CONSIDERAÇÕES OPORTUNAS

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Consideraçþes oportunas

Ricardo Ernesto Rose


Ricardo Ernesto Rose

Graduado em Filosofia (Centro Universitário Claretiano) Pós-Graduado em Filosofia (Universidade Cândido Mendes) Pós-Graduado em Sociologia (Universidade Gama Filho) Pós-Graduado em Ciências Ambientais (Claretiano) Jornalista ambiental e consultor em inteligência de mercado

Considerações oportunas

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Copyright © Ricardo Ernesto Rose (outubro 2019)

O conteúdo desta obra é de responsabilidade do autor.

O conteúdo deste e-book foi anteriormente publicado no blog “Considerações oportunas” (www.consideracoes-oportunas.com.br) editado por Ricardo Ernesto Rose. O autor não é proprietário dos direitos autorais destes textos.

É permitida a reprodução parcial ou total do conteúdo deste e-book, desde que devidamente citada a fonte.

Coordenação, tradução, revisão, design e diagramação: Ricardo Ernesto Rose

Capa: Quadro de Karl Schmidt-Rottluff (1884-1976) 3


Prefácio

Esta compilação faz parte dos mais de 1.800 textos publicados até outubro de 2019 no blog “Considerações oportunas”. Como digo na própria página, trata-se de “excertos, citações, aforismos, máximas, ditados, provérbios, opiniões, pensamentos, declarações, frases, comentários, etc., que recuperamos de nossas leituras ao longo dos dias e dos anos”. Nessa coletânea incluí citações que considerei relevantes no momento histórico presente. Os trechos, no entanto, não refletem necessariamente minha opinião sobre os assuntos abordados. A ideia da publicação é despertar a atenção da eventual leitora ou leitor para temas e autores e incentivar seu estudo. Partindo da curiosidade, aprofunda-se o assunto e, dependendo do interesse e do entusiasmo, adquire-se um conhecimento mais detalhado sobre a matéria. Pesquisa, estudo, novas ideias: foi assim que se construiu o saber ao longo da história humana. Nestes tempos de anti-intelectualismo, com desvalorização das ciências e das artes, é recomendado retomar o contato com textos e autores que construíram parte da cultura de nossa civilização. Despertar o interesse de alguns leitores para os temas e autores aqui apresentados já terá justificado nosso trabalho.

Ricardo Ernesto Rose Peruíbe, outubro de 2019

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Índice

Ciência

5 – 22

Economia

23 – 26

Filosofia

27 – 55

Governo

56 – 57

História

58 – 64

Literatura

65 – 77

Livre-arbítrio

78 – 80

Meio ambiente

82 – 83

Morte

84 – 91

Natureza

92 – 97

Religião

98 – 101

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Ciência_________________________________________

Tentativa "A ciência é uma tentativa de fazer com que a diversidade caótica da nossa experiência sensível corresponda a um sistema lógico uniforme de pensamento." Albert Einstein, citado por Eduardo Gianetti em O Livro das Citações - Um breviário de ideias replicantes

Desejo de acreditar "Evidentemente, é nossa própria ânsia por respostas e panaceias que dá poder aos terríveis simplificadores. Para nos proteger de nosso desejo de acreditar, precisamos mudar nosso modo de pensar e falar sobre a ciência da mente. Precisamos levar em consideração quantas vezes a ciência da mente nos desencaminhou no passado e como é pouco o que ela de fato realizou, enquanto permanecemos receptivos à possibilidade de avanços genuínos. É isso o que eu quis dizer na introdução deste livro com o termo 'ceticismo esperançoso'." John Horgan, A mente desconhecida - Por que a ciência não consegue replicar, medicar e explicar o cérebro humano

Ciência cognitiva "Defino a ciência cognitiva como um esforço contemporâneo, com fundamentação empírica, para responder questões epistemológicas de longa data - principalmente aquela relativas à natureza do conhecimento, seus componentes, suas origens, seu desenvolvimento e seu emprego. Embora o termo ciência cognitiva seja às vezes ampliado, passando a incluir formas de conhecimento - tanto animado quanto inanimado, tanto humano como não humano - aplico o termo sobretudo a esforços para explicar o conhecimento humano. Interessa-me saber se questões que intrigavam nossos ancestrais filosóficos podem ser definitivamente respondidas, ilustrativamente reformuladas, ou permanentemente abandonadas. Hoje a ciência cognitiva tem a chave para decidir." Howard Gardner, A nova ciência da mente

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Espírito inovador "As inovações baseadas em conhecimento possuem o mais longo tempo de espera de todas as inovações. Existe, primeiro, um longo espaço de tempo, entre o aparecimento do novo conhecimento e ele se tornar aplicável à tecnologia. E, depois, existe um outro longo espaço de tempo antes que a nova tecnologia se transforme em produtos, processos e serviços para o mercado." Peter Drucker, Inovação e espírito empreendedor

O novo mito "A tecnologia é o nosso novo mito. Há uma inegável magia nela, mas a imagem ainda é maior do que a substância. Deuses da tecnologia, titãs, colossos de pernas abertas sobre a Terra por que, sabe como é, Rodes não é mais bacana: a indústria costuma ser vendida ao público dessa maneira e, infelizmente, ela acredita na própria propaganda. Porém, embora existam monstros, não há deuses. Seria bom que nos lembrássemos disso. Todos nós temos defeitos, somos humanos, mortais e andamos embaixo do mesmo céu escuro. Nós trouxemos a enchente: ela vai nos afogar ou erguer? A esperança, para mim e para outros como eu, é usar os dados (da internet) para fazer algo bom, real, humano. Durante esse processo, sempre que a tecnologia, os dispositivos e algoritmos parecerem épicos demais, devemos relembrar o Ulisses envelhecido de Tennyson e tomar a decisão de buscar a nossa verdade de modo um pouco diferente. Lutar, procurar, encontrar, mas, sempre ceder. Christian Rudder, Dataclisma - Quem somos quando achamos que ninguém está vendo

Computadores quânticos "Saltemos para 2027. No mundo desenvolvido, computadores quânticos são usados para encontrar poços de petróleo, projetar fármacos, criar materiais, resolver problemas mais complexos de engenharia e matemática, manter a internet à prova de hackers, desenvolver a defesa nacional, etc. O Brasil, porém, mais uma vez ficou de fora de um novo cenário científico-tecnológico (e geopolítico): não tem uma marca de computador quântico, e os poucos que existem no país foram comprados dos EUA, da China, da Inglaterra ou da Austrália a preços exorbitantes. Continuamos dependentes da tecnologia produzida nas nações que compreenderam que ciência deve ser projeto de Estado. Mantidos os famigerados contingenciamentos para a ciência e a tecnologia no Brasil, naquele 2027, nossos cientistas - trabalhando nos sucateados institutos de pesquisa que ainda restaram - certamente estão implorando por verbas para pagar a conta de energia elétrica usada para manter 7


ligados os seus velhos computadores. Mais uma revolução tecnológica terá passado longe daqui." Ivan dos Santos Oliveira Júnior, físico e pesquisador em artigo Revolução ou modismo - Os computadores quânticos estão chegando, publicado no jornal Folha de São Paulo em 5/11/2017

Urso comilão "Cada objeto ou pessoa que encontramos no mundo é único, mas nós não funcionaríamos muito bem se os percebêssemos desta maneira. Não temos tempo nem capacidade mental para observar e considerar cada detalhe de todos os itens de nosso ambiente. Por isso utilizamos alguns traços que conseguimos observar para situar o objeto na categoria, e não no próprio objeto. Ao mantermos um conjunto de categorias, conseguimos acelerar as nossas reações. Se não tivéssemos evoluído para funcionar dessa maneira, se nosso cérebro tratasse tudo que encontramos como algo individual, nós poderíamos ser comidos por um urso enquanto ainda decidíamos se aquela criatura peluda específica é tão perigosa quanto a que comeu o tio Bob." Leonard Mlodinow, Subliminar - Como o inconsciente influencia nossas vidas

Aumento da população "Até bem pouco tempo, o Paquistão fervilhava de abundância. Um grande berço da civilização humana se erguia ao longo do Rio Indo, que levava nutrientes descendo do Topo do Mundo, o platô tibetano, e depositava parte de seu solo mais rico na Ásia, acima de sua imensa planície alagada. A atual crise de água do Paquistão e o fim da abundância são o resultado de um desastre ocasionado pelo ser humano, como afirma Tanveer Arit. Há múltiplas causas para isso: todas derivam dos 185 milhões de pessoas em um país pouco maior que o Texas, que tem 26 milhões." Alan Weisman, Contagem regressiva

Presenciando o passado "Como nos informa a moderna neurociência, nós nunca estamos em contato com o presente, porque o processamento da informação neural toma tempo.

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Os sinais precisam de tempo para se moverem de seus órgãos sensores através dos múltiplos caminhos neuronais no seu corpo, até o seu cérebro, e precisam de tempo para serem processados e transformados em objetos, cenas e situações complexas. Assim, falando claramente, o que você está experimentando como presente é efetivamente o passado." Thomas Metzinger, The Ego Tunnel - tradução do organizador

A savana na evolução "Esses caprichos da natureza não provam, mas pelo menos são consistentes com a hipótese da savana da evolução humana. Embasada em consideráveis evidências do registro fóssil, essa interpretação sustenta que os seres humanos de hoje continuam escolhendo habitats semelhantes àqueles em que a nossa espécie evoluiu, na África, durante milhões de anos de pré-história." Edward O. Wilson, A Criação - como salvar a vida na Terra

Mistura de conhecimentos "É em função de tal atitude que se verifica, no dia a dia, ser difícil discriminar com certeza o verdadeiro do falso, a ciência da 'ideologia'. Talvez fosse preciso considerar que nosso conhecimento do mundo é uma mistura de rigor e poesia, de razão e paixão, de lógica e mitologia. Numerosos pensadores puseram em relevo estas antinomias; é preciso então delas extrair todas as consequências." Michel Maffesoli, Conhecimento comum

Matematização "A partir da revolução mecanicista, a ciência passa a alinhavar uma nova inteligibilidade, baseada no desenvolvimento da física, das experiências laboratoriais e numa verdadeira matematização do olhar. Nessa nova perspectiva, o objetivo do cientista é a descrição racional de todos os fenômenos naturais de acordo com leis matematizáveis, um quadro analítico que se tornou o paradigma dominante do conhecimento científico, influenciando todos os ramos da chamada ciência moderna. Dado inseparável dessa ótica é que a investigação científica tem por meta a utilização, e não a contemplação. Portanto, estamos diante de uma postura muito diferente da que caracterizou as culturas antigas diante da natureza." Maurício Waldman, Meio Ambiente & Antropologia

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Teoria científica "Teorias científicas são relatos racionais cuja acurácia é verificada por experimentos. Experimentos produzem fenômenos no mundo real que podem dar credibilidade a uma teoria. Um experimento válido deve ser verificável ou capaz de ser reproduzido por outros pesquisadores. Um experimento capaz de ser reproduzido por outros pesquisadores também deve ser reproduzido à vontade por qualquer técnico. Isto explica a força da ciência; sua habilidade de causar um fenômeno quando quiser." John Campbell, Darwinismo universal, o caminho para o conhecimento ("Universal darwininism: the path of knowledge) - tradução do organizador

Sistemas complexos "A atual teoria da complexidade foi a terceira tentativa, nos últimos quarenta anos, de trazer fenômenos naturais (sobretudo biológicos) para o contexto das propriedades altamente genéricas de sistemas que se modificam com o tempo. Sistemas complexos raramente atingem o equilíbrio. Em geral, estão numa condição estacionária (CE) de não equilíbrio. Por exemplo, concentrações de diferentes substâncias químicas em determinado volume podem perfeitamente continuar constantes enquanto inúmeras reações químicas as consomem ou as produzem. Na condição estacionária de não equilíbrio todos esses processos se compensam. Mas, se for alterado algum dos parâmetros pertinentes ao sistema - mesmo que muito o pouco - a condição estacionária também muda." José Eli da Veiga (org.), Economia socioambiental

Cérebro "A primeira lição que aprendemos no estudo dos nossos circuitos é simples: a maior parte do que fazemos e sentimos não está sob nosso controle consciente. A vasta selva de neurônios opera seus próprios programas. O você consciente o eu que ganha vida quando você acorda pela manhã - é a menor parte do que se revela de seu cérebro. Embora sejamos dependentes do funcionamento do cérebro em nossa vida interior, ele cuida de seus próprios negócios. A maior parte de suas operações está acima do espaço de segurança da mente consciente. O eu simplesmente não tem o direito de entrar." "Isto lhe sugeriu que não estamos diretamente conscientes do mundo, mas apenas dos sinais do sistema nervoso. Em outras palavras, quando o sistema nervoso lhe diz que algo está 'lá fora' - como uma luz -, é nisso que você acreditará, independentemente de como os sinais lhe chegaram." 10


"Este senso da vasta presença abaixo da superfície o levou a contemplar a questão do livre-arbítrio. Freud raciocinou que, se as escolhas e decisões têm origem em processos mentais ocultos, a livre escolha ou é uma ilusão ou, no mínimo, mais estritamente restrita do que se pensava antes." David Eagleman, Incógnito - As vidas secretas do cérebro

Darwinismo universal "Muitos estados de baixa entropia, no âmbito da física atômica e da química, são bem explicados na estrutura do darwinismo quântico com a operação de forças e partículas fundamentais em um universo em processo de esfriamento e outros ambientes especializados, sem a necessidade de leis científicas adicionais. No entanto, qualquer explicação da evolução da vida sobre a Terra e a sua subsequente evolução para formas mais complexas, tem necessidade de leis científicas adicionais." Estas explicações e suas consequentes leis científicas, podem ser entendidas usando o conceito dos sistemas adaptivos. Sistemas adaptivos, como definido por Karl Friston (2007) e outros, envolvem a dinâmica dos sistemas que atuam para otimizar seu relacionamento com seus ambientes a fim de manter estados de baixa entropia. Ponto central da análise de Friston, é a conclusão de que sistemas adaptivos devem conter modelos de seus ambientes e de causas no interior destes ambientes. O estado ótimo de um sistema adaptativo resulta de sua habilidade em minimizar sua energia livre em um sentido informativo, ou seja, reduzir a discrepância ou 'surpresa' que experimente, quando interagindo com seu ambiente." Ponto central deste processo é a habilidade de um sistema adaptativo em descobrir e implementar adaptações ou estruturas que possam mediar a interação do sistema com o ambiente e atuar de maneira a limitar o aumento da entropia do sistema. Este processo de evolução e descoberta é quase sempre alcançado através da atuação de um processo darwiniano. Sob esta ótica, muito da lei científica responsável por limitar a entropia em sistemas complexos, deve ser entendido como os detalhes do modelo inerentes nas adaptações descobertas por sistemas adaptativos, que foram criados e evoluíram para seu estado presente através da atuação de processos darwinianos (J. Cambell 2009)." John Campbell, Universal Darwinism the path of knowledge – tradução do organizador 11


Universo "O destino das estrela de grande porte é, portanto, explodir em mil pedaços, deixando como remanescentes ou uma estrela de nêutrons ou um buraco negro rodeado por gases difusos ejetados. Ninguém sabe quantas estrela já sucumbiram dessa maneira, mas a Via Láctea sozinha pode talvez conter bilhões destes cadáveres estelares." "Um subproduto da liberação da energia do vácuo é o que acontece com muitas partículas virtuais do vácuo quântico, que recebem parte desta energia, sendo assim promovidas à condição de partículas reais. Após posterior processamento e mudanças, um resíduo dessas partículas primordiais seguiu para formar as (10 elevado a 50) toneladas de matéria que formam você, eu, a galáxia e o resto do universo observável." Paul Davies, Os três primeiros minutos - Conjecturas sobre o destino final do universo

Marx, Darwin e a evolução "E embora Darwin, meticuloso coletor de dados, estivesse concentrado na biologia, e Marx na teoria política e história econômica, ambos se nutriam prodigiosamente da mesma percepção filosófica - que as categorias dadas da vida como ela existe hoje não são estáticas, fixas ou imutáveis, não são o 'modo como as coisas são', mas antes um retrato momentâneo num processo de desenvolvimento em curso. Ambos viram através da ilusão de permanência criada pela aparente solidez dos objetos de suas respectivas obras - para Darwin, o mundo vivo; para Marx, as estruturas econômicas e os processos históricos - e compreenderam que eles são parte de um processo subjacente mais profundo de evolução no tempo." Carter Phipps, Evolucionários

Corpos e micróbios "Isso gera um quebra-cabeça extraordinário. No registro fóssil nada vemos, salvo micróbios, durante os primeiros 3,5 bilhões de anos da história da Terra. Então, de repente, no espaço talvez de 40 milhões de anos, apareceram todos os tipos de corpos: corpos de plantas, de fungos, de animais; corpos por todo lado. Os corpos foram uma verdadeira coqueluche.

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Mas, se levarmos ao pé da letra o trabalho de Nicole, o potencial para construir corpos já existia muito antes dos corpos surgirem em cena. Por que a ânsia por corpos após tanto tempo sem corpo algum?" "Alguns micróbio podem mesmo se comunicar entre si gerando componentes que influenciem o comportamento de outros micróbios. As alterações envolvem dicas moleculares, seja para manter a distância predadores potenciais, seja para servir como atrativo para seduzir a presa. Talvez sinais como esses tenham sido precursores dos tipos de sinal que nossas próprias células utilizam para trocar informações a fim de manter intactos o nosso corpo." Neil Shubin, A história de quando éramos peixes

Lei de Boyle, lei de Mariotte "Se um gás é aquecido, ele se expande por si só; quando é esfriado, contrai-se. Boyle quase certamente percebeu isso, mas num descuido atípico deixou de mencioná-lo no relato de seu experimento. Uma lição salutar: por essa razão a Lei de Boyle é conhecida como Lei de Mariotte em toda a Europa." "Até hoje permanecemos basicamente moradores de cavernas a habitar cidades modernas, segundo os reducionistas. Se esse é fisiologicamente o caso (com certo exagero reconhecido) - que dizer da mente? Pressupostos e crenças antiquíssimos nem sempre são abandonados no momento em que fica claro que se tornaram redundantes. Nossa mente, nossa linguagem, nossas ideias, até nossa inspiração - tudo isso é incitado pelo passado, o anterior, o aparentemente descartado. Tais coisas parecem desempenhar um papel canhestro no próprio pensamento que as superou. Um exemplo perfeito disso continua sendo o papel da alquimia durante o século que se seguiu." Paul Strathern, O sonho de Mendeleiev - A verdadeira história da química

Organismos, estruturas e máquinas "E, não obstante isso, a evolução dos organismos é um processo ordenado. Advirtamos: ordenado mas não prognosticável. Esta mistura de eventos determinados e indeterminados, regulados e não regulados, dá a impressão de uma busca ativa nos sistemas. Um estado de equilíbrio é perturbado; um mecanismo desordenado, tateando, busca novos valores paramétricos; um valor adequado é encontrado e o sistema atinge de maneira ordenada um novo estado de equilíbrio." Wolfgang Wieser, Organismos, estruturas, máquinas - para uma teoria do organismo 13


Comendo e bebendo de tudo "Nas primeiras comunidades agrícolas a embriaguez em honra do deus cereal tornou-se dever sagrado. Clareava a mente do homem e lhe dava a confiança de que necessitava para pensar sobre os elementos e nas demais coisas de seu ambiente, sobre as quais não tinha controle. É possível que tenha levado ao surgimento de uma resposta: a religião. O xamanismo foi a primeira religião organizada e hoje é praticada por feiticeiros, ainda quase inteiramente baseada no fervor produzido pela embriaguez. Resquícios do elo entre o vinho e idolatria sobreviveram até nas religiões mais modernas." "A pessoa pode pensar que está trabalhando para um objetivo de maior pilha de inhame ou melhor equilíbrio bancário, mas em todos os casos ela é movida pela velha motivação. A mesma necessidade que fez com que o primeiro roedor descobrisse umas nozes extras: a necessidade de segurança." Iyall Watson, O macaco onívoro - Como o macaco aprendeu a comer de tudo e virou homem

Se exercitando na esteira hedonista "Mas não deixemos escapar a questão profunda. Existe a possibilidade de um "pessimismo fenomenológico"? O conceito pode ser definido como sendo a ideia de que a variedade de experiências fenomênicas geradas pelo cérebro humano não é um tesouro mas um peso. Na média, durante a vida, a comparação entre alegria e sofrimento pesa em favor do último em quase todos os seus portadores. De Buda a Schopenhauer, há uma longa tradição filosófica postulando, essencialmente, de que a vida não vale a pena ser vivida. Eu não vou repetir aqui o argumento dos pessimistas, mas deixe-me assinalar que uma das novas maneiras de olhar o universo físico e a evolução da consciência é com sendo um expansivo oceano de sofrimento e confusão, onde previamente não havia nenhum. Sim, é verdade que os modelos de identidade consciente (a mente consciente) foram os primeiros que trouxeram a experiência do prazer e da alegria para o universo físico - um universo onde fenômenos deste tipo não existiam antes. Mas também está se tornando evidente que a evolução psicológica nunca nos aprimorou para a felicidade constante; ao contrário, ela nos colocou numa esteira hedonista. Nós somos levados a procurar prazer e alegria, a evitar dor e depressão.

