Alguns resultados práticos da gestão ecoeficiente para a empresa são, por exemplo: - Redução dos custos de produção; - Melhoria no planejamento de estoque, da produção e das vendas; - Redução do número de acidentes de trabalho; - Redução dos custos de seguro; - Aprimoramento do sistema de gerenciamento ambiental (SGA); - Melhor relacionamento com os órgãos de controle ambiental; - Melhoria da imagem da empresa perante os consumidores e a comunidade circunvizinha à empresa; - Aumento da cotação das ações da empresa.

Conclusão Em suma, são três os principais fatores que influenciaram a gestão das empresas nos últimos 50 anos: 1) as modernas tecnologias de informação e automação, incorporadas – pelo menos em suas versões básicas – pela maioria dos empresários. 2) a abertura da economia e a livre concorrência, fatores que afetam os empreendedores, principalmente aos que não

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incorporaram técnicas de gestão mais eficientes aos seus negócios. 3) a gestão ambiental, cada vez mais importante em um mercado onde leis ambientais tendem a serem mais rigorosas, os consumidores cada vez mais exigentes e os concorrentes mais eficientes.

Interação e adaptação de espécies Os estudos da ciência concluem, cada vez mais, que a relação entre as espécies vivas é muito maior de que imaginávamos no passado. À medida que os nossos conhecimentos sobre os seres vivos avançam, chegamos cada vez mais à conclusão de que todo o sistema vivo da Terra, aquilo que no passado chamávamos de “natureza”, só consegue se manter devido a uma intensa interdependência entre as diversas espécies. Como exemplo da interação das espécies, citamos o caso de três tipos de urubus, que eram muito comuns na Índia e em outras partes da Ásia: o urubu de bico longo, o de bico estreito e o de cabeça branca. Através de estudos científicos realizados há poucos anos, ficamos sabendo que estas espécies de urubus estavam em rápido processo de extinção, sem que se encontrasse sua causa. Depois de muitas pesquisas, os cientistas descobriram que a morte das aves era provocada por um tipo de antiinflamatório, utilizado nas vacas, de cujos cadáveres os urubus se alimentavam. Nos bovinos e nos seres humanos o medicamento atenua a dor, mas nos urubus causa falência renal. Como conseqüência do rápido desaparecimento das aves, milhares de carcaças de vacas apodreciam ao sol, onde incubavam antraz (doença infecciosa causada por bactérias) e serviam de alimento para cães. Além disso, com a fartura de carne que não era consumida, dada a redução na quantidade de urubus, houve um grande aumento na população de cães selvagens e, com isto, a ameaça de propagação da raiva. Assim, a quase extinção de três espécies de urubus, aumentou a probabilidade de disseminação de epidemias perigosas ao homem. Por ser o resultado de um processo evolutivo que começou há 3,8 bilhões de anos e ainda continua, a vida conseguiu adaptar-se a

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todos os nichos. Nas profundezas dos mares, a nove ou 10 mil metros de profundidade; debaixo de milhares de metros de gelo na Antártida; no fundo do solo, a quatro mil metros abaixo da superfície; em todos os lugares encontram-se seres vivos. A maioria destas espécies é formada por microorganismos, espalhados por todos os ambientes. Recentemente, cientistas descobriram novos tipos de bactérias, sobrevivendo em águas com altíssimos teores de acidez, localizadas perto de fontes termais. A capacidade que bactérias e fungos têm em adaptaremse aos ambientes mais adversos é utilizada em benefício do homem e da proteção do meio ambiente. Pesquisadores desenvolveram técnicas nas quais utilizam fungos para descontaminção de áreas poluídas por gasolina, óleos lubrificantes, corantes e solventes. Da mesma forma, águas contendo metais pesados (cromo, mercúrio, chumbo, etc.), extremamente danosos à saúde, podem ser recuperadas através da cultura de microorganismos ou por acumulação em plantas, que posteriormente são removidas do local contaminado. Outra técnica desenvolvida é a utilização de certas espécies vegetais e animais como “marcadores”, através dos quais os cientistas têm condições de determinar o tipo e a quantidade de poluição que está afetando determinada área ou bioma. A importância de preservarmos espécies ou ecossistemas não está baseada simplesmente no fato de que temos a obrigação ética de preservar a biodiversidade do planeta. Os ecossistemas nos oferecem vários serviços – alimentos, recursos genéticos, controle do clima, preservação da água e do solo, para citar apenas alguns – que não poderemos obter de nenhuma outra maneira.

Investimentos em unidades de conservação A longa e por final intensa discussão sobre a alteração do Código Florestal Brasileiro acabou despertando a atenção da imprensa para outros assuntos relacionados com a floresta. Ainda à época dos últimos debates no Congresso sobre a alteração da lei, foi

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constatado que os índices de desmatamento haviam aumentado repentinamente, enquanto que o número de assassinatos ligados à questão do uso da floresta e da posse da terra na região amazônica vem crescendo. Mais recentemente, um estudo coordenado pelo Centro para o Monitoramento da Conservação Mundial, do Programa da ONU para o Meio Ambiente, concluiu que numa lista de nove países – todos também dispondo de biomas de importância – o Brasil é o que menos investe na proteção de suas florestas. Segundo dados do estudo divulgado recentemente pelo site da BBC Brasil, enquanto o país investe em média R$ 4,43 por cada hectare em suas unidades de conservação, a Argentina gasta R$ 21,37, o México R$ 39,71 e a África do Sul R$ 67,09 – quinze vezes mais. Com relação aos países desenvolvidos a diferença é maior ainda: os Estados Unidos, campeão em desembolsos para suas unidades de conservação, destina R$ 156,12 por hectare (35 vezes mais que o Brasil) e a Nova Zelândia R$ 110,39. Mesmo a Costa Rica, cuja economia é equivalente à do estado de Piauí (cerca de R$ 16 bilhões), investe mais que o Brasil na manutenção de suas áreas de conservação ambiental. Por outro lado, o estudo “Contribuição das unidades de conservação para a economia nacional” – resultado de uma parceria entre o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Ministério do Meio Ambiente – estima que o Brasil possa gerar ao ano R$ 5,77 bilhões com o aproveitamento econômico de suas áreas de conservação. Receitas com produtos florestais (extração controlada de madeira, de castanha-do-pará, frutas e extratos vegetais), fixação de carbono, turismo ecológico, projetos de conservação de recursos hídricos, entre outras atividades, poderiam ser a fonte deste faturamento. Para que isto acontecesse, no entanto, o país teria que alocar aproximadamente R$ 900 milhões anuais nos sistemas de conservação federais e estaduais, além de R$ 1,8 bilhão na infraestrutura de turismo. Além disso, o país teria que criar uma estrutura para gestão deste sistema; o que implicaria na capacitação de pessoal compra de equipamentos e coleta e gestão de dados.

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Estes estudos comentados acima apontam para dois fatos. Se por um lado é bastante incipiente nosso sistema de gestão de unidades de conservação, carecendo de recursos e pessoal qualificado, por outro somos um dos países com o maior potencial de geração de divisas a partir destas unidades – sem destruí-las. Não é por outra razão que países como os Estado Unidos, a África do Sul e a Costa Rica atraem um grande número de turistas com seus parques e florestas, o que contribui para a conservação das áreas, mais geração de postos de trabalho e de receitas. Este é um exemplo de como o Brasil poderá aproveitar sustentavelmente seus recursos naturais. O uso sustentado da floresta (e outros biomas) proporciona um melhor padrão de vida para os habitantes da região, acabando gradualmente com as atividades meramente predatórias, que só trazem benefícios a poucos e destroem o ambiente.

Mais consumo é progresso? Nossa civilização existe há pouco mais de 1.500 anos, nascida das instituições que restaram depois do desaparecimento do império romano, no século V. No plano das idéias, desde o final do século XVIII com os filósofos iluministas e o advento do capitalismo industrial, firmava-se o conceito de que nossa civilização (ou a sociedade européia da época) estava em evolução. Associamos as mudanças que ocorrem – o avanço científico e tecnológico, as mudanças sociais e econômicas – necessariamente a uma melhoria, ao progresso. Esta ideologia foi largamente divulgada pela cultura européia do século XIX, tendo também forte repercussão no Brasil através da filosofia do positivismo – o lema “ordem e progresso” em nossa bandeira reflete esta influência. No século XX, depois da 2ª. Guerra Mundial, o capitalismo avançou sobre todas as regiões do mundo. A linha de produção em massa, que permitia aumentar a oferta e baratear bens e produtos, difundiu-se por todo o globo. Regiões que historicamente não pertenciam à civilização ocidental passaram a

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ser incorporadas a esta comunidade, através das forças econômicas do capitalismo. A possibilidade de consumir uma grande diversidade de produtos industrializados passou a ser sinônimo de progresso. Ainda nessa linha de raciocínio, o nível de industrialização e de negócios realizados no país – o Produto Interno Bruto (PIB) – era a medida da evolução do país. Este tipo de raciocínio avançou tanto ao longo dos últimos quarenta anos, que as instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), passaram a medir a evolução (ou o crescimento) da economia mundial e dos países através do aumento do PIB. Assumia-se tendenciosamente que o aumento da atividade econômica de uma nação significa necessariamente progresso, evolução. Neste raciocínio estava embutido o falso conceito de que assim como a economia de um país crescia, melhoravam as condições de vida de sua população. Utilizava-se o mesmo padrão para comparar duas situações diferentes. De um lado, os países desenvolvidos, que em grande parte já tinham resolvido seus problemas de infraestrutura, educação, saúde, entre outros. De outro, os países pobres e em desenvolvimento, que em sua maioria ainda precisavam encaminhar soluções para todas estas carências. No Brasil atual temos a mesma situação. Progresso, para grande parte da população é associado ao aumento do consumo de bens. Esta ideologia é divulgada e defendida – explicita ou implicitamente em suas mensagens – por empresas e governo. Quando se fala em educação, por exemplo, é sempre para capacitar cidadão a exercer uma função produtiva (engenheiro, técnico de enfermagem ou padeiro) dentro do sistema econômico, a fim de que possa produzir e consumir mais. Da mesma forma é tratada a cultura, geralmente como lazer do cidadão, quando este não está voltado para a produção ou o consumo. A mudança desta situação só acontecerá quando a educação, a cultura, a saúde e outros benefícios que uma sociedade deve oferecer aos seus membros, existirem para o benefício do cidadão, e não como “itens adicionais de um pacote de vantagens para o produtor/consumidor”. Progresso, se esta palavra tiver realmente algum significado, é muito mais do que aumento da produção e do consumo.

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Mais eficiência no uso dos recursos O mercado brasileiro de produtos e tecnologias verdes – aqueles que têm impacto ambiental mais baixo – está aumentando gradualmente. Se, por um lado, a legislação ambiental brasileira, apesar de bastante evoluída em comparação com as de outros países em desenvolvimento, ainda não é respeitada por todas as empresas e instituições, são cada vez maiores os esforços no desenvolvimento de produtos e processos ambientalmente sustentáveis. As diversas iniciativas que se podem observar no mercado demonstram que apesar da inércia de parte da sociedade brasileira, o país caminha para um futuro onde a preocupação com a sustentabilidade será maior. Na área do consumo, por exemplo, está crescendo o número de empresas – em sua maioria multinacionais e brasileiras de grande porte – que estão avaliando os impactos ambientais de seus sistemas produtivos e das mercadorias que colocam no mercado. Redução do uso de matérias primas, água e eletricidade; introdução de insumos menos poluentes ou perigosos para a saúde; diminuição do volume das embalagens, gerando menos resíduos; são temas que estão na agenda de grandes empresas, principalmente do setor de produtos de consumo. Um grande avanço nesta área é a introdução de embalagens feitas de plástico biodegradável ou reciclável, este último fabricado a partir do etanol da cana-de-açúcar. Apesar de ainda dispor de potencial para desenvolvimento de projetos hidrelétricos (sem precisar destruir grandes áreas na Amazônia), há uma grande expansão ocorrendo no setor de geração eólica. Grupos nacionais e internacionais aumentaram seus investimentos nesta área nos últimos dois anos, fazendo com que a energia do vento se torne cada vez mais competitiva. Outro segmento do setor energético que deverá apresentar uma expansão nos próximos anos é o da energia solar. Assim que for aprovada a legislação que permitirá que pequenos geradores também alimentem a rede de distribuição e sejam para isso remunerados, o setor de energia solar fotovoltaica brasileiro deverá atrair um grande número de novas empresas. Isto tudo

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sem falar no imenso potencial de geração de energia a partir de biomassa – a começar pelo bagaço de cana – e outros resíduos agrícolas. O aproveitamento energético dos resíduos da criação de porcos, principalmente na região Sul, também começa a desenvolver projetos de geração de eletricidade a partir do biogás. A área da construção também passa por uma reformulação de suas práticas. A gestão do canteiro de obras, visando um melhor aproveitamento dos materiais e uso de produtos reciclados, já é prática implantada por diversas construtoras. Os projetos de construção – principalmente os mais modernos – têm uma preocupação cada vez maior com o reuso de água, a eficiência energética e o uso de materiais menos tóxicos. Nas grandes capitais começam a surgir os primeiros “prédios verdes”, com certificação internacional. Em diversos setores da economia a preocupação com um melhor uso dos recursos está aumentando. Ainda são iniciativas pontuais, geralmente limitadas a certo segmento de mercado, grupo de empresas ou linhas de produtos. Esta iniciativa representa, no entanto, uma mudança de mentalidade, sinalizando uma tendência para um uso mais eficiente dos recursos naturais no futuro, reduzindo o desperdício ainda em grande parte praticado na economia brasileira.

Meio ambiente, ética e política As sociedades passaram por grandes transformações desde o surgimento da industrialização, no final do século XVIII. O desenvolvimento tecnológico e social, fruto da industrialização, também trouxe consigo uma série de problemas ambientais. O estabelecimento de fábricas nas cidades, fez com que muitas pessoas se deslocassem do campo para a cidade. Este processo ocorreu na Europa do século XIX, no Brasil, principalmente entre os anos 1950 e 1980 e continua a ocorrer atualmente em várias partes do mundo, como na Índia e na China. Por outro lado, o aumento da população urbana e da atividade industrial criou

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problemas de poluição da água, do solo e do ar. Grandes volumes de esgoto, resíduos industriais e urbanos precisavam ser tratados e depositados de maneira correta. A mesma tecnologia que provocou os problemas ambientais também criou as soluções tecnológicas para resolvê-los. Institutos de pesquisa, universidades e empresas desenvolveram equipamentos e processos para tratamento dos esgotos, construção de aterros sanitários, incineradores, filtros de ar, técnicas de descontaminação de solos, produtos químicos para tratamento de água e muitas outras soluções. A variedade de tecnologias aumenta cada vez mais, já que é sempre maior a pressão para que poluidores acabem com sua sujeira e recuperem aquilo que já estragaram no meio ambiente. É o princípio conhecido como “poluidor pagador”, ou seja: aquele que poluir o meio ambiente terá que arcar com os custos para recuperá-lo. Por exemplo: uma empresa não pode tirar água de um rio, utilizá-la para produzir determinado produto, ganhar muito dinheiro com a venda e devolver a água ao rio na forma de esgoto. Não, terá que devolver a água ao rio do jeito que a tirou e pagar pelo uso que fez dela. A água do rio pertence a todos e não pode ser usada (e estragada) só por um. A mesma coisa se aplica àqueles que destroem uma floresta para fazer um loteamento, desviam um rio para irrigar somente a sua terra, poluem o ar que todos respiramos ou espalham seus resíduos pelas ruas da cidade. Todos precisarão “desfazer” o estrago que fizeram. O comportamento destas pessoas é imoral, criminoso. Estão se apoderando de um bem que pertence a todos e auferindo benefícios só para si – ou para seus acionistas, seus diretores, seu sócio, seja quem for. Se uma autoridade pública, que tem a obrigação de zelar pelo bem público (afinal, foi votada para isso), for conivente com a atitude do poluidor, também está sendo imoral. Ou seja, está permitindo que alguns tirem proveito da maioria. Socializar os custos e privatizar os benefícios; é desta maneira que muitos ainda encaram a questão ambiental. As tecnologias para combate da poluição e até para evitar a poluição estão disponíveis no mercado. O poluidor não pode alegar que em exercendo sua atividade, não tenha recursos para reduzir ou acabar com a poluição que gera. Esta é uma atitude

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imoral, antiética. Para combater tal tipo de atitude o cidadão pode exercer seu direito político de protestar e exigir providências das autoridades responsáveis. A questão ambiental não é somente técnica ou econômica, mas primeiramente ética e política.

Natal, consumo e meio ambiente Chegamos ao final do ano e aproxima-se o Natal. É esta a época em que todos consomem mais; compram presentes, renovam os eletrodomésticos da casa, organizam festas com fartura de alimentos e bebidas. Neste ano, o comércio prevê um aumento das vendas, já que há mais dinheiro em circulação, devido ao crescimento da economia. Natal é a festa do consumo, a época em que as pessoas muitas vezes gastam mais do que podem e acabam se endividando, dada a facilidade de crédito. Através da mídia, ocorre um verdadeiro processo de lavagem cerebral, para que todos comprem de tudo, o máximo possível. Papai-Noel, “o bom velhinho”, é uma figura patética, anunciando produtos ao som de música natalina, transformou-se no verdadeiro garotopropaganda de um consumismo irresponsável. Já é uma tradição na sociedade capitalista: no Natal todos devem consumir, cada vez mais, mais do que consumiram no Natal passado (que servirá como base para calcular o aumento das vendas deste ano). O costume, segundo os estudiosos, surgiu nos Estados Unidos depois da 2ª Grande Guerra, durante os chamados “anos dourados” do capitalismo. A economia crescia como nunca e havia pouquíssimos desempregados; a indústria colocava a cada ano novos produtos no mercado e todos tinham recursos para comprar. O impacto do consumo ao meio ambiente era problema desconhecido – triste inocência. Assim o Natal, entre outras coisas, tornou-se mais uma oportunidade para que os que podem (e também os que não podem – para quê existe o crédito?) comprem coisas que não precisam – as milhares de bugigangas que a sociedade de consumo nos oferece, depois de nos convencer que precisamos delas.

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A famosa pergunta de Machado de Assis em seu Soneto de Natal "Mudaria o Natal ou mudei eu?", escrito em 1901, é mais atual do que nunca. Quem ainda se lembra da época do Advento, os quatro domingos que antecedem o Natal? Quantos ainda freqüentam a Missa do Galo, celebrada à meia-noite do dia 24 de dezembro, quando, segundo antiga tradição, nasceu Jesus de Nazaré? Os valores e os costumes mudam em todas as sociedades. Assim foi durante toda a história humana e também será no futuro, já que somos seres culturais, que vivem e se comunicam através de símbolos criados na cultura. Todavia, novos tempos requerem novas preocupações. Precisamos nos dar conta de que nossa civilização capitalista, mais especificamente a parte dela que celebra o Natal, não é mais a mesma de duzentos, cem ou cinqüenta anos atrás. Cresceu a população, aumentou o consumo, escasseiam os recursos naturais, tudo em ritmo acelerado, cada vez mais rápido. O aquecimento do planeta, provocado pela emissão de gases de efeito estufa – um dos subprodutos do nosso sistema econômico – está provocando o desaparecimento de muitas espécies e alterando o clima e a geografia do mundo. A grande contradição da celebração do Natal na sociedade de consumo é que o homenageado em nada parecia incentivar o excesso de apego aos bens materiais – o consumo – como vemos hoje. A continuarmos neste ritmo, principalmente nos países desenvolvidos, nossos natais serão celebrados em condições climáticas e ambientais cada vez mais adversas. O Natal continua sendo uma boa oportunidade para pensarmos sobre o que estamos fazendo com nossas vidas, com nosso planeta.

Normas e padrões de qualidade As normas de procedimento ou de padrões de qualidade já existem há muitas décadas. A crescente complexidade das atividades industriais e comerciais, aliada às exigências cada vez maiores com relação à qualidade, prazos e custos, fez com que se

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criassem normas técnicas para avaliar serviços, produtos e processos nas organizações em geral. A questão da normatização da gestão empresarial teve uma evolução crescente. Na década de 1980 a novidade era a gestão da qualidade de produtos e serviços, padronizados pelas normas da série ISO 9000. Já na década de 1990 foi a vez da gestão ambiental ganhar gradativamente importância, amparada pelas normas da série 14.000. Nos últimos dez anos a questão da responsabilidade social adquiriu importância crescente. O princípio básico por trás deste desenvolvimento é a idéia de que as organizações começaram a se preocupar com seus produtos e serviços (9000), passando pelos impactos de suas atividades no meio ambiente (14000), para finalmente focar também as questões sociais, que direta ou indiretamente influem nas atividades do empreendimento. A organização, adotando os corretos procedimentos e alcançando determinados padrões de qualidade comprovados por uma auditoria, recebe um certificado atestando que cumpre suas metas preestabelecidas. De desenvolvimento mais recente que as demais, as normas de responsabilidade social são bastante diversificadas, cada uma com um determinado enfoque. A SA 8000, por exemplo, é uma ferramenta normativa que estabelece padrões para as relações de trabalho, preocupando-se com temas como a mão-de-obra infantil e escrava; as condições de higiene e segurança; a discriminação; a duração da atividade e a remuneração. Já a norma NBR 16001 tem validade apenas no Brasil e permite à organização a implementação de uma política preocupada com as questões da cidadania, da transparência, e do atendimento à legislação trabalhista, entre outros aspectos. A mais recente norma internacional de responsabilidade social é a ISO 26000, desenvolvida com a participação de diversas organizações públicas, privadas e do terceiro setor de vários países. A ISO 26000 é uma norma de desempenho e não prevê uma certificação no mesmo formato das outras. Em relação às demais, sua abrangência é bem mais ampla e representa uma verdadeira mudança de mentalidade nas organizações. Alguns tópicos tratados por esta norma referem-se a temas como os dos direitos humanos (direitos políticos, econômicos e civis); das

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práticas de trabalho (condições de trabalho e proteção social); do meio ambiente (proteção dos recursos); das práticas leais de operação (concorrência leal, práticas anticorrupção); questões de consumo (marketing honesto, qualidade dos produtos); do envolvimento comunitário (preocupação com a sociedade) e da governança organizacional (a incorporação destas práticas à gestão da empresa). A adoção de normas de qualidade, meio ambiente e, principalmente, de responsabilidade social, é cada vez mais importante para as empresas e para a sociedade. Uma empresa que se compromete a seguir determinados padrões nestas áreas está contribuindo - na medida de seus esforços - para tornar a sociedade mais justa e humana. Quanto mais as empresas e organizações se esforçarem por alcançar padrões de operação elevados, tanto melhor a qualidade de vida nas sociedades.

