E agora, meio ambiente?

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E agora, meio ambiente?

Ricardo Ernesto Rose


Ricardo Ernesto Rose

Jornalista ambiental, autor e coordenador de publicações Pós-graduado em Ciências Ambientais (Claretiano) Profissional de inteligência de mercado no setor ambiental Pós-Graduado em Sociologia (Universidade Gama Filho)

E agora, meio ambiente? 2


Copyright © Ricardo Ernesto Rose (junho 2019)

O conteúdo desta obra é de responsabilidade do autor, proprietário dos direitos autorais.

Parte do conteúdo deste e-book foi anteriormente publicado no jornal “GIRO ABC” de São Caetano do Sul (SP) e no blog “Da Natureza e da Cultura” (www.danaturezaedacultura.blogspot.com.br), editado por Ricardo Ernesto Rose, proprietário dos direitos autorais destes textos.

É proibida a reprodução parcial ou total do conteúdo deste e-book, sem prévia autorização escrita dada pelo autor.

Autorizamos a reprodução parcial para fins não comerciais, desde que devidamente citada a fonte.

Coordenação, revisão, design e diagramação: Ricardo Ernesto Rose

Capa: Aquarela de Karl Schmitt-Rottluff (1884-1976)

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Índice

E agora, meio ambiente?

(6-7)

O mercado brasileiro de energias renováveis

(8-10)

Floresta, biodiversidade e pobreza

(11-13)

Gestão de resíduos e saúde pública

(14-15)

Tratamento e consumo de água

(16-21)

Economia, complexidade e capacidade de resposta à crise

(22-23)

Estratégia de exploração dos recursos naturais

(24-25)

Cresce a preocupação com o clima da Terra

(26-30)

Uso e exploração dos oceanos

(31-36)

Plástico: a grande ameaça aos oceanos

(37-39)

Novas maneiras de incentivar a eficiência energética

(40-43)

O ciclo da energia e da matéria através dos organismo

(44-46)

Turistas e degradação ambiental do litoral

(47-49)

Eficiência energética no Brasil

(50-54)

Efluentes domésticos e reuso de água no Brasil

(55-57)

Agricultura, fome e desperdício de alimentos

(58-62)

A política da prevenção

(63-64)

45 mil anos de impacto ambiental

(65-66)

Mais controle na atividade pesqueira

(67-68)

Evolução da questão ambiental

(69-70)

Previsão incorreta

(71-75)

Origem e transformação dos materiais

(76-77)

Lucrécio e o consumo

(78-79)

Herbicidas e impasse na agricultura

(80-81)

Do universo ao ambiente

(82-83)

Ecossistemas e complexidade

(84-85)

Prefeituras não conseguem implantar a PNRS

(86-87)

O impacto das mudanças climáticas no litoral brasileiro

(88-89)

Saneamento básico no mundo e no Brasil

(90-91)

Crise, mudanças e adaptação

(92-93) 4


Faltam locais de lazer nas cidades

(94-95)

Meio ambiente e tecnologias de informação

(96-97)

Atividades econômicas e externalidades negativas

(98-99)

Crise econômica, desemprego e meio ambiente

(100-101)

Os raios e o meio ambiente

(102-103)

A ameaça da degradação dos solos

(104-105)

Aves urbanas

(106-107)

Catástrofes e sobrevivência humana

(108-109)

Vida e sobrevivência

(110-111)

Aspectos do saneamento no Brasil

(112-113)

Lucro fácil e rápido

(114-115)

Queda do desmatamento e saúde

(116-117)

Melhorar a eficiência no uso dos recursos

(118-119)

Extinção em massa

(120-121)

Produção de carne e redução de CO²

(122-123)

A influência da natureza

(124-125)

Cidade, a grande invenção humana

(126-127)

Sal, açúcar e gordura

(128-129)

Verde do extremo sul de São Paulo corre perigo

(130-131)

Por que a questão ambiental avança tão lentamente?

(132-133)

Produção, distribuição e consumo de alimentos

(134-135)

O clima e o oceano

(136-137)

A parábola do sapo e do Leviatã

(138-139)

Os rios e o espaço urbano

(140-141)

Brasil não dispõe de banheiros públicos

(142-143)

Natureza e felicidade

(144-145)

Proteção aos animais

(146-147)

Meio ambiente: natureza e cultura

(148-149)

Avanço tecnológico e gestão de recursos

(150-151)

Extinção de espécies, o que perdemos?