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A esteira hedonista é o motor que a natureza inventou para manter o organismo correndo. Podemos reconhecer sua estrutura em nós mesmos, mas nunca seremos capazes de escapar dela. Nós somos esta estrutura." Thomas Metzinger, The Ego Tunnel - The science of the mind and the myth of the self – tradução do organizador

O que é uma teoria? "Embora o modelo inicial traçado por Darwin tenha sido modificado e elaborado, a 'grande argumentação única', como ele a descreveu, sobreviveu intacta aos necessários ataques que a ideia dessa magnitude requer. É por isso que ela é chamada teoria da evolução por seleção natural. O sentido coloquial da palavra 'teoria', como um palpite, suposição, ou simples tiro no escuro, é miseravelmente tacanho perto de seu significado científico. Quando cientistas falam sobre uma teoria, eles têm em vista o ponto mais alto da pilha das ideias: um conjunto de conceitos testáveis, todos os quais indicam e predizem uma descrição da realidade tão robusta que é indistinguível de um fato." Adam Rutherford, Criação a origem da vida

Ordem na natureza "Hoje, continuamos a procurar ordem na natureza, mas não pensamos que seja uma ordem radicada em valores humanos. Nem todos ficam contentes com isso. Erwin Schrödinger, grande físico do século XX, defendeu um regresso ao exemplo da Antiguidade, com seu amálgama de ciência e valores humanos. No mesmo espírito, o historiador Alexandre Koyré qualificou de 'desastroso' o atual divórcio entre ciência e o que agora chamamos de filosofia. Minha posição pessoal é que esse anseio por uma abordagem holística da natureza é exatamente o que os cientistas precisam superar. Não encontramos nada nas leis da natureza que corresponda, de qualquer maneira que seja, às ideias de bem, justiça, amor, ou discórdia, e não podemos nos basear na filosofia como guia confiável para o entendimento científico." Steven Weinberg, Para explicar o mundo - A descoberta da ciência moderna

Aprender da evolução "Essa criação de nosso destino, todavia, é limitada pelo nosso passado evolucionário. Mas não é completamente determinada por esse passado, porque nossa mente flexível nos permite o aprendizado. Aprender, neste contexto, implica na possibilidade de aprendermos de nossa própria evolução. 15


Consequentemente devemos aprender que toda espécie, assim que tenha desenvolvido uma certa hipertrofia, extingue-se - sem exceção." Franz M. Wuketits, Evolutionary epistemology and its implications for humankind – tradução do organizador

Psicanálise e filosofia "Existe ainda outra maneira pela qual a filosofia pode estimular-se na psicanálise, e essa é tornando-se ela própria tema da pesquisa psicanalítica. As teorias e sistemas filosóficos forma obra de um pequeno número de homens de notável individualidade. Em nenhuma outra ciência a personalidade de cientista desempenha um papel tão grande quanto na filosofia. E hoje, pela primeira vez, a psicanálise nos permite elaborar uma psicografia de uma personalidade. Ela nos ensina a identificar as unidades afetivas - os complexos dependentes de instintos - cuja presença é presumida em cada indivíduo e possibilita o estudo das transformações e produtos finais que surgem dessas forças instintivas. Revela as relações da disposição constitucional de uma pessoa e dos acontecimentos de sua vida com as realizações abertas a ela, em virtude de seus dons peculiares. Pode fazer conjeturas, com mais ou menos certeza, através da obra de um artista, sobre a personalidade íntima que reside por trás dela." Sigmund Freud, O interesse científico da psicanálise

Lógica elitista "A ciência social latino-americana fala mais dos pobres do que dos ricos. De acordo com a lógica elitista que nos faz estrangeiros perante nós mesmo, temos o pendor de falar mais dos que estão por fora e por baixo, do que dos que estão por dentro e por cima - o que seria o equivalente a falar bem de nós mesmos, algo muito difícil de fazer no Brasil." Roberto DaMatta, Tocquevilleanas - Notícias da América

A força da ciência "Teorias científicas são relatos racionais cuja acurácia é verificada por experimentos. Experimentos produzem fenômenos no mundo real que podem dar credibilidade a uma teoria. Um experimento válido deve ser verificável ou capaz de ser reproduzido por outros pesquisadores.

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Um experimento capaz de ser reproduzido por outros pesquisadores também deve ser reproduzido à vontade por qualquer técnico. Isto explica a força da ciência; sua habilidade de causar um fenômeno quando quiser." John Campbell, Universal darwininism: the path of knowledge - tradução do organizador

Revolução Agrícola "De uma perspectiva estritamente evolutiva, que mede o sucesso pelo número de cópias de DNA, a Revolução Agrícola foi uma grande vantagem para galinhas, porcos e ovelhas." Yuval Noah Harari, Sapiens, Uma breve história da humanidade

Matéria escura? "Esse talvez seja o problema mais difícil para a imagem mais simples de como devem ter se formado as galáxias do universo em expansão. Havendo apenas matéria comum no universo, é muito difícil evitar a conclusão de que já deveríamos ter visto vestígios da formação de galáxias e de estruturas de maior escala de radiação cósmica de fundo. Isso nos leva, portanto, a toda uma nova área de estudos que busca saber se toda a matéria do universo realmente tem ou não a forma de matéria comum." Malcolm Longair, As origens de nosso Universo

Expansão eterna "Se não houvesse a constante cosmológica, ômega era pequeno, e o Universo era aberto - fadado a se expandir para todo sempre. Mesmo que houvesse uma constante cosmológica, ainda assim ômega era pequeno, e o Universo era plano - ia parar de se expandir lentamente até virtualmente parar, jamais colapsando. De qualquer modo, a expansão do Universo prosseguiria para sempre." Richard Panek, De que é feito o universo?

Crescimento infinito "A descoberta de que o Universo se encontra numa fase de expansão acelerada devida ao efeito da energia escura encerrou definitivamente o debate sobre se o destino final se encontra num big crunch ou num crescimento infinito. 17


Hoje parece indubitável que a energia escura empurrará o cosmos para um estado de vazio crescente, de modo que, no estado final, cada galáxia ficará isolada na sua própria zona do Universo." Alberto Fernández Soto, Depois do Big Bang

Cérebro e neurônios "O filósofo alemão Henrik Walter acredita que todo ideal de livre-arbítrio é genuinamente uma ilusão, mas que as pessoas possuem uma forma menor dele, que ele chama anatomia natural e que deriva dos ciclos de feedback no cérebro, onde os resultados de um processo tornam-se as condições iniciais do seguinte. Os neurônios no cérebro estão ouvindo seus recipientes antes mesmo que tenham terminado de mandar as mensagens. A resposta altera a mensagem que eles mandam, o que por sua vez altera a resposta e assim por diante. Esta ideia é fundamental para muitas teorias da consciência." Matt Ridley, O que nos faz humanos - Genes, natureza e experiência

Caos determinista "Na linguagem do cotidiano, 'caos' é qualquer forma de desordem; por exemplo, o pandemônio causado pelas veleidades do azar, o ruído, a ausência de regras, mas no contexto do artigo de Yorke e Li, 'caos' adquire um novo significado, como tantos outros vocábulos usurpados pela ciência. O caos, no sentido físico e matemático (o caos determinista), não é a desordem total nem se deve à ausência de regras. Antes pelo contrário, o que surpreendeu Lorenz e os demais neste tipo de caos foi, precisamente, que este se cinge à regras. Há sempre alguma confusão quando o significado científico se mistura com o sentido cotidiano das palavras, pelo que há de ter cuidado. O que é interessante no caos determinista é o fato de se tratar de uma desordem ordenada; um determinismo disfarçado de acaso. No caos determinista o destino encontra-se escrito, mas a escrita é ilegível." Sérgio de Régules, As teorias do caos e da complexidade - o mundo é um caleidoscópio

Fluxos impermanentes "O que é uma onda, que caminha sobre água sem transportar consigo nada além da própria história? Uma onda não é um objeto, no sentido de que não é formada de matéria que perdura. 18


E também os átomos do nosso corpo fluem para fora de nós. Nós como ondas e como todos os objetos, somos um fluxo de eventos, somos processos que por um breve tempo são monótonos..." Carlo Rovelli, A realidade não é o que parece

Neurônios e suas conexões "Considere a camada externa do cérebro, o córtex. Se você contasse as conexões entre os neurônios desta camada externa com uma velocidade de uma conexão por segundo, seriam necessários 32 milhões de anos para contá-las! Tenha em mente que os hominídeos evoluíram há apenas 7 milhões de anos, portanto você teria de contar durante um período de tempo quatro vezes maior do que foi necessário para que os seres humanos evoluíssem. Quanto ao número de combinações diferentes de conexões somente no córtex, este excederia o número de partículas positivamente carregadas em todo o universo!" Susan A. Greenfield, O cérebro humano

Leis do movimento "Se não existe tempo absoluto, então as leis de Newton não fazem sentido. Devem ser substituídas por um tipo diferente de lei que faça sentido quando o tempo for medido por qualquer relógio. Isto é, o que se requer é uma lei democrática, e não autocrática, na qual a hora medida por qualquer relógio, por mais imperfeito que seja, sirva tão bem quanto qualquer outra. Leibniz nunca foi capaz de inventar tal lei. Mas Einstein foi, e o fato de ele ter encontrado uma maneira de expressar as leis do movimento, de modo que qualquer relógio empregado pudesse endossar o seu significado, é realmente uma das maiores conquistas de sua teoria da relatividade." John Brockman e Katinka Matson, As coisas são assim

Demônios símios "Em vez de anjos, feitos à imagem de Deus, somos mais parecidos com demônios símios, com rabos pontudos e impulsos selvagens. Não é à toa que as ideias de Darwin ofenderam e ainda ofendem a muita gente. Entender a nossa origem animal significa assumir responsabilidade por nossos atos e escolhas sem uma suposta tutela divina." Marcelo Gleiser, astrônomo, no prefácio ao livro Entendendo Darwin 19


Ilusão do 'eu' "Entre os cientistas que estudam a consciência está havendo um crescente consenso de que a existência do 'eu' é uma ilusão (Blackmore 2002). Todo conteúdo da ciência descreve uma realidade miraculosa, mais fundamental do que aquela contida em nossos anseios e preocupações pessoais." John Campbell, Universal Darwinism: the path of knowledge – tradução do organizador

Matéria estacionária "Realmente, não precisamos falar de partículas de nenhuma maneira. Para muitos experimentos é mais conveniente falar da matéria como ondas; isto é, como ondas de matéria estacionária em torno do núcleo atômico. Werner Heisenberg (1901-1976), físico alemão em Physics and Philosophy tradução do organizador

Evolução do cérebro "Grande parte da complexidade estrutural do cérebro surge porque sua evolução tem sido menos um processo 'sai o velho, entra o novo' e mais um caso de 'continua o velho, entra o novo'. Isso resultou em novas estruturas sobrepostas a camadas mais antigas, que podem reter suas funções originais mesmo no contexto das novas oportunidades propiciadas pelas recém-adquiridas. Portanto, um entendimento adequado do cérebro somente pode ser atingido no contexto de sua evolução. Também é útil considerar como surge a estrutura do cérebro durante seu desenvolvimento embrionário." Michael O' Shea, Cérebro

Evolução dos mamíferos "Então talvez seja errado pensar que qualquer um desses atributos exaltados de cognição desenvolvida - empatia ou teoria da mente - apareceu precipitadamente, como um deus ex machina nos estágios finais da evolução. É mais provável que eles tenham se desenvolvido gradual e incessantemente por meio de boa parte da evolução dos mamíferos, e esse processo começou assim que os lobos frontais fizeram sua primeira aparição na cena evolucionária." Elkhonon Goldberg, O Paradoxo da Sabedoria 20


Oceano inconsciente "O pensamento ocidental, ao longo do século 19, tinha um pé no positivismo, afirmando que as pessoas podiam acumular conhecimento sobre si mesmas e tomar decisões racionais com isso. Decisões conscientes, que fique claro. Mas Freud estragou essa ilusão de poder quando colocou seu periscópio para examinar a parte do iceberg escondida abaixo do nível do mar. Disse que não sabemos por que pensamos o que pensamos. E que geralmente agimos por razões que desconhecemos. Razões chacoalhadas nesse oceano submerso." Alexandre Carvalho, Freud - Para entender de uma vez

A natureza da mente "Em contraste com as doutrinas do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, os ensinamentos do budismo não são considerados por seus adeptos como produtos de uma revelação infalível. São instruções empíricas: se você fizer X, experimentará Y. Embora muitos budistas tenham um apego supersticioso e devoto ao Buda histórico, os ensinamentos do budismo apresentam Buda como um ser humano comum que conseguiu compreender a natureza de sua própria mente." Sam Harris, Despertar - Um guia para a espiritualidade sem religião

Sacrifício do pai "Quando o cristianismo pela primeira vez penetrou no mundo antigo, defrontouse com a competição da religião de Mitras e, durante algum tempo, houve dúvida em relação a qual das duas divindades alcançaria a vitória. Não obstante o halo de luz que rodeia a sua forma, o jovem deus persa continua a ser obscuro para nós. Podemos talvez deduzir das esculturas de Mitras matando um touro que ele representava um filho sozinho no sacrifício do pai, redimindo assim os irmãos do ônus de cumplicidade no ato. Havia um método alternativo de mitigar a culpa e ele foi adotado pela primeira vez por Cristo. Sacrificou a própria vida e assim redimiu do pecado original o conjunto de irmãos." Sigmund Freud, Totem e Tabu

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Nossos antepassados "Até uns 3 milhões de anos atrás, os ancestrais do Homo sapiens eram sobretudo vegetarianos que provavelmente erravam de um lado para outro, em grupos, em busca de frutas, tubérculos e outros alimentos vegetais. Seus cérebros eram pouco maiores que os dos chimpanzés modernos. Há cerca de 500 mil anos, porém, grupos da espécie ancestral homo erectus passaram a levantar acampamentos com fogo controlado - equivalente a ninhos -, dos quais saíam para forragear; voltavam com comida, incluindo porções substanciais de carne. O tamanho de seus cérebros havia crescido, alcançara um meio-termo entre o dos chimpanzés e o do Homo sapiens moderno. Ao que parece, essa tendência teve início há 1 milhão ou 2 milhões de anos, quando o ancestral préhumano homo habilis voltou-se cada vez mais para a dieta com carne." Edward O. Wilson, O sentido da existência humana

Nossa grande ignorância "Quanto mais sabemos, melhor entendemos a vastidão de nossa ignorância e mais perguntas somos capazes de fazer, perguntas que, previamente, nem poderiam ter sido sonhadas." Marcelo Gleiser, A ilha do conhecimento - Os limites da ciência e a busca por sentido

Rede de eventos "O que funciona é pensar o mundo como uma rede de eventos. Alguns mais simples e outros mais complexos que podem ser decompostos em combinações de eventos ainda mais simples. Alguns exemplos: uma guerra não é uma coisa, é um conjunto de eventos. Um temporal não é uma coisa, é um conjunto de acontecimentos. Uma nuvem acima da montanha não é uma coisa: é a condensação da umidade do ar à medida que o vento sobe a montanha. Uma onda não é uma coisa, é uma movimentação de água, a água que dá forma a ela é sempre diferente. Uma família não é uma coisa, é um conjunto de relações, acontecimentos, sentimentos." Carlo Rovelli, A ordem do tempo

Teoremas da Incompletude "Ao encantamento iônico, temos que contrapor a falácia iônica, termo proposto cinicamente pelo historiador de ideias Isaiah Berlin. 22


Nenhum sistema de conhecimento humano pode ser completo, fechado em si mesmo. Existem sempre perguntas que podem ser formuladas nesse sistema que não podem ser respondidas com o que se conhece. Na matemática, este resultado é resumido nos dois Teoremas da Incompletude, de Kurt Gödel." Marcelo Gleiser, O caldeirão azul

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Economia_______________________________________

Reprovado "O Brasil foi reprovado. Fomos mandados de volta a uma segunda época. E ela é muito mais complicada. Será preciso provar que somos muito mais brilhantes como país do que éramos." Ex-ministro Antonio Delfim Neto em entrevista à revista EXAME

Democracia e consumidores "Foi efetivamente a democracia que estabeleceu para os mercados as regras do jogo estáveis e públicas. Os operadores, quer se trate de indivíduos ou empresas, tornam-se responsáveis no sentido de que devem respeitar as cláusulas dos contratos que assinaram e as restrições orçamentárias a que estão submetidos; caso não o façam, arriscam-se a sofrer sanções judiciais, falência ou perda de sua independência." "Podemos observar que, de fato, ao conceito de soberania do povo corresponde, na ordem econômica, o conceito da soberania do consumidor: em última análise, um bem ou um serviço não poderá ser negociado no mercado, ou seja, não poderá continuar a ser produzido, a não ser que corresponda às necessidades demonstradas pelos consumidores." Claude Jessua, Capitalismo

Economia e desvalor "Qual é a lógica em extrair recursos que estão diminuindo para criar capital a fim de financiar mais consumo e demanda dos mesmos recursos que estão diminuindo? Como imaginamos nosso futuro quando nossos sistema comercial conflita com tudo que a natureza nos ensina?" "Sem dúvida, o aspecto mais simples e perigoso do atual sistema econômico é que os custos da destruição da Terra estão ausentes dos preços colocados no mercado. Uma peça-chave vital de informação está assim faltando em todos os níveis da economia. Esta omissão estende o domínio do industrialismo para além de sua vida comum e acaba evitando a aparecimento de uma economia restauradora."

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"Mas, de fato, nem todos os produtos e negócios adicionam valores. Muitos fazem exatamente o oposto, um resultado que Ivan Illich chama de desvalor. Vender produtos que são sujos, baratos, rapidamente descartáveis ou de utilização marginal, é mais comum do que deveria ser." Paul Hawken, The ecology of commerce – tradução do organizador

Dicas de Adam Smith "Adam Smith era um liberal clássico, no sentido original da palavra - alguém que valorizava a liberdade e preferia um governo limitado - achava que o governo tinha um papel fundamental na provisão da defesa nacional, de um sistema judiciário e de elementos básicos de infraestrutura, como estradas e pontes áreas em que achava que o setor privado enfrentaria uma batalha, sem a ajuda governamental." "Mas Adam Smith reservava seu supremo desdém para o que chamou na Teoria dos sentimentos morais, de 'homem de sistema' - o líder que tem um esquema para reformular a sociedade, de acordo com um grande plano ou uma ótima visão. Advertiu que essas pessoas se apaixonam por sua imagem da sociedade ideal e perdem a capacidade de imaginar qualquer desvio dessa perfeição; não enxergam os que seriam prejudicados por essa visão, ou pela implementação dela. Em seu ardor o visionário - o homem de sistema - esquece que existem certas forças naturais que podem se opor a seu plano, perturbando-o transtornando a sociedade e criando consequências indesejáveis." Russ Roberts, Como Adam Smith pode mudar sua vida

Meios de subsistência "A causa principal, universal e sempre constante da guerra, qualquer que seja a maneira ou o motivo pelo qual comece, é a mesma que leva as nações a emigrar, a formar estabelecimentos a grande distância, a buscar mercados e terras para o excedente de sua população. É a falta de meios de subsistência; em estilo mais apurado, é a ruptura do equilíbrio econômico." Pierre-Joseph Proudhon, Discurso de senso comum

Desenvolvimento e biosfera "No entanto, a maioria dos economistas neoclássicos continua convencida que não há nenhum conflito fundamental entre o desenvolvimento da lógica econômica e o respeito pela lógica da biosfera. 25


Muito pelo contrário, a economia neoclássica 'moderna', definindo-se, nas palavras de Lionel Robbins (1947), como 'a ciência da aplicação dos recursos escassos para usos alternativos', apresenta-se, de acordo com seus defensores, como a mais bem indicada para gerir um recurso - seja ambiental ou não - que se rarefaz. Os autores neoclássicos reconhecem, no entanto, que a entrada do meio ambiente no que consideram ser a esfera do econômico, em geral, é dificultada pelo fato de que o preço dos bens e serviços ambientais não reflete ou reflete mal o seu verdadeiro valor." Franck-Dominique Vivien, Economia e Ecologia

Fábrica global "Está em curso uma nova divisão internacional do trabalho e da produção, envolvendo a complementação ou superação dos procedimentos do fordismo, das linhas de montagem de produtos homogêneos. Ao lado do fordismo e stacknovismo, bem como dos ensinamentos do taylorismo e fayolismo, desenvolve-se o toyotismo, a organização do processo de trabalho e produção em termos de flexibilização, terceirização ou subcontratação, tudo isso amplamente agilizado pela automação, pela robotização; pela microeletrônica e pela informática. Assim se generaliza o capitalismo, transformando o mundo em algo que parece uma fábrica global." Octavio Ianni, Teorias da globalização

Pós-capitalismo "O fato de o conhecimento ter-se tornado não apenas um mas 'o' recurso é o que faz da nossa uma sociedade 'pós-capitalista'. Isso muda... a estrutura da sociedade. Isso cria uma nova dinâmica econômica. Isso cria uma nova política." Peter Drucker, Sociedade Pós-capitalista

Negócios chineses "A exemplo da cultura econômica japonesa, embora de modo absolutamente diferente, os negócios chineses desafiam a descrição padrão do crescimento do capitalismo antecipado por Max Weber e outros sociólogos ocidentais. Na explicação ocidental convencional, o capitalismo se desenvolve com a retirada da família e das relações pessoas do centro da vida econômica. Isto torna a economia um terreno autônomo, separado, governado por um cálculo impessoal de lucros e perdas que mantêm unida não pelas relações de confiança, mas por obrigações contratuais legais. 26


Nessa descrição convencional, o capitalismo se desenvolve ao se desvincular de sua sociedade original." John Gray, Falso amanhecer - Os equívocos do capitalismo global

Desastres do capitalismo "Uma das verdades reveladas pela Paz Celestial foi a notável semelhança entre as táticas do comunismo autoritário e do capitalismo da Escola de Chicago - um desejo comum de eliminar os oponentes, de modo a limpar o terreno de qualquer forma de resistência, para recomeçar do zero". Naomi Klein, A doutrina do choque - A ascensão do capitalismo de desastre

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Filosofia________________________________________

Lacan "Por intermédio dele (Lacan), os psicanalistas redescobriram a filosofia, e os intelectuais, a psicanálise, numa época em que essa disciplina estava encurralada entre a psicologia e a medicina. E, pelo estruturalismo, literatos, como eu, por exemplo, puderam redescobrir a importância da filosofia, graças a uma geração de filósofos que, ao mesmo tempo, eram estilistas e se interessavam por literatura." Alan Badiou & Elisabeth Roudinesco, Jacques Lacan, passado presente

Filosofia analítica "O que distingue a filosofia analítica em seus diversos aspectos de outras correntes filosóficas é, em primeiro lugar, a convicção de que uma análise filosófica da linguagem pode levar a uma explicação filosófica do pensamento, e em segundo lugar, a convicção de que esta é a única maneira de se chegar a uma explicação global." Michael Dummet, filósofo inglês (1925-2011) citado por Frédéric Nef em A linguagem - Uma abordagem filosófica

Crítica destrutiva "Do ponto de vista terapêutico, o filosofar de Wittgenstein significa simultaneamente a dissolução da filosofia. Ele está, então, numa mesma linha com Marx, Nietzsche e Heidegger, os quais, cada um à sua maneira, propagavam um modo de pensar totalmente novo, que devia tornar impossível a velha filosofia. Nessa interpretação, a obra de Wittgenstein representa um discurso para a insustentabilidade de qualquer doutrina filosófica conteudística. Sua crítica realiza a destruição pura e simples do pensamento ocidental. O que permanece é a fala que cura enfermidades filosóficas, às quais estamos sempre de novo expostos por causa da insaciável necessidade metafísica." Margot Fleischer (org.), Filósofos do século XX

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Precariedade "O tempo na vida humana: um ponto. Sua substância: um fluxo. Suas sensações: trevas. Todo o seu corpo: corrupção. Sua alma: um remoinho. Sua sorte: um enigma. Seu renome: uma cega opinião. Resumindo, tudo, em sua matéria: precariedade. Em seu espírito: sonho e fumaça. Sua existência: uma guerra, a etapa de uma viagem. Sua glória póstuma: esquecimento. Que nos pode então servir de guia? A filosofia, apenas isso." Marco Aurélio, Meditações

Filosofia e psicanálise "Existe ainda outra maneira pela qual a filosofia pode estimular-se na psicanálise, e essa é tornando-se ela própria tema da pesquisa psicanalítica. As teorias e sistemas filosóficos forma obra de um pequeno número de homens de notável individualidade. Em nenhuma outra ciência a personalidade de cientista desempenha um papel tão grande quanto na filosofia. E hoje, pela primeira vez, a psicanálise nos permite elaborar uma psicografia de uma personalidade. Ela nos ensina a identificar as unidades afetivas - os complexos dependentes de instintos - cuja presença é presumida em cada indivíduo e possibilita o estudo das transformações e produtos finais que surgem dessas forças instintivas. Revela as relações da disposição constitucional de uma pessoa e dos acontecimentos de sua vida com as realizações abertas a ela, em virtude de seus dons peculiares. Pode fazer conjeturas, com mais ou menos certeza, através da obra de um artista, sobre a personalidade íntima que reside por trás dela." Sigmund Freud, O interesse científico da psicanálise

Segunda mão "Quando se diz que a filosofia medieval, até o século XIII, foi principalmente platônica, é preciso lembrar que Platão, exceto num fragmento do Timeu, era conhecido somente de segunda ou terceira mão. João Scoto Erígena, por exemplo, não poderia ter tido as ideias que teve se não fosse por Platão, mas a maior parte do que nele existe de platonismo provêm do pseudo Dionísio. A data deste autor é incerta, mas parece provável que haja sido discípulo de Proclo, o neoplatônico. É também provável que João Escoto jamais haja ouvido falar de Proclo ou lido uma linha de Plotino." Bertrand Russel, História da Filosofia Ocidental - A filosofia católica

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À vista "A filosofia simplesmente coloca as coisas diante de nós, não explica nem deduz nada, uma vez que tudo se encontra à vista, não há nada a explicar, pois o que está oculto não nos interessa..." Ludwig Wittgenstein em Investigações filosóficas, citado por Danilo Marcondes em Filosofia Analítica

Machado e o ceticismo "As Memórias Póstumas é o romance mais filosófico de Machado de Assis e aquele no qual a influência de Pascal é mais notável. A filosofia de Brás Cubas enfatiza a miséria e a futilidade da condição humana. O gênero autobiográfico escolhido por Machado para esta narrativa facilita a expressão desta filosofia. Ao mostrar sua vida, Brás Cubas aponta a dimensão inexorável e impiedosa do tempo. Os personagens, amigos, amantes, instituições, ideais - tudo perece durante seu tempo de vida." Gustavo Bernardo (org.), Literatura e Ceticismo

Justificar-se " 1º - 'Não filosofar é ainda filosofar'. O discurso filosófico do Ocidente reivindica a amplidão de um englobamento ou de uma compreensão última. Obriga todo discurso a justificar-se diante da filosofia." Emmanuel Lévinas, De Deus que vem a ideia

Labirinto "Muitas vezes, a filosofia não é mais do que a coragem de entrar num labirinto.