O impacto imprevisível das mudanças climáticas Uma parte da luz do Sol fica retida na atmosfera da Terra na forma de calor, possibilitando uma temperatura média anual de 14,5º C em todo o globo. Se este calor escapasse totalmente para o espaço, a temperatura média da superfície terrestre seria muito mais baixa, o que teria dificultado o aparecimento da vida. Em toda a história da Terra a atmosfera sempre conteve gases e cinzas, resultado da atividade vulcânica, da evaporação da água, dos incêndios florestais e do apodrecimento da matéria orgânica. A existência dos gases de efeito estufa na atmosfera não é, portanto, uma novidade. Quando mais concentrados, a temperatura do planeta aumenta; quando em menor concentração a Terra esfria. Ao longo de seus 4,5 bilhões de anos de existência o planeta passou por temporadas mais quentes e outras mais frias. Estas variações de temperatura, associadas a outros fatores como as mudanças climáticas e o vulcanismo, contribuíram para o surgimento e desaparecimento de seres vivos. A variação da

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temperatura média da Terra e sua conseqüência imediata, a mudança do clima, foram importantes fatores de destruição e criação de vida e paisagens. A espécie humana surgiu há aproximadamente 150 mil anos e já atravessou vários períodos de mudança da temperatura da Terra. A última fase mais fria – a última Era Glacial – terminou há 12 mil anos. A partir daí, em parte por influência do clima, a humanidade passou por um grande número de mudanças: criação da agricultura, da religião, do Estado, da escrita e tecnologia; do machado de pedra polida ao chip de computador foi um longo caminho para o homem, mas apenas um piscar de olhos na história da vida. Hoje vivemos em uma sociedade tecnicamente sofisticada, segura e autosuficiente, aparentemente afastada da natureza e de suas intempéries. As necessidades humanas básicas de abrigo e alimentação – pelo menos nas sociedades mais justas – são atendidas por uma complexa estrutura econômica de produção e distribuição. Nossa civilização subsiste completamente alheia ao mundo natural; como se a atividade agropecuária e industrial, a mineração e a exploração dos recursos hídricos nada tivessem a ver com a natureza. A grande descoberta da década de 1980 é que com nossas atividades econômicas estamos influindo no clima da Terra. A queima de combustíveis fósseis – na forma de petróleo, carvão mineral e gás natural – em processos industriais, geração de energia e para o transporte, vem gerando gases que estão se acumulando na atmosfera. Uma das conseqüências desta concentração de gases é que uma quantidade cada vez maior de calor da luz solar – os raios infravermelhos – está saturando a atmosfera, aumentando sua temperatura. As conseqüências exatas de tal aumento da temperatura ainda não estão claras para a ciência. Em termos gerais, no entanto, já sabemos que a com a atmosfera mais quente aumenta a temperatura dos oceanos e cresce o aparecimento de furacões, tufões e todo tipo de tempestade. Pode mudar a direção corrente dos ventos e, como conseqüência, a localização das nuvens. Com isso mudam os regimes de chuva, influindo na quantidade e tipos

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de colheitas, no nível dos reservatórios. As conseqüências para a agricultura, geração de energia, incidências de catástrofes climáticas, entre outros aspectos, são imensas e ainda imprevisíveis.

O peixe não morre só pela boca O Brasil possui aproximadamente 8.000 quilômetros de praias, costões, enseadas e restingas, bastante propícios à atividade pesqueira. Pelo menos era assim até a algumas décadas. Atualmente, o que se percebe é que a quantidade de peixes vem diminuindo. A sobrepesca, ou seja, a captura em excesso de peixes e outras espécies marinhas, tem se tornado prática constante em nosso litoral e alto mar. Se, por um lado, existe pouco controle sobre a atividade pesqueira costeira, a fiscalização da atividade em alto mar é ainda menor. Não sabemos quantos barcos e de que nacionalidades estão pescando neste momento em águas territoriais brasileiras, a 50 ou 100 quilômetros do litoral. De acordo com relatório elaborado pela ONG Greenpeace Brasil, cerca de 80% das espécies economicamente exploradas no país estão correndo risco devido ao excesso de pesca. Os problemas que afetam os ecossistemas marinhos são vários. Ainda é comum a pesca com redes de malhas finas (redes de arrasto), o que faz com que também os filhotes de peixes sejam capturados e mortos, além de destruir outras espécies sem valor comercial, mas importantes para a cadeia de alimentação da vida marinha. Outro fato que ainda ocorre é a pesca na época do defeso, período da desova de certas espécies de peixes, o que provoca a morte das fêmeas e a conseqüente diminuição das espécies. Os grandes aglomerados urbanos situados à beira-mar – cidades e balneários – também contribuem para a destruição dos ecossistemas marinhos, com o lançamento de lixo, esgoto e efluentes industriais nas águas dos oceanos. O problema, todavia, não afeta só o Brasil. A quantidade de pescado em todo o mundo vem caindo a cada ano. Segundo especialistas, cerca de 75% da população de peixes de todo o

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mundo está ameaçada devido à sobrepesca, já que a exploração pesqueira é quatro vezes superior ao aceitável. Apesar disso, a indústria pesqueira de todo o mundo continua a receber grandes financiamentos dos governos, para compra de barcos e equipamentos. As frotas pesqueiras estão cada vez melhor aparelhadas, dispondo de instrumentação eletrônica capaz de localizar cardumes de peixes a dezenas de quilômetros de distância. No Brasil, o que falta ao setor da pesca é o efetivo envolvimento do governo, através do Ministério da Pesca e da Aqüicultura, propiciando informação e capacitação aos profissionais, além de mostrar-lhes outras fontes de renda possíveis nos períodos em que a atividade deve ser suspensa. O pescador, desde que conscientizado, é um grande aliado na preservação do ambiente marinho, de onde tira seu sustento. Os temas da proteção aos oceanos e da sobrepesca foi pouco discutido durante a Rio+20, em junho de 2012. No entanto, como dizem os cientistas e as ONGs envolvidas com o assunto, é preciso ampliar urgentemente as áreas de proteção nos oceanos. Em águas internacionais quase tudo é possível; a cada ano são milhares os containers com todo tipo de produto - tóxico ou não jogados dos navios ao mar. O processo de acumulação deste lixo jogado ao oceano pode, além de outros impactos, provocar mudanças genéticas imprevisíveis nos peixes e outros organismos marinhos dos quais nos alimentamos.

O que é resíduo De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, o conceito de resíduo tem um significado de “resto, remanescente, restante; aquilo que subsiste de coisa desaparecida” (Prado Silva et al., 1982, p. 1.502). Além disso, a ciência tem sua concepção particular de resíduo; aquilo que em uma operação, estudo ou processamento faz parte, resulta ou surge no ambiente manipulado, mas não tem utilidade para a atividade em andamento. Segundo a ABNT – Associação Brasileira de Normas

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Técnicas, resíduo é: “Material desprovido de utilidade pelo seu possuidor. (sic) (Normas Brasileiras Registradas – NBR 12.980, 1993, item 3.84, p. 5)” (apud Calderoni, 1998, p. 50). Para as sociedades humanas, no sentido prático, resíduo é aquilo que não serve mais, a sobra material de alguma atividade e que não tem utilidade. Assim, para os homens de Neanderthal, espécie de hominídeos que viveram na Ásia e na Europa há 200 mil anos, o resíduo poderia ser um osso de rena, que uma vez descarnado e retirado o tutano não teria mais nenhuma função. Já os indivíduos da espécie Cro Magnon, que vindos da África passaram a dominar a Ásia e a Europa há 50 mil anos passados (e dos quais somos os descendentes diretos), utilizavam o mesmo osso de rena também como ponta de flecha, material para fazer pequenas esculturas ou para fazer agulhas. Da mesma forma, existiram sociedades com longa tradição agrícola, como a do antigo Egito, que já haviam percebido que os restos orgânicos usualmente descartados poderiam ser empregados na manutenção da fertilidade do solo. No início do século XX, o escritor Monteiro Lobato protestava contra o antigo costume em nossa agricultura de cortar a vegetação e queimá-la (ao invés de mantê-la como adubo para o solo), para então iniciar o plantio. O costume foi provavelmente herdado dos índios tupi guarani, que chamavam tal prática de coivara, mas que executada por eles tinha impacto bem menor sobre o ambiente. Comparativamente os chineses, que vêem lutando há milhares de anos com solos desgastados pelas infindáveis colheitas, adubavam suas lavouras com todo tipo de resíduo orgânico disponível, incluindo aqueles gerados pelos aldeões e seus animais. O que se quer demonstrar com esta comparação é que o conceito de resíduo é relativo. Escreve Sabetai Calderoni em Os bilhões perdidos no lixo: “O conceito de lixo e de resíduos pode variar conforme a época e o lugar. Depende de fatores jurídicos, econômicos, ambientais sociais e tecnológicos” (Calderoni, 1998, p. 49). O tempo ou as fases de utilização de um produto, artefato, material ou sobra de qualquer processo é mais longo ou mais curto, de acordo com o grau de conhecimento de uma cultura ou

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civilização. Esta constatação não se limita, no entanto, somente do grau de desenvolvimento tecnológico. Um pobre agricultor vietnamita, por exemplo, pode conhecer maneiras de se utilizar de resíduos para manter a fertilidade terra, que são completamente desconhecidas de um grande plantador de soja do Cerrado brasileiro (a sociedade da qual este fazendeiro do Cerrado faz parte talvez dominasse técnicas parecidas no passado, agora esquecidas). Um exemplo famoso na arqueologia brasileira é o da “terra preta de índio”. Trata-se de um solo escuro, encontrado na região amazônica, dispondo de altos teores de material orgânico e elementos como cálcio, magnésio, manganês, que o tornam bastante fértil. Este tipo de terra foi gerado por antigos assentamentos indígenas, que já dominavam técnicas de utilização de resíduos para adubação do solo. Outro exemplo é mais simples, mas também significativo: os restos de muitos tipos de frutas, que comumente se jogam no lixo nas cozinhas urbanas modernas, são usados como ingredientes para compotas e marmeladas, preparadas pelas experientes cozinheiras. Desta forma, “resíduo” é o adjetivo que se dá a algo que sobra ao longo de um processo, do qual geralmente não conhecemos (ou não nos interessa) o início e o fim. Observamos que se o adjetivamos como “resíduo” as chances de que o utilizemos para qualquer outra coisa são menores, do que quando falamos em “resíduo” como um substantivo. Vejamos o exemplo de uma caixa de papelão, na qual veio acondicionado um produto qualquer que compramos. Para nós a caixa é somente um veículo de transporte, uma proteção da mercadoria ou uma maneira de identificá-la. Depois de desempenhar esta função – a única que conhecemos ou que nos interessa no caso – a caixa perde completamente sua utilidade. Se, eventualmente, não tivermos para ela nenhuma utilidade secundária, será jogada fora junto com o restante do lixo. Não nos preocupamos em saber a origem da caixa e de seu material, que envolveu o plantio de árvores – provavelmente eucaliptos – em terras originariamente ocupadas por florestas nativas, com grande diversidade biológica. Ignoramos o corte da madeira, seu transporte e as emissões de gases dos motores dos tratores e caminhões que fizeram tal trabalho. Desconhecemos, igualmente, todo o impacto do processo físico e químico de transformação da madeira em polpa de celulose e depois em

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papelão; o consumo de grandes volumes de água, energia e produtos químicos, a geração de resíduos e de efluentes e – mais importante – a destinação que estes recebem. Ao final, temos a transformação do papelão em uma caixa sob medida para aquele produto a ser distribuído e vendido. Todo este longo processo de fabricação, de forte impacto ao meio ambiente, nós desconhecemos ou esquecemos. Fixamo-nos somente naquela caixa de papelão, que parece vir do nada e a ele retornar – com uma pequena ajuda do caminhão da coleta de lixo. O resíduo é assim resto, sobra sem utilidade, porque temos uma maneira limitada de enxergar as nossas atividades e seu impacto sobre a natureza. Em nosso “mágico” sistema de produção, cujos princípios também projetamos em nossas relações diárias com as coisas que usamos e consumimos; as mercadorias e os produtos, tudo simplesmente “aparece”. Depois de usado, ou seja, perder sua utilidade, as coisas “desaparecem” no lixo. Finalizamos este parágrafo com as palavras de Calderoni: “Na linguagem corrente, o termo resíduo é tido praticamente como sinônimo de lixo. Lixo é todo material inútil. Designa todo material descartado, posto em lugar público. Lixo é tudo aquilo que “se joga fora”. É o objeto ou a substância que se considera inútil ou cuja existência em dado meio é tida como nociva.” (Calderoni, 1998, p. 49). Na natureza todas as espécies produzem resíduos durante seu período de vida, quase sempre dejetos. Este material é incorporado ao meio ambiente através da transformação destes resíduos em alimento, ou seja, energia para outras espécies situadas em diferentes níveis da cadeia alimentar do bioma. Segundo Odum e Barrett: “A transferência de energia ao longo da cadeia alimentar de um ecossistema é chamada de fluxo de energia, porque, de acordo com a lei da entropia, as transformações da energia são “unidirecionais”, em contraste com o comportamento cíclico da matéria” (Odum, Barrett, 2008). Vale aqui aquela máxima de Lavoisier, cientista francês do século XVIII: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Neste aspecto observa-se que as culturas mais adaptadas ao seu ambiente – aquelas que conseguem conviver da melhor maneira possível com o meio no qual estão inseridas e não

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necessariamente as tecnologicamente mais avançadas – são aquelas que souberam utilizar ao máximo os recursos de que dispõem, gerando uma quantidade mínima possível de resíduos. Diferentemente, o contemporâneo sistema de produção, que tem sua manutenção baseada em padrões de consumo cumulativos, gera volumes imensos de resíduos – em última instância, recursos desperdiçados – tanto ao longo do processo de produção, quanto no consumo e na fase de pós consumo. Grande parte dos promotores deste sistema mantém a mesma visão míope que temos da caixa de papelão: o que vem antes da produção ou depois do consumo do produto não interessa, não existe. É o “milagre” da moderna tecnologia: as coisas “aparecem” e “desaparecem” sem deixar qualquer rastro; aparentemente sem causar qualquer impacto no meio ambiente – é o que muitos ainda pensam ou querem fazer pensar até hoje. Bibliografia Calderoni, Sabetai. Os bilhões perdidos no lixo. São Paulo. Humanitas Publicações: 1998, 343 p. Odum, Eugene P.; Barrett, Gary W. Fundamentos de Ecologia. São Paulo. Editora Cengage Learning:2008, 612 p.

Os índios e nós, os selvagens! No Brasil existe uma longa tradição de tirar vantagens dos índios. Quando os portugueses por aqui chegaram, a população indígena, segundo alguns cálculos, deveria ser de cinco milhões de pessoas. No entanto a escravidão, as doenças contra as quais os índios não tinham anticorpos (gripes, varíola, etc.), e o sistemático assassinato de tribos que se opunham à dominação européia, acabou reduzindo esta população. Durante todo o período colonial e imperial principalmente, foram grandes as barbaridades praticadas contra a população indígena, sempre com o objetivo de se apoderar de seu território.

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Muitos latifúndios ainda hoje existentes ou outros que deram origem a grandes fortunas foram construídos com o sangue e a vida de milhares de indígenas. As memórias destas atrocidades estão esquecidas, enterradas com suas vítimas. A história acabou sendo escrita para e por aqueles que venceram. Diga-se, a bem da verdade, no entanto, que este tipo de tratamento dos povos indígenas não é absolutamente exclusividade da sociedade brasileira; do Canadá à Argentina estes povos foram exterminados para dar lugar ao branco agricultor, pecuarista, garimpeiro e colonizador. Na década de 1960 e 1970 a expansão da fronteira agrícola, a exploração de minerais e a construção de estradas contribuíram para diminuir mais ainda a população silvícola, que no início da década de 1980 havia caído para apenas 280 mil indivíduos. Com a introdução, em passado recente, de políticas de proteção ao índio e da criação de reservas por todo o país – com maior concentração da região Norte – o número de nascimentos aumentou e a população indígena vem lentamente se recuperando; atualmente em torno dos 370 mil indivíduos. Todavia, a situação dos povos indígenas ainda está longe de ser fácil. Limitados a suas reservas, as tribos indígenas são constantemente alvos de curiosos, missionários e todo tipo de intrusos, que tentam tirar algum proveito destes povos. As florestas de suas reservas continuam sendo exploradas por madeireiras, os solos destruídos por garimpeiros e muitas áreas ainda são incorporadas por fazendeiros. Fontes de água situadas foras dos limites das reservas são poluídas por excesso de agrotóxicos, utilizados nas plantações do entorno. A pesca tornase cada vez mais reduzida, já que o nível da água dos rios ficou mais baixo com o assoreamento, causado pela erosão devida ao desmatamento. A grande variedade de espécies de peixes vai desaparecendo junto com a destruição dos ecossistemas aquáticos pelos agrotóxicos, carregados pela chuva, das plantações para os rios. Com orçamento limitado, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e ONGs como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e o Instituto Sociambiental (ISA), entre outros, procuram apoiar e orientar os povos indígenas em sua luta pela sobrevivência.

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Mesmo assim, muitas tribos sofrem com a falta de território (a área de sobrevivência de que dispõem não é suficiente para plantar, caçar e pescar); não dispõem de assistência médica regular, principalmente para as crianças; e estão perdendo sua cultura: ocorrem vários suicídios entre jovens índios, por causa da perda dos seus valores ancestrais. Enquanto culturas indígenas que levaram milhares de anos para se formar desaparecem definitivamente, ficamos nós preocupados com a próxima reunião do Copom. E ainda nos consideramos civilizados!

Perguntando sobre a sustentabilidade Não sei aonde, li que existem mais de 30 definições de sustentabilidade. Pesquisando e falando com as pessoas, notei que as opiniões sobre o tema estão mais ou menos divididas por grupos, todos com diferentes matizes ideológicos. O diretor da empresa multinacional tem lá a sua própria idéia do que seja a sustentabilidade. Esta, no entanto, é diferente da visão do ambientalista gestor de projetos ambientais, financiados por grandes instituições internacionais. Também diversa é a posição do pequeno empresário, às voltas com a concorrência dos produtos importados e a alta carga tributária. Outra percepção ainda é a do prefeito da cidade do interior, empenhado em atrair investimentos para seu pequeno município, a fim de gerar empregos. Nenhum dos profissionais citados acima discordará que sustentabilidade é “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”, conforme define o Relatório Brundtland, publicado pela ONU em 1987. Todavia, a seu modo, cada um julgará mais importante este ou aquele aspecto, necessário para alcançar aquilo que entende como sendo o desenvolvimento sustentado. Todos provavelmente concordarão com o modelo mental dominante do que vem a ser a sustentabilidade: a triple bottom line; algo como “tripla base”,

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representando a atenção aos aspectos econômicos, ambientais e sociais nas atividades econômicas. Como consequência desta linha de pensamento temos que se todos cuidarem destes três fatores – os aspectos econômicos, ambientais e sociais – em suas empresas, ONGs, governos, etc., as sociedades se tornariam sustentáveis; o todo seria só a soma das partes. O raciocínio, porém, é simplista e esquece uma infinidade de interações que existem na sociedade e que estão fora da jurisdição da ONG, da empresa ou do governo. A consequência desta visão, se fosse possível, é de um mundo formado por enclaves sustentáveis – empresas, projetos de atuação de ONGs e as administrações públicas, entre outros – cercados por um meio social, ambiental e econômico desordenado. A questão que se coloca é como a empresa, a ONG, a administração pública ou qualquer outra entidade podem ter certeza de que tudo que está sob sua influência e controle é sustentável. Ao que parece, em relação à sustentabilidade, acabamos nos iludindo com palavras. O próprio enunciado que se tornou clássico “...desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes...” é inconsistente e sujeito a interpretações díspares. Quais “necessidades presentes” devem ser consideradas? Aquelas da família americana e européia ou da africana, chinesa e indiana? Daqueles que dispõem de acesso a todos os benefícios de uma sociedade afluente ou dos que passam necessidades? No entanto, admitamos que fosse possível caminhar para um tipo de associação humana onde estas contradições fossem resolvidas e todos tivessem o suficiente para viver e se desenvolver, de acordo com suas capacidades. Esta sociedade teria que garantir educação, saúde, alimentação e moradia para todos os seus membros, seja através do apoio do Estado ou das forças do mercado – só assim seriam asseguradas as mesmas chances de crescimento a todos. A partir desta base, a pergunta seguinte é se haveriam recursos suficientes na Terra – alimentos, água, terra, minérios, energia – para que toda humanidade pudesse manter este elevado padrão de vida. Se isto fosse possível, qual seria a duração desta sociedade, antes que os recursos começassem a minguar e surgissem os primeiros conflitos? Como seria possível existir uma sociedade que, utilizando indefinidamente os recursos

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naturais, não comprometesse “a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”? Ainda não temos resposta para estas perguntas. Alguns autores, assim como eu, não vendo luz no fim do túnel, dizem que é bastante provável que o conceito de sustentabilidade mudará ao longo do tempo. Mas isto é o mesmo que dizer que não temos respostas conclusivas.

Perspectivas para uma economia ecológica Introdução A questão ambiental é um dos temas mais presentes na mídia contemporânea, ocupando lugar de destaque no noticiário diário, ao lado dos assuntos de economia e política. O tema está no imaginário de grande parte da população mundial; tornou-se importante e deixou de ser assunto de exclusivo interesse de ambientalistas radicais. Mudaram-se os tempos e aumentou a conscientização em relação à destruição da biosfera. Entre os especialistas e estudiosos do assunto, vai ganhando força a convicção de que a poluição e as catástrofes ambientais não podem mais ser reduzidas a simples acidentes de percurso, reparáveis com uso de uma tecnologia mais eficiente. Assim, definitivamente se tornou claro – pelo menos para grande parte dos formadores de opinião – de que a humanidade enfrenta uma forte crise, resultado do impacto de suas atividades econômicas, através da excessiva exploração dos recursos naturais e da destruição da biodiversidade. Mas, se existe o conhecimento da crise e de seus efeitos – pelo menos no que se refere aos seus aspectos mais perceptíveis –, ainda não existe uma opinião majoritária sobre como enfrentar o problema. Devido à complexidade da questão ambiental, envolvendo aspectos econômicos, sociais, tecnológicos, culturais, biológicos e vários outros, não há uma solução única. Há necessidade de se promover uma gradual mudança em

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paradigmas científicos e culturais; rever políticas e substituir tecnologias; atualizar técnicas e mudar costumes. Interesses e privilégios terão que ser contrariados e abolidos, apesar da resistência e de eventuais conflitos. Acima de tudo, o mais importante paradigma a ser mudado é o da atuação econômica. Agimos como se vivêssemos em um mundo à parte, sem relação com a natureza. Esta, para a maioria das pessoas, está longe; nas florestas, nas montanhas ou nas remotas regiões desérticas, e pouco tem a ver com o que produzimos ou consumimos. Este o principal tema deste artigo científico: a relação do homem com a natureza sob o aspecto econômico. Pretendemos chamar a atenção sobre a caducidade de certos aspectos da economia como está sendo praticada e apontar para a necessidade de uma gradual, mas premente introdução de um novo paradigma na teoria econômica: a economia ecológica.