(152-153)

Crescimento da população, consumo e impacto ambiental

(154-155)

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E agora, meio ambiente?

Enquanto a juventude europeia e norte americana cobra ações de seus governos contra o aquecimento global e políticos de partidos ligados à causa ambiental passam a ocupar um número maior de cadeiras no Parlamento Europeu, no Brasil a causa ambiental sofre uma sucessão de retrocessos. Não é de hoje que assistimos a uma crescente animosidade em relação a temas ambientais por parte do governo brasileiro. Assim, apesar dos vários acertos nesta área, Lula em seu governo, pressionado pelo setor empresarial, chegou a afirmar por diversas vezes que o licenciamento estaria atrapalhando o início de diversas obras de infraestrutura. Tais críticas acabaram por precipitar a saída da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Já o primeiro governo Dilma foi para muitos ambientalistas “o pior da história para o meio ambiente”, como disse em entrevista à revista IHU Online, publicada em 20/01/2014, o geógrafo e diretor de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani. Alteração do Código Florestal, ausência de criação de novas Unidades de Conservação (UC) e aumento do desmatamento na região amazônica, foram algumas das principais críticas ao governo Dilma. O descaso em relação à proteção dos recursos naturais só aumentou no governo Temer. Começando com a tentativa de aprovar o Renca – projeto de mineração em áreas indígenas, felizmente não aprovado por causa de protestos no Brasil e no exterior –, a fragilização da legislação ambiental, a redução das áreas de Unidades de Conservação e a flexibilização do licenciamento ambiental; foram diversas as iniciativas rumo ao retrocesso. No entanto, como ponto positivo no governo Temer, cabe ressaltar a assinatura da ratificação do Acordo de Paris, pacto mundial de limitação das emissões de gases de efeito estufa. Na área ambiental o governo de Jair Bolsonaro só vem acentuando a má atuação dos governos anteriores. A começar por declarações do próprio presidente, noticiadas antes da posse: planejava retirar o Brasil do Acordo de Paris.

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A saída do acordo climático traria a redução de recursos financeiros internacionais, utilizados internamente para implantação e manutenção de projetos ambientais de impacto social e econômico. Uma segunda hipótese é que ao deixar o Acordo, o Brasil poderia ser alvo de sanções econômicas por parte de países pertencentes ao pacto. Felizmente, tal saída não se concretizou, apesar da declaração do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, de que a “ideologia das mudanças climáticas” havia sido criada pela esquerda globalista. Outra ideia de Bolsonaro, a de acabar com o Ministério do Meio Ambiente sujeitandoo ao ministério da Agricultura, gerou muitos protestos, fazendo com que o plano fosse abandonado. A indicação de Ricardo Salles, ex-secretário de Meio Ambiente do estado de São Paulo e condenado em primeira instância por fraude na elaboração de plano de manejo em uma Área de Proteção Ambiental em favor de empresas mineradoras, também não ajudou a melhorar a imagem do governo nesta área. Depois disso foram promulgadas uma série de medidas e decretos, que começaram a minar o ministério de Meio Ambiente, limitando sua capacidade de atuação. Com tudo isso, aumentam exponencialmente os índices de desmatamento na região amazônica; saneamento e gestão de resíduos urbanos não avançam; cresce o uso de agrotóxicos. A situação é muito grave.

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O mercado brasileiro de energias renováveis