E quem se esquecer do portão de entrada, pode facilmente adquirir a reputação de pensador independente." Karl Kraus, Aforismos

Mundo fenomênico "Quando a filosofia, enquanto vontade, se opõe ao mundo fenomênico, o sistema se transforma numa totalidade abstrata, num lado do mundo ao qual se opõe um outro lado.

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Na medida em que tende a refleti-lo, ao desejar realizar-se, entra em luta com o Outro." Karl Marx, Diferenças entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro

Gerar problemas "Na verdade, uma teoria filosófica é uma questão desenvolvida e nada mais que isso: por ela mesma, nela mesma, ela consiste não em resolver um problema, mas em desenvolver até o fim as implicações necessárias de uma questão formulada. Ou seja, cada filosofia é animada por uma forma de questão capaz de gerar tanto uma série determinada de problemas com uma dimensão de pressupostos tacitamente implícitos e não problematizados que fornece o campo de enunciação de uma problemática filosófica." Vladimir Safatle no artigo Theodor Adorno: a unidade de uma experiência filosófica plural, na obra O pensamento alemão no século XX - Vol 1

Emoção "O que Scheler questiona é a capacidade da razão de dar conta da totalidade do real, como pretende o racionalismo nas suas diferentes modalidades, a começar pelo racionalismo clássico. Diante da pretensão de ser a razão a única forma de apreensão objetiva da realidade, Scheler sustenta a validade da emoção pura, pois existe um outro setor da realidade absoluta que a razão não consegue atingir." José Silveira da Costa, Max Scheler - o personalismo ético

Tipos de filósofos "Filósofos nos quais nos dispersamos: Aristóteles. Filósofos com os quais oprimimos: Hegel. Filósofos para se gabar: Nietzsche. Para respirar: Chuang Tse." Elias Canetti, Sobre os escritores

Descobrir a verdade? "Não há nenhum objetivo supremo chamado 'descobrir a verdade' que tenha precedência sobre os demais. Como disse na conferência anterior, os pragmatistas não creem que a verdade seja a meta da investigação. 31


A meta da inquirição é a utilidade, e há tantos instrumentos úteis e diferentes quantos propósitos há para serem atingidos." Richard Rorty, Pragmatismo - A filosofia da criação e da mudança

Provisoriedade cética "Neste universo provisório, nossos axiomas só têm valor de notícias do dia." "O cético gostaria de sofrer, como o resto dos homens, pelas quimeras que fazem viver. Não consegue: é um mártir do bom senso." "Essa espécie de mal-estar quando tentamos imaginar a vida cotidiana dos grandes homens... Por volta das duas da tarde, o que fazia Sócrates?" "Envelhecendo aprendemos a converter nossos terrores em sarcasmos." E. M. Cioran, Silogismos da amargura

Sísifo "Mas Sísifo ensina fidelidade superior que nega os deuses e levanta os rochedos. Ele também julga estar tudo bem. Esse universo agora sem senhor não lhe parece nem estéril nem fútil. Cada grão dessa pedra, cada lasca mineral dessa montanha cheia de noite forma um mundo em si.

A própria luta em direção aos cimos basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz." Albert Camus, O mito de Sísifo

O que queria Sísifo? "Sísifo, o ser que queria não negar a divindade, mas prescindir dela, ou igualála. Daí o castigo lembrando-lhe simultaneamente sua força e sua fraqueza, obrigando-o ao esforço indefinidamente repetido dos seres mortais. A força é Sísifo ser capaz de rolar o rochedo até o cimo da colina; a fraqueza é a inutilidade desse trabalho, quando o rochedo desaba, no último momento, com toda a força, para o sopé da colina, obrigando Sísifo a recomeçar. É necessário carregar o fardo cotidiano custe o que custar." "Sísifo só pode reconciliar-se com a vida ao aquilatar esse mundo no qual inscreverá seu destino. 32


Sua força renascerá sempre se decidir irrevogavelmente viver sua vida de homem, renunciando aos deuses, ao mesmo tempo protetores e ameaçadores. O medo e a prostração são inúteis. Os ritmos cotidianos são secundários. Eles possibilitam a vida, apenas, sem prejulgar a direção que tomará. Ao homem cabe construir seu mundo e delinear os contornos de sua felicidade de modo absolutamente inédito. Sísifo não consegue reproduzir a famosa frase de Dostoievski: 'Se Deus não existe, tudo é permitido.' Para Sísifo, a humanidade, senhora de si, carrega sozinha seu fardo, mas ela assim se habilita a definir sozinha os valores que lhe permitirão viver da melhor forma possível." "Que vida queremos viver e qual bem merece ser buscado por si? Pergunta essencial que acarreta a reflexão para se encaminhar à sabedoria. A tarefa da vida se redefine. Não, o recomeço pertinente à vida dos homens mortais não pode desqualificar essa vida. E Sísifo levanta o olhar para o céu. Este céu está deserto. No entanto, ele, Sísifo, encontrará em sua tarefa cotidiana os próprios recursos para viver feliz." Henri Pena-Ruiz, Grandes Lendas do Pensamento

Assistindo TV "As pessoas da área de relações públicas não brincam em serviço. São profissionais. Estão tentando incutir os valores corretos. Na verdade, elas têm uma concepção do que deve ser a democracia: um sistema em que a classe especializada é treinada para trabalhar a serviço dos senhores, os donos da sociedade. O resto da população deve ser privado de qualquer forma de organização, por que organização só causa transtorno. Devem ficar sentados sozinhos em frente à TV absorvendo a mensagem que diz que o único valor na vida é possuir mais bens de consumo ou viver como aquela família de classe média alta a que eles estão assistindo, e cultivar valores apropriados, como harmonia e americanismo. A vida se resume a isso. Você pode pensar, bem lá no fundo, que a vida não pode ser só isso, porém, já que está ali sozinho diante da telinha, você admite: 'Devo estar ficando louco', porque é só aquilo que passam na TV." Noam Chomsky, Mídia, propaganda política e manipulação

Pontos de vista "Platão se indignava porque se perpetrara aquilo que ele considerava o agravo mais ruinoso concebível contra uma cultura: o fato de os filósofos garantirem que a tradição não passava de um enorme equívoco, que nada é absolutamente verdadeiro fora do crisol de uma dada cultura." 33


"A postura de Platão era apenas uma entre muitas. O ateniense Crítias, seu parente, escreveu uma peça na qual a religião aparecia como uma mentira explicitamente inventada, feita para que os seres humanos brutais se tornem honestos e submissos à lei: os deuses eram, portanto, um logro deliberado. Crítias também estudara com Sócrates." Jennifer Hecht, Dúvida - Uma história

Sentido "Quando Nietzsche declara que não há nenhum sentido a ser buscado na existência, ele não quer absolutamente dizer que a existência é vã e sem interesse, que falta ali qualquer 'razão de viver'. O tema nietzschiano da insignificância do mundo designa somente a impossibilidade - salvo ilusão e traição - de reconhecer nele um sentido à altura da palavra e da inteligências humanas. Schechta diz mais uma vez com justeza: 'Nietzsche tenta em sua obra tornar claro: a) que o mundo na verdade não tem sentido algum; b) que toda a atribuição de sentido não foi até aqui senão um ato intermediário demasiado humano.' Segundo Nietzsche, qualquer significação é falsa, pois de ordem antropomórfica; mas isso não implica que se está em posição de decretar uma não-significação geral das coisas. Semelhante afirmação seria vã e contraditória, concernindo um campo do qual se reconhece, precisamente, que não se entende nada. Do mesmo modo Hume critica as ideias que as homens têm da causa, do próprio sujeito, de Deus: mas daí não deduz, no entanto, que 'não há' causa, sujeito, Deus. Tais denegações seriam exatamente tão absurdas quanto as teses às quais elas se opõem. Simplesmente, não há aqui nada para ser pensado - nada, quer dizer nada que afirme, mas também, necessariamente, nada que negue. É um pouco o que Lacan, a seu modo, exprimiu, não respondendo a questão indiscreta de um ouvinte que queria saber se ele acreditava ou não na existência de Deus nem com sim, nem com não, mas assim: 'É curioso, para mim tanto faz como tanto fez'. Clement Rosset, Alegria a força maior

Pirro "Aristóteles resumia nestes termos a doutrina de Pirro: 'Pirro de Élis não deixou nenhum escrito, mas seu discípulo Tímon diz que aquele que quer ser feliz deve considerar esses três pontos: em primeiro lugar, o que são as coisas em si mesmas? Depois, que disposições devemos ter em relação a elas? Finalmente, o que nos resultará destas disposições? As coisas não têm diferença entre si, e são igualmente incertas e indiscerníveis. Por isso, nossas sensações e nossos juízos não nos ensinam o verdadeiro nem o falso. 34


Por conseguinte, não devemos nos fiar nem nos sentidos nem na razão, mas permanecer sem opinião, sem nos inclinarmos para um lado ou para o outro, impassíveis. Qualquer que seja a coisa de que se trata, diremos que não se deve mais afirmá-la do que negá-la, ou que se deve afirmá-la e negá-la ao mesmo tempo, ou que não se deve nem afirmá-la nem negá-la. Se estivermos dispostos a isto, diz Tímon, 'alcançaremos primeiro a afasia, em seguida a ataraxia'. Duvidar de tudo e ser indiferente a tudo, eis todo o ceticismo, na época de Pirro como mais tarde. Epoché, ou suspensão do juízo, e adiaforia, ou indiferença completa, eis as duas palavras que toda a escola repetirá: eis o que ocupa o lugar da ciência e da moral." "O cético volta com insistência a este ponto: todas es expressões de que se serve têm apenas a aparência de dogmáticas. Elas designam não uma coisa real, mas um simples estado da pessoa que fala; uma simples maneira de ser, que não implica, de modo algum, uma realidade exterior a essa pessoa e independente dela; é um simples fenômeno, como diríamos hoje, puramente subjetivo." "É importante assinalar que a dúvida cética não se dirige às aparências ou fenômenos que são evidentes, mas unicamente às coisas obscuras ou ocultas. Nenhum cético duvida de seu próprio pensamento, e o cético reconhece que é dia, que vive, que vê claramente. Ele não contesta que tal objeto lhe pareça branco, que o mel lhe pareça doce. Mas o objeto é branco? O mel é doce? Eis o que ele não sabe. Ele ignora tudo aquilo que não aparece aos sentidos; não nega a visão, mas não sabe como ela se forma. Ele sente que o fogo queima, mas ignora se está em sua natureza queimar." "Não se deve portanto dizer que o cético duvida de tudo em geral: ele não duvida dos fenômenos, mas somente de realidades enquanto distintas das aparências. Se se retém bem esse ponto, será fácil responder a todos os sofismas dirigidos contra o ceticismo." "Por outro lado, com efeito, vemos que, segundo Pirro e Tímon, o bem e o mal são coisas convencionais, fundadas unicamente no costume: as leis foram instituídas por acaso; não há nenhuma justiça segundo a natureza." Victor Brochard, Os céticos gregos

Abstrações "Mas a crítica de Stirner é para ele temível, porque ela não se contenta em visar os 'gêneros' metafísicos tradicionais (todos mais ou menos teológicos: o Ser, a Substância, a Ideia, a Razão, o Bem...), ela engloba todas as noções universais, sem exceção, antecipando assim certos desenvolvimentos de Nietzsche e o que se chama hoje de pós-modernismo. 35


Stirner não admite nenhuma crença, nenhuma Ideia, nenhum 'grande relato': nem de Deus, nem do Homem, nem da Igreja nem do Estado, e nem mesmo da Revolução. E efetivamente não há diferença lógica entre a cristandade, a humanidade, o povo, a sociedade, a nação ou o proletariado, assim como entre os direitos humanos e o comunismo: todas essas noções universais são efetivamente abstrações, o que significa, do ponto de vista de Stirner, ficções." Étienne Balibar, A filosofia de Marx

Repressão e consumo "Para a grande maioria da população, o espírito e o corpo sempre foram sentidos como instrumentos de desempenhos penosos e 'socialmente necessários'. De fato, toda a cultura, e particularmente a religião e a moralidade introjetadas, insistiu nessa necessidade - parte do destino humano, uma condição prévia de recompensas e satisfações futuras. A racionalidade da repressão organizada no modo de produção capitalista era óbvia: servia à conquista da escassez e ao domínio da natureza; tornou-se uma força propulsora do progresso técnico, uma força produtiva. Hoje o caso é inverso: essa repressão está perdendo a sua racionalidade. O 'ascetismo secular e subjetivo' não se coaduna com a sociedade de consumo; é substituído por um keynesianismo extremado." Herbert Marcuse, Contra-revolução e revolta

Limites e incerteza "Ao contrário dos positivistas, materialistas históricos e materialistas dialéticos, marxistas, anárquicos, radicais, transumanistas, ateus militantes de vários tipos e diferentes proveniências, Freud sabia perfeitamente que o ateísmo não tem nada de triunfalista, na verdade tem a ver com os limites e com a aceitação dos limites, tem a ver com uma renúncia, com o abandono da bem enraizada Grande Esperança." "De todo modo, é verdade que a convicção de possuir todas as respostas é decerto mortalmente perigosa porque não deixa nenhum espaço ao futuro, imobiliza a vida intelectual, elimina as novas questões, transforma toda e qualquer diferença em culpa e todo e qualquer desacordo num perigo que deve ser abolido." "Entre os mais hábeis transformadores das hipóteses em certezas, encontramse sem dúvida os jornalistas e os políticos profissionais." Paolo Rossi, Esperanças

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Buda "Como o budismo estava fora do controle de Buda, as ideias de oração e adoração, de uma mente universal, de magia, de deuses, e, naturalmente, de carma começaram a se introduzir nas numerosas seitas budistas que foram surgindo ao longo dos séculos. Mas não em todas. Nos seus ensinamentos e em alguns grupos de sua vasta comunidade, Sidarta Gautama criou um modo de viver que apontava ativamente para a aparente ruptura entre o mundo humano e o universo não-humano, e o fez ao mesmo tempo que duvidava profundamente de Deus ou de deuses, do carma ou de qualquer outra forma de justiça universal." Jennifer Michael Hecht, Dúvida, uma história

Intelectual e político "A missão do chamado 'intelectual' é, de certo modo, oposta à do político. A obra intelectual aspira, frequentemente em vão, a aclarar um pouco as coisas, enquanto a do político sói, pelo contrário, consiste em confundi-las mais que estavam. Ser de esquerda é, como ser de direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode eleger para ser um imbecil: ambas, com efeito, são formas de hemiplegia moral." Ortega y Gasset, A rebelião das Massas

Pensar a origem "O pensar usual, seja ele científico, pré-científico ou não-científico, pensa o ente, cada vez, segundo suas regiões individuais, suas camadas separadas e aspectos circunscritos. Este pensar é um discorrer sobre o ente, cujo conhecer o domina e controla de modos diversos. Diferentemente do domínio dos entes, o pensar dos pensadores é o pensar do ser. Seu pensar é o retraimento diante do ser. Chamamos o pensado no pensar dos pensadores de princípio. Isso significa, portanto, agora: o ser é a origem. No entanto, nem todo pensador que tem que pensar o ser, pensa a origem. Nem todo pensador, inclusive nem todo pensador no início do pensar do Ocidente, é um pensador originário, ou seja, um pensador que pensa propriamente a origem, o princípio." Martin Heidegger, Parmênides

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Fundamento básico "Se em semelhante lugar, que é também o último, a 'vontade de poder' for colocada como o único 'ente' verdadeiro, ela deveria assim, em última instância, suspender o nihilo do niilismo radical, que também era denominado por Nietzsche desta forma. Pois o niilismo extremo é um nihilo que anula justamente aquilo que, como fundamento do 'ente', é fundamento. Se assim for, então isso significa que o nada extremo em Nietzsche e a 'vontade de poder' como superação deste nada, ambos estão muito distantes do lugar existencial do oitavo quadro da história do boi e seu pastor (gravura e história zen-budista)." "Depois de (Nishida, filósofo budista japonês) afirmar que a força unificadora que opera nos fenômenos da consciência e nos fenômenos materiais do mundo exterior é da mesma espécie, ele conclui: 'A força de unificação na base do nosso pensamento e da nossa vontade é imediatamente idêntica à força de unificação na origem de todos os fenômenos cósmicos.'" Antonio Florentino Neto e Oswaldo Giacoia Jr., O Nada absoluto e a superação do niilismo: Os fundamentos filosóficos da Escola de Kyoto

Fim da filosofia "Do ponto de vista terapêutico, o filosofar de Wittgenstein significa simultaneamente a dissolução da filosofia. Ele está, então, numa mesma linha com Marx, Nietzsche e Heidegger, os quais, cada um à sua maneira, propagavam um modo de pensar totalmente novo, que devia tornar impossível a velha filosofia. Nessa interpretação, a obra de Wittgenstein representa um discurso para a insustentabilidade de qualquer doutrina filosófica conteudística. Sua crítica realiza a destruição pura e simples do pensamento ocidental. O que permanece é a fala que cura enfermidades filosóficas, às quais estamos sempre de novo expostos por causa da insaciável necessidade metafísica." Margot Fleischer (org.), Filósofos do século XX

Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada? "No início formulamos uma questão: 'por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?' Afirmamos que filosofar é investigar esta questão. Se, inspecionando e refletindo, nos dispusermos em sua direção, renunciaremos em primeiro lugar a instalarmo-nos em qualquer um dos domínios correntes do ente. Ultrapassaremos tudo que está na ordem do dia. Investigaremos algo, que transcende o trivial e ordinário da ordem de todo o dia.

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Nietzsche disse certa vez (VII, 269) 'Um filósofo é um homem, que constantemente vive, vê, ouve, suspeita e sonha... coisas extraordinárias'." Martin Heidegger, Introdução à metafísica

A posição do homem no Cosmos "Em uma certa compreensão, todos os problemas centrais da filosofia deixamse reduzir às perguntas: o que é o homem? Qual a posição e a situação metafísica por ele assumidas no interior da totalidade do ser, do mundo e de Deus? Não foi sem razão que uma série de pensadores antigos costumava tomar a 'posição do homem no Universo' - ou seja, uma orientação sobre o lugar metafísico da essência do 'homem' e de sua existência - como ponto de partida de toda a colocação de questões filosóficas." Max Scheler, A posição do Homem no Cosmos

Interesses "O que distingue o homem adulto do jovem é o fato de ele tomar o mundo tal como é, em vez de o imaginar sempre com as piores cores e querer melhorá-lo, isto é, moldá-lo à luz de seus ideais. No primeiro, ganha corpo a convicção de que, no mundo, o que importa é seguir nossos interesses e não nossos ideais." "Nem preciso demonstrar a todos aqueles que nos querem impingir a sua causa que o que os move são apenas eles mesmos e não nós, o seu bem-estar, e não o nosso." Max Stirner, O único e a sua propriedade

Objetos do universo e nada "Isso nos leva ao primeiro resultado, ao qual precisamos nos acostumar primeiro: Existem muitos objetos que não existem no universo. Ou seja, o universo é menor do que suspeitávamos, mesmo que consista de centenas de bilhões de galáxias e de um número astronômico de partículas subatômicas. O universo possui carga energética inimaginável e abarca muitos fatos inexplorados e mesmo assim, é apenas uma província entre outras, uma província ontológica do todo. O universo é ontologicamente provincial simplesmente porque existe muito que não ocorre no universo." "Imaginemos que nada, absolutamente nada existe: tempo, espaço, suricatas, meias, planetas, sóis, nada disso. 39


Nessa situação absolutamente erma e triste seria o caso que nada existe, e o pensamento segundo o qual nada existe nesse caso aparenta ser verdadeiro. Disso segue, porém, que também no nada ermo existe menos um fato, ou seja, o fato de que se trata de um nada ermo. Esse fato, porém, de forma alguma seria nada." Markus Gabriel, Por que o mundo não existe

Crença na crença

"A crença na crença de que alguma coisa é importante tornou-se compreensivelmente forte e amplamente disseminada. A crença no livre-arbítrio é outra visão protegida com vigor pelos mesmos motivos. Aqueles cujas investigações parecem pôr esses crenças em risco muitas vezes são deturpados, deliberadamente, para desacreditar aquilo que parece ser uma tendência perigosa (Dennett, 2003). O físico Paul Davies (2004) recentemente defendeu o ponto de vista de que a crença no livre-arbítrio é tão importante que pode ser 'uma ficção digna de ser mantida'". Daniel C. Dennett, Quebrando o encanto - A religião como fenômeno natural

Deus absconditus "O argumento do 'elefante invisível rosa'. Muitas versões do argumento de que você não pode provar algo negativo existem por aí, mas este é meu favorito. Você não pode fazer uma asserção absolutamente dogmática de que elefantes rosas não existem, porque algum pode estar se escondendo em algum lugar no universo e você não procurou exaustivamente em cada esconderijo. Similarmente, você não pode rejeitar a existência de algum deus porque, veja, ele pode estar escondido em algum lugar onde você ainda não procurou." PZ Myers, The happy atheist - tradução do organizador

Ajuda da mãe natureza "O cerne da moralidade que quase todos os humanos dividem não precisa de justificativa e também não pode ter uma. Não precisa de uma razão para funcionar, porque nós fomos naturalmente selecionados para agir de acordo com ela. O mesmo vale para o secularismo humanista, em sua enganada esperança de que a ciência possa fazer pela moralidade o que a religião tenta e falha em fazer."