A economia convencional: o exemplo do Plano B 4.0 O mundo enfrenta uma grande crise ambiental. Os indícios são os mais variados, apresentados por diversas instituições mundiais. Para descrever alguns destes aspectos de forma abalizada, tomamos como base o trabalho de um dos mais respeitados economistas e ambientalistas do mundo, Lester Brown. Este apresentou em 2009 um documento intitulado Plan B 4.0 – Mobilizing to Save Civilization (Plano B 4.0 – Mobilizando para salvar a civilização). Em suas mais de 350 páginas o relatório apresenta alguns dos principais desafios ambientais que a humanidade já enfrenta e que se tornarão cada vez mais prementes. O plano tem quatro propostas principais: 1) reduzir as emissões de carbono em até 80% até 2020; 2) estabilizar a população mundial em oito bilhões ou menos; 3) erradicar a pobreza; e 4) restaurar os sistemas naturais da Terra, incluindo solos, aqüíferos, florestas, savanas e estoques de peixes. Para elaborar este plano, o autor se baseou em várias informações que colheu ao longo dos últimos anos e que nos dão um quadro do quanto a atividade econômica vem erodindo os recursos naturais do planeta. Analisando os impactos setorialmente, o estudo apresenta um quadro dos maiores e

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principais problemas ambientais em todo o mundo, indicando um colapso em áreas como a da manutenção de solo, da água, das emissões atmosféricas, da gestão dos resíduos, entre outros. Relataremos abaixo, em tradução livre, apenas alguns dos principais casos; muitos deles não divulgados pela grande imprensa: - Abastecimento de água para consumo humano e para a agricultura: a China tem grandes problemas com relação ao abastecimento de água para sua agricultura. Um estudo do Banco Mundial indica que o país está extraindo água do subsolo a um ritmo muito rápido, impossibilitando sua reposição natural. Com isso, haverá uma redução na produção de grãos nos próximos anos, diminuindo o fornecimento de alimentos para 130 milhões de pessoas. Na Índia a escassez de água é mais séria ainda, onde 100 milhões de camponeses furaram 21 milhões de poços, com investimentos de 12 bilhões de dólares. No entanto, com o rebaixamento do lençol freático, grande parte destes poços está seca, provocando desespero entre os agricultores. A situação da queda do nível do lençol freático afeta várias regiões em todo o mundo, comprometendo o abastecimento da população e as atividades econômicas. Outros países com problemas de disponibilidade de água, devido à superexploração, são: Estados Unidos (região do aqüífero Oglala, nas Grandes Planícies), Paquistão e o México – além das regiões já conhecidas. Afora isso, são previstas guerras localizadas por todo o mundo: Ruanda, Nigéria, Sudão, Etiópia, são locais onde já ocorrem e em breve deverão se aprofundar os conflitos pela água. - Grandes massas de refugiados ambientais: a civilização humana, diz Brown, está sendo esmagada entre desertos que avançam e mares que estão subindo. O avanço dos desertos sobre áreas antes agricultáveis e das águas sobre regiões antes habitadas, aliados à escassez de recursos hídricos, poderá provocar a migração de milhões de pessoas para outras regiões. Uma conferência sobre desertificação organizada pela ONU em 2006, concluiu que até 2020 cerca de 60 milhões deverão migrar da região Subsahariana para o norte da África e Europa.

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A situação dos refugiados se repete no nordeste da Índia e no México, onde milhões de pessoas não encontram condições de trabalho, devido à falta de água. - As mudanças climáticas: é fato que a temperatura média da Terra está se elevando, devido ao efeito estufa, provocado por um maior acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, principalmente o dióxido de carbono (CO²) com 63%; o metano (CH4) com 18% e o óxido nitroso (NOx) com 6%. O relatório de Brown aponta para um rápido aumento do metano na atmosfera (que tem um efeito potencializador 21 vezes superior ao CO²), devido ao aquecimento do permafrost (solo congelado) em vastas extensões de terra no norte do Canadá e na Sibéria. O efeito do aquecimento global já se faz sentir na prática, quando verões quentes e secos provocam incêndios e mortes na Europa e em outras partes do mundo. Segundo dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climática (IPCC), os 25 anos mais quentes sobre os quais temos registros ocorreram desde 1980; os dez anos mais quentes – com registros colhidos desde 1880 – aconteceram a partir de 1996. - Derretimento das geleiras e aumento do nível dos mares: registros provam que as temperaturas médias de inverno na região ártica, incluindo o norte do Canadá, da Rússia e do Alaska, têm aumentado 3 a 4 graus Celsius durante os últimos 50 anos. Com falta de espaço para viver – com o derretimento do gelo – cerca de dois terços da população de ursos polares poderá ter desaparecido até 2050. Em seu relatório, Lester Brown ainda aponta vários outros problemas que estão ocorrendo e a acontecer, devido às condições climáticas adversas e ao esgotamento dos recursos naturais. Todos estes fatos terão um impacto negativo sobre as sociedades humanas e nos forçarão a mudar completamente o nosso modo de vida e o funcionamento de nossas economias. Para reduzir o impacto destes cataclismos, tentando gradualmente restabelecer condições climáticas e ambientais em geral mais favoráveis, Brown aponta saídas tecnológicas, algumas delas já em parte sendo implantadas, como: - reduzir consumo de eletricidade através da substituição de lâmpadas incandescentes por fluorescentes e por diodos LED;

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- uso de tecnologia energeticamente mais eficiente em eletrodomésticos, eletroeletrônicos, no setor de construção, nas indústrias, nos transportes e diversas outras áreas. O potencial de redução de consumo é grande e precisa ser aproveitado; - redução, reuso e reciclagem de matérias e redução de resíduos destinados aos aterros. Reduzindo o uso de materiais, economizamos no processo e no espaço físico; - uso de energias renováveis, como biocombustíveis, energia de biomassa, energia eólica e solar. Mesmo não suprindo toda a demanda, estes combustíveis reduzem emissões de gases. Todavia, fica em aberto a pergunta se mesmo com estas providências será possível enfrentar as mudanças climáticas e a questão do esgotamento dos recursos naturais. Por outras publicações lançadas pelo autor, sabemos que Lester Brown é um advogado da limitação do crescimento desordenado, como já preconizado pelo Clube de Roma. No entanto, é sabido que a lógica do capitalismo requer a manutenção dos níveis de consumo, para que o sistema possa continuar a produzir e a se expandir. Declinando o consumo, o capital de giro das empresas tenderá a cair, o que colocará a economia em crise. Mas, como manter o sistema funcionando, sem comprometer cada vez mais os recursos naturais – isso sem falar em todas as outras externalidades sociais?

Apresentação da economia ecológica e suas propostas Com o exemplo do "Plano B 4.0", mostramos alguns aspectos da destruição ambiental que está em curso e comentamos sobre a ausência de medidas destinadas a alcançar as necessárias mudanças nas relações econômicas. O estudo das atividades humanas sob o aspecto econômico surgiu no século XVIII, com a escola fisiocrata francesa. Estes chamaram a atenção para dois pontos crucias nos posteriores estudos da economia: 1) a idéia de interdependência entre os vários processos do sistema econômico e 2) o conceito de que as trocas econômicas representam fluxos circulares entre os vários setores

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econômicos (CECHIN, 2010). Tradicionalmente, no entanto é considerado fundador da economia Adam Smith, professor de filosofia moral em Edimburgo na Escócia, e que em 1776 reuniu sua teoria econômica no livro A riqueza das nações, obra fundamental do liberalismo econômico e da teoria econômica clássica. A ciência econômica evoluiu bastante depois de Smith, mas manteve muitos de seus pressupostos básicos. Influenciada pela física newtoniana em seus primórdios, a escola econômica neoclássica ainda se baseia até hoje em uma visão mecanicista do processo econômico. Apesar de a termodinâmica ter revolucionado a física ainda no século XIX, a economia por sua vez ainda guarda em seus pressupostos os conceitos da mecânica clássica, elaborada por Newton, no século XVIII. Nessa concepção, a economia funciona como um processo mecânico levando à conclusão de que os processos econômicos – a produção e o consumo – são, assim como os movimentos na mecânica clássica, neutros e, portanto, reversíveis. Os processos econômicos são assim estudados como atividades fora da realidade, quase abstratos, que podem ser repetidos indefinidamente. Nesta visão economicista, a economia voltaria sempre ao seu ponto original, “mesmo após ter passado por eventos terríveis como guerras, catástrofes naturais, cataclismos, terremotos, inflação quebra de bolsa, etc.” (PENTEADO, s/d, p. 182). Por causa desta abordagem quase metafísica do processo econômico – já que é uma (pré)visão que se projeta sobre a natureza, partindo de suposições ideais – é que foi possível criar o conceito de fluxos econômicos, o “diagrama do fluxo circular”. Trata-se de uma elaboração baseada nos pressupostos descritos anteriormente, e desta forma completamente irreal, na qual não são considerados os fluxos de matéria e energia, que necessariamente fazem parte do processo econômico. Enfim, uma abstração, que dá a idéia de que a economia é um processo fechado, no qual nada entra e nada sai. Segundo Cechin, O diagrama é uma representação da circulação do dinheiro na economia e dos bens em sentido reverso, sempre dentro dele mesmo, sem absorver materiais e sem ejetar resíduos. Se a

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economia não gera resíduos e não requer novas entradas de matéria e energia, então se trata de uma máquina de motoperpétuo, ou seja, uma máquina capaz de produzir trabalho ininterruptamente, consumindo a mesma energia e valendo-se dos mesmos materiais. Tal máquina seria um reciclador perfeito (CECHIN, 2010, p. 41). É desta maneira que a maior parte dos economistas ainda enxerga o processo econômico, apesar de tratarem de operações e processos que exaustivamente retiram recursos da natureza, processando-os e transformando-os em fluxos econômicos, para em seguida despejá-los de volta na natureza na forma de detritos poluidores. Para a maior parte dos economistas não interessa a origem ou o destino dos resíduos, já que isto não é previsto em sua teoria. Tem-se a impressão de que a análise econômica, assim como é praticada atualmente, é baseada em uma leitura enganada da realidade e ainda precisa ter sua “Revolução Copernicana”. Filosoficamente, a economia, como disciplina, ainda parece se basear num idealismo; uma metafísica, na qual as suposições – ou pressuposições – interpretam a realidade, através de esquemas mentais pré-elaborados, comparáveis aos Ideais de Platão. No entanto, sabe-se que a economia não é uma totalidade fechada em si que “informa” o mundo, mas um subsistema dentro de outro maior, chamado de meio ambiente, biosfera ou natureza. É compreensível, porém, que tenha havido um grande desconhecimento das conseqüências das ações econômicas – veja-se o exemplo da poluição causada nos grandes centros industriais do século XIX pelo carvão mineral. Além disso, a população era mais reduzida e o impacto sobre os ecossistemas localizados e limitados no tempo, como nos exemplos dados sobre a Antiguidade, no início deste texto. No entanto, é interessante que atualmente mesmo tendo todo o conhecimento dos ciclos naturais, dos princípios da ecologia e, principalmente, da 2ª Lei da Termodinâmica desenvolvida no século XIX, ainda seja possível tratar a economia como um ciclo isolado. José Eli da Veiga escreve que “É muito curioso, portanto, que até meados dos anos 1960 não tenha surgido qualquer questionamento da visão da economia isolada da natureza, nem abandono da vinculação à metáfora mecânica” (VEIGA, 2009).

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Um dos pioneiros na crítica desta visão da economia foi o romeno radicado nos Estados Unidos Nicholas Georgescu-Roegen (19061994). Estatístico e matemático, Roegen foi professor de economia em Harvard e um dos primeiros a se dar conta de que a economia não poderia ser estudada como um ciclo fechado, já que as atividades econômicas ocorrem em um mundo real e estão sujeitas a todo tipo de influência. As mudanças promovidas pela economia sucedem no tempo, são irreversíveis e promovem mudanças qualitativas; transformam recursos naturais em matéria prima e esta em produto. Durante o processo produtivo, entretanto, há uma sobra não aproveitada ou não mais aproveitável: os resíduos. Assim, se ao processo de produção são incorporados recursos naturais de qualidade – minérios, por exemplo – e se no final da produção além dos lingotes de metais também há sobra de uma escória sem consistência definida, não é possível dizer que este ciclo é isolado. Os resíduos, se retornarem à natureza como estão provocarão contaminação, além de dificilmente voltarem ao seu estado inicial de minérios. Esta é evidentemente uma seqüência que não faz muito sentido à mecânica clássica, onde tudo é reversível e não se considera perdas. A inovadora proposta de Georgescu-Roegen foi a introdução dos conceitos da termodinâmica na economia. A termodinâmica é o último ramo da física clássica, a física newtoniana. Desenvolveuse desde o século XVI e seus dois princípios, a primeira e a segunda lei da Termodinâmica, foi elaborada ao longo do século XIX. A primeira lei da Termodinâmica diz que corpos em temperaturas diferentes tendem a entrar em equilíbrio térmico. A segunda lei, mais interessante ao estudo da economia, postula que o calor de um corpo mais frio pode fluir por si mesmo para outro mais quente apenas quando existe acréscimo de energia. Rudolf Clausius (1822-1888), o formulador desta lei, também introduziu outra grandeza física, o princípio de entropia. Em um sistema, se a reversão energética (energia de um corpo mais frio para outro mais quente) é possível, então a entropia permanece igual. Caso a reversão energética não seja possível, aumenta a entropia. Estes princípios, além de usados na física, na química, na astronomia e cosmologia, também são aplicados à biologia,

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ecologia, economia e varias outras ciências. A segunda lei da Termodinâmica foi assim descrita por Georgescu-Roegen: A oposição irredutível entre a mecânica e a termodinâmica provêm do segundo princípio da Lei de Entropia. A mais antiga de suas formulações é também a mais clara para o leigo: “O calor não flui por si mesmo, a não ser do corpo mais quente para o corpo mais frio, jamais o inverso.” Uma formulação mais complexa mas equivalente diz que a entropia de sistema fechado aumenta continuamente (e irreversivelmente) até um ponto máximo, ou seja, que a energia utilizável é continuamente transformada em energia inutilizável, até que aquela desapareça completamente (GEORGESCU-ROEGEN, 2005, p. 62 – tradução nossa). Quando usados na biologia, ecologia e economia, as expressões “energia” e “calor” são substituídos pelo conceito de organização. Sob este aspecto, todo ser vivo, seja uma bactéria, um verme ou um pássaro, é um sistema organizado, que se alimenta e funciona de modo a permanecer vivo. O ser vivo é, necessariamente, um corpo mais organizado do que o seu meio (não vivo) circundante. Quando o ser vivo se alimenta, está ocorrendo uma reversão energética, isto é, está fluindo energia (na forma de alimentos) de um corpo mais “frio” (o meio circundante, menos organizado do que o organismo) para outro mais “quente” (o organismo vivo). Chama-se a este processo de entropia negativa ou neguentropia. No entanto, quando o ser vivo morre, este processo se inverte (aumentando a entropia do ser vivo) e o corpo vai entrando em “desorganização”, equilíbrio térmico com o meio ambiente (processo de putrefação, dissolução e retorno aos seus elementos básicos constitutivos). A vida é, portanto, uma estrutura de geração de energia, de auto-organização em relação ao meio circundante – um incessante processo de luta contra a entropia. O mesmo raciocínio é aplicado à ecologia e aos ecossistemas. Estes são organizados de forma mais complexa, na qual a energia (ou organização) se mantém porque todas as espécies estão interligadas, através de processos associados aos ciclos biogeoquímicos. O mesmo princípio é aplicado à economia. Podemos interpretar o processo econômico, a atividade econômica exercida pela humanidade, como um sistema. Como este sistema não é

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fechado, está sempre trocando energia e matéria com o “sistema” maior no qual se insere a natureza. Economia, não custa nada repetir com outras palavras, é o que fazemos efetivamente no mundo: derrubar a mata, arar o campo, construir casas, pescar; e tudo o que estas atividades implicam, como fabricar ferramentas, transportar produtos, gerar resíduos, destruir ecossistemas, extinguir espécies. Sobre esta incorporação da segunda lei da Termodinâmica à economia, escreve Georgescu-Roegen: O processo econômico, como todo outro processo vivo é irreversível (e é irrevogável); como consequência não pode ser considerado somente em termos mecânicos. É a termodinâmica, com sua lei de entropia, que reconhece a distinção qualitativa, que os economistas deveriam ter feito desde o início, entre as entradas de recursos de valor (baixa entropia) e as saídas últimas de dejetos sem valor (alta entropia). O paradoxo levantado por esta reflexão, qual seja que todo processo consiste em transformar matéria e energia em valor e dejetos (GEORGESCU-ROEGEN, 2005, p. 64 – tradução nossa). No processo econômico utilizamos insumos e matérias primas, juntamos energia (na forma de calor ou pressão) e fabricamos produtos. O problema é que para fabricar o ferro-gusa, por exemplo, precisamos de carvão. Para se obter o carvão, pode acontecer de serem destruídas florestas nativas. As matas, como ecossistema complexo, têm um alto nível de organização, de neguentropia. O carvão, no final do processo vira cinza; material com baixíssimo grau de organização, com alta entropia. Assim, durante a produção de ferro-gusa, além de outros impactos aqui não considerados (como poluição da água, uso de energia e poluição do ar), temos como resultado o produto final e uma grande quantidade de resíduos (cinza de carvão, escória e outros). Reduzimos a “ordem”, a baixa entropia na natureza – seja através da exploração do minério, da utilização da água e da queima do carvão – e geramos um produto final: o ferro-gusa. A história da fabricação do ferro-gusa (poderíamos ter utilizado qualquer outro processo produtivo como exemplo) terminaria aqui na visão da economia convencional: o fabricante pagaria seus fornecedores de insumos e materiais, teria vendido o produto,

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pago seus impostos e ponto final. O mesmo fariam seus fornecedores (com exceção, provavelmente, do carvoeiro). Isto se encaixa perfeitamente no esquema estático-mecanicista da economia neoclássica. No entanto, perguntamos se foi só isto mesmo que ocorreu. Como contabilizar a perda gerada pela destruição da mata nativa? O mesmo vale para o morro destruído pela companhia mineradora para a extração do minério, para a poluição da água e do ar (e para vários outros itens que aqui nem foram mencionados). Convencionou-se classificar estes fatos como externalidades. Moraes assim define as externalidades: Externalidades são formas de falha de mercado (distorções). Uma externalidade surge quando as transações econômicas entre dois ou mais agentes econômicos (e.g.consumidor e empresa) produzem efeito de melhora ou piora da situação de uma terceira parte não participante da transação, sem permissão ou compensação (MORAES, 2009, p. 62). Na economia neoclássica, para se referir a externalidades, é utilizada a expressão “economias externa” ou “deseconomias externas”; sempre no sentido de algo externo ao empreendimento que beneficia ou prejudica as atividades econômicas. Nesta interpretação, quando a empresa é solicitada a incorporar custos de uso de água ou taxas de poluição do ar ao seu produto, estaria ocorrendo uma “deseconomia externa”. Uma das constatações que fizemos é que a identificação das externalidades, negativas ou positivas, depende do grau de desenvolvimento econômico, legal e cultural de uma sociedade. É a pressão econômica, que internamente ao país ou internacionalmente, exerce a maior influência para que as externalidades negativas não sejam contabilizadas. Assim, acontece que a inexistência de regras com relação à contabilização destas falhas de mercado, permite o surgimento de discrepâncias e injustiças no comércio e em outras atividades econômicas. Derrubar milhares de árvores no alargamento de uma estrada na floresta amazônica, por exemplo, pode ser considerada uma externalidade negativa desprezível. O mesmo fato, todavia, seria analisado de maneira diferente, se fosse realizado na região da Floresta Negra, na Alemanha.

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As negociações internacionais de produtos agrícolas, pecuários e minerais, supridos pelas economias em desenvolvimento – geralmente aquelas que possuem uma rica biodiversidade – não prevêem o pagamento das externalidades negativas inerentes à produção e extração destas commodities; os impactos ambientais gerados por estas atividades. Cabe perguntar quanto custa um hectare de floresta amazônica desmatada, para servir de pasto a algumas cabeças de gado, cuja carne é destinada à exportação. Ou qual o preço de mil litros de água, necessários para produzir um quilo de soja? A natureza está sendo explorada e gerando uma mais-valia (no sentido da análise de Marx) que beneficia grupos econômicos; vendedores e compradores de commodities. Estes, por sua vez, repassam muito pouco para a comunidade cujo direito a um meio ambiente saudável, segundo a Constituição, está sendo expropriado à custa da não contabilização das externalidades nessas atividades. O assunto é bastante controverso e uma solução ainda está longe de ser encontrada. Ignacy Sachs escreve sobre o tema: Na verdade não temos mais o direito de ignorar as bases físicas diferenciadas dos processos produtivos que levam ao mesmo valor de troca. Em particular, a dispersão do calor e a entropia passaram a representar uma dimensão demasiado importante da gestão ecológica do planeta para que o economista pudesse deixá-las de lado. Por outro lado, como veremos, os instrumentos tradicionais da caixa de ferramentas do economista não garantem a boa gestão dos recursos. O sistema de preços, por si só, não é capaz de internalizar o meio ambiente e a gestão dos recursos, a menos que, administrativamente, sejam impostos preços de dissuasão aos recursos potencialmente raros e não substituíveis por outros mais abundantes (SACHS, 2007, p. 79). Por vezes acontecem generalizações e fica a impressão de que economia ambiental e economia ecológica são expressões sinônimas e representam as mesmas correntes de pensamento. Tal interpretação não condiz aos fatos. Entre ambas, apesar de muitos pontos em comum, também existe uma visão politicamente diferente em relação à maneira de a humanidade ultrapassar a crise ambiental. Por outro lado, entre ambas também há uma avaliação diversa do papel da tecnologia e do futuro do sistema econômico.