Cerca de 60% da energia elétrica no Brasil é de origem renovável, gerada por hidrelétricas. A partir de 2002, depois de uma estiagem que reduziu drasticamente o nível dos reservatórios das hidrelétricas, o governo deu início a um programa de investimentos em energias renováveis, o PROINFA. Este programa, apesar de não ter tido grande êxito, ajudou a atrair a atenção de investidores e fabricantes de equipamentos para o grande potencial do mercado brasileiros de energias renováveis. Em 2017 foram investidos US$ 6,2 bilhões em energias renováveis (10% de crescimento em relação a 2016 e não incluindo as hidrelétricas). Segundo especialistas, a tendência é que em 2018 os números do mercado sejam bastante parecidos aos de 2017, já que o mercado de energia eólica continuou em crescimento e o mercado de energia solar fotovoltaica apresenta gradual crescimento. Somente o setor de energia eólica sozinho, tem planos de investir US$ 20 bilhões até 2020. Este volume de investimentos coloca o Brasil entre os oito maiores investidores em energia renovável, junto com a Alemanha, China, Estados Unidos, Índia, entre outros. Em 2015, ano de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP-21), a matriz energética brasileira já tinha um índice de energia renovável de quase 30%, sem incluir neste cálculo as hidrelétricas. A meta do governo, acordada na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP-21), é chegar aos 45% até 2030. O governo vem se preparando para isso, realizando leilões de compra de energia renovável - eólica, biomassa, solar, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) - desde 2007, tendo realizado 28 leilões entre dezembro de 2007 e novembro de 2015. Além dos leilões o governo dispõe de outros instrumentos para fomentar o mercado das energias eólicas. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferece linhas de financiamento para todas as energias renováveis, a juros mais baixos e prazos mais longos, do que usualmente oferecidos pelos bancos privados no mercado. Para obter tais financiamentos, é preciso que a empresa esteja estabelecida no Brasil, cadastrada junto ao BNDES e atenda regras de conteúdo local (local content) de 60%. Em muitos casos este critério é mais seletivo, dependendo de 8


quais componentes do equipamento são de fabricação local (a ideia por trás deste financiamento é fazer com que cada vez mais componentes de alto valor agregado sejam fabricados localmente). Outro tipo de financiamento, criado em 2013, é o programa INNOVA ENERGIA, que subsidia até 90% dos custos dos projetos de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) nas áreas de smart grids, energias renováveis, veículos híbridos e eficiência energética nos transportes. Em dezembro de 2015 o Ministério das Minas e Energia (MME) lançou o Programa de Geração de Energia Distribuída (ProGD) um plano de estímulo, para atrair investimentos para o setor de energia solar. Através de iniciativas dos governos estaduais, do MME, de órgãos ligados ao ministério, de parcerias com o setor privado e financiamentos do BNDES e Banco do Brasil, o MME pretende direcionar R$ 100 bilhões em investimentos para o setor de energia fotovoltaica até 2030. Além dos financiamentos, o governo também criou isenção de taxas e incentivos fiscais para impulsionar este mercado. As leis 9648/98; 10438/2002; 10762/2003; 11488/2007 e 13097/2015 garantem descontos de pelo menos 50% nas tarifas de transmissão e distribuição de energias renováveis para projetos entre 1 MW e 30 MW. Para as energias renováveis também existe isenção de imposto de importação e ICMS. O Decreto 7660 fixa o imposto de importação para equipamentos relacionados com a energia eólica entre 2% e 10%. Em 2015 a Lei 13097 aprovou isenção de imposto de importação para componentes de turbinas eólicas. Até 2021 todos os equipamentos relacionados com a energia eólica e solar estão isentos do pagamento do ICMS. O mercado brasileiro de energia renovável, apesar da crise econômica que afeta o restante da economia, é um dos poucos mercados em crescimento. Empresas preveem que depois da crise a economia voltará a crescer em um ritmo mais acelerado, o que aumentará a demanda por eletricidade. Outro aspecto é que devido à grande disponibilidade de recursos naturais - vento, sol, biomassa - a geração de energia renovável no Brasil é mais barata, a partir do ponto em que as empresas alcançam ganho de escala. O aprimoramento da tecnologia e da engenharia financeira (financial engineering) fizeram com que os custos caíssem ao longo dos anos. Exemplo disso é o custo da energia eólica, cujo preço de contratação era de R$ 374,00/MWh em 2002, passando para cerca de R$ 181,00 em 2015. 9


Tais fatores fizeram com que grande grupos empresariais nacionais e empresas estrangeiras passassem a investir neste mercado. Uma lista completa das empresas atuando

no

setor

de

energia

eólica

encontra-se

em

http://www.portalabeeolica.org.br/index.php/associados.html. As principais empresas do setor de energia solar estão em: http://www.absolar.org.br/associado. O segmento da biomassa é bastante pulverizado, mas muitas informações podem ser obtidas no site: http://www.biomassabr.com/bio/resultadonoticias.asp?id=2879. O mercado brasileiro de energias renováveis está em desenvolvimento e com isso demanda novas tecnologias. Apesar de muitas empresas estarem já presentes neste mercado, existem oportunidades para empresas especializadas em projetos de médio e pequeno porte; que fazem parte da estratégia futura do governo brasileiro. O setor de equipamentos também tem muitas oportunidades para fabricantes com know-how específico, além dos setores de consultoria e de formação de mão de obra especializada.