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"Para nossa sorte, a mãe natureza cuida para que a maioria de nós, incluindo os humanista seculares, levante na maioria das manhãs, e viva, mesmo sem nada que torne suas vidas plenas de sentido. A prova é óbvia. Não há nada que dê sentido às nossas vidas e, mesmo assim, aqui estamos, forma de nossos pijamas. A noção de que precisamos de algo que dê sentido às nossas vidas para continuarmos vivendo é outra das tais ilusões fomentadas pela introspecção." Alex Rosenberg, The atheist´s guide to reality – tradução do organizador

Ateísmo e seus aspectos "O advento da modernidade trouxe consigo um concepção transformada de Deus, um distinto teísmo 'moderno'. Quando Deus é entendido como sendo um objeto do pensamento, Deus é concebido em termos humanos, sua transcendência é domesticada e, em certas instâncias ao menos, Deus crescentemente toma características de uma 'grande pessoa'." "Em outras palavras, se o ateísmo é entendido como consistindo uma negação de Deus, é primeiro perguntar que Deus precisamente é negado. Isto de maneira alguma é uma questão insignificante, dado que a concepção de Deus na tradição cristã variou enormemente na história." "Desta maneira ele (Diderot) fez 'a afirmação primordial mas definitiva' do ateísmo: 'o princípio de tudo é natureza criativa, matéria em sua auto atividade eternamente produtiva de todas as mudanças e todos os objetivos'." Gavin Hyman A short history of atheism – tradução do organizador

O eternamente mutante "É contra esse caráter eternamente mutante das coisas que a metafísica se insurge. A marca da metafísica é a crença na duração, ou, como quer Nietzsche, a 'necessidade psicológica ' da permanência. A compreensão do mundo, a partir de um princípio ordenador, tem o poder de aliviar e tranquilizar o homem diante da extrema exuberância das forças plurais da vida, o alívio do mundo que, como eterno vir-a-ser, acarreta inevitavelmente a dor e a morte. Encarar a inexistência de qualquer intencionalidade do devir é o mesmo que encarar o desconhecido, o incalculável, é enfrentar o caráter enigmático da vida e da morte." Viviane Mosé, Nietzsche e a grande política da linguagem

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Tempo e existência "O problema do tempo é o problema fundamental da existência humana. Não é uma coincidência que dois dos filósofo mais considerados da Europa contemporânea, Bergson e Heidegger, o colocaram no coração de sua filosofia. Para a filosofia da existência, o problema do tempo se coloca de outro modo, que para a filosofia matemática e naturalista. Ela vê nele o problema do destino do homem. Os conceitos elaborados pela filosofia matemática: infinidade potencial e atual, o infinito, o indefinido, o 'transfinito', etc., não a interessam mais que indiretamente. O destino da existência humana se completa no tempo, está colocado sob o sinal do tempo. O realismo ingênuo se engana quando concebe o tempo como uma moldura onde ela (a existência humana) será limitada e na qual o tempo determinará as mudanças. De fato, não são as mudanças que são produzidas pelo tempo; é o tempo que é produzido pelas mudanças. O tempo existe porque existe a atividade, a ação criativa, a passagem do não-ser para o ser. Somente por causa desta atividade esta ação criativa é dividida, privada de sua integridade, não é estabelecida no eterno. O tempo resulta da mudança que se opera nas realidades, nos seres, nas existências, e não é a mudança que é condicionada pelo tempo. É por isso que ele pode ser ultrapassado. O tempo deposto, o tempo de nosso mundo, é a consequência da queda ocorrida no seio da existência. O tempo deposto é o produto da objetivação, de um estado onde tudo se tornou universalmente objeto e estranho, ou seja, onde tudo se encontra acabado, desunido, e atado, acorrentado." Nicolas Berdiaeff, Cinq méditations sur l'existence – tradução do organizador

Epicuro e a evolução "Expôs Epicuro a teoria da evolução, dois mil e duzentos anos antes de Darwin. Em seu poema Da Natureza das Coisas dá-nos Lucrécio (filósofo e poeta romano, seguidor da filosofia de Epicuro), um retrato interessante do mundo como figurado na teoria epicurista da origem das espécies e da descendência do homem." Henry Thomas e Dana Lee Thomas, Vida de grandes filósofos

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Desenvolvimento na periferia "Em oposição à tendência desenvolvimentista dominante na periferia do capitalismo, Marcuse defendia 'uma forma de progresso adaptada ao país' que, longe de seguir 'a industrialização segundo o modelo das sociedades avançadas', levaria em consideração, entre outras questões, os recursos naturais e as tradições pré-tecnológicas." Jorge de Almeida e Wolfgang Bader (orgs.) O pensamento alemão no século XX Volume 1

Keynes e a arte de viver "Em seu ensaio sobre 'As possibilidades econômicas para os nossos netos', publicado em 1930, ele (Keynes) celebrou as conquistas que nos trouxeram até o 'regaço da abundância', mas apenas como uma ponte necessária para outro fim. O futuro, imaginava ele, pertenceria àqueles para os quais 'a arte de viver' importava mais do que a 'arte de acumular'. O centro de gravidade da vida humana deixaria de ser o 'detestável amor ao dinheiro' e, em seu lugar, a arena das mentes passaria 'a ser ocupada pelos nossos problemas reais - os problemas da vida e das relações humanas, da criação, da conduta e da religião'. 'Serão os povos que souberem manter viva e cultivar até um ponto mais pleno de perfeição a arte da vida, sem se vender pelos meios de vida, que estarão aptos a usufruir da abundância quando ela chegar'..." Eduardo Gianetti parcialmente citando o economista inglês John Maynard Keynes em Felicidade

Paraíso na terra "Tomás de Aquino percebe muito bem: o pessimismo radical de Agostinho arrisca-se a levar à desesperança. A felicidade é impossível de se atingir, de que vale a pena estra vivo? Aristóteles propõe uma solução: existe felicidade e felicidade. 'É possível nesta vida tomar parte de certa maneira da felicidade, mas não possuir a felicidade verdadeira e perfeita'. Afirmação tranquilizadora a se considerar com bastante precaução: o homem não deve se desesperar, mas ele tampouco deve acreditar que pode criar um paraíso na terra." Georges Minois, A Idade de Ouro

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Mundo sem mistérios "Mesmo os epicuristas, com sua filosofia materialista, deram um jeito de manter espaço para os deuses, que eles situavam no intermundia, como se o homem tivesse uma necessidade de preservar de qualquer forma o seu conceito divino. No caso dos cínicos, porém, não vemos nada desse gênero. Eles não tinham nem uma imagem racional do mundo, nem uma concepção providencialista da natureza. Eles não achavam que o universo havia sido criado para benefício do homem ou que houvesse um mistério do mundo esperando para ser descoberto" Marie-Odile Goulet-Cazé e R. Btacht Branham (org.) - Os cínicos - O movimento cínico na Antiguidade e seu legado

Sumo fazedor "A ideia fundamental do pensamento de La Mettrie é o materialismo. Durante os séculos XVII e XVIII, havia a convicção de que o universo tinha suas próprias leis físicas e funcionava, de acordo com elas, de maneira autônoma. Entretanto, na maioria dos casos, pensava-se que existia uma inteligência prévia responsável pela organização do mundo. A concepção materialista da origem da vida nega esta versão e elimina a ideia do sumo fazedor, ou seja, não há um sujeito prévio, nem um plano previsto, existindo apenas a matéria cega, que tem a capacidade de movimento e de transformar a si mesma e deslocar-se ao acaso. Esta convicção tiveram em diferentes épocas autores como Hobbes, D' Holbach, Leopardi ou Nietzsche." Josep Muñoz Redón, A cozinha do pensamento

Inscrito na natureza "Em outras palavras, não há nada que garante a coexistência entre dois domínios: não há como supor, portanto, que os sentidos humanos sejam o correspondente, na ordem do sujeito, de propriedades inscritas na natureza." Renato Lessa, Veneno Pirrônico

Crença no absurdo "Mas o que significa a vida em semelhante universo? No momento, nada além da indiferença para com o futuro e a paixão de esgotar tudo o que se deu. A crença no sentido da vida compreende sempre uma escala de valores, uma escolha, preferências.

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A crença no absurdo, segundo as nossas definições, ensina o oposto. Mas nisso vale a pena que nos detenhamos. Saber se alguém pode viver sem apelação é tudo o que me interessa." Albert Camus, O mito de Sísifo

Abdicando na busca de sentido "A partilha não parece fazer-se entre crentes e descrentes, mas antes de preferência entre aqueles que afirmam a possibilidade racional de pensar globalmente o mundo, sobre uma forma divina ou ateísta, e os que se limitam a uma visão fragmentária em que predomina o aqui e o agora, o imediato e o localizado. Se esta segunda atitude se impõe, significa que a humanidade abdica na procura de sentido." Georges Minois, História do Ateísmo

Ódio por si próprio "O amor-próprio é coisa fácil: resultante do instinto de conservação, os próprios animais o conheceriam se fossem um nada pervertidos. O que é mais difícil, aquilo que só o homem é capaz, é o ódio por si próprio. Depois de o ter expulsado do Paraíso, este ódio fez o que pôde para aumentar a distância que o separa do mundo, para o manter desperto entre os instantes, no vazio que quase se intercala entre eles. É deste ódio por si próprio que emerge a consciência, é nele, por conseguinte, que devemos buscar o ponto de partida do fenômeno humano. Odeio-me: sou homem. Ser consciente é estar separado de si, é odiar-se. Este ódio trabalha-nos desde a raiz, ao mesmo tempo que fornece a seiva da Árvore da Ciência." Emil M. Cioran, A tentação de existir

A maldição do nacionalismo "O nacionalismo é uma máscara romântica de luxúria que conseguiu enganar a inibição e penetrou, assim disfarçada, a superfície dos acontecimentos. É portanto o nacionalismo uma luxúria desinibida. A mente nacionalista comportase, com razão, como se não fosse pecaminosa. Enche o ar com as suas exclamações altissonantes, como se nada tivesse a temer, e como se fosse a própria voz da consciência tranquila. A inibição, entorpecida pela máscara nacional da luxúria, não se manifesta.

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O nacionalismo é luxúria inteiramente libertada. Se a mente possuída inteiramente por nacionalismo (o que, felizmente, é raro), devemos dizer que foi possuída inteiramente pelo diabo. O nacionalismo é uma das vitória mais impressionantes do diabo. O nacionalismo é uma das vitórias mais impressionantes do diabo, e tem todas as características diabólicas em grau elevado." Vilém Flusser, A história do diabo

Outra vez o sentido da história "Contudo, o homem já perdeu o sentido da história quando ele próprio, como o caso de Spengler mostra, privou-se da verdadeira possibilidade de somente pensar sobre isso como tal: na pressa de tirar 'balanços' 'historiográficos' usa-se a palavra 'sentido'. O 'sentido' da história, entretanto é a essência da verdade, na qual em cada tempo, a verdade de uma época humana é e está fundada." Martin Heidegger, Parmênides

Nada inconcebível "Nós viemos de um nada inconcebível. Ficamos um tempo em algo que parece igualmente inconcebível, apenas para desaparecer novamente no inconcebível nada." Peter Wessel Zapffe (1899-1990), filósofo norueguês em entrevista para documentário

Animal trágico "O homem é um animal trágico. Não por causa de sua pequenez, mas porque ele está muito bem dotado. O homem tem anseios espirituais, que na realidade não pode cumprir. Temos expectativas de um mundo justo e moral. O homem precisa de um significado em um mundo sem sentido." Peter Wessel Zapffe (1899-1990), filósofo norueguês em O último Messias

Prejuízo da existência "Não é apenas a razão do prazer para a dor que determina a qualidade de uma vida, mas também a grande quantidade de dor.

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Uma vez que um certo limiar de dor é passado, nenhuma quantidade de prazer pode compensar isso." David Benatar, Better Never to Have Been - The Harm of Coming in Existence – tradução do organizador

Somos ridículos "Somos ridículos por repousarmos na sociedade de nossos semelhantes; miseráveis como nós, impotentes como nós, eles não nos ajudarão; morreremos sozinhos." Blaise Pascal, Pensamentos

Assuntos sagrados "A religião e o governo são assuntos sagrados nos quais não é permitido tocar. Os que controlam o timão da Igreja e do Estado ficariam muito embaraçados se tivessem que nos dar uma boa razão para o silêncio que nos impõem." Denis Diderot, O Passeio do Cético ou As Alamedas

Acreditar só um pouco "Podemos observar que, a despeito das maneiras dogmáticas e imperiosas de todas as superstições, a convicção dos homens religiosos é, em qualquer época, mais fingida do que real e muito raramente e bem pouco equipara-se à firme crença e à firme persuasão que nos governam nos negócios comuns da vida." David Hume, A história natural da religião

Consciência "O materialista desprovido de espírito declara: 'O homem distingue-se do animal apenas por sua consciência, é um animal, mas dotado de consciência'; mas ele não nota que dentro do ser que despertou para a consciência se produz uma modificação qualitativa do ser inteiro." Ludwig Feuerbach, A essência do cristianismo

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Pretensão do Nada "Os grandes sistemas (filosóficos), no fundo, são apenas brilhantes tautologias. Que vantagem há em saber que a natureza do ser consiste na “vontade de viver”, na “ideia”, ou na fantasia de Deus ou da Química? Simples proliferação de palavras, sutis deslocamentos de sentidos. O que é repele o abraço verbal, e a experiência íntima não nos revela nada além do instante privilegiado e inexprimível. Aliás, o ser mesmo não é mais que uma pretensão do Nada." Emil Cioran, Breviário da Decomposição

Sem profetas nem salvadores "Weber apelava antes ao senso de responsabilidade do intelectual e do cientista e convidava a viver virilmente, sem profetas nem salvadores, o destino do relativismo e do niilismo de nossa época, seguindo, na labuta diária, o 'demônio' que tece as teias da própria existência. A quem não se atrevesse a tanto só restaria sacrificar o intelecto, retornando aos braços sempre misericordiosamente abertos das confrarias e das igrejas: que o discípulo procure novamente o profeta e que o crente retorne a seu salvador. Mas, para os que assumiram a razão como guia da própria existência, permaneceria como única virtude o exercício radical dessa mesma razão." Franco Volpi, O Niilismo

Produzir ideologias "Por outro lado, Marx também reconheceu sua função positiva, fazendo a vida suportável e possível de ser vivida para aqueles cujas vidas de outra maneira seriam sem compensação e esperança. Não há como considerar a 'abolição' da religião, enquanto prevalecerem as condições econômicas do capitalismo. Isto, em certo sentido, seria visto como um ato de crueldade contra os oprimidos e, em todo caso, toda base econômica irá produzir suas 'ideologias', cuja supressão artificial seria uma tolice. Mas para Marx, o colapso do capitalismo significaria que não haveria mais tais funções para a religião preencher, e assim essa desapareceria natural e inevitavelmente." Gavin Hyman, A short history of atheism - tradução do organizador

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Procurando "Os Esboços Pirrônicos apresentam as antigas escolas filosóficas caracterizadas pela sua postura relativamente à verdade: quem acredita que a possui (os dogmáticos, concretamente peripatéticos e epicuristas), quem se desespera porque nunca pode encontrá-la (os céticos, Clitômaco, Carnéades e a Nova Academia) e, finalmente, quem mesmo sabendo que não pode encontrála jamais, continua a procurá-la, praticando a zetética (Pirro e seus seguidores: II, 12). 'Quem procura algo chega a esta conclusão; ou diz que o encontrou, ou que não pode encontrar, ou que ainda está à sua procura.' Toda Filosofia se divide nessas três seções. O seu objetivo é procurar a verdade, a ciência, a certeza. No entanto, é sempre o amor pelo saber aquilo que impulsiona os céticos a procurar a verdade (indescritível e nunca encontrada), e para os pirrônicos é a sua fonte inesgotável." Nicola Panichi, Montaigne - A consciência crítica do Renascimento

Lentes deformadas "O que resulta que somos, por natureza, incapazes de conhecer a realidade tal qual ela é em si. O espírito humano se encontra numa situação semelhante à de um homem que, usando óculos com lentes deformadoras, não poderia se pronunciar sobre como é a paisagem que contempla." André Verdan, O Ceticismo filosófico

Não sei "Não sei quem me pôs no mundo; nem o que é o mundo, nem o que sou eu mesmo; vivo numa terrível ignorância acerca de todas as coisas; não sei o que é meu corpo, o que são meus sentidos, a minha alma e essa parte mesma de mim que pensa o que digo, que medita sobre tudo e sobre ela própria, e não se conhece mais que o resto." Blaise Pascal, Pensamentos

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Ameaça constante "Não é preciso ter uma alma muito instruída para compreender que não há neste mundo verdadeira e sólida satisfação, que todos os nossos prazeres são puras vaidades, que nossos males são infinitos, e que, enfim, a morte, que nos ameaça a cada instante, deve infalivelmente nos levar em poucos anos à horrível necessidade de sermos eternamente aniquilados ou eternamente infelizes." Blaise Pascal, Pensamentos

Facho da vida "Assim continuamente se renova o Universo e vivem os mortais de trocas mútuas. Aumentam umas espécies, diminuem outras, e em breve espaço se substituem as gerações de seres vivos, e como os corredores, passam uns aos outros o facho da vida." Lucrécio, Da Natureza

Pouco sabemos "[...] mais vale pensar que não existe litoral, apenas uma navegação sem fim, dispomos apenas de meios ínfimos de saber o que é verdadeiro - localmente, em territórios delimitados -, e de nenhum meio de saber o que é verdadeiro no absoluto, nem de determinar se 'verdadeiro no absoluto' faz algum sentido ou não, e, em caso positivo, sob quais condições, a verdade suprema, derradeira e integral, se existir, nos é radicalmente inacessível, ainda que a duração de nossa vida fosse multiplicada por dez, por cem, por mil, ainda que nossa inteligência e nossa memória fossem aumentadas em proporções análogas, em nada mudariam as condições básicas, [...] Roger-Pol Droit, Se só me restasse uma hora de vida

Ideia do infinito "Conceber a extensão, o tempo e os números como infinitos é algo natural e bastante fácil para a nossa razão, não requerendo, portanto, a existência de nenhuma instância sobrenatural para tal. Em outras palavras, não há nada de prodigioso num ser finito e de entendimento limitado como o homem ter a ideia do infinito. O mesmo raciocínio é válido para a noção de perfeição.