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A economia ambiental, como já mencionado, segue basicamente a economia neoclássica, e tem uma visão circular da economia. A ciência sobre a qual baseia suas teorias econômicas é a mecânica clássica. Este ramo da economia não ignora os problemas ambientais e as situações relacionadas com a depleção dos recursos. No entanto, como sua abordagem é aquela da economia clássica, que interpreta estes problemas como externalidades do sistema que, se internalizadas por todos os agentes econômicos, estarão resolvidos. Em outras palavras, assume-se que assim que todos os poluidores resolverem tecnologicamente seus problemas, a questão ambiental estará equacionada. É evidente que a se manter o funcionamento da economia como está este é um processo sem fim, já que a cada nova invenção surgem novos tipos de impactos ambientais. No entanto, a confiança da economia ambiental na tecnologia é grande e segundo ela nada impediria o progresso material de resolver gradualmente todos os problemas de poluição. Quanto aos recursos naturais, ainda segundo a economia ambiental, estes nunca faltarão por dois motivos principais. O primeiro é que através do desenvolvimento tecnológico aumentará a capacidade da humanidade em economizar recursos, a custos cada vez menores. O segundo é que no futuro, cada vez mais o trabalho e o capital, com a ajuda da tecnologia, poderão substituir os recursos naturais. Sendo assim, assume esta corrente econômica que os recursos naturais são infinitos, já que serão sempre substituíveis por sucessivas inovações tecnológicas. Uma tecnologia recente que tem despertado grandes esperanças entre os defensores da economia ambiental é a nanotecnologia. De seu desenvolvimento se espera maravilhas, como a construção de nanofábricas cada vez mais complexas, das quais, segundo os pesquisadores desta tecnologia, poderia se estruturar qualquer coisa de praticamente qualquer matéria. No entanto, na posição de seus críticos – tendo em vista soluções para os problemas ambientais e uso dos recursos naturais – as perspectivas não parecem tão otimistas assim: Em adição aos benefícios utópicos geralmente alardeados pelos tecnólogos, a nanotecnologia ou os promotores dela enfatizam uma grande e ampla gama de benefícios ecológicos, advindos

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dessa nova tecnologia, capitalizando a preocupação pública com o estado deteriorado da biosfera mundial. Lida-se com uma noção ingênua e conveniente de que os problemas ecológicos são primariamente de natureza tecnológica, e por isso podem ser resolvidos por soluções de engenharia, em vez de com uma estrutura social, e que requerem soluções econômicas e sociais. A falha de décadas de consertos tecnológicos para reverter ou mesmo para diminuir a destruição da ecologia tem sido ignorada, em favor da visão de que a próxima onda de inovações vai resolver os problemas, as descontinuidades do ecossistema e do sistema social (GOULD in Nanotecnologia, inovação e meio ambiente, 2005, p. 246). A economia ecológica baseia suas análises da economia nos paradigmas da segunda lei da termodinâmica e na biologia. Por sua visão biologista da economia, influenciada pela ecologia, a economia ecológica também tem influências do darwinismo evolucionista. Este, segundo Cechin, é importante para a economia por pelo menos quatro motivos: 1) os sistemas econômicos, assim como os seres vivos, têm desenvolvimento bastante rápido, caracterizado por mudanças qualitativas e estruturais irreversíveis; 2) muitos aspectos das mudanças econômicas podem ser entendidos como alterações de populações; como nas empresas e nas mudanças de tecnologias; 3) os sistemas econômicos têm capacidade de aprendizagem e adaptação; 4) a evolução na estrutura organizacional da economia é um fenômeno real envolvendo instituições e agentes (CECHIN, 2010). Em relação à tecnologia a economia ecológica não tem uma confiança ilimitada e considera que esta não poderá não poderá ajudar a humanidade na reposição e substituição de recursos naturais. Basta olharmos o ritmo de consumo industrial, para verificar que este vem crescendo e que ocorrerá falta de diversos minerais nas próximas décadas. Em outro aspecto, por mais que reutilizássemos e reciclássemos certos materiais, não existe sistema produtivo que ao longo da sua cadeia tenha resíduo zero. A expressão “desenvolvimento sustentável” é uma das mais debatidas – talvez até em demasia – pela mídia nos últimos anos. Todos os grandes grupos econômicos fazem questão de afirmar que estão investindo trabalho e dinheiro para alcançar o

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desenvolvimento sustentável. Especialistas – principalmente de origem americana – falam na triple bottom line, algo como a “tripla linha básica”, significando o atendimento das necessidades econômicas (da própria empresa), das necessidades ambientais (o que implica ao atendimento da legislação, pelo menos) e das necessidades sociais (necessidades dos funcionários e da comunidade). O objetivo último por trás da triple bottom line é atender requisitos ambientais (geralmente ações corretivas) e sociais (para estes não existem regras fixas, mas algumas instituições internacionais estabeleceram alguns parâmetros que podem ser seguidos), para que a empresa possa continuar funcionando, sem ser impedida de fazê-lo no futuro – sob a acusação de poluir o ambiente ou de explorar seus funcionários. Significativamente o conceito foi definido pela primeira vez pela Comissão Brundtland. O “conceito do desenvolvimento sustentável” também foi estabelecido durante a Comissão Brundtland, no âmbito da Organização das Nações Unidas, em 1987. A Comissão à época fez uma série de propostas acordadas entre todas as nações, mas que em sua maior parte nunca foram seguidas. Uma das principais idéias da Comissão – e que de certo modo resume suas propostas – é que “o desenvolvimento sustentável é aquele que atende todas as necessidades da geração presente, sem comprometer as necessidades e o desenvolvimento das gerações futuras”. No entanto, de quais necessidades estamos falando? Daquelas do cidadão médio americano, ou do habitante da África e da Índia? Como reconhecer se as efetivas necessidades das pessoas estão sendo atendidas, como estabelecer limites para o desenvolvimento? Esta formulação nebulosa de princípios permite continuar mantendo as desigualdades regionais e nacionais. A posição da economia ambiental é a de continuar com o crescimento da economia, da maneira e nos padrões como vem ocorrendo. Aos poucos, ao longo dos anos, serão feitos os ajustes necessários, na medida da disponibilidade das tecnologias e do capital de investimento. Política e economicamente a posição é conservadora, já que implica que o desenvolvimento econômico da humanidade (e com ele os impactos ambientais) está no caminho correto e não há necessidade de mudanças profundas no rumo da economia. A melhoria das condições, segundo esta linha

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de interpretação, virá naturalmente com o tempo. Esta, por razões óbvias, é a posição compartilhada pela maioria dos governos, por uma parte dos cientistas, pelas associações empresariais de todo o mundo e, evidentemente, pela totalidade das empresas. Não por acaso, é também a corrente que defende o “desenvolvimento sustentável” como algo factível. Enquanto a economia ambiental é defensora do “desenvolvimento sustentável”, a economia ecológica tem um posicionamento crítico em relação à própria expressão. Em outro contexto, desenvolvimento significa ampliar no mínimo quatro capacidades humanas, segundo Amartya Sem: 1) ter vida longa e saudável; 2) ser instruído; 3)ter acesso a recursos necessários para manter um nível de vida digno; e 4) participar da vida em comunidade (CECHIN, 2010). Este tipo de enfoque tem uma proposta muito mais concreta e humanista do que aquela do triple bottom line. Ainda com relação ao crescimento, a economia ecológica avalia com atenção a proposta do economista Herman Daly, que na década de 1970 defendeu a teoria do “estado estacionário” da economia. A idéia advoga uma economia que produz estoques constantes de bens e serviços, que são sistematicamente e anualmente adicionados aos estoques já existentes. Aliado a isto, haveria um controle populacional além de constante reutilização e reciclagem dos recursos já utilizados. A idéia não agradava a Georgescu-Roegen, que a considerava tão inviável quanto o crescimento constante (CECHIN, 2010). Ainda com relação ao “estado estacionário” existem muitas hipóteses, com várias propostas, envolvendo controle da população, planejamento da produção, controle de recursos e outras providências. O gerenciamento de tal processo, devido aos inúmeros detalhes que precisariam ser acompanhados, seria por demais complicado. Caso prático de aplicação dos conceitos da economia ecológica é a agricultura orgânica e a agricultura sustentável. A agricultura orgânica representa uma alternativa à agricultura convencional, fruto da Revolução Verde. Na atividade agrícola convencional, o solo é arado, adubado com produtos químicos e periodicamente recebe aplicações de herbicidas e fungicidas. Este processo causa grandes danos ao solo, removendo a massa orgânica e envenenando-o com substâncias químicas aplicadas em excesso.

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Como alternativa à agricultura convencional, surgiu a agricultura orgânica; desenvolvida ao mesmo tempo na Alemanha, por Rudolf Steiner (1924), no Japão, por Motiki Okada (1933) e na Inglaterra em 1940, com o lançamento do livro Um Testamento Agrícola, por Albert Howard. No Brasil, a técnica começou a ser introduzida a partir da década de 70, em parte por influência das comunidades alternativas. A agricultura orgânica define o solo como um sistema vivo, que deve ser nutrido, mantendo a sobrevivência dos organismos benéficos ao solo (vermes, insetos, fungos e bactérias); todos necessários à reciclagem de nutrientes e produção de húmus. Os insumos químicos, prejudiciais ao ciclo biológico do solo, não são utilizados. A efetividade destes princípios é comprovada na prática: culturas orgânicas propiciam mais qualidade dos produtos colhidos, além de manter a diversidade biológica no solo e na área de cultivo, em comparação com a agricultura convencional. Outro tipo de agricultura ecológica praticado desde os anos 1980 é a agricultura sustentável. A origem desta prática está, segundo Ehlers, na agroecologia, uma disciplina científica que estuda os agroecossistemas, ou seja, as relações ecológicas dentro de um sistema agrícola. As pesquisas avançaram e em meados dos anos 1980 o agrônomo Altieri, especializado em agricultura na América Latina, propôs técnicas agrícolas que fossem capazes de manter as características naturais do ambiente, sem desconsiderar as componentes sociais e econômicas da região (EHLERS, 2009). O enfoque sistemático deste tipo de agricultura foi um dos fatores que propiciou sua rápida difusão na região. Depois de vários estudos sobre a agricultura sustentável realizados pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o processo foi aprovado e práticas alternativas, antes desprezadas, passaram a adquirir reconhecimento na comunidade agrônoma. Segundo Ehlers (2009), passou assim a ser critério para a agricultura sustentável: a) mínimo de impactos adversos ao meio ambiente; b) retornos financeiros adequados aos produtores; c) otimização na produção das culturas com um mínimo de produtos químicos; e d) satisfação das necessidades humanas de alimentos e atendimento das necessidades sociais das famílias e das comunidades rurais.

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Concluindo É inegável que o impacto das atividades humanas está destruindo a biosfera e exaurindo os recursos naturais. O crescimento da economia está baseado na maciça produção e consumo de bens com obsolescência programada e na valorização do supérfluo e do descartável. Isto acaba gerando imensas quantidades de resíduos que, mesmo com programas de redução e reciclagem, é um problema na administração das cidades de todo o mundo. O aumento da produção agrícola, necessária para alimentar a crescente população e atender a especulação financeira, fará com que o solo e os recursos hídricos se tornem improdutivos e contaminados. Os mares se transformaram em sumidouro de resíduos; em imensos tanques de petróleo desperdiçado. Por cima disso tudo, paira uma atmosfera cada vez mais quente devido ao aquecimento global, provocando catástrofes climáticas de violência crescente. A economia ecológica, assim como outras ciências, procura entender o problema em todas as suas implicações, dentro da sua área de especialidade, e a seu modo contribuir com análises e soluções. A aplicação destas, no entanto, geralmente está na área de influência de governos e empresas, que serão cobrados pela história sobre a posição de seus países e das suas organizações em relação à preservação da biosfera e dos recursos naturais. A crise ambiental e seus efeitos sociais é uma das conseqüências das injustas relações econômicas que continuam prevalecendo no mundo. Estas, apesar de atenuadas parcialmente nos últimos cinqüenta anos, ainda mantêm bilhões de pessoas na miséria, na ignorância e na ilusão de que uma vida mais humana é baseada no aumento do consumo. Todas as iniciativas na área ambiental, recuperando e preservando os ecossistemas que ainda restam são importantes e urgentes. No entanto, é preciso que a crítica também faça o seu papel, apontando como o sistema econômico permite, promove e se beneficia com a destruição dos recursos naturais.

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Bibliografia Brown, Lester. Eco-economia – Construindo uma economia para a Terra. Disponível em: <http://portal.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/ater/livros/EcoEconomia.pdf>. Acesso em 21/07/10 Brown, Lester. Plan B 4.0 – Mobilizing to save civilization. Disponível em: <http://www.earthpolicy.org/images/uploads/book_files/pb4book.pdf >. Acesso em 21/07/10 Cechin, Andrei. A natureza como limite da economia – A contribuição de Nicholas Georgescu-Roegen. São Paulo. Editora EDUSP / SENAC: 2010, 264 p. Da Veiga, José Eli. Mundo em transe – Do aquecimento global ao ecodesenvolvimento. Campinas. Editora Autores Associados: 2009, 118 p. Da Veiga, José Eli. Meio Ambiente & Desenvolvimento. São Paulo. Edit. Senac: 2006, 180 p. De Moraes, José Orozimbo. Economia Ambiental. São Paulo.Centauro Editora: 2009, 224 p. Ehlers, Eduardo. O que é agricultura sustentável. São Paulo Editora Brasiliense: 2009, 92 p. Georgescu-Roegen, Nicholas. La décroissance – Entropie – Écologie – Économie. Disponível em: <http://classiques.uqac.ca/contemporains/georgescu_roegen_nicol as/decroissance/decroissance.html>. Acesso em 3/07/10 Motta, Ronaldo Seroa. Economia Ambiental – 5ª. Ed. Rio de Janeiro. Editora FGV: 2009, 225 p. Mumford, Lewis. A cidade na história. São Paulo. Martins Fontes: 1998, 741 p. Odent, M. O ciclo da água, emoção e instinto. Disponível em: <http://www.alternativamedicina.com/medicina-tropical/cicloagua.html>. Acesso em 1/9/10 Penteado, Hugo. Ecoeconomia – Uma nova abordagem. São Paulo. Lazuli Editora: s/d, 239 p. Vieira, Paulo Freire, org. Ignacy Sachs – Rumo à Ecossocioeconomia. São Paulo. Cortez Editora: 2007, 472 p.

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Pesquisa IBOPE revela como empresas vêem a sustentabilidade Para apresentar ao mercado uma nova empresa do grupo que se ocupará com consultoria ambiental, o grupo Ibope realizou uma pesquisa sobre sustentabilidade. O estudo apresentou dados interessantes, revelando como empresas do setor industrial, do comércio e de serviços se posicionam em relação ao assunto. A investigação foi realizada com 400 empresas de médio e grande porte, brasileiras e multinacionais atuando no Brasil. Um dos primeiros dados identificados foi que 94% dos entrevistados declararam conhecer o tema, mas apenas 48% das empresas dispõem de políticas de sustentabilidade efetivamente implantadas, com metas e ações efetivas. Outros 45% executam ações pontuais e 7% declararam que não têm qualquer medida para um modelo de gestão sustentável. Ou seja, para quase metade das empresas entrevistadas a questão da sustentabilidade não tem importância suficiente de modo a demandar uma estratégia, refletida em ações constantes em relação ao assunto. Outros 7% simplesmente descartam o tema da sustentabilidade, não adotando qualquer medida em relação à matéria. Considerando que o universo pesquisado é formado por médias e grandes empresas, é difícil imaginar que estas não tenham qualquer necessidade de se preocupar com a sustentabilidade. Outro aspecto interessante detectado pelo estudo do grupo Ibope foi que em 52% das empresas entrevistadas, são os departamentos de marketing e comercial os responsáveis pela execução de ações de sustentabilidade. Parece que neste caso se trata de instituições bancárias ou comerciais, já que dificilmente uma indústria deixaria a condução de sua política de sustentabilidade nas mãos dos vendedores e dos profissionais de marketing. Aliás, foi usando um marketing agressivo, que há poucos anos alguns bancos e empresas nacionais atraíram a suspeita dos consumidores em relação às suas ações ambientais. O tiro acabou saindo pela culatra. Com relação a este ponto declara o diretor executivo do Ibope Ambiental, Shigueo Watanabe: “Talvez isso indique que o peso das ações ainda se

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volte para a imagem da empresa ou de seus produtos, mais do que um comprometimento com o médio e longo prazo”. Mais um aspecto detectado pela pesquisa dá o que pensar: 70% dos entrevistados afirmaram que seus clientes já tentaram saber se a empresa tem algum projeto de sustentabilidade implantado. Considerando que apenas 48% das empresas entrevistadas têm política de sustentabilidade, temos que para 22% das empresas pesquisadas a expectativa do cliente não tem influência alguma na estratégia empresarial; o cliente não tem razão, é ignorado. Por fim, 83% dos entrevistados, quando perguntados como será o consumidor em 2022, afirmaram que este estará disposto a pagar mais caro por produtos que não agridam o meio ambiente. Assim, inferem algumas empresas entrevistadas que produtos não prejudiciais ao ambiente – e ao ser humano – devem ser mais caros, já que aparentemente seu processo produtivo é mais caro. Tal raciocínio demonstra um desconhecimento de tecnologias e processos mais eficientes e revela aquele velho cacoete do empresariado brasileiro, de sempre repassar aumentos de custos ao consumidor, ao invés de se tornar mais competitivo. Que falta faz a concorrência em certos setores da economia! Afinal, eficiência, ou seja, economia de recursos, também faz parte da sustentabilidade.

População e recursos Historicamente sabemos que sempre houve povos e nações dominados e dominadores. O antigo império egípcio, ao longo de seus quase quatro mil anos de existência, dominou e assimilaram vários outros povos à medida que foi expandindo suas fronteiras. Assim também ocorreu com o império assírio, persa, romano, bizantino, mongol e muitos outros, sobre os quais temos poucas informações ou nunca teremos nenhuma. Geralmente, foram os povos ou estados tecnologicamente mais desenvolvidos ou aqueles politicamente mais organizados, que dominaram os outros lhes impondo sua cultura, junto com as demais estruturas sociais e econômicas. Ocorria também que uma nação ou povo

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tecnologicamente menos avançado dominava outros pelas armas, mas acabava absorvendo-lhe a cultura, como ocorreram durante o período da migração dos povos bárbaros (séculos IV-VII), quando visigodos, ostrogodos, vândalos, francos e vários outros grupos germânicos acabaram absorvendo a cultura do então decadente império romano. Outro aspecto é que não é possível dizer que todos os povos dominados acabavam adquirindo o mesmo padrão cultural, tecnológico ou de organização social de seus dominadores. O estilo de vida na Londinium (Londres) romana era bem mais primitivo do que na cosmopolita Roma. O padrão de vida da cidade de São Salvador da Bahia, capital do Brasil em grande parte do período colonial, não era o mesmo de Lisboa. Este tipo de diferença entre o “centro” e a “periferia” se repete ao longo de toda história. No entanto, depois da Segunda Guerra Mundial, principalmente a partir da década de 60 do século XX, quando Bélgica, França, Inglaterra e Portugal perderam suas últimas colônias na África e na Ásia, a humanidade entrou em um período novo. Não havia mais – pelo menos não de uma maneira oficial – nações dominadas por outras. Estávamos então em pleno período da Guerra Fria e havia uma divisão ideológica, que praticamente separava o mundo entre zonas de influência dos Estados Unidos e outras sob domínio da União Soviética. Sob o aspecto econômico, a expansão mundial do capitalismo fazia com que cada nação procurasse melhorar as suas condições sociais e econômicas, dentro das oportunidades de trocas comerciais oferecidas pela economia mundial. Foi por essa época que os especialistas dos órgãos internacionais de financiamento (FMI e Banco Mundial) dividiram as nações em três categorias: a) O primeiro mundo, formado pelas nações desenvolvidas, todas ela industrializadas e sede da maior parte das companhias multinacionais; b) O segundo mundo, formado pelos países socialistas, a União Soviética e suas nações satélite; c) O terceiro mundo, formado pelas nações pobres ou em desenvolvimento, que se alinhavam, de uma maneira ou outra, aos Estados Unidos ou à União Soviética. Um dos aspectos da Guerra Fria é que ambos os lados – Estados Unidos através do capitalismo e a União Soviética através do

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socialismo – prometiam a melhoria das condições sociais e econômicas, desde que os países seguissem seu receituário econômico-ideológico; o capitalismo ou o socialismo. Foi o período do "desenvolvimentismo", que criou em grande parte dos países uma profunda expectativa de melhoria do padrão de vida, baseada na industrialização, criação de empregos e no consumo de bens. No final dos anos 1990, com a queda do império soviético, ruiu o mundo socialista e o capitalismo tornou-se hegemônico. Os ideólogos prometiam uma era de grande prosperidade para todas as nações. Abriam-se os mercados, caiam as barreiras alfandegárias, as empresas transnacionais estabeleciam-se nos países em desenvolvimento e nos países pobres, à procura de matérias primas, mão de obra barata e maior proximidade de novos mercados consumidores. Paralelamente, criou-se uma grande expectativa nestas nações: a possibilidade de ter acesso a bens de consumo os quais, até aquele momento, só haviam estado disponíveis para os consumidores dos países ricos – a “periferia” queria consumir como o “centro”. No entanto, em paralelo a todas estas transformações sociais, econômicas e políticas, toma cada vez mais forma a questão ambiental; a gradual escassez dos recursos, o problema da destruição dos ecossistemas e a mudança das condições climáticas. Todos estes fatos têm a ver com o consumo. Quanto mais pessoas consumirem – principalmente no velho modelo econômico que permanece inalterado desde as origens da revolução comercial (século XVI) e industrial (século XVIII) – tanto mais rápido serão usados e destruídos os recursos e os ecossistemas. Assim, o desenrolar da história nos mostra que até praticamente o final da Segunda Guerra, nem todos os povos tinham autodeterminação, sendo em parte dominados por países europeus. Desta forma, não tinham liberdade política ou econômica. Depois da 2ª Guerra há o confronto entre duas ideologias – o capitalismo e o comunismo -, cada uma prometendo vida melhor aos cidadãos dos diversos países, desde que aderissem ao seu credo. O “desenvolvimentismo” cria nas populações a expectativa de consumir mais e melhor; idéia aprofundada com a “vitória” da economia de mercado depois da

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queda do Muro de Berlim - e suas repercussões sociais e econômicas. Conseqüência: hoje, em todos os países, as pessoas se consideram “livres” para consumir. Mas, como é possível a convivência desta nova “ideologia do consumo” – depois que acabaram todas as ideologias políticas – com o problema da crescente escassez de recursos? Alguns teóricos interpretam esta situação como sendo formada por dois problemas morais: 1) Os pobres têm o direito – assegurado até pela Declaração Universal dos Direitos do Homem – de melhorar seu padrão de vida. Isto quer dizer que brasileiros, indianos, sul-africanos e chineses têm o direito de ter o mesmo conforto e bem estar de um cidadão suíço, alemão, sueco ou americano. 2) Por outro lado, não é possível que mais de 7 bilhões de pessoas tenham o padrão de consumo de um europeu – ou pior – de um americano. Caso isto ocorresse, tal patamar de consumo comprometeria de tal maneira os recursos naturais e os biomas, que arriscaria o bem-estar das gerações futuras; talvez até a sobrevivência da humanidade. Hoje já é consenso de que estes dois problemas morais estão interligados. As providências mais imediatas para sua abordagem incluem: a) Mudança profunda no sistema de produção e distribuição dos bens. Melhor uso dos recursos e eliminação do supérfluo. Para introduzir estas mudanças, é necessário contar com a colaboração dos grandes grupos econômicos, quase todos pertencentes (ou com sede) nos países ricos; b) Mudança no padrão de consumo, com alteração das expectativas em relação ao ato de consumir. Este tipo de mentalidade já está lentamente surgindo nos países desenvolvidos, onde as necessidades básicas do ser humano (como alimentação, vestuário, habitação, saúde, instrução e trabalho) estão em grande parte sendo atendidas. Mas, o que dizer dos países em desenvolvimento e dos países pobres, onde o consumo aumenta cada vez mais, em grande parte para suprir necessidades reais ou fictícias não atendidas no passado – e que agora com a publicidade se tornam “necessárias”? Como fazer em face de um consumo que é

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substituto de serviços sociais não oferecidos pelo Estado, como transporte e outros? A questão não tem solução imediata. Argumentam muitos de que os países pobres e em desenvolvimento precisam aumentar seu consumo para que todos alcancem um padrão de vida aceitável. Em paralelo, é necessário criar estruturas de serviços e de proteção social, aliadas às campanhas publicitárias, que reduzam o consumo excessivo e o direcionem para bens intangíveis (serviços, cultura, etc.). Mas, o que será dos ricos, se os pobres consumirem menos? O que farão os grandes grupos econômicos, dos quais a maior parte dos lucros é agora gerada pelo consumo em países pobres?