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Florestas, biodiversidade e pobreza

A maior parte das áreas de grande diversidade biológica está localizada em florestas e savanas das regiões tropicais. Não por acaso, estes extensos territórios com alta concentração de biodiversidade, estão situados em países onde por fatores históricos, geográficos e econômicos, estas riquezas naturais ficaram relativamente conservadas até as últimas décadas. O difícil acesso e o diminuto interesse econômico que estas regiões despertavam, fez com que se conservassem quase intactos muitos de seus ecossistemas ao longo da evolução da vida na Terra. Este quadro quase idílico, no entanto, começou a mudar depois da Segunda Grande Guerra. A expansão do capitalismo industrial para todos os continentes habitáveis do planeta, incorporou estes países – muitos deles recentemente criados – como consumidores de produtos e supridores de matéria de matérias primas, ao sistema econômico mundial. Crescia a atividade econômica, chegavam os avanços da moderna medicina, como a vacinação e o saneamento, e assim decresciam os índices de mortalidade na infância. Com mais pessoas a serem alimentadas, a agricultura precisava avançar sobre territórios inexplorados, cobertos por florestas e savanas, onde a biodiversidade ainda era alta. Começava assim a destruição das áreas remanescentes de biomas e ecossistemas originais, em áreas tropicais. O processo teve início na década de 1950 e se estende até os dias atuais. Ao longo desses sessenta anos, vastas extensões de floresta foram destruídas, na maior parte dos países da Ásia, África e América Latina. Estima-se que em 1800 a área de florestas tropicais era de cerca de 16 milhões de quilômetros quadrados em todo o planeta. Em 2010 estimava-se que menos da metade dessa área permanecia como floresta intocada, e cerca de um outro quarto sobrevivia como floresta fragmentada e degradada (Jornal da Unicamp de 7/08/2017). Segundo o professor Luiz Marques, livre-docente do departamento de História da IFCH/Unicamp, as florestas tropicais são o lar de 80% de todas as espécies terrestres. Ainda segundo o professor, haveria entre 40 mil e 50 mil espécies diferentes de árvores nas florestas tropicais da Ásia, África e América do Sul. Segundo o docente, dados coletados por satélites em todo o mundo entre 1990 e 2010, mostram um 11


aumento no desflorestamento de 62% na primeira década do milênio. No Brasil o processo de derrubada da floresta vinha diminuindo nos últimos dez anos, mas apresentou considerável crescimento, notadamente no período 2017-2018. Uma rede de 120 cientistas de diversas especialidades e regiões do Brasil elaborou recentemente o Primeiro Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossitêmicos. O trabalho identificou que 40% da cobertura florestal brasileira está concentrada em 400 municípios, nos quais vivem 13% da população mais economicamente carente do país. Estes municípios localizam-se principalmente na região Norte e em parte menor no Centro-Oeste. Estas áreas, apesar de ainda possuírem

cobertura vegetal original considerável, apresentam

índices de

desenvolvimento humano (IDH) bastante baixos. O baixo desenvolvimento econômico e social nessas regiões, classificado pelo relatório como “pobreza verde”, representa uma ameaça à conservação da floresta. A falta de perspectivas de sobrevivência, aliada à ausência de quase todos os serviços oferecidos pelo Estado, faz com que a população se volte para o aproveitamento da única riqueza imediatamente mais disponível: a floresta. Começa assim o ciclo de degradação, que se inicia pela retirada da madeira com algum valor comercial. Em seguida ocorre a derrubada e queima da vegetação, seguida pela agricultura de sobrevivência e pela criação de gado. O solo, que na maior parte da região é pobre, em poucos anos se torna degradado, não sendo mais indicado para a agricultura ou criação de animais. Ao final deste processo, que pode durar alguns anos, a população não tem mais possibilidade de exercer nenhuma atividade econômica baseada na terra, que está esgotada. O passo seguinte é abandonar a região e dirigir-se para outras áreas ainda inexploradas ou se estabelecer na periferia das pequenas cidades da região. A falta de infraestrutura de saneamento, assistência médica e educação, faz com que este processo, do uso incorreto da floresta até a fixação na cidade, aumente a pobreza e o atraso nestas regiões. Outro aspecto é que geralmente a exploração da floresta e sua substituição pela pecuária, não gera benefícios econômicos consideráveis para a região e seus habitantes. A maior parte dos recursos auferidos pelo comércio de madeira e do gado é recebido pelo dono (ou grileiro) da terra e do gado. Os impostos, quando 12