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Aliás, a ideia de que o Ser, ou melhor, a matéria, nunca foi criado e que portanto ele não tem início nem terá fim, que sempre existiu e existirá, é uma evidência, segundo Meslier, para a 'razão natural'". Paulo Jonas de Lima Piva, Ateísmo e Revolta - Os manuscritos do padre Jean Meslier

Coexistência no mundo "Atente para quantas coisas se passam, simultaneamente, em cada um de nós, na nossa alma, no nosso corpo. Dessa forma, não te espantará que tantas coisas, melhor dizendo, todas as coisas coexistam no ser único e total a que denominamos mundo." Marco Aurélio, Meditações

Somos redimidos do tempo pela atividade de nossa mente "A mais comezinha das atividades das nossas forças intelectuais nos redime, em certo grau, das influências do tempo. Na doença, ou quando estamos fatigados, dai-nos um trecho de poesia ou uma sentença profunda, que nos reanimaremos; ou trazei-nos um volume de Platão ou Shakespeare, ou lembrai-nos dos seus nomes, e instantaneamente sentiremos alívio. Vede como o profundo, divino pensamento, destrói séculos e milênios e faz-se presente através dos tempos." Edgar Lee Masters, O pensamento vivo de Ralph Waldo Emerson

Reconciliar-se com o que existe "Digamos simplesmente ser o niilismo aquilo que se deve, por sua vez, negar, se quisermos, partindo da lógica segundo a qual duas negações valem uma afirmação, reencontrar o real, lamentar um pouco menos, esperar um pouco menos para conseguir amá-lo, enfim, exatamente como ele é - o que Nietzsche denominou amor fati (ou também 'a inocência do devir'), o amor do presente, como ele se apresenta. É aí que Nietzsche se aproxima de certos temas das sabedorias antigas, sobretudo do estoicismo e do budismo: a nostalgia do passado e a esperança de um futuro melhor nos afasta, segundo eles, da verdadeira sabedoria que consiste, tanto quanto possível, em se reconciliar com o que existe, vivendo, assim, na única dimensão real do tempo, isto é, o presente (já que o passado, não existindo mais, e o futuro, que ainda não existe, são apenas formas do vazio)." Luc Ferry, Famílias, amo vocês - Política e vida privada na era da globalização 51


Construindo teorias "Dedutivista-hipotéticos, por outro lado, afirmam que a ciência não começa com os dados brutos, mas postulando uma teoria ou hipótese para explicar alguns fenômenos nos quais estamos interessados. A partir disso fazemos previsões. Se os testes concordam com as previsões, conservamos nossas teorias. Se a previsão não corresponde aos dados, então devemos desconsiderar a nossa velha hipótese e substituí-la por uma nova." Jack Ritchie, Naturalismo

Analogia com a paranoia "De fato, acredito que uma grande parte da visão mitológica do mundo, cujo longo alcance se estende até as mais modernas religiões, nada mais é do que psicologia projetada no mundo externo. O reconhecimento obscuro (a percepção endopsíquica, por assim dizer) de fatores psíquicos e relações do inconsciente espelham - é difícil exprimir isto em outros termos, e aqui a analogia com a paranoia tem de nos ajudar - na construção de uma realidade sobrenatural, a qual está destinada, em sentido contrário a ser transformada pela ciência em psicologia do inconsciente. Poder-se-iam explicar deste modo os mitos do paraíso e do pecado original, de Deus, do bem e do mal, da imortalidade, etc., e transformar a metafísica em metapsicologia. A lacuna entre o deslocamento do paranoico e o da pessoa supersticiosa é menos ampla do que parece à primeira vista. Quando os seres humanos começam a pensar, foram forçados, como se sabe, a explicar o mundo moderno antropomorficamente, através de múltiplas personalidade semelhantes a si mesmo: eventos casuais eram, desse modo, atos e manifestações de pessoas. Eles se comportavam, portanto, exatamente como paranoicos, que tiram conclusões de sinais insignificantes fornecidos por outras pessoas e exatamente como todas as pessoas normais que com toda a razão baseiam suas estimativas a respeito do caráter dos vizinhos nos atos casuais e involuntários dos mesmos. É apenas na nossa Weltanschauung moderna, científica, mas de modo algum perfeita, que a superstição parece tão fora de seu lugar; na Weltanschauung da época dos povos pré-científicos, ela era justificada e insistente." Freud e os filósofos gregos, artigo de Antonio Gomes Penna, publicado na coletânea A formação cultural de Freud

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Por quê? "O filósofo tem o direito e o dever de sempre pôr a questão: por quê?" J. M. Bochensky, Diretrizes do pensamento filosófico

Consumo compulsivo e tubo digestivo "A Grécia clássica é diametralmente oposta à nossa incivilidade em que tudo educação familiar, publicidade, ostentação da riqueza, falta de senso crítico, conivência por parte dos intelectuais - conspira para que nos transformemos em tubos digestivos, em máquinas programadas para o desperdício exagerado, para o consumo compulsivo e insensato." Domenico de Masi, O futuro chegou - Modelos de vida para uma sociedade desorientada

Submissão para comandar "Nunca acreditei em que a liberdade do homem fosse em fazer o que quisesse, mas sim em nunca fazer o que não quisesse, e esta é a liberdade que sempre reclamei, muitas vezes preservei e pela qual mais escandalizei meus contemporâneos. Para ele, ativos, irrequietos, ambiciosos, que detestam a liberdade dos outros e não a querem para si próprios, desde que às vezes façam sua vontade, ou melhor, que dominem a de outros, eles se obrigam por toda a vida a fazer aquilo que os repugna e não negligenciam nenhuma submissão para comandar." Jean-Jacques Rousseau, Os devaneios do caminhante solitário

Morte das substâncias-sujeitos "No fim das contas, tudo o que havíamos chamado de 'matéria', 'vida', assim como 'natureza', 'deus', 'história', 'homem', precipita-se na mesma queda. A 'morte de Deus' é exatamente a morte de todas essas substâncias-sujeitos. Assim como a primeira, essas mortes são muito extensas, intermináveis para a nossa percepção e até mesmo para a nossa imaginação. E, além disso, elas trazem em si potencialidades outrora insuspeitas sobre a morte prática e concreta dos seres vivos, dos homens - e, por que não? - do mundo." Jean-Luc Nancy, Arquivida - Do sensiente e do sentido

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Libertar da escolha "O que mais querem os seguidores dessas tradições (religiosas monoteístas) não é nenhum modo de liberdade de escolha. Pelo contrário, eles anseiam por se libertar da escolha." John Gray, A alma da marionete - Um breve ensaio sobre a liberdade humana

Consciência e forças cegas "Essa pretensa liberdade é invenção de teólogos, achado de metafísico, retórica de filósofo. Equipados com uma hipotética faculdade de desejar, os homens se tornam responsáveis. Eles são suscetíveis a ter que pagar, a serem condenados, julgados, aferidos. Em tal hipótese, os sujeitos são a origem de seus atos, eles transcendem o grande desejo que os governa. O livre arbítrio é o auxiliar dos juízes: a consciência é pensada como assento do ser. Erro metafísico por excelência! A consciência é o cruzamento de potências cegas e dominadoras, ela é submetida ao jogo gratuito e fulgurante do instinto, dos influxos e das forças. Ela é cheia de uma energia transbordante, oscilante, e que é só movimento." Michel Onfray, A sabedoria trágica

Submissão à tirania "Renunciar à diferença entre o que se quer ouvir e o que de fato é verdadeiro é uma maneira de se submeter à tirania. Essa recusa à realidade pode parecer natural e agradável, mas o resultado é o seu fim como indivíduo - e, assim, o colapso de qualquer sistema político que dependa do individualismo." Timothy Snyder, Sobre a tirania

Há algo na mente humana "Há, portanto, algo na mente humana que não é, mas, que há. O que há são formas vazias e, entretanto, fontes de realidade. Como conhecimento, a mente humana era dona de si mesma, pois que se subordinava a leis próprias. Como complexo consciente-inconsciente ela é um campo de batalha entre suas próprias determinações lógicas e as potências alheias, estranhas e obscuras; entre o que é, o que existe e o que simplesmente há. " Milton Vargas, Para uma filosofia da tecnologia

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Comportamento inteligente em microrganismos "Sabemos que a produção de comportamento inteligente não está, necessariamente, associada à existência de um cérebro em um organismo complexo. Desde o século XIX, já se constatou que há seres unicelulares que reagem ao meio ambiente de forma inteligente. Uma possível explicação para isso é que as proteína presentes na membrana da célula funcionam como uma máquina binária que faz essa membrana abrir ou fechar. Com isso, a membrana recebe instruções para que a célula se divida ou para que o organismo se movimente de um lado para outro. Tudo se passa como se em cada célula existisse um microcomputador poderoso que orienta suas ações e produz comportamento inteligente como uma reação às mudanças em seu meio ambiente." João Fernandes Teixeira, Filosofia do cérebro

Dois ferrões "Procedimento que me lembra todo o tempo uma história africana: um homem conhece a linguagem das formigas. Ele pode conversar com elas. Então pergunta a uma delas: 'As formigas têm um deus?' 'Claro', responde a formiga. 'E como é ele?', pergunta novamente o homem. 'Ele se parece com vocês?' 'Não exatamente', responde a formiga, 'nós só temos um ferrão e ele tem dois.'" Jean-Claude Carrière, diretor, roteirista e escritor francês em Fragilidade

Aforismos de Lichtenberg "Uma obra-prima da Criação é o ser humano, porque apesar de todo determinismo ele acredita agir como criatura livre." "Existem pessoas que acreditam, que tudo o que se faz com uma expressão séria seja sensato." "A maior parte dos pregadores religiosos defende seus ensinamentos não porque estejam convencidos de sua verdade, mas porque certa vez afirmaram a verdade de tais ensinamentos." "Um túmulo é sempre a melhor fortaleza contra as tempestades do destino." "Não é a oportunidade sozinha que faz o ladrão; ela também faz pessoas amáveis, pessoas bondosas, heróis. Das piadas imaginadas por um gozador, mais da metade se deve ao idiota que ele conhece."

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"Eu não posso dizer que as coisas melhorarão se mudarem; o que posso dizer é que elas têm de mudar se precisam melhorar." "Eu muitas vezes desejei que houvesse uma linguagem na qual fosse impossível dizer uma mentira" "Não julgue um homem por suas opiniões, mas por aquilo que suas opiniões fizeram dele." "Como viveriam felizes certas pessoas, caso só se preocupassem com a vida dos outros tão pouco quanto se preocupam com as próprias!" "Quando os religiosos veem um livre-pensador, fazem tanto escândalo como as galinhas quando veem que o pequeno pato, que cresceu entre elas, se aproxima da água. Não se dão conta, de que é possível viver nesse elemento tão bem quanto no seco." G. C. Lichtenberg, Aforismos – tradução parcial do organizador

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Governo________________________________________

Governar "Se, em última instância, pode-se governar sem crimes, não se pode fazê-lo, de modo algum, sem injustiças. Trata-se, entretanto, de dosar uns e outras, de cometê-los unicamente por intermitências." "Daí a vulnerabilidade das sociedades evoluídas, massas amorfas, sem ídolos nem ideais, perigosamente desprovidas de fanatismo, de laços orgânicos, e tão desamparadas no meio de seus caprichos ou de suas convulsões que esperam - e é o único sonho de que são capazes - a segurança e os dogmas do jugo." E.M. Cioran, História e Utopia

Estado honesto "Um Estado será, pois, pouco estável, se a sua salvação depender da honestidade de um indivíduo e os negócios públicos só se puderem realizar à condição de serem conduzidos por mãos honradas. Para que ele possa subsistir é preciso que os que o dirigem, quer sejam conduzidos pela razão, quer sejam pela paixão, não possam ser tentados à má fé ou ao mau proceder. Porque pouco importa, para a segurança do Estado, que seja por tal ou qual motivo que os governantes administrem bem os negócios públicos. O que importa é que eles sejam bem administrados. A liberdade ou a força da alma é a virtude dos particulares. E a virtude do Estado é a segurança." Baruch Spinoza, Tratado Político

Sujeira política "Nietzsche sabe que, nesse domínio no qual as pessoas se batem para decidir o paralelepípedo das ruas ou iluminação pública, só se podem encontrar personagens jocosos. Anódinos e preocupados com coisas inúteis os homens políticos encarnam as figuras acessórias transformadas em importantes. Ninguém é mais convencido da seriedade de suas tarefas do que o político que, por um decreto assinado de próprio punho, decide o dia da feira.

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Convencido disso, Nietzsche convida a 'se manter limpo frente à necessária sujeira de toda política' ". Michel Onfray, A sabedoria trágica

E a esquerda? "Na melhor das hipóteses, os radicais e os esquerdistas descortinam uma sociedade modificada, com pedaços maiores do bolo para um número maior de clientes. Tornaram-se utilitários, liberais e festivos. O mesmo mercado que era considerado pela esquerda uma forma de exploração é hoje visto por ela como algo racional e humano. A cultura de massa, antes desprezada como outra forma de exploração, é celebrada como algo da esfera da rebelião. Os intelectuais independentes, outrora festejados como homens de coragem, são agora tachados de elitistas. O pluralismo, antes superficial para a esquerda, é hoje adorado como profundo. Estamos assistindo não apenas à derrota da esquerda, mas a sua conversão e talvez inversão." Russel Jacoby, O fim da utopia - Política e cultura na era da apatia

Menos trabalho e mais criatividade "As injustiças e as crises econômicas do capitalismo não são provocadas pelo excesso de produção mas pelo baixo consumo e pelo trabalho aplicado em tarefas não lucrativas. Se os artigos de luxo deixassem de ser produzidos, se toda a energia gasta em atividades burocráticas e militares fosse desviada para execução de tarefas socialmente úteis, não seria difícil proporcionar o suficiente para todos. Na verdade, seguindo uma linha de raciocínio já adotada por Godwin, Kropotkin sugere que, se todos os homens trabalhassem com as mãos, além do cérebro 'cinco horas por dia, dos vinte ou vinte e cinco anos até os quarenta ou quarenta e cinco', esse trabalho asseguraria conforto físico para todos. Tendo ele próprio experimentado, como cientista, a alegria proporcionada por uma atividade criativa, ele entende que o lazer é tão necessário quanto o pão para que o espírito do homem desabroche." George Woodcock, Anarquismo - Uma história das ideias e movimentos libertários

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História_________________________________________

Sentido da história "Visões modernas sobre a história, desde o século XIX, gostam de falar da 'doação de sentido'. Isso sugere como se o homem pudesse, tomando por base a si mesmo, 'emprestar' à história um 'sentido', como se ele simplesmente tivesse algo a emprestar, e como se a história necessitasse de um tal empréstimo, o que em verdade pressupõe que a história 'em si', e antes de tudo, seria sem sentido e cada vez deveria gentilmente esperar pela 'doação de sentido' emprestado pelo homem. Mas o que o homem pode em relação à história é estar atento e cuidar de tal modo que a história não encubra e não recuse ao homem o seu sentido." Martin Heidegger, Parmênides

Mandamento do capitalismo "Como em épocas anteriores, existe hoje uma divisão de trabalho entre a elite e as massas. Na Europa medieval, os aristocratas gastavam o dinheiro despreocupadamente em luxos extravagantes, ao passo que os camponeses levavam uma vida frugal, cuidando de cada centavo. Hoje a situação se inverteu. Os ricos gerenciam seus ativos e investimentos com muito cuidado, enquanto que os menos abastados se endividam comprando carros e televisores de na verdade não necessitam. A ética capitalista e a consumista são os dois lados da mesma moeda, uma combinação de dois mandamentos. O mandamento supremos dos ricos é 'invista!'. O mandamento supre do resto de nós é 'compre!'" Yuval Noah Harari, Sapiens, Uma breve história da humanidade

Ilusão, ilusões "Então, nossos ancestrais medievais eram felizes porque encontravam sentido na vida em ilusões coletivas sobre a vida após a morte? Sim. Contanto que ninguém destruísse suas fantasias, por que não? Até onde sabemos, de um ponto de vista puramente científico, a vida humana não em sentido. Os humanos são o resultado de processos evolutivos cegos que atuam sem propósito ou objetivo. Nossas ações não são parte de um plano divino, e, se o planeta Terra explodisse amanhã, o universo provavelmente seguiria em frente como de costume. 59


Até onde podemos afirmar no presente momento, a subjetividade humana não faria falta. Portanto, qualquer significado que as pessoas atribuem à própria vida é apenas uma ilusão. Os sentidos sobrenaturais que os medievais encontravam em sua vida eram não mais ilusórios do que os sentidos humanistas, nacionalistas e capitalistas que as pessoas de hoje encontram. O cientista que afirma que sua vida tem sentido porque ele contribui para um aumento no conhecimento humano, o soldado que declara que sua vida tem sentido porque ele luta para defender sua terra natal e o empreendedor que encontra sentido em construir uma nova empresa são não menos iludidos do que seus semelhantes medievais que encontravam sentido lendo as Escrituras, participando de uma Cruzada ou construindo uma nova catedral." Yuval Noah Harari, Sapiens, Uma breve história da humanidade

Expansão de São Paulo "O viaduto do Chá, o Theatro Municipal e a reforma do Anhangabaú selaram o destino de São Paulo: a centralidade da cidade tomaria o rumo oeste da colina histórica. É esta a conclusão do urbanista José Geraldo Simões Jr., autor do elucidativo Anhangabaú, história e urbanismo. O antigo morro do Chá, rebatizado de 'cidade nova', logo seria chamado de 'centro novo', com eixo na rua Barão de Itapetininga. O Anhangabaú deixaria de ser o 'quintal dos fundos', como escreve Simões Junior, para virar jardim de frente da cidade. Depois dos investimentos que iam do viaduto à praça da República, não havia mais possibilidade de o Centro expandir-se para o lado leste, sacramentado na condição de região de fábricas e bairros operários. A centralidade, ao longo do século XX, tomará a inflexão sudoeste, e sucessivamente subirá até a avenida Paulista, descerá do outro lado, em busca da Brigadeiro Faria Lima, e até testará novos ares junto ao rio Pinheiro, na avenida Luís Carlos Berrini. Guiava-se pela lei não escrita de acompanhar os bairros residenciais de mais alta renda." Roberto Pompeu de Toledo, A capital da vertigem - Uma história de São Paulo de 1900 a 1954

Braudel e a história "Na opinião de Braudel (Fernand Braudel 1902-1965, historiador francês), a curta duração não é o centro da história; os historiadores apenas tomam-na como tal. Na verdade, a história não tem centro. Assim como outros estruturalistas, ele acredita que o significado é relacional, em vez de substancial: o significado dos objetos, dos acontecimentos e de ações distintas não repousa nas coisas em si, mas nas relações que construímos entre elas.

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Nas palavras de Braudel: No mundo em que vivemos não há nenhum indivíduo totalmente e por si mesmo inacessível; toda iniciativa individual está enraizada em uma realidade mais complexa, em uma realidade 'entrelaçada', como diz a sociologia." Marnie Hugues-Warrington, 50 grandes pensadores da história

Finalidade da história "A segunda concepção consiste em rejeitar essa normatividade absoluta e, portanto, essa teleologia. É o ponto de vista de Espinosa, e deveria ser, em geral, o ponto de vista dos materialistas. Não existe nenhum valor absoluto, nenhuma norma verdadeira (a verdade não julga), e a história, como a natureza, é desprovida de qualquer finalidade objetiva. 'Processo sem sujeito nem fim', dizia Althusser, e isso, que rompa com Hegel, na verdade era fiel a Epicuro, bem como a Espinosa. Não é a história que está submetida a uma norma ou um fim; nossos valores e nossos objetivos é que são históricos. Em outras palavras, não há valor e finalidade a não ser pelo e para o desejo: não é porque uma coisa é boa que a desejamos, explica Espinosa, ao contrário, é porque a desejamos que nós a consideramos boa e tendemos para ela como se tende para um objetivo." André Comte-Sponville, Valor e verdade

Atalhos difíceis "Karl Marx que, entretanto, tinha esse desejo autoritário, próprio a todo sábio, de visar o essencial e o simples e, que se atinha, nas suas teorias da apropriação dos meios de produção, à dupla linha (ao menos era dupla) de uma articulação social e econômica, Karl Marx que, entre todos, teria podido, a justo título, ser tomado pela embriaguez do inovador, escrevia, não obstante, a 18 de março de 1872, a Maurice La Châtre: 'Não há estrada real para a Ciência.' Não esqueçamos muito! É por múltiplos e difíceis atalhos que nos cumpre caminhar." Fernand Braudel, Escritos sobre história

Populacho acompanha as fofocas "Na corte, o prazer era tido como um dever: o ócio era um serviço, e o trabalho, uma forma de degradação. 61


Objetos eram aceitos na Corte conforme sua falta de utilidade. Rodas d'água e bombas hidráulicas serviam não para fazer funcionar moinhos, mas para as fontes do jardim de Versalhes. O mesmo aconteceu no palácio de Belvedere, de Viena, com bombas a vapor, que na Inglaterra seriam usadas para propulsionar não uma revolução estética, mas a Revolução Industrial. O que nos resta hoje de mais semelhante a essa classe aristocrática não são os milionários, mas as celebridades e os aspirantes a celebridade. Versalhes era como uma casa de reality show com mais de 10 mil participantes acomodados desconfortavelmente em cubículos tão malcheirosos quanto disputados. Não era da riqueza que se fazia a nobreza, mas de frequentar a si mesma e de ser conhecida por todos. Da base ao topo da sociedade, todos acompanhavam o espetáculo da Corte - os nobres viam tudo ao vivo, a burguesia se informava pela imprensa e o populacho acompanhava as fofocas." Maurício Horta, Os Sete Pecados - Luxúria, como ela mudou a história do mundo

Contando a história "Eu diria junto com Benedetto Croce, que toda história é história contemporânea. Ou seja, nós sempre privilegiamos um aspecto em razão da nossa realidade. Por exemplo, quando Bismarck governava todo-poderoso a Alemanha, a Escola Prussiana de História, ao estudar a Grécia Antiga privilegiou muito as qualidade de Alexandre Magno, o homem forte que dominou toda aquela região por um bom tempo. Tudo isso em razão de Bismarck. Nós contamos a história a partir da vivência cotidiana de nossos problemas, de nossa realidade. Os historiadores sempre foram e serão presa fácil de seu tempo." Sergio Buarque de Holanda (1902-1982), historiador, sociólogo e escritor, em entrevista para a revista Veja em 28/01/1976, publicada no livro A História é Amarela.

Desprezo pela cultura "'Cultura' aqui tem a ver com liberalismo e iluminismo, tudo que os nazistas desprezavam. Entretanto, não era apenas a extrema-direita que detestava a cultura, mas também a extrema-esquerda. De maneira inquietantemente semelhante à formulação de Johst (teatrólogo pró-nazista alemão), o psiquiatra martinicano Frantz Fanon escreveu em Os deserdados da terra: 'Quando o nativo ouve o discurso sobre a cultura ocidental, empunha sua faca - ou pelo menos se assegura de que está à mão.'