Progresso pra quem? “Todo progresso tem um custo”, frase que lemos e escutamos frequentemente. Esta afirmação quase sempre é daqueles que tiram proveito do tal progresso, e não dos que arcarão com o seu custo. O que parece implícito nesta afirmação é que “progresso” sempre significa “melhoria para todos” – quando geralmente não é. Propaga-se a idéia de que há “fatos inevitáveis” que criarão mudanças. Estas provocarão necessariamente uma melhoria: o “progresso”; que, no entanto, custará um sacrifício. Cabe questionar o que é o progresso em determinado contexto, a quem beneficiará, e quem pagará por ele. A história de todas as sociedades está cheia destas falácias. Principalmente, quando a idéia de “progresso” aparece associada aos projetos de grupos dominantes, que sutilmente convencem o restante da sociedade de sua necessidade. A construção de usinas nucleares já foi sinônimo de progresso, em países que hoje planejam a substituição deste tipo de energia. A troca do bonde elétrico pelo ônibus a diesel também já foi sinal de melhoria nos transportes públicos em São Paulo, assim como a derrubada da floresta na região amazônica também representou o avanço da civilização, do progresso, nos anos 1970. Ninguém, munido das

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informações de que dispomos atualmente, classificaria estes fatos como indício de progresso. Mas, como dissemos acima, a introdução destas tecnologias – consideradas “progresso” à época – além de ser algo novo, também atendia aos interesses de grupos de poder que se beneficiaram com a mudança tecnológica. A conta, como sempre, ficou a cargo da sociedade civil – e nesta os pobres são os que sempre pagam a maior parcela. Fatos semelhantes estão ocorrendo neste momento, em vários pontos do Brasil. Os estádios da Copa 2014, a transposição do Rio São Francisco, e vários outros projetos; todos nos trarão progresso, dizem. Neste contexto a Folha de São Paulo publicou artigo sobre o desaparecimento de peixes no Rio Madeira, onde estão localizadas as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. O rio Madeira é o 17º maior rio dentre todos os que existem no planeta. Sua imensa diversidade biológica, no entanto, foi afetada com as obras de engenharia. Vários tipos de peixes – denominadas genericamente de “bagres” – geravam 29 mil toneladas de pescado por ano. Estas espécies desapareceram, segundo o relato de pescadores aos jornalistas da Folha, que visitaram a região. O fenômeno já havia sido previsto por cientistas, antes do início das obras. O fato se deve principalmente à diminuição da correnteza no lago formado pela barragem, o que deixa o fundo sem oxigenação, impedindo a sobrevivência de determinadas espécies de peixes abundantes na região. O jornalista Leão Serva, em artigo publicado sobre o assunto no blog “Observador Político” (http://www.observadorpolitico.org.br/observadores/leaoserva/), relata que outras obras do mesmo tipo – além das que já estão em andamento no Rio Xingu – deverão ser construídas na Amazônia durante os próximos anos, causando impactos semelhantes, já previstos pelos cientistas desde 2006. Se este é o começo do custo que a população da região pagará pelo suposto “progresso”, como será o futuro? Ecossistemas degradados, desaparecimento de espécies, problemas sociais... Diziam os romanos: cui bono, quem se beneficia?

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Qual o futuro da energia nuclear? Com a explosão e vazamento de um dos reatores nucleares da usina de energia elétrica de Fukushima, no Japão – ocasionado por um fortíssimo terremoto seguido de um tsunami – a energia nuclear voltou às discussões diárias. Milhares de pessoas tiveram que ser deslocadas, dado o nível perigoso de radiação na região, provocado pelo vazamento de vapor contido no reator. As autoridades espalharam alertas em relação ao consumo de água, legumes, frutas e outros alimentos, informando que poderiam estar contaminados. Milhares de litros de água usada na refrigeração do reator atômico foram despejados no oceano Pacífico, o que fez com que o consumo de frutos do mar e peixes também fosse desaconselhado. Uma reação em cadeia, que teve início com um tremor de terra, ocasionando um maremoto, acabou provocou uma pane na usina termonuclear, colocando em cheque sistemas de sobrevivência da organizada sociedade japonesa. O desastre que ocorreu no Japão deve-se a uma sequência de acontecimentos, cuja confluência é muito rara acontecer – pelo menos na maior parte das regiões da Terra. Não é em qualquer local que pode ocorrer um terremoto de nove graus na escala Richter, seguido por um tsunami, afetando um reator nuclear localizado à beira mar. A maior parte das usinas atômicas espalhados pelo mundo está localizada em regiões de pouca ou nenhuma atividade sísmica. Além disso, suas estruturas externas são construídas para resistirem a abalos muito mais fortes aos jamais registrados nas regiões onde estão localizadas. O problema da energia nuclear não é a operação; são os resíduos que os reatores geram, altamente radiativos. Em vista do acontecimento no Japão, retomaram-se as discussões em todo o mundo sobre o futuro da geração de eletricidade através de energia nuclear. Na Alemanha, país que se destaca pelo cuidado com o meio ambiente, o evento em Fukushima despertou novamente preocupação entre a população e o governo deverá retomar a gradual desativação das usinas nucleares, substituindo esta energia parcialmente por fontes renováveis.

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No Brasil a discussão sobre a energia nuclear ainda é muito restrita. Para alguns, como a Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), o programa nuclear brasileiro não deve ser interrompido por causa dos acontecimentos no Japão. Segundo a instituição, a partir de 2025 o potencial hidrelétrico brasileiro estará esgotado e então somente a energia nuclear poderá suprir a demanda. Outras instituições defendem que a energia nuclear é perigosa, apesar das inúmeras precauções. Mesmo com a construção de Angra 3, ainda não existe um local definitivo para depositar os resíduos nucleares das usinas Angra 1 e Angra 2. Independentemente das diferentes posições, o programa nuclear brasileiro precisa ser debatido com a sociedade. Por um lado este tipo de energia poderá nos ajudar no futuro, além de ser importante que o Brasil domine todo o ciclo da tecnologia nuclear. Por outro lado, é bastante provável que o futuro nos traga outras energias, como a célula de combustível a hidrogênio, limpa e pouco perigosa. Além das discussões permanece o fato de que os resíduos atômicos são perigosos, continuando radiativos por milhares de anos. Vale a pena o risco?

Qualidade da água potável no Brasil precisa melhorar A situação do suprimento de água e tratamento de esgoto continua sendo um dos maiores - se não o maior - problema ambiental do Brasil. Esta condição adversa, criticada na imprensa durante os últimos anos, continua fazendo parte do dia-a-dia de dezenas de milhões de brasileiros. Estudo recentemente divulgado pela Agência Nacional da Água (ANA), ligada ao Ministério do Meio Ambiente, registra que a qualidade da água em 9% das 1.747 medições realizadas em vários estado brasileiros, é ruim ou péssima. As coletas de amostras foram feitas em 2009 e utilizaram como parâmetro o índice de qualidade da água (IQA). Os resultados indicam que grande parte da contaminação é por esgoto doméstico. A pesquisa

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da ANA também aponta uma condição ótima da água em apenas 4%, boa em 71% e regular em 16% dos locais monitorados. Segundo especialistas, o estudo demonstra que ainda são necessários pesados investimentos no tratamento de esgoto domésticos, já que são estes que comprometem a qualidade da água consumida na maior parte das cidades brasileiras. Exemplo positivo, de como gradualmente resolver o problema, é a zona da bacia do rio Paraíba do Sul, que engloba o sudeste mineiro, o nordeste do estado de São Paulo e o sudoeste do estado do Rio de Janeiro. Segundo dados pesquisados, o índice de tratamento de esgotos aumentou bastante nos últimos dez anos nesta região. Um dos principais fatores desta melhora foi a cobrança pelo uso da água dos rios, o que proporcionou recursos adicionais para que as cidades participantes do Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Paraíba do Sul pudessem fazer investimentos em obras de saneamento. Exemplo negativo, de falta de gestão dos recursos hídricos, é a da represa de Guarapiranga, localizada na região sul da cidade de São Paulo. Durante anos a área foi invadida - muitas vezes a comando de candidatos políticos - por populações pobres. A ocupação, no entanto, não foi acompanhada pela instalação de uma infraestrutura de tratamento de esgotos. Na falta desta, os efluentes domésticos passaram a ser descarregados diretamente na represa, chegando a um volume de esgoto equivalente ao gerado por uma cidade de 800 mil habitantes. A situação da represa Billings, localizada entre a cidade de São Paulo e os municípios de São Bernardo e Diadema, também não é melhor. A grande dificuldade não é a limpeza da água até atingir o grau de potabilidade, já que para isto existe a tecnologia. O problema é o custo deste tratamento, que aumenta na mesma proporção da poluição da água. São pouquíssimas as regiões do país que dispõem de comitês de bacias hidrográficas, organizados e em condições de efetuar a cobrança pelo uso da água. Enquanto isso, empresas, fazendas e cidades continuam a utilizar e poluir a água dos rios sem pagar nada por isso. A resistência à criação destes comitês em todo o Brasil ainda é muito grande. Seria de se esperar uma ação mais efetiva por parte da ANA, já que é tarefa desta agência controlar

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também a qualidade da água de consumo. Além disso, existe o fato de que a situação do saneamento depõe contra a própria agência.

Questão de racionalidade ou de moralidade Certa vez tomei parte em um debate bastante interessante, no qual foi colocada a seguinte pergunta aos participantes: a questão da preservação do meio ambiente é assunto racional ou moral? Vou aqui evitar entrar em detalhes a respeito do debate, para não cansar o leitor. Depois de quase duas horas de discussão, com vários argumentos, alguns momentos de discussões mais acaloradas, o grupo debatedor chegou a duas conclusões principais, que tentarei desenvolver um pouco neste artigo. A primeira conclusão – e a principal – é que a questão da preservação dos recursos naturais é primordialmente um tema moral, um assunto que se refere à conduta ética do ser humano. Preservar a biosfera para as gerações futuras não se baseia em nenhum pressuposto racional. Não há nenhum argumento baseado na racionalidade, que nos force a deixar um mundo ambientalmente conservado para nossos descendentes. No entanto, podemos alegar motivos racionais se falarmos, por exemplo, em problemas imediatos, como o do lixo, do esgoto ou da poluição atmosférica. Sem dúvida, é principalmente por motivos racionais que organizamos a coleta do lixo, construímos estações de tratamento de esgoto e criamos programas de controle de emissões veiculares. Aprendemos com a experiência e podemos inferir as conseqüências, que a ausência de tais serviços traria para a saúde pública e o próprio funcionamento de nossa sociedade. Os custos médico-hospitalares e as horas paradas, causados pela epidemia de cólera, de tifo ou pelas doenças pulmonares, seriam imensos e onerariam toda a sociedade, sejam empresas ou contribuintes. Esta é uma análise racional do problema.

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Todavia, quando consideramos o sofrimento que estas enfermidades causariam às pessoas, temos um problema moral. A velha máxima, encontrada nas mais diversas tradições religiosas, “faça aos outros como gostaria que te fizessem”, ainda é válida e se aplica a toda a questão ambiental. Pois, como podemos ignorar o sofrimento que uma falha na organização da sociedade causa a nosso semelhante, que tem os mesmos direitos que nós à saúde? Então não custa lembrar que exatamente neste momento estão morrendo crianças em todo o Brasil – cerca de cem vidas ao dia – por falta de saneamento. A culpa por estas mortes recai sobre toda a sociedade; mas principalmente sobre aqueles que se propuseram – e por isto foram eleitos – a resolver também estes problemas. Assim, nesta análise, tem peso o aspecto moral da questão ambiental. A segunda conclusão a que chegamos nesta discussão é conseqüência da primeira. Ela diz respeito ao fato de que apesar da preservação do ambiente natural ser um problema moral, ela não pode prescindir da abordagem racional, baseada nos conhecimentos da ciência. Não basta nos sentirmos compelidos a proteger os recursos naturais para as gerações futuras; temos que colocar tal imperativo em prática, através do uso de conhecimentos e recursos para a resolução do problema. Caso contrário aplica-se o ditado: “de boas intenções o inferno está cheio”. Concluímos assim que a decisão de preservar os recursos naturais é uma questão moral. A dita “vontade política” é outro nome para uma decisão moral – pode-se tomá-la ou não. Para colocá-la em prática, no entanto, não podemos prescindir do uso da razão, ou seja, da tecnologia e dos recursos financeiros.

Recursos não-renováveis e renováveis Recursos são substâncias (para não falar “bens”) que extraímos da natureza e que tem alguma utilidade econômica. Esta utilização dos recursos naturais varia de civilização para civilização, de cultura para cultura. A areia existe provavelmente desde o

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surgimento da Terra há 4,5 bilhões de anos, mas foi somente a civilização egípcia, há cerca de 4.000 anos, que ocasionalmente descobriu uma maneira de transformar areia em vidro. O mesmo se aplica a uma série de outros recursos naturais, como o cobre e o estanho, que juntos formam o bronze; o ferro e o carbono, formando o aço. Há também os recursos naturais que são usados in natura, sem sofrerem qualquer tipo de processamento, como o ar, a água, a luz do sol, entre outros. Estes sempre foram considerados como naturalmente disponíveis e por muito tempo – mesmo no regime capitalista – não foram cogitados como bens econômicos. Enfim, quanto mais tecnologicamente sofisticada uma cultura, tanto mais recursos naturais ela utiliza. Há 15.000 anos utilizávamos poucos recursos naturais, hoje utilizamos centenas de milhares, tanto na indústria, como na agricultura e nos serviços. Os recursos se dividem em renováveis e não renováveis. Renováveis são aqueles que se repõem ou se recompõem em curto espaço de tempo (contado em padrões humanos). Renováveis são basicamente: o sol, o ar (atmosfera), a água, a flora, e a fauna. Já os recursos não-renováveis são aqueles que não se recompõem (sempre em padrões históricos e não geológicos), tais como: minerais, solos, oceanos. Na categoria dos recursos naturais temos os recursos energéticos; aqueles dos quais podemos extrair algum tipo de energia. Novamente, precisamos considerar que esta classificação varia de cultura para cultura. Os melhores sábios medievais não saberiam o que fazer energeticamente com o urânio (nem saberiam identificá-lo). Os recursos naturais energéticos podem ser divididos também em duas categorias: - os renováveis, como a água (hidrelétricas, geotermia, energias do mar), o sol (energia solar térmica) a luz (energia fotovoltaica), o ar (energia eólica), os vegetais (energia de biomassa) e os resíduos a base de carbono, em geral (biogás); - os não renováveis, como o carvão mineral, o petróleo, o urânio, o gás natural.

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É difícil fazer uma comparação entre os custos de aproveitamento de cada recurso energético, já que cada um tem suas características, por exemplo: - O custo médio de produção de um barril de petróleo (250 litros) é de US$ 5,00 na Arábia Saudita, mas pode chegar a US$ 16,00 no Brasil (cerca de US$ 0,064 por litro). O preço de produção de um litro de etanol é de cerca de US$ 0,2 por litro. Isto quer dizer que a produção de petróleo no Brasil – apesar de cara em relação à Arábia – ainda é cerca de quatro vezes mais barata do que a produção de etanol. - Outro exemplo é a produção de eletricidade no Brasil a partir de água, que é bem menor que a eletricidade produzida a partir de termelétricas movidas a carvão ou óleo combustível. - O custo da energia produzida a partir do bagaço de cana (biomassa), por exemplo, é bem menor do que a energia produzida a partir de placas fotovoltaicas, ambas de fontes renováveis. Fato é que precisamos estudar caso a caso em suas características. As usinas hidrelétricas, por exemplo, foram construídas há 40 ou 50 anos, e estão com seus custos amortizados. A produção do petróleo é mais barata do que a do álcool de cana – trata-se de um ganho de escala. A produção de energia fotovoltaica (eletricidade a partir de a luz solar) ainda é de custo relativamente alto, por causa do alto preço de fabricação das placas fotovoltaicas. Analisando somente sob este aspecto, as energias renováveis ainda são relativamente caras, já que suas vantagens ambientais não estão computadas. Isto porque as “externalidades” não são incorporadas ao custo do produto não renovável. No preço de produção do petróleo, não é incluído o custo dos riscos de contaminação de solos e águas, nem a poluição atmosférica. Se estes fatores fossem considerados no preço, este combustível teria um preço bem mais alto. É fato que sob este aspecto todas as energias renováveis são mais competitivas e menos poluentes que o petróleo, o carvão mineral e seus derivados. No entanto entre as energias renováveis ainda há também uma escala de preços: a mais barata é a hidrelétrica (se não considerarmos os impactos ambientais, as “externalidades” de

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uma usina hidrelétrica). A hidrelétrica é seguida pela energia de biomassa, já que muitas usinas de álcool têm a produção de eletricidade (co-geração) como atividade secundária. A energia eólica também está começando a ganhar escala no Brasil, com a inauguração de novos parques eólicos no Nordeste e no Sul. A renovável mais cara, ainda permanece a fotovoltaica, já que as placas – além de serem caras – não têm produção nacional. A tendência futura – fato já ocorrendo nas economias mais desenvolvidas – é que o custo das externalidades econômicas inerente ao uso de certas tecnologias, seja incorporado ao preço final do produto e serviço. Em uma primeira fase isto poderá representar um aumento de preços. Se, no entanto, toda a cadeia produtiva passar a incorporar estes custos, as cadeias voltarão ao equilíbrio. Exemplo deste fato é o petróleo: se no passado era bem mais barato, hoje todos os segmentos econômicos já absorveram o aumento deste insumo.

Resiliência e sobrevivência Resiliência é a capacidade que os ecossistemas possuem de voltar à sua forma original. Um trecho de mata atlântica, uma área de mangue ou cerrado podem recuperar sua flora e fauna originais ao longo dos anos. A capacidade de resiliência, no entanto, é mais ou menos limitada. Dependendo do grau de destruição de um ecossistema, este pode não mais restaurar sua variedade de plantas e animais à sua forma original. Recentemente, cientistas observaram que áreas florestais aparentemente recuperadas depois de desmatamento, apresentavam uma diversidade vegetal menor do que a floresta original. A tendência é que o mesmo aconteça com a fauna, já que em processos de destruição ou poluição de habitats e dizimação de espécies, a posterior recuperação da cadeia alimentar não é mais completa. Assim, na falta de um produtor acabam desaparecendo também seus predadores.

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Este processo de destruição de biomas, habitats e ecossistemas está ocorrendo em todo o mundo. O crescimento populacional, aliado à constante expansão das áreas agrícolas, está destruindo o tênue equilíbrio que ainda resta no “ecossistema Terra” (a famosa hipótese de Gaia, do ambientalista nonagenário James Lovelock). A tendência é que o acúmulo de resíduos na água e no solo, a poluição atmosférica, a erosão da terra e a destruição da biosfera – originadas na econosfera, a atividade econômica do homem – acabem conduzindo a humanidade a um impasse. Se por um lado poluímos o planeta, por outro o aumento populacional força-nos a produzir quantidades cada vez maiores de alimentos, destruindo remanescentes de estepes, florestas e outros biomas ainda mais frágeis. O aumento da população também provoca crescimento do consumo, o que requer um uso cada vez maior dos recursos naturais e geração de crescentes volumes de resíduos. A Terra, mais especificamente os sistemas de seres vivos que compõem a biosfera, tem certamente um limite de resistência (resiliência) à poluição e destruição. Não se conhece ainda este limite. No entanto, sabemos que já utilizamos cerca de 30% além das possibilidades de recuperação do planeta (a famosa “pegada ecológica”) – estamos usando recursos naturais em demasia. Não sabemos por quanto tempo a Terra suportará este processo, mas já temos noção que estamos causando uma das maiores mortandades de espécies na história geológica da Terra. A humanidade provavelmente desaparecerá junto com a maioria das outras espécies vivas. Morreremos lentamente, até que depois de algumas centenas de anos somente algumas centenas de milhões de humanos poderão sobreviver com o que restou dos ecossistemas da Terra. Uma elite dominará os recursos e as armas e milhões de pessoas viverão em um mundo destruído e poluído. Os recursos naturais – principalmente os minérios – serão reutilizados até que chegue o dia em que traremos minerais da Lua ou de Marte – onde por esta época também estaremos estabelecidos com pequenas colônias. É evidente que nesta descrição existe muita imaginação. No entanto, não acho provável que possamos sobreviver como

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espécie por muito tempo, com bilhões de bocas para alimentar e um sistema econômico que visa o benefício somente de alguns, ao passo que explora os recursos naturais do planeta. A causa ambiental é moral e parece estar perdida de antemão. O que podemos fazer é postergar ao máximo a data de validade.