devidamente pagos, pouco beneficiam as prefeituras e, indiretamente, a população local. Findo o processo de derrubada da floresta e exaurimento da terra, nada sobra para a região. Para beneficiar econômica e socialmente estas regiões e suas populações, o relatório propõe uma série de iniciativas baseadas na manutenção da vegetação e a criação de cadeias de produção, com a utilização dos recursos naturais da floresta. “A mensagem principal do diagnóstico é que biodiversidade e serviços ecossistêmicos não podem ser vistos como obstáculos ao progresso”, diz o biólogo Carlos A. Joly, professor de ecologia da Universidade de Campinas e um dos especialistas que participaram na elaboração do documento, em declaração ao jornal Valor. Os países em cujos territórios ainda sobrevivem florestas originais, ainda têm alguns anos para mudar a maneira como vêm utilizando – e destruindo – suas reservas vegetais. Além de repositório de grande biodiversidade e fonte de matérias primas e produtos naturais, estas (ainda) extensas áreas têm um importante papel no equilíbrio do clima do planeta. Seja como grandes sistemas que distribuem considerável parte das chuvas e da umidade, ou como sumidouro de imensos volumes de carbono. Se este gigante processo for afetado consideravelmente pelas atividades humanas, o clima da Terra sofrerá alterações ainda mais rápidas e drásticas.

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Gestão de resíduos e saúde pública

A epidemia do vírus ebola avança na África Ocidental fazendo um número maior de vítimas do que nos surtos anteriores. Aparentemente transmitido por morcegos e macacos contaminados pelo vírus, este se transmite entre humanos através dos fluidos corporais ou objetos infectados. A doença manifesta-se de duas a três semanas depois da contaminação e ao ar livre o microrganismo pode sobreviver durante alguns dias em líquidos ou materiais secos. Em manifestações anteriores a doença estava limitada a regiões isoladas, com poucas estradas, o que ajudou a restringir a área de atuação da epidemia. Atualmente o vírus se manifesta em uma região de fronteira, com estrutura de transporte desenvolvida e grande tráfego de veículos e ônibus, o que facilita a propagação da epidemia. A doença, como toda epidemia virótica, espalha-se de maneira rápida em ajuntamentos humanos: o primeiro paciente, um menino de dois anos, morreu e contaminou irmã, mãe e avó, que faleceram semanas seguintes. Duas pessoas que foram ao funeral da avó, levaram o vírus à sua aldeia. Dali, agentes de saúde que desconheciam a doença espalharam a epidemia por outras cidades. O processo de avanço do ebola já preocupa governos e a Organização Mundial de Saúde (OMS), que em seu site publicou diversas instruções – principalmente direcionadas a controles de fronteira, aeroportos e portos – com referência aos primeiros cuidados com viajantes infectados. No Brasil, desde agosto, os aeroportos e portos estão em alerta e o Ministério da Saúde informou que iria aumentar o nível de atividade de um centro de operações em emergências em saúde. O ministro da Saúde, Arthur Chioro, declarou que “Não há risco, neste momento, de transmissão do ebola no Brasil.” Supondo, no entanto, que em futuro próximo possa aqui chegar – por aeroporto ou porto – algum portador do vírus ebola, convêm estarmos preparados. Além de leitos em hospitais equipados é preciso que objetos e resíduos em contato com o portador da doença também sejam tratados de maneira segura.