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Esta visão da cultura equivale, aproximadamente à de Johst; falar de fraternidade, igualdade, beleza e dignidade provoca reações violentas no nativo." Russel Jacoby, O fim da Utopia

Roda da história "E, como o que é fruto de necessidade não oferece opção de escolha ou recusa, só resta a quem está na roda da história universal aceitar esse destino, pois, como escreveu Sêneca e Spengler gostava de repetir: ducunt fala volentem, nolentem trahunt (o destino conduz os de boa vontade e arrasta os de má vontade)" Franco Volpi, Niilismo

Causa das doenças do Brasil "O Xumbergas (alcunha usada no passado para se referir a 'alguém que azucrina o próximo') faz parte de uma linhagem de governantes locais prepotentes, corruptos e venais que se aproveitam da investidura régia para enriquecer depressa, em geral de forma ilícita. Na belíssima oratória de padre Vieira, que os conhecia bem, a cobiça desses governantes era sem remédio, e punha em risco a estabilidade do domínio português na América: 'Esta é a causa original das doenças do Brasil: tomar o alheio, cobiças, interesses, ganhos e conveniências particulares por onde a Justiça se não guarda e o Estado se perde', bradava Vieira, do púlpito." Lilian M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, Brasil: Uma Biografia

Justo e merecido "Se na elite dos endinheirados o capital econômico tem que parecer inato e, portanto, merecido, na classe média, a aquisição de conhecimento valorizado e das predisposições que permitem sua incorporação pelo sujeito tem que parecer também inata, sendo, portanto, por conta disso também percebida merecida e justa." Jessé Souza, A Elite do Atraso - Da escravidão à Lava Jato

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O misterioso bacharel de Cananéia "A viagem de Afonso Ribeiro de volta para a Europa teve algumas escalas. Recolhido na Bahia, ele desceu com os marinheiros de Gonçalo Coelho pela costa do Brasil, até a região de Cananéia, no litoral de São Paulo. Ali, enquanto ele encerrava sua aventura, um outro degredado dava início à sua. Seu nome não é conhecido, nem sua trajetória prévia. Ele entraria para a história ao ser reencontrado 25 anos depois pelo navegador Diego Garcia, o mesmo que se desentenderia com Sebastião Caboto a respeito dos direitos de exploração no sul do continente. Esse degredado ficou conhecido então apenas por um apelido: Bacharel de Cananeia." Tiago Cordeiro, Os primeiros brasileiros

Estudar história "Este é o melhor motivo para estudar história: não para poder predizer o futuro, e sim para se libertar do passado e imaginar destinos alternativos. É óbvio que não seria uma liberdade total - não há como evitar sermos moldados pelo passado -, mas alguma liberdade é melhor do que nenhuma." Yuval Noah Harari, Homo Deus - Uma breve história do amanhã

A feiura da cidade brasileira moderna "A ausência de gosto e de beleza era notável. A feiura da cidade brasileira moderna fazia com que se sentisse saudade, não sem culpa, das piores ideologias do passado: até mesmo o comunismo, que pelo menos pretendia ter um ideal social; ou do catolicismo, que ao menos sabia escolher bons arquitetos. O melhor que se podia dizer dos desagradáveis templos dos cultos evangélicos era que eles refletiam fielmente a vulgaridade espiritual das doutrinas de seus gananciosos pastores." Benjamin Moser, Autoimperialismo - Três ensaios sobre o Brasil

Brasil, lugar mais triste que há "Tentativas como a de Afonso Celso de animar a terra do Carnaval e da Garota de Ipanema podem parecer supérfluas, mas o Brasil, de fato, sempre se sentiu abatido. 'O jaburu', escreveu o historiador Capistrano de Abreu, 'é a ave que para mim simboliza a nossa terra. Tem estatura avantajada, pernas grossas, asas fornidas, e passa os dias com uma perna cruzada na outra, triste, triste, daquela austera, apagada e vil tristeza.' 64


A tristeza brasileira é diferente, mais sutil, do que sua teatral prima espanhola. Escondida atrás dos dançantes ritmos africanos do samba jaz uma melancolia que não é tão evidente como no tango argentino ou na ranchera mexicana. Para alguém que não entende as letras, esse pesar quase certamente passará despercebido - do contrário fica claro de imediato quão diferente a tristeza brasileira é da saudade que impregna o fado português. Portugal, Argentina e México nunca parecem felizes. O Brasil sim. E o Brasil é um dos lugares mais tristes que há." Benjamin Moser, Autoimperialismo - Três ensaios sobre o Brasil

Metanarrativas desmascaradas "Todos 'os conceitos que constituem as metanarrativas iluministas foram desmascarados', escreve a pensadora política feminista Jane Flax, referindo-se aos conceitos como razão e história. 'Verdadeiro e falso' estão igualmente obsoletos, pois 'a verdade é sempre contextual'. Lugares-comuns como estes gozam de enorme popularidade. Escrevem Luc Ferry e Alain Renaut sobre a filosofia francesa recente: 'Se é preciso estilhaçar a verdade, se não existem fatos, mas apenas interpretações, se todas as referências e normas universais são inevitavelmente catastróficas', o que haverá de restar senão 'a autenticidade (...) seja qual for o seu conteúdo?'" Russel Jacoby, O fim da utopia - Política e cultura na era da apatia

Agricultura e origens das sociedades "Muitos males foram atribuídos à agricultura. Em culturas de caçadorescoletores, o alimento era, de regra, obtido e consumido à medida que era necessário. Mas depois que a agricultura se tornou firmemente estabelecida - e as safras podiam ser colhidas e armazenadas, os excedentes acumulados e, não por acaso, transportados, intercambiados, destruídos e roubados -, as camadas sociais se tornaram possíveis, com escravos na extremidade mais baixa, camponeses acima deles, e uma classe reinante no alto da pirâmide, que não fazia nenhum esforço físico para comer. Exércitos podiam marchar à base de estoques excedentes de alimentos; hierarquias religiosas podiam impor o dízimo; reis podiam presidir; impostos podiam ser cobrados. O plantio de monocultura se tornou disseminado, com dependência de apenas alguns tipos de alimentos, o que resultou não só na subnutrição, mas em fome, nas ocasiões que o plantio não vingava." Margaret Atwood, Buscas curiosas

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Literatura_______________________________________

A noite, a Noite "Pode um escritor saber o exato instante em que sua obra está terminada? Não um romance, ou um livro, mas a obra de uma vida? Nada resta a escrever, e também não adiantaria. Primeiro falamos, depois falimos, ou falhamos. Para que escrever mais, se ninguém lê o que escreveu? E no entanto, de nada importa obter essas respostas. De que importa a completude de uma obra, se a noite iguala todos os escritores, todos os homens? E, se não a noite, a Noite." "Talento? Não tenho nenhum. Escrevo, escrevi, tão lentamente, tão dolorosamente, dezesseis anos em um último livro, dezesseis anos imerso no obscuro universo das palavras e da línguas. Imaginação? Imaginação não é nada senão elaborar o recordado. Imaginação é memória. Não pode haver alguém que o compreenda. Mas ao menos dará trabalho aos críticos por trezentos anos, se possível, e talvez algum leitor em algum tempo dedique toda a sua vida à obra de James Joyce. Ao leitor ideal, a insônia ideal." Julián Fuks, História de literatura e cegueira (Borges, João Cabral e Joyce)

Pound "Toda a minha vida acreditei saber algo. Depois veio um dia estranho e percebi que não sabia nada. E as palavras se esvaziaram de sentido." Ezra Pound citado por Michel Ragon, Eles se acreditavam ilustres e imortais

Caeté "Não ser selvagem! Que sou eu senão um selvagem. Ligeiramente polido, com uma tênue camada de verniz por fora? Quatrocentos anos de civilização, outras raças, outros costumes. E eu disse que não sabia o que se passava na alma de um caeté! Provavelmente o que se passa na minha, com algumas diferenças. Uma caeté de olhos azuis, que fala português ruim, sabe escrituração mercantil, lê jornais, ouve missas. É isto, um caeté. Estes desejos excessivos que desaparecem bruscamente..." Graciliano Ramos, Caetés

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Vem a velhice "Quem deseja protrair o curso da vida, não se contentando com a de curta duração, este, em meu pensar, é manifestamente um louco. Porque a idade muito dilatada traz também muitas aflições; e o prazer não se descobre em parte alguma quando se atinge a desejada longevidade. A libertadora dos males, porém, é igual pata todos: é a morte, que, por fim, sobrevêm, desacompanhada de cantos nupciais, de sons de liras e de danças. Não ter nascido é bem que vence todo o outro; mas, depois que o homem nasceu, o segundo é partir o mais depressa possível para o lugar de onde veio. Pois, enquanto dura a juventude com suas loucas leviandades, quem está livre de penas? Quem vive isento de trabalho? Morticínio, revoltas contendas, combates e invejas... Por último vem a velhice triste e sem forças, rabugenta e sem amigos com o cortejo dos maiores males." Sófocles, Coro em Édipo em Colono

Obscura experiência "Nascemos para a alegria e para a vida. Não nascemos para a morte. Mas a pequena experiência de cada um de nós logo nos desperta, nos alerta para a sutil riqueza da dor. Tudo que nos parecia inútil ou vão, deixou em nós uma certa marca, não de todo inútil. Começamos a perceber, através de nós mesmos, através de nossa obscura experiência, a fecundidade das horas inúteis, das horas perdidas, das horas amargas." Antonio Carlos Villaça, O livro de Antonio

A Bíblia "A Bíblia é uma obra surpreendente. Como se explica que um livro que começou a ser escrito há quase três mil anos ainda tenha tantos leitores? Uma pergunta tanto mais significativa quando se considera que textos envelhecem; não envelhecem tão rapidamente quanto os filmes ou a música popular, mas mesmo assim sofremos os efeitos do tempo. Uma resposta está no fato de a Bíblia admitir diferentes tipos de leituras e de interpretações. Em primeiro lugar, podemos ver nela um guia ético-espiritual, uma fonte de disposições e de ensinamentos morais e religiosos. Em segundo lugar, podemos pensar a Bíblia como um documento de caráter histórico, expressão de uma cultura milenar. E, finalmente, podemos ler a Bíblia como um conjunto de textos literários." Moacyr Scliar, O texto, ou: a vida - Uma trajetória literária 67


Nos idos de 1968 "Maio & junho de 1968 abalaram muito mais as classes dirigentes ocidentais do que imagina o ingênuo leitor de jornais. Era um axioma, inclusive aceito e explicado por Marcuse (que, nos primeiros dias não entendeu nada do que estava acontecendo), que uma revolução é uma impossibilidade em nações altamente industrializadas. Maio & junho destruíram completamente esse mito. 500 mil estudantes na rua assustam a qualquer um. As defesas do sistema se mostraram fragílimas. Apesar do fracasso final, deu um pânico até hoje não saneado nos senhores do mundo. E em nenhum lugar isso é mais sensível do que nos EUA." Paulo Francis, Paulo Francis nu e cru

Depois de tudo ter sido dito "Talvez só haja de terrível entre nós e sobre a terra e no céu aquilo que ainda não foi dito. Só se estará sossegado quando tudo for dito, de uma vez por todas; então, finalmente, ter-se-á silêncio e não se terá mais medo de ficar calado. Assim será." Louis-Ferdinand Céline, Viagem ao fundo da noite

A segunda morte do autor "O sentido geral dessa movimentação histórica é a ideia de que arte não se faz com sentimentos, experiências biográficas ou favor dos deuses - arte se faz com linguagem, com conhecimentos do material, isto é, da tradição de seu uso nas obras anteriores. Assim, quando Barthes proclama a morte do autor, é da imagem do autor como eu biográfico que se trata. 'Não importa quem fala', fala o personagem de Beckett citado por Foucault - importa o que fala, como fala. O artista é alguém que conhece seu material, estuda as obras passadas, reinterpreta-as, mistura-as, combina diversos códigos, e assim tenta produzir uma diferença, valor supremo da arte moderna." Francisco Bosco, A segunda morte do autor, publicado na revista Cult de março de 2017

Passar por tudo (Paul Celan e as tragédias da 2ª Grande Guerra) "Somente uma coisa permaneceu alcançável, perto e segura entre todas as perdas: a língua. Sim, a língua. Apesar de tudo, ela permaneceu segura contra as perdas. 68


Mas ela precisa passar por sua própria falta de respostas, através do terrível silêncio, através de milhares de discursos mortais... Ela não me deu palavras para aquilo que estava desparecendo, mas passou por tudo. Passou por tudo e pode ressurgir, enriquecida por tudo (o que ocorreu)." Paul Celan, citado por Connor Cunningham em Genealogy of nihilism - tradução do organizador

Macunaíma foi-se embora "Dizem que um professor naturalmente alemão andou falando por aí por causa da perna só da Ursa Maior que ela é o Saci... Não é não! Saci inda pára neste mundo espalhando fogueira e trançando crina de bagual... A Ursa Maior é Macunaíma. É mesmo o herói capenga que de tanto penar na terra sem saúde e com muita saúva, se aborreceu de tudo, foi-se embora e banza solitário no campo vasto do céu." Mário de Andrade, Macunaíma

Semelhança com a morte "Isso, meu caro sr. Gog, é o meu verdadeiro segredo. Sou um renunciador universal e perpétuo; sou o recidivo demissionário da vida. Tendo rejeitado todas as ilusões e ocupações, todas as peias, grilhetas e armadilhas, cheguei à quietação da carne e do espírito, a que os agitados e possessos chamam de sabedoria. O meu segredo está apenas nisso.' - Mas afinal - perguntei ao sr. Gersolé, com voz um tanto impaciente - é feliz ou não? O grande sábio cerrou por um momento os olhos, passou a mão direita pelo cabelo, à maneira de um pente, e, tornando a abrir os olhos e fitando-me, exclamou: - Não, nem eu sou feliz! Fique certo de que a verdadeira sabedoria não tem semelhanças com a felicidade, mas sim com a morte." Giovanni Papini, O Livro Negro - Novo Diário de Gog

Homem qualquer "(Gauche na vida). Acho que fui. Porque não aderi ao sistema de valores que dominava na minha época, participei timidamente de um movimento de renovação literária, que não chegou a ser política, nem social, nem econômica. 69


Fiquei na minha toca. Não tenho nada de especial, não. Foi uma vida medíocre. Me deu o prazer de algumas amizades, algumas coisas boas. Eu fui um homem qualquer. Mais nada." Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), poeta e escritor brasileiro, em entrevista à revista Veja em 19/11/1980, publicado no livro A História é amarela.

Comilões desajeitados "Então as pessoas na Terra achavam que tinham recebido instruções do Criador do Universo em pessoa para pôr o mundo abaixo. Mas estavam indo muito devagar para satisfazer os Anciãos, e então os Anciãos meteram na cabeça das pessoas que elas representavam uma forma de vida que deveria ser disseminada por todo o Universo. Naturalmente era um ideia absurda. Nas palavras do autor anônimo: 'Como poderia toda esta carne, com tanta necessidade de comida e água e oxigênio, e com um funcionamento intestinal tão intenso, ter esperança de sobreviver a uma viagem através das infinitas distâncias vazias do espaço exterior? Era um milagre que tais gigantes comilões e desajeitados fossem capazes de fazer uma viagem de ida e volta até a confeitaria da esquina." Kurt Vonnegut, Hocus Pocus

Deus brasileiro "É sabido que existe uma Providência especial, ou pelo menos um dedo da Providência comum, escalado para montar guarda à cabeceira do Brasil. Os namorados e os bêbados já tinham o seu protetor - o Brasil entra para o farrancho neste recrudescer de politeísmo. Nas mais graves das nossas crises, a Invasão Holandesa, a Questão Christie, o Amapá, a ocupação da Trindade, o Convênio de Taubaté, o Marechal Hermes, sempre se manifestou a intercessão milagreira do deus nacional, evolução, quem sabe, de Tupã." Monteiro Lobato em Fragmentos, Opiniões e Miscelânea

Número infinito de vidas "Então o que acontece com o universo? Imagino que cessa, imagino que cada um de nós esteja destinado à salvação, mas a uma salvação que está infinitamente distante.

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Ou seja, que o senhor e eu, sr. Ferrari, somos Bodhisattvas ou seja, Budas futuros, mas não nesta vida, nem na seguinte, nem na seguinte; mas sim no final de um número infinito de vidas, conseguiremos nos salvar; iremos sair da roda da vida." Jorge Luis Borges, escritor (1899-1986), em Sobre diálogos, (entrevista para o jornalista Osvaldo Ferrari)

filosofia

e

outros

Só a imaginação "Parece contraditório e no entanto é bastante verdadeiro: como toda a realidade é nada, não existe nada verdadeiro, nada que tenha existência neste mundo, a não ser a imaginação." Giacomo Leopardi, poeta, escritor e pensador italiano (1798-1837) em Das Gedankenbuch – tradução do organizador

Desordem mental "Todos os que tiveram a infelicidade de conversar com gente à beira ou no meio da desordem mental sabem que a qualidade mais sinistra dessa gente é a clareza enorme de detalhes; a conexão de uma coisa à outra num mapa mais elaborado que um labirinto." G.K. Chesterton, Ortodoxia

Regulamento resolve? "Eu não sei que mania se meteu na nossa cabeça moderna de que todas as dificuldades da sociedade se podem obviar mediante a promulgação de um regulamento executado mais ou menos pela coação autoritária de representantes do governo." Lima Barreto (1881-1922) em Conhecem! publicado em Vida Urbana em 15/1/1915. Da obra Lima Barreto, Crônicas Escolhidas

Língua materna "Dante (Alighieri) entende por língua vulgar a língua materna, 'aquela a que as crianças estão acostumadas por aquilo que as cerca (...), aquela que falamos sem nenhuma regra, imitando a nossa ama'.

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Só o homem, entre o animal e o anjo, possui a linguagem: os anjos gozam de uma 'inefável abertura de intelecto' e os animais têm instinto. A razão, intermediária por natureza, exige um signo ao mesmo tempo sensível e racional." Frédéric Nef, A Linguagem - uma abordagem filosófica

Mundo moderno "Acima de tudo, a guerra deu um novo sentido à ideia da grande ruptura que atingiu as artes modernas. 'Em dezembro de 1919, ou por volta dessa época, o caráter humano mudou', escrevera Virginia Woolf. 'Foi em 1915 que o velho mundo terminou', escreveu D. H. Lawrence em Kangaroo, escolhendo uma data de importância histórica muito maior, o momento em que toda uma tradição cultural parecia terminar na guerra. O moderno não era mais uma experiência ousada da consciência e de novas formas de expressão, e sim uma situação nova e sinistra que viria a desorientar a vida por todo o resto do século." Malcolm Bradbury, O mundo moderno - dez grandes escritores

Personalidade poética "E, a despeito da imensa quantidade de poesia publicada e lida hoje em dia, a personalidade verdadeira e naturalmente poética parece estar se tornando cada vez mais rara. Talvez seja verdade que a espécie de dignidade e eminência características do poeta, outrora, se esteja tornando mais e mais impossível na nossa moderna sociedade democrática, num período em que a ascendência das ideias científicas tornou o homem mais consciente de seu parentesco com outros animais e de sua sujeição a leis biológicas e físicas, do que de sua relação com os deuses." Edmund Wilson, O Castelo de Axel

Humor de James Joyce "Terão os escritores de ser tais monstros para poder criar? Creio que sim. É um paradoxo o fato de que, enquanto lutam com a linguagem para captar a condição humana, se tornam mais insensíveis e isolados dos mesmos traços humanos que tão brilhantemente descrevem. Não pode haver responsabilidade extrema, nem interrupções, só o contínuo zumbido interior, rítmico, insistente, lutando para cria um monumento vivo, belo e austero. Para Joyce, as pessoas se tornavam mais distantes, e acabariam sendo espectros. Não era o único.

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A mãe de Flaubert achava que o amor do filho pelas palavras lhe endurecera o coração, e todos que conheciam Joyce achavam que, embora pudesse ter humor, faltava-lhe calor." Edna O' Brien, James Joyce

Pirandello "Todo aquele que entende o jogo não pode continuar a se enganar, mas quem não pode se enganar não pode mais tirar nenhum prazer da vida. Assim é, minha arte é cheia de compaixão por todos aqueles que iludem a si próprios. Mas é inevitável que esta compaixão seja seguida pelo escárnio feroz em relação a um destino que condena o homem à mentira. Esta, em suma, é a razão do amargor de minha arte e, também de minha vida." Luigi Pirandello, citado por Malcolm Bradbury em O mundo moderno - dez grandes escritores

Mitos sobre a linguagem "Existe um mito ingênuo de que a linguagem humana tem a finalidade de 'comunicar', de 'transmitir ideias' - mito que as moderna correntes da linguística, como a sociologia da linguagem e a análise do discurso, vêm tratando de demolir, provando que a linguagem é muitas vezes poderoso instrumento de ocultação da verdade, de manipulação do outro, de controle, de intimidação, de opressão, de emudecimento. Ao lado dele, também existe o mito de que a escrita tem o objetivo de 'difundir as ideias'. No entanto, uma simples investigação histórica mostra que, em muitos caos, a escrita funcionou, e ainda funciona, com a finalidade oposta: ocultar o saber, reservá-lo a poucos para garantir o poder àqueles que a ela têm acesso." Marcos Bagno, Preconceito Linguístico - o que é, como se faz

O adivinho na feira de Bristol "Um mágico, distribuindo cartazes e gabando-se de suas extraordinárias habilidades, partiu seguindo sua profissão, como o fazem outros comerciantes, para a feira de Bristol. E ali fez maravilhas, revelou o futuro, calculou datas de nascimento, examinou as mãos de moças, olhou-as nos olhos, disse-lhes coisas grossas para que enrubescessem.

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E então, calculando pelo colorido das faces delas como é que as coisas andavam, para o que também usava milhares de perguntas astuciosas, compreendia lhes o caso, e contava depois como uma grande descoberta o que elas lhes haviam revelado, fornecendo-lhe tolamente pistas naquele momento." Do conto O adivinho na feira de Bristol, de Daniel Defoe (1660-1731), do livro Contos de Fantasmas

Intelectuais do Petit Trianon: Graciliano e Carpeaux "[..] dirigiu-se à sala dos editorialistas, conhecida como Petit Trianon, onde se agrupavam, tradicionalmente, os 'intelectuais' do jornal. Passaram por lá, entre outros, Carpeaux e Graciliano Ramos, que costumavam duelar, para ver qual deles era o mais pessimista: Graciliano: 'Do jeito que as coisas estão, vamos acabar tendo de pedir esmolas.' Carpeaux: 'Mas a quem, Seu Graça, a quem?'" Benicio Medeiros, A rotativa parou! Os últimos dias da Última Hora de Samuel Wainer

Machado de Assis, crítico de teatro "A vida, li não sei onde, é uma ponte lançada entre duas margens de um rio; de um lado e de outro a eternidade. Se essa eternidade é de vida real e contemplativa, ou do nada obscuro, não reza a crônica, nem me quero eu aprofundar nisso. Mas uma ponte lançada entre duas margens, não se pode negar, é uma figura perfeita. É doloroso o atravessar essa ponte. Velha e a desabar, há seis mil anos têm por ela passado reis e povos numa procissão de fantasmas ébrios, na qual uns vão colhendo as flores aquáticas que reverdecem à altura da ponte, e outros afastados das bordas vão tropeçando a cada passo nessa vida dolorosa. Afinal tudo isso desaparece como fumo que o vento leva em seus caprichos, e o homem, à semelhança de um charuto, desfaz a sua última cinza, quia pulvis est. Trecho da crítica teatral escrita por Machado de Assis para a peça Um asno morto, citado por Marco Lucchesi em Ficções de um gabinete ocidental

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A vida é um contínuo naufrágio "Contemplando agora o edifício em obras, sabendo ter-se a firma acabado empobrecida e o próprio Costa (chefe supremo, espécie de Zeus, diante de cujo olhar distraído todos tremiam) ter destino intranquilo; sabendo que ele, seu Costa (depois de vida luxuosa em Paris e em toda parte), acabara morrendo no hospital da sua cidade de Braga, sem dinheiro e abandonado; pensando em tudo naquele mundo grande, complicado e tão bem construído, meditei bem fundo no que é o futuro desta vida, na fragilidade e na insegurança das coisas. Como a Casa Costa, Pereira & Cia., findaram-se também fortes organizações e países seguros. Nada é tranquilo e seguro. A vida é um contínuo naufrágio de tudo: de seres e de coisas, de paixões e de indiferenças, ambições e temores." Augusto Frederico Schmidt, Saudades de mim mesmo, uma antologia de prosa Seleção e organização de Letícia Mey e Euda Alvim

Por que Deus criou o mundo? "Porém, já que condescendeste em comunicar-nos coisas que ultrapassam o pensamento humano, digna-te descer ainda mais e conta-nos como começou este Céu que contemplamos e o Ar ambiente que enche todo espaço; que motivo levou o Criador a sair de seu sagrado repouso para fundar o Orbe... A menos que esteja proibido revelar-nos tudo isto, que te pedimos, não para penetrar em algum segredo, senão apenas para engrandecer a criação de Deus." John Milton, Paraíso Perdido

Alma penada de coche "Quase não há cidade velha do Brasil que não guarde a tradição de algum carro* velho - sege, cabriolé ou traquitana - a rodar pelas ruas mal empedradas no silêncio das meias-noites. O povo diz que é carro de alma penada." * Neste caso carro no sentido de coche, charrete; veículo puxado a cavalo Gilberto Freyre, Assombrações do Recife antigo

Felicidade fora de julgamento "Só de um aspecto da vida humana Plínio não se sente em condições de indicar primazias ou tentar mensurações e confrontos: a felicidade. Quem é ou não feliz está fora de julgamento, dado que depende de critérios subjetivos e opinativos." Ítalo Calvino, Por que ler os clássicos 75


Ocidente & Oriente "O pensamento oriental não sofreu desse horror ao 'outro', ao que é e não é ao mesmo tempo. O mundo ocidental é o do 'isto ou aquilo'. Já no mais antigo upanishada se afirma sem reticências o princípio de identidade dos contrários: 'Tú és mulher. Tu és homem. És o rapaz e também a donzela. Tu, como um velho, te apoias num cajado... Tu és as estações e os mares.' E essas afirmações o upanishada Chandogya condensa-se na célebre fórmula: 'Tu és aquilo'. Toda a história do pensamento oriental parte dessa antiquíssima afirmação, do mesmo modo que a do Ocidente se origina da de Parmênides. Esse é o tema constante da especulação dos grandes filósofos budistas e dos exegetas do hinduísmo. O taoísmo revela as mesmas tendências. Todas esta doutrinas reiteram que a oposição entre isto e aquilo é, simultaneamente, relativa e necessária, mas que há um momento em que cessa a inimizade entre os termos que nos pareciam excludentes." Octavio Paz em O arco e a lira, citado por Claudio Willer em Um obscuro encanto - Gnose, gnosticismo e poesia moderna

Limbo histórico "Naquela guerra fraticida e estúpida, onde nem os jagunços do Conselheiro queriam derrubar a república e nem a maior parte dos soldados da república sabiam bem o que vinha ela a ser, naquela tragédia dos erros que envolveu todo o país, havia uma divindade superior, imensa e inalcançável, pairando acima de tudo, a Incompreensão. A Incompreensão assim, com maiúscula. A Incompreensão entre as elites eufêmicas da sociedade positivista, europeizada e laica do litoral à beira do século XX e os sertanejos quase medievais, quase feudais, arriereés perdidos num limbo histórico e geográfico dos centros do poder no país." Alexei Bueno, Machado, Euclides & outros monstros

A arte de ler "A arte de ler é a arte de pensar com um pouco de ajuda. Consequentemente, tem as mesmas regras gerais da arte de pensar. É preciso pensar e ler devagar. O primeiro, com circunspecção, sem divagar por demais em seu pensamento e fazendo a si mesmo constantemente objeções sem cessar; o segundo, com circunspecção, e fazendo constantemente objeções ao autor. É preciso, no entanto, abandonar-se primeiro ao fluxo de seu pensamento e só voltar depois de certo tempo para discuti-lo, sem o que não pensaríamos em absoluto [...]" Émile Faguet, A arte de ler 76


A pinga do Bilé "Para os amigos sempre havia uma garrafinha ou outra, e empoeirada, da pinga do Bilé - não a pinga nova de hoje, mas a antiga, a fabricada ainda nos bons tempos do alambique de barro. Roda de caçador e pescador, num começo de noite, sem ninguém com doença em casa ou outras obrigações urgentes, é roda que acaba durando a noite inteira. Com a pinga velha do Bilé então..." Mario Palmério (1916-1996) escritor e político brasileiro em Vila dos Confins

Deus não fala "Needleman havia rejeitado a ontologia contemporânea e afirmava que o homem já existia antes do Infinito, só que com menos opções. Fazia distinção entre existência e Existência, e sabia que uma delas era a preferível, embora não se lembrasse de qual. A liberdade humana, para Needleman, consistia em ter consciência do absurdo da vida. 'Deus não fala', ele escreveu, acrescentando: ' Woody Allen, Que loucura!