“Se não for agora, quando será?” Termina melancolicamente a Conferência sobre Mudanças Climáticas, a COP-18, realizada em Doha, no Qatar. O encontro acaba sem que fossem acordados importantes itens entre os países e marca a saída do acordo da Rússia, do Canadá e do Japão. A imagem mais dramática da conferência, que talvez reflita a urgência da situação, foi o desabafo do chefe da delegação das Filipinas, Naderev Saño, que com a voz embargada e em lágrimas discursava para a platéia: "Por favor, chega de desculpas e atrasos. Abram os olhos para a dura realidade que enfrentamos. Se não for agora, quando será? Se não formos nós, quem será?" O pronunciamento do diplomata arrancou aplausos e lágrimas da audiência. Dias antes, as Filipinas haviam sido atingidas por um tufão que causou grandes estragos no país e deixou um rastro de mais de 500 mortos. Um dos principais motivos do impasse, segundo os especialistas, é quanto ao direito de emitir carbono, ou seja, manter o nível de atividade industrial sem precisar fazer grandes investimentos em redução de emissões. Segundo um estudo recente elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o mundo não poderia emitir mais do que 44 bilhões de toneladas de gás carbônico em 2020, sob pena de aumentar a temperatura média da Terra e assim acelerar o processo das mudanças climáticas. No entanto já em 2012, segundo o mesmo estudo, as emissões mundiais chegam aos 50 bilhões de toneladas. Nesta discussão, países em desenvolvimento e grandes emissores como a Índia e a China argumentam que não podem limitar seu crescimento à custa da redução de suas emissões – já que grande parte de sua energia é gerada a partir do carvão mineral e petróleo. O Brasil, considerado um grande emissor por causa dos desflorestamentos (os quais, no entanto, foram

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reduzidos nos últimos cinco anos), refere-se à responsabilidade histórica pelas emissões, já que os países desenvolvidos vêm emitindo gases a muito mais tempo do que os países em desenvolvimento, por terem se industrializado antes. Assim têm mais responsabilidade quanto ao aquecimento global. Enquanto a questão da equidade em relação ao direito de emitir não se define, permanecem em aberto os outros pontos importantes da discussão. Não está definida, por exemplo, a forma como deverá continuar o acordo. Os países concordaram, no final das discussões, em estendê-lo até 2020, mas ainda não acertaram as condições; o que muda e o que permanece como está. Existe apenas um consenso de que quando vigorar um novo acordo, todos os países terão metas de redução de emissões a cumprir. Outro item é o fundo criado para financiar ações que ajudem os países pobres a enfrentar os efeitos das mudanças climáticas, tais como obras de infraestrutura. Estas nações esperam que o fundo receba um aporte de 100 bilhões de dólares ao ano, a partir de 2020. No entanto, já fazem pressão para que as contribuições anuais para este fundo aumentem a partir de agora. A questão da transferência de tecnologia dos países desenvolvidos para os outros é mais um aspecto ainda indefinido, já que os Estados Unidos bloquearam qualquer menção deste assunto nos textos finais das discussões. Assim, mais uma vez, perdeu-se a chance de estabelecer um acordo sobre o qual se possa construir o futuro e planejar ações de redução das emissões de gases de efeito estufa – seja a nível mundial, nacional ou regional. Os efeitos das mudanças climáticas já se fazem notar: nunca a área de gelo no oceano Ártico esteve tão reduzida, desde que se iniciaram as medições no local em 1979. As consequências do desaparecimento do gelo e do aquecimento das águas do oceano são fenômenos que muito provavelmente ainda trarão outras consequências para o clima da Terra, já que os oceanos atuam como um grande sistema de refrigeração do clima. Outra descoberta, recentemente publicada na revista Scientific American Brasil, traz novos aspectos à discussão sobre o aquecimento global. Até recentemente tudo parecia indicar que os fenômenos resultantes das mudanças climáticas poderiam em parte ser evitados, caso a temperatura média da Terra não subisse mais de 2º C. Isto, segundo a teoria, só seria possível, se as emissões de dióxido de carbono à atmosfera se estabilizassem

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na faixa dos 450 partes por milhão (ppm). Atualmente, no entanto, estamos emitindo 395 ppm e as perspectivas de uma rápida redução – até em vista do próprio impasse no Protocolo de Kyoto – são remotas. Por outro lado, dados indicam que extensas regiões de permafrost no Alasca, Canadá e Sibéria estão se aquecendo e liberando grandes quantidades de metano. Permafrost são áreas de solo congelado, contendo matéria orgânica e grandes quantidades de metano, gás 20 vezes mais prejudicial ao aquecimento global do que o dióxido de carbono. O temor é que a liberação de grandes quantidades de metano na atmosfera acabe acelerando o aquecimento global e, por sua vez, aquecendo cada vez mais áreas de permafrost, acelerando a reação em cadeia. Ainda são imprevisíveis as consequências das mudanças do clima sobre a economia e a política global. Certo é que a continuar neste ritmo, teremos um aumento dos fenômenos climáticos, alguns deles de proporções catastróficas; como os furacões, tufões, ondas de calor, secas, enchentes e vários outros. O impacto destas ocorrências sobre a agricultura, geração de energia, transportes e telecomunicações, poderá ser muito grande, provocando movimentos sociais imprevisíveis. As palavras do diplomata filipino podem ser um aviso ou uma sentença: “Se não for agora, quando será? Se não formos nós, quem será?"

Serviços ambientais da natureza Sem nos darmos conta disto, dizem alguns cientistas, a natureza nos presta um grande número de serviços ambientais. Mas, o que são os serviços ambientais que a natureza nos proporciona? Um exemplo típico é a água. A água é extraída tanto de lagos e rios, quanto do subsolo através de poços. O fato de a água estar lá disponível e limpa já é um serviço que a natureza nos proporciona. Pode parecer evidente que tenhamos água do lago, rio ou poço para usarmos como bem entendemos, mas nem sempre é assim. Além de nos fornecer água para beber, tomar banho, cozinhar, a água do lago ou rio nos ajuda a plantar, nos oferece peixes e diversão. Este é um exemplo de serviço ambiental que a natureza nos proporciona e para o qual não pagamos nada.

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Para compreender melhor o serviço ambiental, vamos usar como exemplo um rio passando por uma cidade. Quando a cidade ainda é pequena o rio é limpo e ainda tem as margens cobertas por matas. A população da cidade ainda pode tomar banho de rio, pescar e até usar a água para beber. O tempo vai passando e a cidade vai crescendo. O rio começa a receber esgoto, já que os sucessivos prefeitos não priorizaram a construção de estações de tratamento de esgoto. Por outro lado, a comunidade tira do rio grande parte da água que é distribuída para o consumo da população. Ano a ano o rio está mais poluído, a água mais suja, e para torná-la potável os custos de tratamento são cada vez mais altos. A várzea do rio começa a ser ocupada por fábricas, que utilizam muita água em seu processo produtivo, sem pagar nada por isso. Assim, extraem grandes quantidades, que devolvem ao rio sem nenhum tratamento. Para completar o quadro de degradação, a falta de fiscalização permite que transportadoras de lixo e entulho joguem os resíduos na beira do rio (é mais barato do que levar até o aterro!). Situações como esta aqui descrita vem acontecendo há anos no Brasil; esta história se aplica à grande maioria das cidades brasileiras. A condição que temos agora é de um ambiente urbano degradado, um rio tão poluído que já não pode mais fornecer água potável para a cidade. Os serviços ambientais que o rio fornecia no passado – pesca, irrigação, água potável, lazer – já não existem mais. Se a cidade quiser ter de volta todos estes benefícios que eram gratuitos, precisará investir muito dinheiro na recuperação do rio. Outro exemplo de serviço ambiental (este bem melhor que o meu) foi dado recentemente pelo climatologista Antonio Nobre e publicado na revista eletrônica Envolverde. Nobre fala dos serviços ambientais proporcionados pela floresta amazônica. O processo é aproximadamente o seguinte: a umidade que vem do oceano Atlântico se precipita sobre a floresta amazônica na forma de chuva. Com o calor, a chuva precipitada volta a evaporar (se fosse uma região árida a água desapareceria no solo e não voltaria a evaporar) e se transforma em nuvens que vem para o Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país. Nestas regiões as nuvens se precipitam mais uma vez, enchendo os reservatórios das

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hidrelétricas que geram 80% da eletricidade do país. A chuva também cai sobre as plantações de soja no Cerrado e de cana-deaçúcar em São Paulo. Toda a agricultura brasileira e vários outros setores da economia dependem desta chuva, deste serviço prestado pela floresta amazônica. Mas, e se a floresta amazônica fosse aos poucos destruída, como o rio do exemplo anterior? Qual seria o impacto sobre a economia brasileira, já que fornece grande parte da água que o país utiliza?

Situação do resíduo urbano: demandas e perspectivas Atualmente, no Brasil, mais de 80% dos cidadãos vivem em cidades; em um século a população do país e a renda per capita foram multiplicadas por treze. O Brasil, desde a década de 1950, deixou de ser uma economia essencialmente agrária, para se tornar um grande centro industrial, com o sétimo maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo. Aos poucos, estamos deixando de ser uma das sociedades com um sistema de distribuição de renda mais injusto do mundo; quase todos os indicadores sociais apresentaram alguma melhora nos últimos quinze anos. No entanto, o país ainda tem um longo caminho pela frente. A questão ambiental – reflexo da situação socioeconômica que o país lentamente está mudando – ainda não foi plenamente incorporada pelo poder econômico e político do país, com raras exceções. Sendo assim, a maior parte da população ainda sofre com as péssimas condições de moradia, a falta de saneamento, a exploração desmedida dos recursos naturais, enfim, o descaso com o direito de todo cidadão. Diz o Artigo 225 da Constituição: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (Constituição Brasileira, 1998). O que ocorre é que a privatização dos bens naturais públicos – que constitucionalmente pertencem a

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todos – ainda reflete relações sociais, econômicas e políticas autoritárias; a questão ambiental no Brasil ainda não é tratada de forma democrática, o que vigora ainda é o interesse dos grupos economicamente (e politicamente, por consequência) poderosos. Esta situação se reflete, por exemplo, na gestão dos resíduos, onde o país continua apresentando baixos índices de coleta, tratamento e correta destinação. Não existem dados definitivos sobre a geração de resíduos no país, já que uma considerável parcela do lixo não é coletada e assim não entra na contabilidade geral. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) informa que a quantidade média de lixo produzida no Brasil é de 0,6 kg por dia e por habitante. Este volume varia de 0,4 kg por habitante na região Nordeste a 1,1 kg na região Sudeste. Especialistas reportam que após a introdução da estabilização econômica do Plano Real e o crescimento da economia a partir de 2003, a geração de resíduos domésticos em todo o país vem gradativamente aumentando, tendo alcançado cerca de 157.000 toneladas por dia em 2009. Aproximadamente 80% das cidades brasileiras dispõem de serviço de coleta de lixo, fornecido pelas administrações municipais ou empresas terceirizadas. Os índices de oferta destes serviços são mais baixos entre as prefeituras das regiões Norte e Nordeste. Todavia, devido à pressão exercida pela legislação e pelo Ministério Público, fazendo com que prefeitos sejam responsabilizados pelos danos ambientais causados por suas administrações, muitas prefeituras estão investindo na construção e expansão de aterros. Por outro lado, segundo alguns especialistas, a falta de recursos disponíveis fará com que os serviços de coleta dos resíduos e sua disposição final sejam gradualmente divididos com o setor privado, através de parcerias públicas privadas (PPPs). Segundo dados publicados pela ABRELPE (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) em 2009 foram gerados no Brasil aproximadamente 57 milhões de toneladas de lixo. Deste volume, foram coletados 50,2 milhões de toneladas. O volume coletado foi gerido como segue:

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Disposição final

Volume anual (em milhões de t)

Aterros sem controle Aterros (regulamentados) Total

21,7 28,5 50,2

Percentagem 43 57 100

(Fonte: Abrelpe)

Segundo dados do CEMPRE (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), em 2009 somente cerca de 4% dos resíduos domésticos foram reciclados (cerca de 2,2 milhões de toneladas). Dados recentes atestam que o avanço da reciclagem é lento, tendo sido implantada até o momento em pouca mais de 443 municípios brasileiros. Apesar de o país ter alcançado o primeiro lugar na reciclagem de latas de alumínio, ultrapassando o Japão, especialistas informam que a estrutura legal recentemente criada ainda precisa ser colocada em prática. Além disso, ainda falta uma rede logística para organizar este mercando, implicando: a) identificação e organização dos fluxos de materiais no mercado; e b) o envolvimento dos atores – fabricantes, consumidores, prefeituras, catadores, recicladores, entre outros – a fim de explorar as oportunidades de negócios, profissionalizando o setor e transformando-o em um mercado em expansão. É fato, que apesar do desenvolvimento industrial e do crescimento da economia, incorporando milhões de novos consumidores nos últimos anos, o Brasil ainda não conseguiu estruturar seu setor de gestão de resíduos sólidos. A Lei Nacional de Resíduos Sólidos já deu início a um processo de debate em toda a sociedade, ao longo do qual foram estabelecidas as responsabilidades dos diversos agentes envolvidos no assunto. O grande desafio na implantação da lei será a incorporação dos diversos atores e o monitoramento do funcionamento do sistema. Por um lado é crescente a conscientização de parte da população com relação à necessidade de programas de reciclagem, à correta destinação de resíduos e a outros temas relacionados. Por outro, é pouco provável que a solução do problema dos resíduos urbanos possa ser baseada apenas no voluntarismo dos entusiastas, no esforço dos catadores e em ações de empresas bem intencionadas. Somente uma ação muito mais ampla, amparada no cumprimento de uma legislação moderna e

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abrangente, aliada à efetiva destinação de recursos públicos para o setor – prevendo também a participação do setor privado –, poderá encaminhar uma solução para o problema dos resíduos urbanos no Brasil.

Transporte de produtos perigosos Em tempos de intensa atividade econômica aumentam as movimentações de cargas. Matérias primas e produtos acabados cruzam o Brasil em diversos tipos de transporte, principalmente em caminhões. Estatísticas informam que 55% das cargas brasileiras são transportadas via rodoviária, através de uma rede nacional de 1,3 milhões de quilômetros de rodovias. Muitas destas cargas são substâncias químicas perigosas: explosivos, inflamáveis, tóxicos, corrosivos, radiativos, entre outros perigos. Normalmente nem os percebemos, mas em nossas cidades e estradas passamos por milhares de caminhões transportando produtos de grande risco ao ambiente e à nossa saúde. Para regulamentar o transporte internacional de produtos perigosos existem normas técnicas e de segurança específicas, elaboradas pela ONU, válidas para as diversas modalidades de transporte: marítimo, aéreo, ferroviário, rodoviários, entre outros. Além destas, no Brasil também existem as normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. Enfim, são regras sobre como deve ser realizada a movimentação de uma carga perigosa; as precauções, o treinamento que deve ter o motorista, a forma de acondicionamento da carga, o equipamento de proteção a ser usado em uma emergência, etc. Mesmo assim, continuam a ocorrer milhares de acidentes com produtos químicos perigosos. Segundo a agência ambiental do estado de São Paulo, a CETESB, os acidentes rodoviários com produtos químicos – mais de 2.200 em 2009 – ainda lideram as estatísticas de acidentes ambientais no estado, representando mais de 30% do total. A maior parte destes acidentes, cerca de 70%, provocou contaminação do solo. Além de contaminar o solo, os produtos químicos podem também alcançar córregos e rios,

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muitas vezes responsáveis pelo abastecimento de água de cidades de pequeno e médio porte. Não é raro acontecer que depois de um acidente, com derramamento de produtos perigosos no curso de água, o sistema de abastecimento da cidade tenha que ser temporariamente desativado. Existem diversos fatores que podem influir na ocorrência de acidentes com produtos químicos perigosos. Grau de conservação das estradas e do veículo transportador, acondicionamento da carga, estado físico e psicológico do motorista, treinamento do condutor para enfrentar um acidente, condições climáticas e meteorológicas, entre outros aspectos. Para minorar os impactos de um eventual acidente químico é importante que o socorro seja feito por uma equipe de bombeiros treinados e outros profissionais especializados em lidar com ocorrências deste tipo. Acima de tudo, deve ser evitado que o acidente se torne um desastre ambiental, contaminando o solo e a água da região. Ainda não existem estudos detalhados sobre o grau de destruição ambiental provocado pelos acidentes rodoviários com produtos químicos perigosos. Sabe-se, por exemplo, que a incidência deste tipo de desastre é felizmente muito menor em áreas urbanas do que em estradas. Outro aspecto, é que as diversas medidas de segurança implantadas pelas companhias transportadoras têm reduzido acidentes e derramamento de produto a cada ano. No entanto, é preciso que a fiscalização continue atuando, visando aumentar cada vez mais a qualidade dos serviços de transporte e a aplicação das normas de segurança.

Tratamento e consumo de água A cada ano, no dia 22 de março, celebra-se o Dia Mundial da Água. A data comemorativa foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992, para levantar discussões sobre este precioso recurso com o lançamento do documento "Declaração Universal dos Direitos da Água". O debate sobre este tema nunca é demais, já que grande parte dos recursos hídricos do planeta ainda está sendo desperdiçada e poluída. O quase

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desaparecimento do mar de Aral na Ásia Central, o rebaixamento do lençol freático em várias regiões do globo, o assoreamento de grandes rios; são sinais de que ainda há muito por fazer na gestão dos recursos hídricos. A água, apesar de ser relativamente comum no universo é rara na forma líquida sobre a superfície dos planetas. A Terra é um dos poucos planetas que abriga grandes quantidades deste elemento: os oceanos contêm 97% da água superficial do planeta; as geleiras e calotas polares têm 2,4%; rios, lagos e lagoas abrigam 0,6%. A água disponível para consumo das espécies vivas, incluindo os humanos, é limitada, mas não insuficiente. Através do ciclo hidrológico o líquido é depurado e redistribuído, atendendo às necessidades dos ecossistemas da Terra. Este processo ocorre desde a formação do planeta, há 4,6 bilhões de anos. Os problemas efetivamente apareceram quando pela ação do homem seu uso se tornou excessivo e a água passou a ser devolvida ao meio ambiente contaminada por elementos orgânicos e inorgânicos, na forma de efluentes e lodos. Nesta situação, o ritmo de depuração natural da água é lento demais para as necessidades de uma civilização perdulária com os recursos naturais e aí começam a aparecer os problemas. Aqui vale lembrar que toda a preocupação com a poluição e a crescente escassez da água em determinadas regiões da Terra, afeta principalmente os seres humanos. Se, por algum acaso, desaparecermos como espécie, o ciclo hidrológico cuidará da despoluição das águas ao longo das eras. Não somos necessários para o funcionamento do planeta. O volume de água disponível na Terra, desde sua origem, permaneceu quase inalterado. Os cientistas afirmam que apesar de toda a contaminação a que é submetida, a água não desaparecerá, mas poderá se tornar cada vez mais poluída e misturada a resíduos sólidos. Este processo fará com que sua limpeza para usos mais nobres se tornará gradualmente mais cara e sua concentração - em lagos, rios e no subsolo – poderá mudar. Por exemplo: a água que se tornou cada vez mais rara no Norte da África nos últimos dez mil anos – seja na forma de precipitação ou no subsolo –, propiciando a formação de um deserto, deslocouse para outras regiões do planeta, através do ciclo hidrológico. São os fatores climáticos como os ventos e temperatura, associados aos aspectos geográficos (montanhas, oceanos, rios, vegetação), que fortemente influenciam a incidência de chuvas,

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principal fator no ciclo da água. Este processo de realocação dos recursos hídricos é constante e sujeito a inúmeros aspectos adicionais, que ocorrem ao longo de extensos períodos de tempo, como as radiações solares, a mudança do eixo da Terra, erupções vulcânicas, maremotos, etc. Daí a grande dificuldade de se desenvolver modelos simulados de ciclos hidrológicos de grandes regiões ou longos períodos. O impacto humano sobre os recursos hídricos aumenta junto com o crescimento da população. Se antes a poluição era restrita a áreas habitadas e de atividade agrícola, com o início da industrialização estes aspectos mudam: em 1800 a humanidade atingiu a marca de um bilhão de pessoas, no início da primeira fase da Revolução Industrial. Daí para frente o crescimento populacional aumentou num ritmo cada vez mais rápido: em 1930 o mundo tinha dois bilhões de habitantes; 1960, três bilhões; 1975, quatro bilhões; 1987, cinco bilhões; 1999, seis bilhões e 2012, sete bilhões de pessoas. O crescimento da população só foi possível com uma maior oferta de bens e alimentos, para cuja produção foi necessário mais consumo de água. Os primeiros impactos significativos que os humanos provocaram sobre os recursos hídricos ocorreram com a prática regular da agricultura, que teve início há aproximadamente oito mil anos. Grandes extensões de áreas plantadas, geralmente localizadas em regiões de pouca precipitação pluviométrica (Egito, Suméria e vale do Indo), precisavam ser irrigadas, através da construção de canais. Assim além de descarregar resíduos e efluentes sanitários nos rios, estas culturas também fizeram obras de engenharia que influíam no fluxo regular dos rios e na qualidade de suas águas. Foram estas as civilizações que primeiramente mostraram uma preocupação com a qualidade da água potável. Métodos de melhoria do gosto ou do odor da água potável datam de antes de 4.000 a.C. Os documentos mais antigos tratando deste tema foram encontrados em tumbas egípcias e em documentos da antiga Índia, onde um texto médico denominado Sus´ruta Samita, datado de 2.000 a.C., dá instruções sobre o tratamento da água. Os métodos incluem a fervura, aquecimento da água pela luz solar, a colocação de ferro aquecido na água, processos de filtragem com gravetos e areia e mistura de certas sementes ou pedras à água. Nas paredes dos túmulos de Amenophis II e Ramses II, faraós do 15º e 13º séculos a.C. respectivamente, encontram-se desenhos de equipamentos para limpeza da água.