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Tal necessidade implica que os aeroportos e portos brasileiros disponham de um sistema de gestão de resíduos, devidamente implantado e preparado para lidar com materiais patogênicos infectados com um vírus de alta periculosidade, como o ebola. Neste aspecto, todavia, os portos e aeroportos brasileiros ainda têm muitas deficiências. O país dispõe de 37 portos públicos, dos quais três fluviais e 34 marítimos, gerenciados por companhias de capital misto, estados e municípios. Com relação à operação, o órgão responsável pelos portos é Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). O sistema aéreo, constituído por 67 aeroportos, 69 agrupamentos de navegação aérea e 51 unidades técnicas de navegação, tem seus serviços administrados pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). A legislação com relação à gestão de resíduos em portos e aeroportos foi elaborada ao longo dos anos pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Os dados mais atualizados sobre a gestão de resíduos em áreas portuárias e aeroportuárias constam do “Diagnóstico de Resíduos Sólidos de Transportes Aéreos a Aquaviários”; um estudo publicado em 2012 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Enquanto muitos aeroportos já dispõem de planos de gestão de resíduos incluindo coleta seletiva, equipamentos (autoclave, incinerador, etc.), áreas de triagem, segregação e destinação em aterro sanitário, a maior parte dos portos ainda não avançou neste tipo de gestão. Ainda segundo o estudo do IPEA, os diferentes portos e aeroportos mostraram distintos graus de organização, além de outros problemas, como: falta de dados sobre volume de resíduos gerados, tipo de resíduos, tratamento e destinação; pouco controle dos planos de gestão já implantados e falta de mão de obra treinada; falta de equipamentos e instalações adequadas. Como parte da Política Nacional de Resíduos Sólidos em vigor desde 2010, aeroportos e portos precisam implantar e aprimorar seus planos de gestão de resíduos. Se, por um lado, ainda há muito por fazer no país para se reduzir o impacto ambiental das atividades portuárias e aeroportuárias, por outro, a correta gestão dos resíduos em tais atividades também é tema de saúde pública.

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Tratamento e consumo de água

A cada ano, no dia 22 de março, celebra-se o Dia Mundial da Água. A data comemorativa foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992, para levantar discussões sobre este precioso recurso com o lançamento do documento "Declaração Universal dos Direitos da Água". O debate sobre este tema nunca é demais, já que grande parte dos recursos hídricos do planeta ainda está sendo desperdiçada e poluída. O quase desaparecimento do mar de Aral na Ásia Central, o rebaixamento do lençol freático em várias regiões do globo, o assoreamento de grandes rios; são sinais de que ainda há muito por fazer na gestão dos recursos hídricos. A água, apesar de ser relativamente comum no universo é rara na forma líquida sobre a superfície dos planetas. A Terra é um dos poucos planetas que abriga grandes quantidades deste elemento: os oceanos contêm 97% da água superficial do planeta; as geleiras e calotas polares têm 2,4%; rios, lagos e lagoas abrigam 0,6%. A água disponível para consumo das espécies vivas, incluindo os humanos, é limitada, mas não insuficiente. Através do ciclo hidrológico o líquido é depurado e redistribuído, atendendo às necessidades dos ecossistemas da Terra. Este processo ocorre desde a formação do planeta, há 4,6 bilhões de anos. Os problemas efetivamente apareceram quando pela ação do homem seu uso se tornou excessivo e a água passou a ser devolvida ao meio ambiente contaminada por elementos orgânicos e inorgânicos, na forma de efluentes e lodos. Nesta situação, o ritmo de depuração natural da água é lento demais para as necessidades de uma civilização perdulária com os recursos naturais e aí começam a aparecer os problemas. Aqui vale lembrar que toda a preocupação com a poluição e a crescente escassez da água em determinadas regiões da Terra, afeta principalmente os seres humanos. Se, por algum acaso, desaparecermos como espécie, o ciclo hidrológico cuidará da despoluição das águas ao longo das eras. Não somos necessários para o funcionamento do planeta. O volume de água disponível na Terra, desde sua origem, permaneceu quase inalterado. Os cientistas afirmam que apesar de toda a contaminação a que é submetida, a água não desaparecerá, mas poderá se tornar cada vez mais poluída e misturada a resíduos sólidos. 16