Miserável é a condição humana "Variável, e consequentemente miserável, é a condição do homem! Nesse minuto estava bem e agora estou doente, no mesmo minuto. Surpreende-me esta mudança repentina, a alteração para pior, e não posso imputá-la nenhuma causa, nem chamá-la por nenhum nome. Estudamos a saúde, e deliberamos sobre nossas carnes, e bebemos e respiramos e nos exercitamos, além de talhar e polir cada pedra utilizada nessa construção; e assim a nossa saúde é um trabalho longo e regular, que em minutos um canhão abate a tudo, põe fim a tudo, demole tudo; uma enfermidade não prevista por toda a nossa diligência, inesperada por toda nossa curiosidade; e deste modo injusta, se considerarmos somente a desordem, que nos exige, nos sequestra, nos possui e destrói em instantes." John Donne (1572-1631) poeta, pregador e religioso inglês em Devoções para ocasiões emergentes (Meditações)

Linguajar poético "O grande inimigo da poesia, a quem (Ezra) Pound se propõe desmascarar, foi a improvisação. Todo poema verdadeiro tem atrás de si uma larga elaboração de instrumentos verbais.

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Foram necessários dois séculos de trabalho poético, em Provença, e um, em Toscana, para se desenvolver os instrumentos que Dante utilizou. Várias gerações trabalharam, sem saber, de forma anônima, para produzir Shakespeare. 'É de enorme importância que se escreva poesia, porém em absoluto importa quem a escreve.' Em vez de uma plêiade de presunçosos poetas que aspiram à genialidade a todo custo - e não fazem senão repetir banalidades -, Pound desejaria um exército de humildes trabalhadores experimentais, que descobrissem algo, fosse uma simples rima ou uma nova entonação rítmica, adicionando sua contribuição anônima a esta gigantesca causa comum que é o linguajar poético." J. M. Ibáñez Langlois, Rilke, Pound e Neruda - Três mestres da poesia contemporânea

Negócio de nascer e morrer "Entrei no elevador e subi pra ir olhar no berçário. Devia haver uma centena de recém-nascidos ali, atrás daquele vidro, chorando. Sem parar. Esse negócio de nascer. E de morrer. Cada um na sua hora. A gente chega sozinho e vai-se embora do mesmo jeito. E a maioria passa a vida inteira sem ninguém, assustada e sem entender nada. Uma tristeza indizível tomou conta de mim. Vendo todas aquelas vidas que teriam que morrer. Que primeiro se transformariam em ódio, demência, neurose, estupidez, em crime, em nada nada na vida e nada na morte." Charles Bukowski, Fabulário Geral do Delírio Cotidiano

Muitas ideias "Balzac sofria de um mal que alguns de seus colegas certamente invejavam. Ele tinha muito mais ideias literárias que podia desenvolver, apesar de sua incrível capacidade de trabalho. Por causa disso, paradoxalmente, cada obra sua era o túmulo de muitas ideias que havia sido sacrificadas por ela. Esse desperdício criativo foi certa vez descrito da seguinte maneira por Balzac a Eveline: 'Com frequência termino uma cabana miserável, na luminosidade do fogo que consome minhas casas.'" Johannes Willms, Balzac

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Livre-arbítrio____________________________________

Truque de teólogos "O erro do livre-arbítrio. - Hoje não temos mais qualquer compaixão pelo conceito de 'livre-arbítrio': sabemos muito bem o que ele é - o mais infame truque dos teólogos que há, cuja finalidade é tornar a humanidade 'responsável' no sentido deles, ou seja, torná-la dependente deles... Trato aqui apenas da psicologia de toda responsabilização." Friedrich Nietzsche, Crepúsculo dos ídolos ou como se filosofa com o martelo

A ideia do livre arbítrio "Para muitas pessoas, a maior razão por se apegarem à versão popular da ideia do livre arbítrio é a mesma razão pela qual se apegam à ideia de Deus ou do Estado: para preservar a ordem social. Sem a assunção do livre arbítrio, crianças não poderiam ser ensinadas a trabalharem mais para ganharem mais, e assassinos pareceriam mais como vítimas das influências exercidas sobre eles, do que autores de suas próprias ações. Explodiria uma anárquica produção de desculpas, e ninguém seria responsabilizado enquanto a sociedade desmorona." Matt Ridley, The evolution of everything - tradução do organizador

Livre arbítrio e perpetuação da espécie "Como a mente individual não pode se descrever em sua totalidade, nem um pesquisador externo pode fazê-lo, o eu - a celebridade nas conjunturas da consciência - pode continuar acreditando ardentemente em sua independência e livre-arbítrio. Essa é uma circunstância darwiniana muito feliz. A confiança do livre-arbítrio é uma adaptação biológica. Sem ela, a mente consciente, no máximo uma janela escura e frágil para o mundo real, seria amaldiçoada pelo fatalismo. Como um prisioneiro confinado perpetuamente na solitária, privado de qualquer liberdade para explorar e sedento de surpresas, ela iria se deteriorar. Então, o livre-arbítrio existe? Sim. Se não na realidade definitiva, pelo menos no sentido operacional necessário à sanidade e, assim, à perpetuação da espécie humana." Eward O. Wilson, O sentido da existência humana 79


Ainda a bifurcação da estrada "Experimentos como esses expõem a natureza problemática de confiar em nossa intuição quanto à liberdade das decisões. No momento, a neurociência não tem experimentos perfeitos para excluir inteiramente o livre-arbítrio - este é um tema complexo e nossa ciência talvez seja jovem demais para o abordar em sua totalidade. Mas vamos alimentar por um instante a perspectiva de que não existe livre-arbítrio. Quando você chega àquela bifurcação da estrada, a sua decisão é predeterminada. Diante disso, uma vida que é previsível não parece valer a pena." David Eagleman, Cérebro - Uma biografia

Somos marionetes? "Vamos explorar esta questão usando um exemplo simples. Você se dirige a uma bifurcação na estrada, onde pode entrar à direita ou à esquerda. Você não tem nenhuma obrigação de entrar em um ou outro caminho, mas hoje, neste momento, sente que quer entrar à direita e vai em frente. Mas por que você entrou à direita e não à esquerda? Porque teve vontade. Ou porque mecanismos inacessíveis em seu cérebro decidiram por você? Pense no seguinte: os sinais neurais que movem seus braços para girar o volante vêm do seu córtex motor, mas não têm origem ali. Eles são impelidos por outras regiões do lobo frontal, que, por sua vez, são impelidas por muitas outras partes do cérebro e assim por diante, em uma corrente complexa que entrecruza toda a rede neural. Jamais existe um tempo zero quando você decide fazer alguma coisa, porque cada neurônio no cérebro é impelido por outros neurônios; parece não haver uma parte do sistema que aja de forma independente em vez de reagir dependentemente. Sua decisão de virar à direita ou à esquerda, remonta ao passado: segundos, minutos, dias, toda uma vida. Mesmo quando suas decisões parecem espontâneas, elas não existem de maneira isolada. Assim quando você vai até aquela bifurcação na estrada carregando a história de sua vida inteira, quem exatamente é responsável pela decisão? Essas conclusões levam à questão profunda do livre-arbítrio. Se rebobinássemos a história cem vezes, ela seria sempre a mesma?" David Eagleman, Cérebro - Uma biografia

Outra vez o livre-arbítrio "O que é, então, um veto consciente: uma expressão inconsciente do livrearbítrio ou o efeito de um juízo racional distinto de seus correlatos biológicos?

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Se o veto é antecipado por um potencial de preparação, então não exercemos nenhum poder sobre nossas ações; na melhor das hipóteses, podemos tomar ciência de que nossas funções executivas agem em lugar de nossas decisões. Nesse sentido, o fato de que um evento abaixo do patamar da consciência dê origem a uma ação e, ao mesmo tempo, à sua supressão, tem por consequência a negação do livre-arbítrio, do qual, ao contrário, descende a responsabilidade de nossas escolhas. De fato, se elas são determinadas por mecanismos cerebrais, é difícil concluir que o home é livre e responsável pelas próprias ações e, portanto, nosso conceito de moral deveria ser totalmente questionado. Em contraposição, se o livre-arbítrio não se expressa no veto consciente, o veto representa, ainda assim, um sinal de deliberação, de poder residual sobre nosso comportamento. Nesse ponto estamos além da ideia positiva do livre-arbítrio, isto é, a possibilidade deliberada de cumprir uma ação. De fato, a antecipação neural, ao negar a origem decisória na intenção, exclui a liberdade como tal. Deriva daí uma noção negativa do livre-arbítrio, porque a vontade de executar movimento é antecipada e 'governada' por esquemas motores que precedem a consciência." Mauro Maldonato, Da mesma matéria que os sonhos - Sobre consciência, racionalidade e livre-arbítrio

Ação consciente? "Em outras palavras, a consciência da intenção de agir chega de 350 a 400 milissegundos após a ativação elétrica que prepara a ação e 200 milissegundos antes da própria ação. A decisão voluntária, portanto, não seria consciente, embora seja sempre a consciência, mediante mecanismos sutis de facilitação ou inibição, a tornar possível uma ação. Em poucas palavras, a tarefa da consciência não é dar início à ação voluntária, mas de decidir se a ação deve ou não ser realizada." Mauro Maldonato, Da mesma matéria que os sonhos - Sobre consciência, racionalidade e livre-arbítrio

Livre arbítrio e perpetuação da espécie "Como a mente individual não pode se descrever em sua totalidade, nem um pesquisador externo pode fazê-lo, o eu - a celebridade nas conjunturas da consciência - pode continuar acreditando ardentemente em sua independência e livre-arbítrio. Essa é uma circunstância darwiniana muito feliz. A confiança do livre-arbítrio é uma adaptação biológica.

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Sem ela, a mente consciente, no máximo uma janela escura e frágil para o mundo real, seria amaldiçoada pelo fatalismo. Como um prisioneiro confinado perpetuamente na solitária, privado de qualquer liberdade para explorar e sedento de surpresas, ela iria se deteriorar. Então, o livre-arbítrio existe? Sim. Se não na realidade definitiva, pelo menos no sentido operacional necessário à sanidade e, assim, à perpetuação da espécie humana." Eward O. Wilson, O sentido da existência humana

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Meio Ambiente___________________________________

Complexidade de estudos ambientais "Contudo, como resultado de uma linha evolutiva do conhecimento humano diante do extraordinário desafio da questão ambiental, observa-se que o meio ambiente de interesse (como objeto primordial daquela ciência ambiental) envolve, necessariamente, além das ciências naturais (conforme outrora reunidas, em um universo multidisciplinar), aspectos sociais, econômicos e culturais, o que tende a aumentar muito a complexidade dos estudos e requerer efetiva integração e interação com as ciências humanas. Talvez, seja esse o aspecto primordial e o desafio maior à ciência ambiental, ou seja, a aproximação entre as ciências naturais e as humanas, tendo em vista a perspectiva de uma provável e necessária abordagem interdisciplinar no enfrentamento dos problemas ambientais." Omar Yazbek Bitar, Meio Ambiente & Geologia

Agro ecossistemas "Sabe-se atualmente que quanto maior o número de espécies presentes em um determinado ecossistema, maior será o número de interações entre os seus componentes e, consequentemente, a estabilidade tenderá a aumentar, ou seja, 'a estabilidade é função direta da diversidade'. Os agro ecossistemas diversificados tendem a absorver mais facilmente as perturbações externas, pois os impactos são dissipados entre seus vários componentes. Desse modo, tendem a ser mais duradouros." Eduardo Ehlers, O que é agricultura sustentável

Transição climática extrema e súbita "Mesmo uma chance de 1% de que mudanças atmosféricas causadas por humanos possam desencadear uma transição climática extrema e súbita - e um meteorologista precisaria estar realmente muito confiante para estimar uma probabilidade tão baixa - é uma perspectiva inquietante o suficiente para justificar medida de precaução mais enérgicas do que aquelas já propostas pelos acordos de Kyoto (que exigem que países industrializados reduzam suas emissões de dióxido de carbono para os níveis de 1990 até 2012).

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Uma ameaça desta ordem seria cem vezes maior do que o risco basal de catástrofe ambiental ao qual a Terra está exposta independentemente de ações humanas, referente a impactos de asteroides e eventos vulcânicos violentos." Martin Rees, Hora final - alerta de um cientista

Verduras orgânicas e fertilizantes "Não tenho nada contra, o problema é que nunca hortas com adubo orgânicos vão produzir alimentos em escala suficiente para todo o mundo. Quem quiser que coma esta verduras, mas, para matar a fome de bilhões de pessoas, você precisa de herbicidas, adubos, sementes selecionadas e investimentos em pesquisa. A China, a campeã no uso de adubos orgânicos, até os anos 50 produzia 40 quilos anuais por hectare. Hoje, com herbicidas e fertilizantes, produz 200 quilos por hectare. Em 1940 os Estados Unidos produziam 56 milhões de toneladas em 31 milhões de hectares. Graças às novas técnicas agora produzem 230 milhões de toneladas em uma área menor, 28 milhões de hectares. Isso sim, é progresso. Muitos ambientalistas que criticam a moderna agricultura nunca plantaram nada. Se os ecologistas enfrentassem o sol a pino, com enxada, semente ruim e pragas comendo suas lavouras, aposto que mudariam de ideia." Normam Borlaug (1914-2009), agrônomo americano, criador da Revolução Verde, em entrevista à revista Veja em 2/4/1997, publicada no livro A História é amarela.

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Morte__________________________________________

Entre parênteses "Hoje, as filosofias revolucionárias colocam a morte entre parênteses e as filosofia reacionárias colocam-se sob o signo da morte. A morte é o campo de batalha, o palco eterno, cuja posse dá o poder sobre as almas. Quem possui a morte possui o poder!" Edgar Morin, O homem e a morte

Atitudes perante a morte "Assim é provável vislumbrar a possibilidade de paz estudando as atitudes perante a morte nos líderes dos países, naqueles que tomam decisões finais de guerra e paz entre os povos. Se fizéssemos um esforço sobre-humano para encarar nossa própria morte, para analisar as ansiedades que permeiam nosso conceito de morte e para ajudar os semelhantes a se familiarizarem com tais pensamentos, talvez houvesse menos destruição ao nosso redor." Elisabeth Kübler-Ross, Sobre a morte e o morrer

Não desperdiçar "O mestre indiano Atisha disse, 'Se você não contemplar a morte pela manhã, a manhã foi desperdiçada. Se você não contemplar a morte pela tarde, a tarde foi desperdiçada. Se você não contemplar a morte à noite, a noite foi desperdiçada.'" Do artigo Practicising the Four Reminders, publicado no blog Tricycle – tradução do organizador

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Modismos "Ainda que o hedonismo e o consumo contemporâneos tentem recalcá-lo; ainda que a ‘adolescentização’ seja o modismo para autorizar ações infantis entre homens e mulheres adultos; ainda que os nossos velhos devam ser maquilados, turbinados, lipoaspirados e - uma vez doentes - internados e higienizados para um passamento privado e solitário que faria pavor a Ivan Illich; ainda que tudo isso venha como recalque, o símbolo mais duro e próximo ao real do tempo segue sendo a morte." Clóvis Pereira, Thânatos e civilização - A morte entre a psicanálise e a história da cultura

Verter lágrimas "A morte preservou muita gente das terríveis desgraças que uma vida longa os teria feito provar. [...] Por que então verter lágrimas na morte de jovens, pretextando que ela os priva desses pretensos bens de que teriam fruído em uma vida mais longa? Afinal, não é incerto, como já dissemos várias vezes, se as coisas de que a morte os priva são bens ou males?" Plutarco, Consolação a Apolonio pela morte do filho, citado por Georges Minois em A Idade de Ouro

Preocupações supérfluas "Montaigne, portanto, é reconhecidamente um crítico mordaz da veleidade amarrada ao inútil ou, mais exatamente, ao fútil. E a imaginação que o toma por objeto está sob a mira de sua crítica à faculdade dispersiva e nociva de que falei acima. Vários ensaios e exemplos atacam as preocupações supérfluas que cercam a morte. Seu descrédito pela imaginação da vida pós-morte o faz centrar suas preocupações sobre o morrer e, às vezes sobre a morte como ponto infinitesimal." Luiz Vaz, A simulação da morte

Como um total amador "De maneiras engraçadas e extravagantes - era assim que George e seus amigos se imaginavam morrendo naquela época em que não acreditavam que iam morrer, no tempo em que a morte era apenas mais um motivo para fazer graça. 'Ah, é claro, tem a morte também!' Mas a morte de George Plimpton não foi nem engraçada nem extravagante. 86


Também não foi uma fantasia. Ele não morreu com uniforme de jogador no Yankee Stadium, e sim, de pijama, dormindo. Morreu como todos nós morremos: como um total amador." Philip Roth, Fantasma sai de cena

Ela está ao nosso lado "Nós nos propomos a longas navegações e a retornos tardios para a pátria depois de errarmos por litorais estrangeiros; à atividade militar e a demoradas compensações pelos sofrimentos em campanha; a governar províncias e a progredir por meio dos encargos desses cargos e, entretanto, a morte está ao nosso lado. Uma vez que nunca se pensa nela, exceto na morte alheia, de quando em quando se impõem exemplos da nossa condição mortal que perduram não mais do que dura a nossa surpresa." Sêneca, Edificar-se para a morte - Das Cartas morais a Lucílio

Experiência "A morte não é um evento da vida. Não experienciamos a morte." Ludwig Wittgenstein, Tractatus logico-philosophicus – tradução do organizador

Entidades particulares "A ontologia tradicional trata sempre da vida e da morte, ao passo que na ontologia que proponho vida e morte não são nada além de entidades particulares. Existem planetas, mares, vulcões, morte, vida e números. Claramente, a vida e a morte são de especial interesse para nós, seres mortais, mas isso não significa que tenham alguma prioridade para o conceito de existência." Markus Gabriel, O sentido da existência - para um novo realismo ontológico

Não é tão significativo "Assistindo a uma morte, constantemente nos surge um pensamento que reprimimos de imediato, por um falso sentimento de decoro: o de que o ato de morrer não é tão significativo como pretende o respeito geral, e de que provavelmente o moribundo perdeu coisas mais importantes na vida do que o que está para perder. 87


O fim, no caso, certamente não é a meta." Friedrich Nietzsche em 100 Aforismos sobre o Amor e a Morte

Ruptura "É possível considerar a morte como uma ruptura interna de uma vida que prossegue incansavelmente sob formas sempre novas, de sorte que o indivíduo não morre a não ser de uma certa maneira, já que da perda do eu empírico emerge um 'eu sou' incondicionado - e reside aí tanto a lição dos Upanixades celebrando nas vésperas do século V a.C. a intemporalidade do atman, do si absoluto, quanto a da fenomenologia husserliana, pela qual só o eu empírico morre, enquanto que o eu transcendental puro não nasce nem morre." Françoise Dasture, A morte - Ensaio sobre a finitude

Não falha "A morte é uma profecia que nunca falha." Edmund Wilson, escritor

Mais difícil "A morte só chega uma vez e faz-se sentir em todos os momentos da vida; é mais difícil apreendê-la do que sofrê-la." La Bruyére, Caracteres

Transformar o esplêndido em areia "Por que, então, a constrição social? Por que as guerras? E que é esta sobrevivência coletiva, tão mítica como a imortalidade da salvação? E por que a glória? Filósofos e literatos têm meditado sobre o crânio de Alexandre, resíduo poeirento de tantas conquistas e exaltações; Diógenes, o Cínico, ainda em vida do herói, revelou-lhe o vazio de sua glória: 'Não me tires o sol.' Sempre cínico, o pensamento transforma as epopeias mais esplêndidas em areia." Edgar Morin, O Homem e a morte