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Os gregos e romanos também desenvolveram técnicas para purificação, já que os últimos tinham criado sofisticada engenharia para captação e transporte de água através dos aquedutos. As tecnologias de depuração da água não sofreram alterações significativas durante todo o período medieval, até o início da Era Moderna. As pequenas cidades da Idade Média eram abastecidas por água de poços, espalhados pelo perímetro urbano, oferecendo água de relativa qualidade, limitando o surgimento de epidemias provocadas por água contaminada. A partir dos séculos XI-XII, com o aumento da população urbana e a lenta contaminação do subsolo, a disenteria tornou-se doença comum. Causada por bactérias ou amebas e disseminada por alimentos e água contaminada por matéria fecal, a moléstia ceifou dezenas de milhares de vidas, principalmente de crianças, no período. A partir do século XVIII, com o aparecimento das primeiras empresas de fornecimento de água para residências, o processo de filtragem do líquido tornou-se procedimento regular na Europa. Ao longo do século XIX a captação, preparação e distribuição de água tornamse mais comuns, aliando as novas descobertas na área da medicina – entre outras a descoberta do vibrião da cólera por Koch e os conceitos da microbiologia desenvolvidos por Pasteur – disseminando-se pelas mais importantes cidades da Europa e dos Estados Unidos. Foi somente no início do século XX que os serviços de tratamento de água se popularizaram – pelo menos nos países mais desenvolvidos. No Brasil as primeiras estações de captação e tratamento de água surgiram no final do século XIX e início do século XX, começando pelas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Por volta de 1930 todas as capitais brasileiras possuíam sistemas de tratamento de água. Estes, se não atendiam toda a população, pelo menos forneciam água tratada para as regiões centrais e bairros mais antigos. A partir da década de 1940, com o aumento do êxodo rural e o crescimento da demanda por saneamento, surgem as primeiras empresas públicas e autarquias de serviços de tratamento da água. O setor de saneamento – especificamente o tratamento de água – tem um grande impulso a partir do início da década de 1970 com a implantação do Plano Nacional de Saneamento – Planasa. O plano criou as companhias estaduais de saneamento, obrigou os estados a investirem no setor e estabeleceu linhas de crédito com base em recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A década de 1980,

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também para o setor de saneamento, foi de relativa estagnação, dado o alto endividamento do Estado e as elevadas taxas de inflação. A retomada dos investimentos e a ampliação da infraestrutura do setor só ocorrem a partir da estabilização da economia em 1994, com um aumento dos recursos principalmente com a criação do Plano de Aceleração do Crescimento, em 2007. No entanto mesmo com a criação do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), criado pelo Ministério das Cidades em 2012, e que prevê investimentos de R$ 270 bilhões até 2030, as perspectivas para o setor ainda são incertas. Atualmente, 81% da população do País, cerca de 157 milhões de pessoas, têm abastecimento de água tratada. Os 37 milhões que não são atendidos em suas necessidades básicas de água habitam principalmente a região Norte, o Nordeste e o CentroOeste. Além de deixar de suprir parte considerável da população com água tratada, em média 38% do volume de água tratada são perdidos no sistema de distribuição. Isto sem mencionar que somente 47% do esgoto sanitário são coletados e apenas 38% deste volume coletado é tratado – o que quer dizer que meros 18% do volume total do esgoto gerado no Brasil são tratados. Outro aspecto é quanto à qualidade da água tratada. Segundo dados do Ministério da Saúde, apenas 67% das cidades estão preparados para fiscalizar e avaliar a qualidade da água que sua população consome. Não havendo fiscalização constante, não se conhece a situação da água nas fontes de fornecimento (lagos, rios, nascentes), no tratamento e nem no produto final, distribuído aos consumidores. O problema é grave e já na década de 1960 as autoridades de saúde dos Estados Unidos chegaram à conclusão de que não somente a cor e a presença de patógenos ou produtos químicos deveriam ser os únicos parâmetros na aferição da qualidade da água. Nessa época já havia uma série de novos produtos químicos e farmacêuticos, que chegando às fontes de fornecimento acabavam poluindo as águas e não eram eliminados nos sistema de tratamento – mesmo com tecnologias de adsorção em filtros de carvão ativado. Hoje o número de substâncias químicas de todo o tipo, que por vária maneiras chegam às fontes de captação da água para consumo são bem maiores. Em pesquisa realizada pelo Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com a água consumida na Região Metropolitana da Região de Campinas, foi constatada forte presença de interferentes endócrinos, substâncias que se

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ingeridas por longos períodos podem interferir no funcionamento das glândulas. Durante o período de pesquisa foram encontrados diversos tipos de hormônios e de esteróides derivados do colesterol, produtos de origem farmacêutica e industrial. As concentrações identificadas são em alguns casos mil vezes mais altas do que em países da Europa. Estas substâncias são relacionadas com o aparecimento de diversos tipos de câncer e não são eliminadas pelos sistemas convencionais de tratamento de água em funcionamento no País, segundo especialistas. Mas informações sobre o assunto estão em http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/dezembro2006/ju 346pag03.html. O tratamento da água com adição de cloro é bastante eficiente em um país onde grande parte das fontes de fornecimento já está contaminada por efluentes domésticos. Isto porque, grandes volumes de efluentes não tratados são descarregados nos rios e lagos, que por sua vez também fornecem água para consumo humano. Assim forma-se o círculo vicioso: a baixa qualidade da água captada faz com que o tratamento se torne cada vez mais caro; e a descarga dos efluentes torna as fontes de fornecimento cada vez mais poluídas, encarecendo seu tratamento para consumo humano. Desta forma sobram poucos recursos para tecnologias de tratamento da água mais avançadas que o cloro ou dióxido de cloro, desinfetantes que não são unanimidade entre os especialistas. Descobriu-se, por exemplo, que certos patógenos de água potável são resistentes ao cloro e podem causar doenças como a hepatite, gastrenterite, criptosporidiose e Mal do Legionário. Nos Estados Unidos, menos de 60% da água para consumo humano têm adição de cloro; e em níveis mais baixos que no Brasil – 4 PPM (parte por milhão) contra cinco PPM no Brasil. Na Alemanha e Holanda o elemento só é utilizado em alguns casos, já que as fontes de fornecimento são protegidas e controladas, proporcionando a captação de água de alta qualidade, com pouca necessidade de tratamento. Pesquisas indicam que a exposição prolongada ao cloro pode ocasionar câncer de bexiga, do aparelho digestivo e de mama, devido à tendência do cloro de interagir com compostos orgânicos na água, formando trialometanos (THM) e ácidos haloacéticos (HAA5). O Brasil ainda está engatinhando no que se refere ao tratamento e distribuição de água potável. Em uma primeira fase é preciso atingir algo em torno de 95% de água tratada – mais do que isto é

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utópico para um país com as dimensões do nosso. Mesmo o sistema alemão, eficiente e descentralizado (operado por cerca de 6.000 empresas concessionárias) não chega a atender 100% da população. Quando alcançaremos esta marca de pessoas abastecidas com água tratada é difícil estimar; talvez em 10-20 anos, dependendo de fatores econômicos e sociais. Em uma segunda fase provavelmente seriam implantados sistemas de avaliação e fiscalização das fontes de fornecimento. Para que esta providência seja efetiva, terão que ser reduzidos ou eliminados os níveis de poluição por efluentes domésticos de rios e lagos, que funcionam como fonte de captação de água para consumo. Em uma terceira fase poderiam ser implantados sistemas mais eficientes de tratamento – já em uso em algumas poucas unidades de tratamento – como sistemas de ozonização (O³) e tratamento com raios ultravioleta (UV), que eliminariam a prática da cloração da água. Esta solução provavelmente não será aplicada a todas as unidades de tratamento do país, já que fatores econômicos e características regionais poderão requerer outras tecnologias. Outra possibilidade, possivelmente a mais provável, é que os avanços técnicos citados acima ocorram de maneira diversa, em ritmos de implantação diferentes, nas variadas regiões do País.

Uso e abuso de agrotóxicos Grande parte do sucesso da agricultura brasileira está baseada nas tecnologias introduzidas pela "revolução verde", a partir dos anos 1960. Este tipo de agricultura foi desenvolvido pelo agrônomo americano Norman Borlaug, prevendo o uso de mecanização, adubação química e de defensivos agrícolas. O Brasil foi um dos maiores campos de testes da revolução verde. Com isso, desenvolveu-se uma forte indústria de máquinas agrícolas, adubos e defensivos. O mercado dos defensivos agrícolas, também chamados de agrotóxicos, se expandiu junto com o agronegócio, fazendo com que atualmente o Brasil seja o maior consumidor mundial destes produtos, utilizando 16% de todo volume produzido. Aqui, como em todo o mundo, as vendas estão dominadas por seis grandes

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empresas: Monsanto, Bayer, Basf, Syngenta, Dow, Novartis e Milenia. O setor dos defensivos agrícolas é fortemente oligopolizado e por isso exercer uma forte influência sobre diversos segmentos da sociedade. Assim, foi somente em 2012 que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) conseguiu introduzir normas internacionais para a aprovação de venda de agrotóxicos. A partir de agora, empresas que desejarem lançar um novo produto no mercado, terão que apresentar estudos e testes de produto mais detalhados. A medida era bastante esperada, já que a maioria dos agrotóxicos utilizados na agricultura brasileira são classificados como “perigosos” ou “muito perigosos”, segundo um relatório do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). A periculosidade dos agrotóxicos e, principalmente, seu uso descontrolado está causando prejuízos em diversas áreas. Grande parte dos rios localizados em zonas de monocultura está parcialmente contaminada por agentes químicos contidos nos produtos, provocando a morte de parte dos ecossistemas. Os próprios produtos agrícolas, também acabam contaminados: em 2009 uma pesquisa da ANVISA detectou restos de agrotóxicos proibidos ou utilizados acima do limite, em amostras de alimentos coletados em 26 estados. Fato recente relacionado com a contaminação de alimentos por agrotóxicos ocorreu em final de 2011, quando o governo americano identificou lotes de suco de laranja provenientes do Brasil contaminados por um fungicida proibido nos Estados Unidos, mas largamente utilizado por aqui. Por fim, a contaminação acaba atingindo também as pessoas: entre 1999 e 2009 foram notificados pelo SINITOX (Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas - Ministério da Saúde/FIOCRUZ) 62 mil intoxicações por defensivos agrícolas e houve o registro de 1876 mortes. Segundo a maior parte dos especialistas, não é possível manter o nível de produtividade agrícola no mundo, sem o uso dos agrotóxicos – esta opinião, no entanto, não é unânime. Por outro lado, são imensos os volumes de produtos aplicados (e perdidos em parte) na nossa agricultura. Por isso, cabe perguntar até que

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ponto todas as medidas de prevenção e proteção estão sendo cumpridas pelas partes envolvidas – fabricantes, distribuidores e usuários de agrotóxicos.

A falta que o planejamento urbano faz Em vários artigos vimos tratando das condições das grandes cidades, situadas em países pobres e em desenvolvimento: expansão urbana fora de controle; alto impacto nos recursos naturais como ar, água e solo; e pouca oferta de serviços públicos. O mais grave problema, no entanto, é a falta de um planejamento regular, a ausência de políticas públicas que possam imprimir uma direção ordenada e controlada ao crescimento destas cidades. A cidade de São Paulo é um exemplo desta falta de ordenamento urbano, em grande parte devido a seu próprio desenvolvimento histórico. Núcleo urbano afastado da costa, posto avançado do império português em meio ao sertão bravio, São Paulo permaneceu uma vila de alguns milhares de habitantes durante mais de trezentos anos. Foi somente na segunda metade do século XIX que a pequena cidade começou a ganhar importância com o desenvolvimento da economia cafeeira do interior do estado. Desta época datam os primeiros ordenamentos urbanos e as primeiras intervenções do poder público, visando direcionar o crescimento e o funcionamento dos serviços da cidade. Mesmo assim, um primeiro planejamento – pelo menos no que se refere aos fluxos de transporte na cidade – só apareceu na década de 1930, durante a primeira administração do prefeito Prestes Maia (1938-1945). Passou um longo tempo e o primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de São Paulo foi elaborado, em 1971, durante a administração Figueiredo Ferraz. O primeiro zoneamento urbano da cidade data de 1972, quando a cidade já ultrapassava os seis milhões de habitantes. O Plano Diretor Estratégico do Município só foi aprovado em 2002, durante a administração Marta Suplicy, tendo sido revisto em 2009. Percebese por mais este exemplo que planejamento nunca foi item de

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grande importância na administração pública brasileira. E o problema continua, mesmo com as administrações municipais de grandes cidades podendo contar com sofisticados mapas do município feitos por satélites, sistemas computacionais e modernos softwares para fazer diversos tipos de simulações. O exemplo mais recente da falta de planejamento – além dos inúmeros casos com os quais deparamos a cada dia – é o caso da verticalização de diversos bairros da capital. Segundo declaração da urbanista Lucila Lacreta, da ONG Defenda São Paulo, publicada recentemente no jornal O Estado de São Paulo, a Prefeitura está aprovando uma série de empreendimentos e não vem levando em conta os impactos cumulativos destes. Ainda segundo a urbanista, a Secretaria da Habitação aprova determinados projetos e a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) outros. Todavia, não existe uma análise mais ampla do impacto destas iniciativas, assim como o planejamento do transporte público, com trens, ônibus e metrô, é esquecido. O avanço dos projetos imobiliários em várias regiões da cidade está priorizando o transporte individual, o que deverá aumentar ainda mais os congestionamentos nestas regiões e com impactos no resto da cidade. Somente na Marginal do Rio Pinheiros, a construção de doze novos grandes empreendimentos deverá levar cerca de 50 mil veículos a mais para a região. Assim, apesar de toda a tecnologia disponível, o planejamento urbano continua sendo um dos grandes problemas de São Paulo. Por que por aqui é tudo tão difícil?

As megacidades Cerca de 3,3 bilhões de pessoas, mais da metade da população mundial (51%), está morando em cidades. Até 2030, segundo o Programa Habitat da Organização das Nações Unidas, serão 60%. Um crescimento muito rápido na história da humanidade, quando sabemos que até 1900 somente 10% das pessoas de todo o mundo viviam em cidades. No Brasil, o processo foi ainda mais rápido: entre 1940 e 1990 o percentual da população urbana aumentou de 20% para 80%. A mecanização do campo e o

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crescimento da industrialização, fizeram com que milhões de pessoas se deslocassem da zona rural para as médias e grandes metrópoles, à procura de melhores condições de vida. Este processo ainda ocorre em muitas partes do globo, principalmente nos países em desenvolvimento como a Índia e a China. Este deslocamento populacional foi um dos fatores que deu origem à formação das megacidades; aglomerados urbanos com mais de 10 milhões de habitantes. Hoje existem no mundo 25 megacidades, a maioria delas situadas em países pobres e em desenvolvimento. Os dez maiores aglomerados urbanos do planeta são, em ordem de tamanho: Tókio, Nova York, Cidade do México, Mumbai, São Paulo, Nova Delhi, Xangai, Calcutá, Daka e Buenos Aires. No Brasil, São Paulo com cerca de 20 milhões de habitantes em sua região metropolitana, e Rio de Janeiro com 12 milhões, são consideradas megacidades. Por causa dos grandes problemas que concentram, a atenção dos cientistas de diversas áreas se volta cada vez mais para estes imensos centros urbanos. Nestes, o mais premente desafio a ser enfrentado é o da poluição atmosférica, provocada pelas emissões veiculares. São Paulo, por exemplo, possui hoje mais de sete milhões de automóveis, 16 mil ônibus e 600 mil motocicletas, trafegando por 15 mil quilômetros de ruas e avenidas. A poluição gerada por esta frota é imensa, mesmo com a introdução de programas de controle de emissões veiculares. O coordenador do laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da USP, o médico Paulo Saldiva, estima que ocorram 19 mortes na cidade por dia, ocasionada pela poluição do ar – só em 2009, o número de falecimentos atingiu sete mil. Notícias recentes dão conta de que no mundo inteiro cerca de dois milhões de pessoas morrem ao ano por doenças causadas pela poluição do ar. Outro problema enfrentado pelas megacidades é a questão do lixo. A periferia das cidades, que cresce continuamente, vai ocupando as últimas áreas ainda disponíveis para construção de aterros sanitários. A solução, segundo especialistas, é o aumento da reciclagem, associada à biocompostagem dos resíduos orgânicos e à incineração dos resíduos restantes, com geração de energia. A cidade de São Paulo, que gera diariamente 12 mil

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toneladas de lixo, teria que investir alguns bilhões de reais para poder solucionar definitivamente o problema de seus resíduos. A falta de transporte público e saneamento são outros dois grandes problemas ambientais que afetam as grandes metrópoles. Altos investimentos em metrô e trens de superfície são necessários para que o usuário possa chegar mais rapidamente ao destino e, se possível, deixar seu veículo em casa. A taxa de saneamento – água e esgoto – ainda é insuficiente em várias metrópoles, como Mumbai e Calcutá na Índia, causando epidemias de cólera e infecções intestinais, principalmente entre as crianças. Fenômeno social recente na história da humanidade, as megacidades representam um desafio, mas também um interessante laboratório de novas experiências de convivência humana.

Cidades: evolução e impacto A população urbana está aumentando em todo o mundo. A industrialização, trazendo melhores condições de trabalho, está levando milhões de pessoas - principalmente na Índia e na China a se mudarem do campo para a cidade. No Brasil, já somos mais de 83% da população vivendo nos espaços urbanos formados, principalmente, por aglomerações de pequeno porte, com menos de 20 mil habitantes. Este é um fenômeno que merece uma análise mais detalhada. Nunca, em nenhum período anterior, uma parcela tão elevada da população viveu nesta invenção relativamente recente da história humana: a cidade. Os primeiros núcleos urbanos surgiram entre 5.500 e 6.000 anos atrás, na região da Suméria, onde hoje se localiza o Iraque e a Síria. Segundo os arqueólogos, estas aglomerações humanas tinham inicialmente uma função religiosa, ou seja, eram locais de culto e não de moradia; algo comparável aos atuais centros de romaria religiosa. No decorrer dos séculos estes locais passaram a atrair uma população cada vez maior, formada principalmente

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por artesões e comerciantes, que vendiam objetos e víveres aos romeiros. Mais tarde, a hierarquia religiosa que controlava o templo também passou a assumir funções administrativas, organizando as principais atividades da nascente cidade. Estes antigos núcleos urbanos foram crescendo, até desenvolverem os rudimentos das estruturas administrativas que hoje encontramos em na cidade moderna. Assim, depois de vagar por 50 mil anos pela Terra, o homo sapiens acabou criando a cidade. Foi na cidade que se desenvolveram e divulgaram algumas das mais importantes invenções da história humana: o estado e sua administração, a religião organizada, a escrita, o comércio e toda a cultura humana, entre as principais. Não fossem as cidades e as interações sociais que estas proporcionam à nossa espécie, não teríamos quase nenhum tipo de tecnologia; ficaríamos até hoje provavelmente limitados aos machados, facas, arco e flecha; ao domínio do fogo, do arado primitivo, da cabana e, talvez, da carroça e da roda. Hoje se aglomeram bilhões de pessoas nas cidades; consumindo imensas quantidades de água, energia, matérias primas e produtos de todos os tipos. Imensas filas de automóveis, ônibus, caminhões, metrôs e trens transportam pessoas e mercadorias para dentro, para fora e através das cidades. Com toda esta atividade são geradas montanhas de resíduos; fumaça, efluentes e lixo. O impacto humano sobre o planeta é cada vez maior; consumimos cada vez mais recursos, aumentando a destruição do ambiente natural - o mesmo ambiente que cria as condições para que nossa espécie, junto com muitas outras, possa continuar habitando o planeta. É por este motivo que as administrações municipais têm um papel cada vez mais importante no âmbito local, regional e mundial. A soma dos erros praticados pelas cidades em relação ao ambiente pode ter um grande impacto em vastas regiões, talvez até em toda a Terra. Uma administração municipal voltada para a boa gestão dos resíduos urbanos, da organização do transporte público, da construção e do planejamento territorial, entre outras providências, também está contribuindo para reduzir o impacto das atividades sobre o ambiente, promovendo a preservação de recursos.

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Cidades, onde a vida acontece O desenvolvimento de um país se dá nos municípios, nas cidades. No âmbito municipal o cidadão tem acesso – ou pelo menos deveria ter, já que a Constituição garante o direito – à educação, saúde, transporte público, cultura, lazer, entre os principais benefícios. Estes serviços, que as prefeituras são obrigadas a oferecer a todo e qualquer cidadão brasileiro, são custeados por recursos municipais ou, na falta destes, por verbas estaduais ou federais. O que não pode acontecer é que verbas do caixa municipal, ou recebidas através de repasses estaduais, sejam utilizadas pelo prefeito para investir em obras desnecessárias ou manter uma máquina administrativa sobrecarregada, com excesso de funcionários ou altos salários. Por isso a importância da Lei de Responsabilidade Fiscal, oficialmente Lei Complementar no. 101, que impõe um justificado controle das despesas de estados e municípios, condicionando os gastos à capacidade de arrecadação de tributos. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi criada no governo de Fernando Henrique Cardoso e representou uma vitória do bom senso e da justiça na administração pública. A partir da aprovação deste marco legal foram introduzidos diversos mecanismos de controle do executivo municipal, estadual e até federal, que podem proporcionar uma aplicação mais democrática das verbas públicas. Estes recursos, parece óbvio dizer, não são públicos porque são geridos pelo setor público. São públicos porque pertencem a todos nós, o povo. Foram gerados por nós, pelos nossos impostos, e devem ser investidos em nosso benefício. Toda vez que um administrador está utilizando dinheiro público de maneira indevida – em casos extremos até se apossando destes recursos – ele está cometendo um crime contra o país. Em alguns lugares, criminosos deste tipo são trancafiados por longos anos e condenados a devolver tudo que subtraíram – quando não acontece coisa pior, como na China. A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) realizou recentemente uma pesquisa, mostrando a situação financeira das 5.266 cidades brasileiras. O resultado demonstra

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que apesar de um lento progresso – resultado principalmente da Lei de Responsabilidade Fiscal – ainda duas em cada três cidades brasileiras (63,5%) vivem em situação financeira difícil ou crítica. A pesquisa levou em consideração cinco critérios principais: a) a capacidade de arrecadação do município; b) os gastos com pessoal; c) capacidade de fazer investimentos; d) o custo da dívida do município em longo prazo e) a liquidez. A pesquisa constatou que gastos com pessoal – funcionários públicos diretos e indiretos – e a baixa arrecadação dos municípios, ainda são os maiores problemas. No cômputo geral, as cidades brasileiras se dividem da seguinte maneira: 94 (1,8%) estão com um conceito excelente em gestão; 1.822 (34,8%) têm gestão classificada como boa; 2.302 (43,7%) estão enfrentando dificuldades; e 1.048 (19,9%) têm nível de gestão crítico. Os cidadãos de cada cidade brasileira sabem ou deveriam saber como o prefeito está gerenciando seu município. A promessa de asfalto, esgoto, da creche, e da nova escola profissionalizante são pendências que devem ser cobradas. A chegada das eleições municipais é nova oportunidade de se informar sobre o que está acontecendo no município e tentar melhorar a própria vida através do voto consciente.

Enchentes e a responsabilidade do Estado O melhor Estado é aquele que é controlado pela maioria dos cidadãos. Governos – sejam federais, estaduais e municipais – devem atuar em benefício da maior parte do povo e não para grupos de interesse. Na história do país, no entanto, foi quase sempre isto que aconteceu. Utilizando-se de mecanismos jurídicos, de pressão política, de todo tipo de expedientes ilegais e até da violência, os grupos que detinham o poder econômico e político usaram o Estado e seus instrumentos em benefício próprio. À parte restante da população – a maioria – sobrava a tarefa de participar obrigatoriamente das eleições (quando as havia) e pagar (se pudesse) os seus impostos. Como contrapartida, mas nem sempre, recebia serviços públicos; ensino,

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saúde, transporte, segurança – todos de baixa qualidade. A situação ainda continua em grande parte a mesma, apesar da propaganda do governo custeada com nossos impostos. Pagamos para sermos enganados. Dentro deste quadro também se situa a expulsão dos moradores pobres para as regiões de várzea, desde a segunda metade do século XIX até a década de 1950, principalmente nas grandes cidades. Os terrenos localizados nas baixadas de rios eram mais baratos e por isso podiam acomodar as classes de menor poder aquisitivo. No decorrer dos anos, com o crescimento da população e o aumento da urbanização, as áreas tomadas aos rios se tornaram cada vez mais densamente povoadas. Ao mesmo tempo, a construção de avenidas e a impermeabilização, fez com que a água da chuva não pudesse mais penetrar no solo. Em sua corrida para as partes mais baixas, a chuva acaba diretamente nos rios, aumentando seu volume e provocando enchentes. As primeiras áreas afetadas durante as chuvas são exatamente as zonas de baixada, situadas pertos dos córregos e rios, e por isso sujeitas a constantes inundações. As pessoas morando nestas áreas sofrem com os alagamentos há dezenas de anos, apesar das obras públicas, aparentemente realizadas para evitar tais catástrofes. É uma situação muito difícil: populações sujeitas a inundações anuais que destroem móveis e eletrodomésticos; casas desvalorizadas devido às águas e seus moradores sem recursos para se mudarem do local; este cidadão vive sem alternativas. Nem companhias de seguros garantem imóveis ou bens localizados nessas áreas de constantes enchentes. Os órgãos públicos também pouco se importam com a população destas localidades, apesar de no passado terem sido coniventes com a construção dos imóveis e a urbanização das áreas. Agora o Ministério Público Estadual (MPE) pretende tomar providências em relação a este problema. Autoridades municipais como subprefeitos, secretários e até o prefeito poderão ser processados por improbidade administrativa, caso enchentes voltem a ocorrer em áreas já conhecidas por freqüentes alagamentos. O argumento a ser utilizado é o fato de que no caso da reincidência das enchentes o administrador público não fez o

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seu dever, seja pelo fato de não haver realizado a obra ou de havê-la efetuado de maneira incorreta, fazendo assim um mau uso do dinheiro público. Neste caso o MPE entrará com uma ação civil pública contra o administrador, solicitando a reparação dos danos materiais e morais dos moradores. O dinheiro arrecadado pela ação será destinado a um fundo, o Fundo Estadual de Reparação dos Direitos Difusos e Coletivos, que planeja ações antienchentes. O administrador, por outro lado, ficará com sua “ficha suja”, atestando que não resolveu um problema do qual já tinha conhecimento há pelo menos três anos. Este aspecto pouco recomendável da carreira política do tal administrador deverá então ser lembrado à época das eleições, mas será? Nosso país tem memória curta e tais fatos logo serão esquecidos. Melhorias só ocorrerão quando houver efetivamente um planejamento do futuro e um reordenamento do presente das cidades. Intervenções no ambiente urbano que ao mesmo tempo em que resolvem problemas presentes, também estão com um olho no futuro, antecipando conseqüências das ações presentes. Nossos administradores têm capacidade para isso?