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Preocupações sobre o morrer "Montaigne, portanto, é reconhecidamente um crítico mordaz da veleidade amarrada ao inútil ou, mais exatamente, ao fútil. E a imaginação que o toma por objeto está sob a mira de sua crítica à faculdade dispersiva e nociva de que falei acima. Vários ensaios e exemplos atacam as preocupações supérfluas que cercam a morte. Seu descrédito pela imaginação da vida pós-morte o faz centrar suas preocupações sobre o morrer e, às vezes sobre a morte como ponto infinitesimal." Luiz Vaz, A simulação da morte

Barganhas "A barganha, na realidade, é uma tentativa de adiamento, tem de incluir um prêmio, oferecido 'por bom comportamento', estabelece também uma 'meta' auto imposta (por exemplo, um show a mais, o casamento de um filho) e inclui uma promessa implícita de que o paciente não pedirá outro adiamento, caso o primeiro seja concedido. Nenhum de nossos pacientes 'cumpriu as promessas'. Em outras palavras, são como crianças que dizem: 'Nunca mais brigo com minha irmã se vocês deixarem eu ir.' É desnecessário dizer que o menino vai brigar de novo com a irmã, como a cantora de ópera tentará apresentar-se mais uma vez. Não podendo viver sem shows futuros, deixou o hospital antes que se lhe extraíssem os dentes. A paciente descrita por último só queria nos ver novamente se admitíssemos o fato de que tinha outro filho, a cujo casamento queria assistir. A maioria das barganhas são feitas com Deus, são mantidas geralmente em segredo, ditas nas entrelinhas ou no confessionário do capelão. Nas entrevistas particulares, sem auditório, ficamos impressionados com o número dos que prometiam 'uma vida dedicada a Deus' ou 'uma vida a serviço da Igreja' em troca de um pouco mais de tempo de vida. Muitos pacientes prometiam também doar partes de seu corpo ou seu corpo inteiro 'à ciência' (caso os médicos usassem seus conhecimentos científicos para prolongar-lhe a vida)." Elisabeth Küble-Ross, Sobre a morte e o morrer

Desaparecer "O que fazemos aqui, nós, que vamos desaparecer?" Étienne Sénancour (1770-1846), escritor e filósofo francês

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O "eu" e a morte "Cada fio de cabelo da nossa cabeça contêm uma célula viva com nosso completo conhecimento biológico, contido na célula na forma de sua genética. Se arrancarmos um fio de cabelo de nossa cabeça, este fio morrerá. Em um certo sentido, porque o fio tem uma cópia de nossa singular biologia, é permitido dizer que morremos. Certamente, do ponto de vista do fio de cabelo é verdade dizer 'eu morri'. Mas, evidentemente, o fio é somente uma de incontáveis células capilares e somente uma das centenas de trilhões de outras células do nosso corpo, todas contendo nossa instruções genéticas. Sob este ponto de vista mais amplo, sob ponto de todo o organismo, é verdade de que 'eu ainda estou vivo'. A visão do fio de cabelo é o ponto de vista do nosso 'eu'. Se somos arrancados da vida, então sob ponto de vista de nosso eu é verdadeiro dizer 'eu morri'. Mas, somos parte de uma linhagem familiar; nós compartilhamos toda a nossa herança genética e cultural com bilhões de outros humanos, compartilhamos 98% de nossa genética com outros primatas. Como Einstein observou, é enganador conceber a nós mesmos somente como um ser individual, isolado e mortal. Existe um ponto de vista a partir do qual é verdade dizer 'eu não morri' e este ponto de vista pode ser alcançável expandindo nosso sentido de 'eu'." John Campbell, Universal Darwinism: the path of knowledge - tradução do organizador

De botas calçadas "Como sou homem que continuamente está incubando seus pensamentos e guardando-os dentro de si, a qualquer momento estou preparado, tanto quanto possa estar, e nada de novo me anunciará a chegada inesperada da morte. Devemos estar sempre com as botas calçadas e prontos para partir, tanto quanto de nós dependa, e sobretudo nos precavermos para que então tenhamos de tratar conosco mesmos." Michel de Montaigne, Ensaios

Breve oportunidade “Você pode pensar a respeito da morte de maneira amarga ou resignada e tomar cada medida possível para adiá-la.

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Ou, mais realisticamente, você pode pensar a vida como sendo uma interrupção de uma eternidade de uma não existência pessoal, e aproveitá-la como uma breve oportunidade de observar e interagir com o vivo e sempre surpreendente mundo em torno de nós.” Barbara Ehrenreich, escritora e ativista política americana em Natural Causes: An Epidemic of Wellness, the Certainty of Dying, and Killing Ourselves to Live Longer – do organizador

De volta ao nada "Ele (Freud) conclui que as pulsões orgânicas são voltadas para o restabelecimento de algo anterior - para uma repetição. 'Seria contrário à natureza conservadora das pulsões que o objetivo da vida fosse um estado nunca antes alcançado', escreveu em Além do Princípio de Prazer. 'Terá de ser, isto sim, um velho estado inicial, que o vivente abandonou certa vez a ao qual se esforça para voltar.' A partir desse raciocínio, Freud constatou que o ponto mais radical do retorno a experiências anteriores é aquele lá atrás, no qual ainda nem estávamos vivos, já que 'o inanimado existia antes do vivente'. A primeira pressão das nossas pulsões como seres vivos teria sido uma volta a este estado de inércia. Uma marcha a ré da vida para a ausência de vida: uma pulsão para a morte." Alexandre Carvalho, Freud - Para entender de uma vez

Passado e futuro "Nunca deixará de haver alguma coisa que de outra nasça e a vida não é dada como propriedade a ninguém: a todos vem como usufruto. Vê, olhando para trás, como nada significou para nós toda a velha porção de eternidade que passou antes que nascêssemos. Eis o espelho que a natureza nos apresenta do tempo futuro, do que virá depois da nossa morte. Surge nisto algum horror, alguma tristeza? Não é tudo muito mais seguro do que o sono?" Lucrécio (94 - 55 AEC) poeta e filósofo romano, Da Natureza

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Provocação terrível "A morte é uma provocação terrível. Aparece em quase toda parte, apresentando uma escala severa, mas eficaz, tanto para valores como para padrões éticos." Peter Wessel Zapffe (1899-1990), filósofo norueguês, em documentário celebrando seus 90 anos.

Aqueles fantasmas "Aqueles fantasmas, mais ou menos atormentados frequentemente por pesares insignificantes, ainda que venham de outro mundo, nunca nos trouxeram, à cerca desse mundo, cujo prodigioso limiar transpuseram, uma só revelação tópica." Maurice Maeterlinck (1862-1949) em A morte

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Natureza________________________________________

Instinto natural "O estado de natureza é, antes, o estado da injustiça, da violência, do instinto natural desenfreado, das ações e dos sentimentos desumanos." Georg F. Hegel, A razão na história

Propriedades da natureza "Em outras palavras, não há nada que garante a coexistência entre dois domínios: não há como supor, portanto, que os sentidos humanos sejam o correspondente, na ordem do sujeito, de propriedades inscritas na natureza." Renato Lessa, Veneno Pirrônico

Ordem não humana "Hoje, continuamos a procurar ordem na natureza, mas não pensamos que seja uma ordem radicada em valores humanos. Nem todos ficam contentes com isso. Erwin Schrödinger, grande físico do século XX, defendeu um regresso ao exemplo da Antiguidade, com seu amálgama de ciência e valores humanos. No mesmo espírito, o historiador Alexandre Koyré qualificou de 'desastroso' o atual divórcio entre ciência e o que agora chamamos de filosofia. Minha posição pessoal é que esse anseio por uma abordagem holística da natureza é exatamente o que os cientistas precisam superar. Não encontramos nada nas leis da natureza que corresponda, de qualquer maneira que seja, às ideias de bem, justiça, amor, ou discórdia, e não podemos nos basear na filosofia como guia confiável para o entendimento científico." Steven Weinberg, Para explicar o mundo - A descoberta da ciência moderna

Curso "Há um curso geral da natureza nas ações humanas, tanto quanto nas operações do sol e do clima." 93


David Hume, Tratado da natureza humana

Limite finito "Recorda-te de que, ainda que sejas de natureza mortal e com um limite finito de vida, te debruçaste, mediante a investigação da natureza, no que é infinito e eterno, e contemplaste o que é agora, será e sempre foi no tempo transcorrido." Epicuro, Antologia de Textos

Obedecer à natureza "Então quem obedece à natureza, e não às vãs opiniões a si próprio, se basta em todos os casos. Com efeito, para o que é suficiente por natureza, toda aquisição é riqueza, mas por comparação com o infinito dos desejos, até a maior riqueza é pobreza." Epicuro, Antologia de textos

Levantar pela manhã "Para nossa sorte, a mãe natureza cuida para que a maioria de nós, incluindo os humanista seculares, levante na maioria das manhãs, e viva, mesmo sem nada que torne suas vidas plenas de sentido. A prova é óbvia. Não há nada que dê sentido às nossas vidas e, mesmo assim, aqui estamos, forma de nossos pijamas. A noção de que precisamos de algo que dê sentido às nossas vidas para continuarmos vivendo é outra das tais ilusões fomentadas pela introspecção." Alex Rosenberg, The atheist´s guide to reality – tradução do organizador

Bondade universal "Outro argumento, radical nos dias de Darwin e mais comum nos dias que correm, sustenta que a natureza é simplesmente como nós a encontramos. Nossa incapacidade de perceber uma bondade universal não significa qualquer falta de introspecção ou de engenhosidade, mas meramente demonstra que a natureza não contém mensagens morais que se enquadrem nos termos humanos. A moral é uma disciplina para filósofos, teólogos, estudiosos de humanidades, na verdade, para todos os seres pensantes." Stephen Jay Gould, Os dentes da galinha

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Mudança de mentalidade "O planeta já teve imensa cobertura florestal, 8 bilhões de hectares, que fomos destruindo ao longo da história. Teríamos que tentar recuperar cerca de 1/3. Não adianta salvar o planeta da mudança climática se o custo for a perda da biodiversidade, que tem papel fundamental no equilíbrio planetário. Precisamos de uma mudança de mentalidade, estamos cada vez mais divorciados na natureza. Não estou pregando que todos abracem árvores, mas que tenham consciência de que no processo de divórcio com a natureza, estamos condenando nossa própria espécie." Paulo Adriano, ambientalista do Greenpeace em entrevista ao caderno Eu & Fim de Semana, do jornal Valor de 6/1/2017

Tecnologia "Afinal, eles nos dizem, nossa evolução gira toda em torno da tecnologia; sempre girou, desde que o primeiro humano talhou a primeira ferramenta da Idade da Pedra, milhões de anos atrás. E, assim, as mudanças tecnológicas que vêm por aí não são uma aberração da natureza; elas são natureza! São a evolução em ação. Afinal, estamos destinados a transcender a nós mesmos. E agora os meios tecnológicos para nossa transcendência estão ao nosso alcance. Todos a bordo; nosso destino pós-humano aguarda. E não há sentido em tentar parar o trem, gritam os transumanistas do banco do condutor, pois ele já deixou a estação. Carter Phipps, Evolucionários

Civilizado "O bárbaro pilha a terra; ele a explora violentamente e não consegue recuperar suas riquezas, tornando-a inabitável. O homem verdadeiramente civilizado entende que seu interesse é indissociável dos interesses de todos e do da natureza." Elisée Reclus, geógrafo e anarquista francês, citado por Alan Antliff em Anarquia e arte - Da Comuna de Paris à queda do Muro de Berlim

Preguiça

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"A preguiça e a covardia são as razões pelas quais uma proporção tão extensa dos homens, mesmo quando a natureza já os emancipou há muito de orientação externa, permanece alegremente imatura durante toda a vida. Pelos mesmos motivos, é sempre muito fácil para os outros colocarem-se como seus guardiões." Immanuel Kant, O que é o Iluminismo?

Natural "Aliás, tudo é natural; se não fosse não existiria. As coisas são assim: naturais. E inter-relacionadas, de maneira que podem (às vezes) ser estudadas para produzir grandes generalizações que chamamos de 'leis da natureza' e as milhares de generalizações interligadas que constituem ciência." Mary Catherine Bateson, As Coisas são assim, organizado por John Brockman e Katinka Matson

Despreocupada "A natureza não se preocupa com um erro qualquer; ela mesma não pode agir senão de modo eternamente correto, despreocupada quanto ao que pode resultar daí." J. W. Goethe, Máximas e reflexões

Complexidade e natureza "A atual teoria da complexidade foi a terceira tentativa, nos últimos quarenta anos, de trazer fenômenos naturais (sobretudo biológicos) para o contexto das propriedades altamente genéricas de sistemas que se modificam com o tempo. Sistemas complexos raramente atingem o equilíbrio. Em geral, estão numa condição estacionária (CE) de não equilíbrio. Por exemplo, concentrações de diferentes substâncias químicas em determinado volume podem perfeitamente continuar constantes enquanto inúmeras reações químicas as consomem ou as produzem. Na condição estacionária de não equilíbrio todos esses processos se compensam. Mas, se for alterado algum dos parâmetros pertinentes ao sistema - mesmo que muito o pouco - a condição estacionária também muda." José Eli da Veiga (org.), Economia socioambiental

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Agro ecossistemas "Sabe-se atualmente que quanto maior o número de espécies presentes em um determinado ecossistema, maior será o número de interações entre os seus componentes e, consequentemente, a estabilidade tenderá a aumentar, ou seja, 'a estabilidade é função direta da diversidade'. Os agro ecossistemas diversificados tendem a absorver mais facilmente as perturbações externas, pois os impactos são dissipados entre seus vários componentes. Desse modo, tendem a ser mais duradouros." Eduardo Ehlers, O que é agricultura sustentável

Nosso único e precioso planeta "A Terra não é, naturalmente, um organismo vivo como um ser humano, um cachorro, uma árvore ou um arbusto, que nascem ou brotam de sementes, crescem, se reproduzem e morrem. Uma floresta, um pântano, um estepe, taiga ou tundra, também não são organismos únicos, são no entanto sistemas vivos integrados. Em linguagem técnico-científica, a Terra é sistema geo-biofisiológico auto regulável. A ecosfera é formada pela litosfera, ou seja, as rochas; a hidrosfera são os diferentes sistemas hídricos; a atmosfera, o invólucro de gás; e aquele que penetra e se movimenta nos três outros, a biosfera. Nenhuma destas 'esferas' tem algum sentido sozinha, afora uma abstração, como parte de um sistema homeostático (auto equilibrado) integrado." José A. Lutzenberger, Unser einmalig kosbarer Planet - Gaia, tradução do organizador

Organismo e ambiente "A história do ambiente, por sua vez, é uma história de mudanças geológicas, de impactos de meteoros, do vaivém das idades glaciais, do sobe-e-desce do nível do mar, e de mudanças climáticas de mais curto prazo. Outros tipos de organismos também fazem parte do ambiente de uma espécie, mas aparecem como dados, com histórias independentes. O organismo e o ambiente interagem apenas por meio do processo seletivo." Richard Lewontin, A tripla hélice - Gene, organismo e ambiente

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Cooperação vegetal "Por que as árvores são seres tão sociais? Por que compartilham seus nutrientes com outras da mesma espécie e, com isso, ajudam suas concorrentes? Os motivos são os mesmos que movem as sociedades humanas; trabalhando juntas são mais fortes. Uma única árvore não forma uma floresta, não produz um microclima equilibrado; fica exposta, desprotegida contra o vento e as intempéries. Por outro lado, muitas árvores juntas criam um ecossistema que atenua o excesso de calor e frio, armazena um grande volume de água e aumenta a umidade atmosférica - ambiente no qual as árvores conseguem viver protegidas e durar bastante tempo." Peter Wohlleben, A vida secretas das árvores

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Religião________________________________________

Anjos "A influência de Paulo sobre os Padres da Igreja ia resultar na imagem de Satanás como irmão caçula invejoso de Jesus, e que busca usurpar de Cristo o reino de Deus." "Mais sutil que Paulo, Agostinho teve a originalidade de inventar a psicologia satânica, centrando-a na inveja e no orgulho, e assim criando a tradição que iria resultar no Iago do Otelo de Shakespeare e no Satanás do Paraíso Perdido de Milton." "A domesticação dos anjos os torna chatos e melosos, e me lembra a explosão teológica da atriz Jane Russel na televisão, quando, num momento do fim de sua carreira, passou a cantar spirituals, e definiu Deus assim: "Acho que Deus é simplesmente uma boneca viva." Harold Bloom, Presságio do Milênio - Anjos, Sonhos e Imortalidade

Onipotência duvidosa "Mas se Deus deve ser compreensível de determinada maneira e grau (e nisso precisamos nos apegar), então sua bondade deve ser compatível com a existência do mal, e isto só pode ser caso Ele não seja todo poderoso. Somente então poderemos afirmar que ele é compreensível e bom, e mesmo assim ainda exista mal no mundo. E como nós em todo caso já considerávamos a ideia da onipotência como duvidoso em si mesmo, é este atributo (de Deus) que precisa desaparecer." Hans Jonas, Der Gottesbegriff nach Auschwitz - traduzido pelo organizador

Anjos e homens com vontade própria

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"Santo Anselmo de Cantembury, em De casu Diaboli, atribui a rebelião de Satã ao desejo de ter uma vontade própria, ou seja, à sua vocação pela liberdade. Sabemos que os anjos, como os homens, gozavam por decisão divina de livrearbítrio, e esta responsabilidade é praticamente a chave de toda ontologia. Com efeito, se a liberdade dos filhos consistisse exclusivamente em realizar os desejos do Pai, em lugar de anjos e homens falaríamos de marionetes, além do que ninguém diferiria essencialmente de seus congêneres." Albert Cousté, Biografia do Diabo - o Diabo como sombra de Deus na história.

Movimentos apocalípticos "Movimentos centrados no fim do mundo, tendo à frente indivíduos carismáticos cultos que lideravam seguidores socialmente marginalizados? Voltamos a Max Weber. Os partidários desses movimentos eram profundamente atraídos pela pregação original de Jesus, o que não causa nenhuma surpresa, já que ele pregara para gente igualzinha a eles. Tal como os primeiros seguidores de Jesus, eles nutriam grandes expectativas. Os pescadores da Galileia acreditavam que o fim do mundo faria com que eles fossem valorizados, enquanto os ricos seriam deixados de lado e o poder de Roma seria enfraquecido. Os apocalípticos medievais também esperavam ser valorizados, enquanto seus vizinhos ricos e seu cobrador de impostos - a Igreja - seriam enfraquecidos." Matthew Kneale, Crença - Nossa invenção mais extraordinária

Mitos e explicações "Os túmulos e santuários dos neandertais são a primeira evidência conhecida de um comportamento protoreligioso. O fato de que ocorrem coincidentemente com as primeiras evidências de cultura - cerâmica, ferramentas complexas e utensílios domésticos rudimentares - sugere algo importante: assim que os hominídeos começaram a se comportar como seres humanos, ele começaram a pensar sobre os mais profundos mistérios da existência - e encontraram soluções para estes mistérios nas histórias que chamamos de mitos." Andrew Newberg, Eugene D'Aquili e Vince Rause, Why God Won't Go Away: Brain Science and the Biology of Belief – traduzido pelo organizador

Nós fabricamos um Deus

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"O antropomorfismo, que os homens podem dificilmente evitar em sua representação teórica de Deus e de sua essência e que é, por outro lado, bastante inofensivo (quando não influiu nos conceitos de dever), é realmente muito perigoso no que diz respeito a nossa relação prática com a vontade de Deus e mesmo para nossa moralidade.

De fato, nesse caso, nós nos fabricamos um Deus." Immanuel Kant, A religião nos limites da simples razão

Deus absconditus "Nietzsche, na apreciação de Gray, sustentava que Deus tinha sobrevivido ao aparente assassinato por parte da sociedade secular. Tinha-se escondido por trás de alguns pseudônimos, um dos quais era a moralidade." Terry Eagleton, A morte de Deus na cultura

Nem animal nem monstro "Alguns escritores do século VI a.C. deram um ousado passo à frente. Usaram imagens mitológicas para descrever-lhes a luta contra alguns compatriotas israelitas. Mas quando denunciavam com violência compatriotas judeus em termos mitológicos, as imagens escolhidas não eram em geral as mesmas animalísticas ou monstruosas, que aplicavam invariavelmente a seus inimigos estrangeiros. Em vez de Raabe, Leviatã ou 'o dragão', com mais frequência identificavam seus inimigos judeus com um membro importante, ainda que traiçoeiro, da corte divina a quem chamavam de satanás. O satanás não era animal ou monstro, mas um dos anjos de Deus, um ser de superior inteligência e status. Parece que os israelitas consideravam seus inimigos internos não como animais ou monstros, mas como seres sobre humanos, cujas qualidades e status superiores de membros do círculo interno podiam torná-los mais perigosos do que o inimigo externo." Elaine Pagels, As origens de Satanás - um estudo sobre o poder que as forças irracionais exercem na sociedade moderna

Deus sem importância mas violento "Os jesuítas escolheriam um dos deuses menos importantes, Tupã, o do trovão, para estabelecer a equivalência com o Deus único dos europeus. Uma escolha 101


estranha, aliás: os indígenas não só davam pouca atenção a Tupã como não gostavam dele. Era temido porque seus raios podiam provocar morte e destruição. Aparentemente, os religiosos cristãos não quiseram desafiar uma entidade mais popular do panteão. Preferiram dar um novo significado para um deus menor, sem perder uma característica constante na Bíblia, em especial no Antigo Testamento - o fato de que Deus pode ser bastante violento." Tiago Cordeiro, Os primeiros brasileiros

Não existe um eu "De acordo com Buda, existe uma série ou um ciclo progressivo de renascimentos que de fato acontece, mas não existe um eu, uma alma ou um atman fixo e imutável que passa pela transmigração. Então, como, podemos perguntar, eu, ou de modo ainda mais exato, aquilo que 'eu' considero que 'eu' sou, reconcilia o mundo em constante alteração da experiência com minha experiência obviamente unificada do 'eu'? O Buda explica isso segundo os termos de seu ensinamento do paticca-samuppada, ou sua explicação da causalidade." Stephen J. Laumakis, Uma introdução à filosofia budista

Deuses absorvidos "Assim Zeus e os outros grandes deuses celestiais foram absorvidos no Deus cristão, e assim como Maria substituiu com êxito a grande deusa, Jesus reuniu em si não só os componentes do mito do deus agonizante, assinalados há pouco, mas também os do antigo mito europeu do herói. Para os gregos, romanos, eslavos, celtas, germânicos e escandinavos que ouviram os missionários cristãos, o mito de Jesus não deve ter sido grande surpresa." David Leeming, Do Olimpo a Camelot

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