Evolução tecnológica e saneamento A disponibilidade de água, seja para consumo ou uso agrícola, sempre foi crucial para as populações humanas. Não é por outra razão que desde o período Neolítico as aldeias, cidades e civilizações sempre se estabeleceram perto de rios e lagos. Os egípcios tornaram-se exímios construtores de canais, para levar a água do Nilo para o interior dos vales e manter a produção agrícola, necessária à sobrevivência da população. Dada a necessidade de conjugar a agricultura e a construção de canais em um mesmo espaço limitado, a civilização egípcia criou e desenvolveu a agrimensura e a geometria. Na Itália e em outras partes de seu império, os romanos usaram uma sofisticada técnica na construção de aquedutos e sistemas de

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canalização de efluentes. A engenharia romana era capaz de trazer água de 50 a 80 quilômetros de distância, em volumes suficientes para abastecer cidades populosas como Roma, Pompéia, Antioquia e Éfeso - além de drenar os efluentes. Para realizar estas obras de infraestrutura, os arquitetos e construtores romanos tiveram que desenvolver uma técnica bastante avançada, fruto das experiências acumuladas durante décadas ou séculos. O conhecimento adquirido na construção de pontes e sistemas de água e esgoto, também capacitou os romanos a aplicarem esta tecnologia em outras edificações, como o Coliseu e o Capitólio; grandes obras que exigiram o domínio de elaboradas técnicas de construção. Em toda a história da civilização as tecnologias foram inicialmente desenvolvidas para atender a necessidades básicas, como o abastecimento de água e o saneamento, tendo sido posteriormente aplicadas para outros fins. Nestes milhares de anos que nos separam do império egípcio e romano, nossa civilização desenvolveu sofisticada tecnologia para a eficiente gestão dos recursos hídricos. Principalmente a partir da segunda metade do século XIX, quando surgiu a moderna mecânica e hidráulica, a engenharia de construção e a química; e as cidades iniciaram a construção de sistemas de captação, tratamento e distribuição de água e coleta e esgotos. Estas tecnologias são hoje plenamente conhecidas e disponíveis; o fato de que cerca de 2,9 bilhões de pessoas em todo o mundo ainda vivem em áreas sem coleta ou tratamento de esgotos, deve-se à falta de recursos financeiros e vontade política de atender estas populações. Exemplo desta situação é o Brasil, onde cerca de 70% do esgoto não é tratado, poluindo rios, praias, lagos e fontes de água. A continuar neste ritmo, não chegaremos nem a atingir as Metas do Milênio, acordadas por todos os países junto à ONU, e que prevêem, entre outras coisas, que até 2015 se reduza em 50% o número de pessoas sem acesso ao saneamento básico em todo o mundo. As obras para a instalação de redes de coleta e estações de tratamento de esgoto costumam ser classificadas como muito caras. Durante a década de 1990, por pressão do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil chegou a reduzir drasticamente investimentos em infraestrutura de saneamento. Com isso, prefeituras e Estados dizem não possuir recursos

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financeiros suficientes para alocar em tais obras, apesar de existirem vários exemplos de cidades que conseguiram encontrar uma solução para o problema, com recursos próprios. Muitas das companhias estaduais de saneamento, que tem a concessão dos municípios para fornecer serviços de tratamento de água e esgoto, não cumprem com sua parte do acordo. Enquanto isso, em regiões pobres e sem assistência, as crianças continuam morrendo por causa de infecções e viroses, transmitidas por água contaminada. Nesta situação, quem sai prejudicado é o cidadão, exatamente aquele para o qual a estrutura do Estado deveria funcionar. Paradoxalmente parece que os antigos tinham, em muitos assuntos, uma visão muito mais clara das necessidades básicas do que os modernos. Enquanto muitas cidades da Antiguidade eram relativamente bem atendidas por serviços de saneamento, ainda existem milhares de cidades modernas que não dispõem desta infraestrutura. A tecnologia moderna, mais eficiente e acessível, ainda não é distribuída democraticamente.

Gestão urbana e meio ambiente Nas campanhas dos candidatos para as eleições municipais chamou mais uma vez atenção o pouco destaque que tiveram as questões ambientais. Ao invés de incorporarem o assunto como tema transversal os candidatos se limitaram a atacar os sintomas as péssimas condições do transporte, a falta de parques, as enchentes, e outros males que nos afetam há décadas - ao invés de atacar as causas, trazendo a ecologia para a gestão das cidades. Um dos maiores problemas nas médias e grandes cidades brasileiras, a questão da mobilidade da população, tomou proporções tais, que se transformou em fator gerador de grandes impactos ambientais e de problemas de saúde para a população. Historicamente, o transporte urbano sempre foi tratado de maneira simplista, sem planejamento de longo prazo. As soluções sempre foram as de mais fácil introdução; ampliar o uso do ônibus e do automóvel particular, demandando menos recursos e tempo de

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implantação e rendendo dividendos já nas eleições seguintes. Cidades como Londres, Moscou e Paris, iniciaram a construção de seus sistemas metroviários na primeira década do século XX, enquanto que no Brasil a primeira linha foi iniciada nos anos 1970, em São Paulo. Os parques públicos, construídos na maioria das grandes cidades principalmente para servirem de área de lazer e contato com o verde para as classes trabalhadoras, também não fizeram parte do planejamento das nossas administrações municipais. O problema é nítido nas periferias das grandes cidades, onde o poder público raramente considerou o lazer de seus moradores, formados por trabalhadores assalariados de baixa renda. A falta de parques e outros locais de lazer e cultura é um dos principais fatores da sensação de falta de perspectivas da população que habita os bairros mais afastados. Iniciativas recentes como a utilização de escolas para tais atividades são ações paliativas. Todo verão voltam as enchentes, que afetam a vida de centenas de milhares de cidadãos. Não se trata, evidentemente, de um fenômeno que só ocorre nas cidades brasileiras. Várias cidades da Europa e dos Estados Unidos são regularmente afetadas por enchentes, provocadas principalmente pelo degelo da primavera, aumentando o volume dos rios. No Brasil o problema sempre foi empurrado com a barriga, tratado como fato inevitável, "acidente da natureza" (desculpa cara a uma cultura ainda supersticiosa), deixando a população a sua própria sorte – coincidentemente sempre os mais pobres. Investimentos na previsão e na prevenção de catástrofes ainda são pouco priorizadas, já que os afetados têm pouca força política e econômica. De uma maneira geral os candidatos e seus partidos ainda não se deram conta de que muitas das mazelas de nossas cidades poderiam ser minoradas se o aspecto ambiental fosse considerado no planejamento urbano. Ao longo da história das cidades acumularam-se problemas, que deram origem a outros. A intervenção do poder público sempre foi pontual, o que pouco contribui para dar um novo direcionamento ao crescimento urbano e às atividades que se exercem na cidade. A situação chegou a tal ponto, que já não existe mais um conjunto de soluções que possam melhorar em pouco tempo a condição das cidades. O que podemos esperar é que um sequencia de boas administrações comece gradualmente a ordenar o caos que se instalou.

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Migrações e ambiente Desde a pré-história os homens se deslocam para outras regiões, em busca de melhores condições de vida ou para fugir de alguma ameaça. A atual região do deserto do Saara, por exemplo, já teve exuberante vegetação e era cortada por rios, habitados por crocodilos, hipopótamos e bandos de caçadores. No entanto mudanças climáticas ocorridas ao longo dos últimos 10 mil anos, relacionadas com o fim da mais recente Era Glacial, tornaram o clima do Saara mais seco, com menos precipitação pluviométrica. O avanço do deserto fez com que grupos humanos que habitavam a região se deslocassem para as margens do rio Nilo, onde havia fertilidade e oferta de água. Aos poucos esta população humana foi desenvolvendo uma cultura peculiar, dando origem à civilização egípcia. O processo de formação da civilização suméria (cerca de 4.500 a.C. na região dos rios Tigris e Eufrates) e da civilização de Mohenjo Daro (situada no vale do rio Indo em 2.500 a.C.) deve ter sido semelhante. Fato parecido ocorreu no início da Idade Média, entre os séculos V e VIII, quando povos germânicos vindos do leste da atual Rússia invadiram a Europa central e ocidental, provocando grandes transformações políticas e sociais. A chegada destes povos – ostrogodos, visigodos, alanos, vândalos, entre outros – contribuiu para a formação da organização social que mais tarde se convencionou chamar de civilização cristã ocidental e da qual também somos herdeiros. As migrações de povos sempre exerceram grande influência sobre o meio onde ocorreram. A chegada de pessoas com outros costumes, outras tecnologias, crenças e organização social diferente, provoca um grande impacto; seja no ambiente humano ou natural onde se estabelecem. Tal fato fica claro se compararmos a chegada dos primeiros povos ao território onde hoje fica o Brasil, há cerca de 15 mil anos, com a vinda dos europeus, há 500 anos. Os primeiros habitantes que aqui se estabeleceram provocaram um impacto ambiental bastante reduzido. Apesar de promoverem queimadas para o plantio, praticarem o manejo florestal em pequena escala e terem práticas

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de adubagem do solo (a “terra preta de índio” da Amazônia), poucas marcas sobraram das atividades destes primeiros moradores. Bem diferente foi o impacto provocado pela chegada dos europeus. Além de destruírem o ambiente natural – começando pela extração do pau-brasil e a derrubada da mata para o plantio de cana-de-açúcar – os europeus (ou portugueses) também destruíram o ambiente cultural das tribos indígenas. A escravidão, os massacres e as doenças, contra as quais os indígenas não tinham anticorpos, acabaram dizimando povos e culturas que levaram milhares de anos para se formar e estavam bem adaptados ao seu habitat. Aqui ainda cabe lembrar que tal processo ainda não terminou. A cada ano se descobrem novas tribos indígenas, que nunca tiveram contato com a nossa cultura, e que deixarão de existir nas próximas décadas – graças ao processo de expansão de nossa atividade econômica, com a construção de estradas e barragens, a mineração, o desflorestamento, criação de gado e avanço da fronteira agrícola. Especialistas tentam hoje escrever uma história da espécie humana, sob ponto de vista dos deslocamentos e do impacto que estes provocam em outros ambientes e culturas. Trata-se de uma nova perspectiva, mais dinâmica e interativa, da qual todos nós fazemos parte.

Novo êxodo rural afetará as cidades Mais uma previsão preocupante acaba de ser divulgada pelos cientistas nas últimas semanas. Segundo especialistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o êxodo do campo para as cidades deverá aumentar em todo o mundo durante a próxima década. A tendência é que o aumento da mecanização reduza cada vez mais a oferta de trabalho na agricultura, forçando a população a procurar melhores oportunidades nas cidades. Esta movimentação de pessoas fará com que cresça a demanda por serviços como educação, saúde, transporte e saneamento, além de acelerar a

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procura por moradias. O fato deverá gerar uma grande pressão sobre as estruturas urbanas, forçando as administrações municipais a aumentarem seus investimentos nestas áreas. Não é a primeira vez que este fenômeno acontece. Vários países em desenvolvimento viram ocorrer grandes deslocamentos da cidade para o campo durante as décadas de 1950 a 1980, quando se formaram grandes metrópoles em todo o mundo. Nos últimos 20 anos o fato se repetiu na China, onde cerca de 20% da população (260 milhões) se mudou dos campos para os centros urbanos. Na África, 45% dos habitantes do continente (360 milhões) deverão estar morando em cidades até 2015. No Brasil, cuja população se tornou majoritariamente urbana em menos de meio século, o êxodo rural também deverá continuar. A mecanização cada vez maior de diversas culturas agrícolas diminui cada vez mais o número de postos de trabalho, como já vem acontecendo gradualmente na cultura da cana-de-açúcar. Baseado em dados atuais, a União da Agroindústria do Açúcar (Única) estima que ocorra uma redução de 114 mil empregos até a safra 2020/2021. Ainda segundo a OIT, este deslocamento populacional para as cidades criará a necessidade de 440 milhões de novos empregos em todo o mundo, durante os próximos anos. Os grandes centros, alvos principais destas migrações, precisarão necessariamente ampliar sua infraestrutura, capacitando-se a atender esta nova população, para evitar que se repita o mesmo erro do passado. Premidos pela falta de espaço e moradias, milhões de pessoas passaram a habitar áreas de várzea, fundos de vale ou as bordas das metrópoles, destruindo as últimas reservas de área verde e invadindo áreas de proteção aos mananciais. As ocupações de partes da reserva da Serra da Mantiqueira e da região da represa Guarapiranga, em São Paulo, são exemplos deste fato. Segundo dados da Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo (SMH/SP), a cidade precisaria investir cerca de 56 bilhões de reais (base 2012) para resolver seus problemas de habitação, promovendo reurbanização de favelas, urbanização e regularização de loteamentos, recuperação de cortiços e implantação de infraestrutura e serviços públicos nas áreas de mananciais.

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No planejamento das grandes cidades é cada vez mais importante a possibilidade de se prever a ocorrência de fenômenos sociais, econômicos ou ambientais que influirão no desenvolvimento urbano. A velocidade cada vez maior das mudanças e a interrelação dos acontecimentos exigirá crescentes esforços das administrações, procurando se antecipar às conseqüências.

O automóvel e o espaço urbano Os veículos automotores têm uma influência muito grande no desenvolvimento das cidades. Além de provocarem alterações no microclima e na temperatura das metrópoles, são responsáveis por um processo de urbanização que prioriza a mobilidade dos carros e não a das pessoas. Assim, grandes aglomerados urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte e outras regiões metropolitanas, sofreram grandes mutações em função dos automóveis. Atualmente, as ruas servem essencialmente à circulação dos carros, ocupando muito espaço e transportando poucas pessoas. O pedestre foi expulso para as estreitas calçadas; estas muitas vezes em desnível, esburacadas e transformadas em depósito de tudo aquilo que não pode ficar na rua – material de construção, entulho, lixo e veículos menores. Na cidade, as ruas se transformaram em ligação entre um ponto e outro; percorre-se a maioria das ruas e avenidas como se estivesse passando por uma autoestrada, sem qualquer tipo de atrativo. Deslocamo-nos do ponto A para o ponto B, mas não temos nenhum interesse pelo caminho que percorremos. As ruas são o que se denomina de “as artérias de circulação” da cidade, por onde se deslocam pessoas e produtos, sempre visando chegar a um outro lugar. Já se foi a época em que as avenidas e ruas eram locais de passeio, de convivência, de – mesmo que curta – permanência das pessoas. Com este reordenamento urbano formam-se verdadeiros guetos e fortalezas, representados pelos condomínios fechados e apartamentos, com sistemas de seguranças eletrônicos e equipes

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de vigilantes. Parte dos habitantes das cidades, por sua vez, desloca-se de uma base – a casa, o emprego, o shopping-center, o restaurante – para outro ponto da cidade, sempre através do automóvel, já que nas megacidades as atividades são separadas por grandes distâncias. A inexistência de um sistema de transporte público amplo e eficiente faz com que aqueles que podem se movimentem com seu próprio sistema de transporte; o automóvel. Assim, dois fatores principais – o crescimento rápido e desordenado das cidades e a priorização do transporte individual através do automóvel –, fizeram com que muitas cidades em todo o mundo se transformassem em arquipélagos, formados por “ilhas” ou centros de atividades, localizados em diferentes locais da metrópole. Existem os centros ou “ilhas” de compras, nos shopping-centers ou regiões que concentram as lojas; as “ilhas” residenciais, onde se localizam os condomínios; as “ilhas” ou bairros empresariais, sede dos escritórios e das indústrias. Em sua vida diária, os habitantes precisam se deslocar (ou navegar) entre estas diversas “ilhas”. Existem, no entanto, cidades de grande porte, como Londres, New York e Berlim, que desenvolveram um sistema público de transporte que atende a população, permitindo que esta não dependa tanto do automóvel. No Brasil, foi apenas nos últimos anos que se começou a perceber que a forma de mobilidade do cidadão tem uma forte influência na urbanização da cidade. Ou seja, a maneira como a população urbana se desloca para suas atividades diárias deixa uma marca na aparência da cidade. No caso das grandes metrópoles, para o bem ou para o mal, o automóvel praticamente modelou a paisagem nos últimos cinqüenta anos.

Os refugiados ambientais A população do mundo vem aumentando num ritmo cada vez mais rápido. A Terra atingiu seu primeiro bilhão de habitantes em 1802 e foi somente 126 anos mais tarde, em 1928, que o número de habitantes dobrou. Em 1961 atingimos três bilhões; em 1999

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chegamos a seis bilhões e em 2010 – apenas onze anos depois – éramos sete bilhões de pessoas vivendo no globo. Esta imensa população se espalha por quase todos os continentes, formando vastos aglomerados populacionais, principalmente na Ásia, que abriga mais de 60% da população mundial. Extensas regiões, desabitadas quando a pressão populacional era menor, passaram a ser ocupadas por cidades e pela atividade agrícola. Estes fatores fazem com que catástrofes naturais – inundações, tempestades, calor e frio excessivo – tenham um impacto maior, afetando zonas povoadas, provocando destruição e mortandade. O aquecimento da Terra, causado em parte pelas atividades humanas, fará com que catástrofes naturais relacionadas ao clima sejam cada vez mais frequentes. Chuvas, tempestades e inundações no nordeste do Brasil e em várias regiões da China; incêndios nos Estados Unidos e na Rússia, provocados pelo excesso de calor; nova temporada de violentos furacões nas Antilhas e de inundações na Índia e em Bangladesh. São este os fenômenos climáticos que afetarão imensas regiões, densamente povoadas. Dependendo da gravidade do acontecimento, milhares ou milhões de pessoas ficarão desabrigados, sem alimentos e impossibilitadas de continuarem a morar nas regiões onde nasceram e cresceram, assim como seus antepassados. Precisam então deslocar-se para fora destas áreas, para outras cidades, até em direção a diferentes países, tornando-se assim refugiados ambientais. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) em 2010 o mundo já tinha cerca de 50 milhões destes refugiados. A mesma organização estima que até 2050, quando terão aumentado bastante os fenômenos naturais provocados pelas mudanças climáticas, serão 200 a 250 milhões de pessoas deixando suas regiões de origem e procurando abrigo em outras paragens. Apenas com um aumento de 60 centímetros no nível dos oceanos – fato tido como bastante provável pelos climatologistas – cerca de 600 milhões de pessoas serão afetadas em todo o mundo. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), reunindo alguns dos mais renomados cientistas dedicados ao estudo do clima, prevê que até 2080 1,1 a 3,2 bilhões de pessoas sofrerão com problemas de escassez hídrica e

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200 a 600 milhões enfrentarão a fome; fenômenos causados pelas alterações do clima. As mudanças podem não ocorrer com a intensidade prevista pelos cientistas. No entanto, existem fortes possibilidades de que a lenta, mas gradual mudança da temperatura terrestre – principalmente dos oceanos, que funcionam como o condicionador de ar do planeta – provoque secas, desertificação, inundações, violentas tempestades e grandes variações de temperatura. Estas extremas condições climáticas afetarão a agricultura, a geração de energia, e criação de animais e as demais atividades econômicas das regiões atingidas. É por isso que todos os países precisam se preparar para estas catástrofes, criando sistemas de proteção que possam ser imediatamente acionados, visando ajudar as populações vítimas destas emergências, evitando que se tornem refugiados (ou migrantes) ambientais.

Saneamento, um problema mundial Os avanços tecnológicos alcançados nos últimos cinquenta anos pouco ajudaram a dirimir problemas que a humanidade ainda enfrenta em diversas áreas. Acesso a alimentos, saúde, moradia e educação, continuam sendo necessidades ainda não atendidas para mais da metade da população mundial; mais de três bilhões de pessoas. A recente crise econômica está agravando ainda mais a situação, principalmente em países da África e Ásia. Os governos não arrecadam recursos devido à estagnação econômica e ficam assim impossibilitados de fazer novos investimentos nestas áreas. Um dos setores mais prejudicados com a falta de novos recursos é o do saneamento; tratamento de água e esgoto. Enquanto a população e suas necessidades de água continuam aumentando, em todo o mundo o tratamento cresce lentamente, não acompanhando a demanda. Em muitos casos, não se trata somente de falta de recursos financeiros; países e governos costumam priorizar investimentos que possam trazer-lhes prestígio

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político e arrecadação de recursos – o que nem sempre é o caso do saneamento. Assim, segundo especialistas, mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo ainda não têm acesso à água potável. Até 2025, a continuar o ritmo lento dos investimentos, serão cerca de três bilhões indivíduos, principalmente crianças, sujeitas a viroses e outros tipos de infecções mortais, resultantes da má qualidade da água. Tecnologias para encaminhar soluções existem; o que falta é a vontade política e o compromisso moral dos governos em melhorar o padrão de vida de toda a população. Alguns exemplos publicados pela imprensa reportam sobre a gravidade da situação do saneamento em todo o mundo. No Brasil, segundo a Agência Nacional da Água (ANA), somente 48% do volume do esgoto doméstico é tratado. O número, porém, é contestado por especialistas da área, que o consideram muito otimista. Em todo caso, segundo o Compromisso pelo Saneamento Básico, lançado pelo governo durante a 1ª Conferência Nacional de Saúde Ambiental em 2009, até 2020 haverá um aumento de 80% do volume de esgotos tratados e de 45% em sua coleta. Situação muito pior vive a Índia, onde 69% dos esgotos domésticos são despejados sem nenhum tratamento em cursos de água, lagos e no oceano. Estatísticas apontam que 500 mil pessoas morrem anualmente por doenças ligadas à poluição da água. O rio Ganges, considerado o rio sagrado do país, centro de peregrinação e purificação, recebe grande volume de efluentes e já foi responsável pela intoxicação e morte de 20 mil pessoas em 1983. Na China, um em cada quatro habitantes não tem acesso à água potável. A capital, Pequim, começa a enfrentar graves crises de abastecimento, porque a população de 17 milhões de habitantes supera a disponibilidade do precioso líquido. Na África, a situação é mais grave ainda, onde a região subsaariana passa por constantes crises de abastecimento, o que acaba levando a choques entre grupos rivais, disputando zonas onde há disponibilidade de água. Para alcançar um desenvolvimento socialmente justo os países precisarão, entre outras coisas, investir grandes recursos em

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saneamento. Não é possível alcançar um melhor padrão de vida para a população se o mais básico ainda não é atendido. O Brasil, situado agora entre os seis países mais ricos do mundo, precisa destinar recursos para este setor. Não fica bem andarmos de carro importado, sujando-o com detritos fecais.

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