Este processo fará com que sua limpeza para usos mais nobres se tornará gradualmente mais cara e sua concentração - em lagos, rios e no subsolo – poderá mudar. Por exemplo: a água que se tornou cada vez mais rara no Norte da África nos últimos dez mil anos – seja na forma de precipitação ou no subsolo –, propiciando a formação de um deserto, deslocou-se para outras regiões do planeta, através do ciclo hidrológico. São os fatores climáticos como os ventos e temperatura, associados aos aspectos geográficos (montanhas, oceanos, rios, vegetação), que fortemente influenciam a incidência de chuvas, principal fator no ciclo da água. Este processo de realocação dos recursos hídricos é constante e sujeito a inúmeros aspectos adicionais, que ocorrem ao longo de extensos períodos de tempo, como as radiações solares, a mudança do eixo da Terra, erupções vulcânicas, maremotos, etc. Daí a grande dificuldade de se desenvolver modelos simulados de ciclos hidrológicos de grandes regiões ou longos períodos. O impacto humano sobre os recursos hídricos aumenta junto com o crescimento da população. Se antes a poluição era restrita a áreas habitadas e de atividade agrícola, com o início da industrialização estes aspectos mudam: em 1800 a humanidade atingiu a marca de um bilhão de pessoas, no início da primeira fase da Revolução Industrial. Daí para frente o crescimento populacional aumentou num ritmo cada vez mais rápido: em 1930 o mundo tinha dois bilhões de habitantes; 1960, três bilhões; 1975, quatro bilhões; 1987, cinco bilhões; 1999, seis bilhões e 2012, sete bilhões de pessoas. O crescimento da população só foi possível com uma maior oferta de bens e alimentos, para cuja produção foi necessário mais consumo de água. Os primeiros impactos significativos que os humanos provocaram sobre os recursos hídricos ocorreram com a prática regular da agricultura, que teve início há aproximadamente oito mil anos. Grandes extensões de áreas plantadas, geralmente localizadas em regiões de pouca precipitação pluviométrica (Egito, Suméria e vale do Indo), precisavam ser irrigadas, através da construção de canais. Assim além de descarregar resíduos e efluentes sanitários nos rios, estas culturas também fizeram obras de engenharia que influíam no fluxo regular dos rios e na qualidade de suas águas. Foram estas as civilizações que primeiramente mostraram uma preocupação com a qualidade da água potável. Métodos de melhoria do gosto ou do odor da água potável datam de antes de 4.000 a.C.

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Os documentos mais antigos tratando deste tema foram encontrados em tumbas egípcias e em documentos da antiga Índia, onde um texto médico denominado Sus´ruta Samita, datado de 2.000 a.C., dá instruções sobre o tratamento da água. Os métodos incluem a fervura, aquecimento da água pela luz solar, a colocação de ferro aquecido na água, processos de filtragem com gravetos e areia e mistura de certas sementes ou pedras à água. Nas paredes dos túmulos de Amenophis II e Ramses II, faraós do 15º e 13º séculos a.C. respectivamente, encontram-se desenhos de equipamentos para limpeza da água. Os gregos e romanos também desenvolveram técnicas para purificação, já que os últimos tinham criado sofisticada engenharia para captação e transporte de água através dos aquedutos. As tecnologias de depuração da água não sofreram alterações significativas durante todo o período medieval, até o início da Era Moderna. As pequenas cidades da Idade Média eram abastecidas por água de poços, espalhados pelo perímetro urbano, oferecendo água de relativa qualidade, limitando o surgimento de epidemias provocadas por água contaminada. A partir dos séculos XI-XII, com o aumento da população urbana e a lenta contaminação do subsolo, a disenteria tornou-se doença comum. Causada por bactérias ou amebas e disseminada por alimentos e água contaminada por matéria fecal, a moléstia ceifou dezenas de milhares de vidas, principalmente de crianças, no período. A partir do século XVIII, com o aparecimento das primeiras empresas de fornecimento de água para residências, o processo de filtragem do líquido tornou-se procedimento regular na Europa. Ao longo do século XIX a captação, preparação e distribuição de água tornam-se mais comuns, aliando as novas descobertas na área da medicina – entre outras a descoberta do vibrião do cólera por Koch e os conceitos da microbiologia desenvolvidos por Pasteur – disseminando-se pelas mais importantes cidades da Europa e dos Estados Unidos. Foi somente no início do século XX que os serviços de tratamento de água se popularizaram – pelo menos nos países mais desenvolvidos. No Brasil as primeiras estações de captação e tratamento de água surgiram no final do século XIX e início do século XX, começando pelas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Por volta de 1930 todas as capitais brasileiras possuíam sistemas de tratamento de água. Estes, se não atendiam toda a população, pelo menos forneciam água tratada para as regiões centrais e bairros mais antigos.

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A partir da década de 1940, com o aumento do êxodo rural e o crescimento da demanda por saneamento, surgem as primeiras empresas públicas e autarquias de serviços de tratamento da água. O setor de saneamento – especificamente o tratamento de água – tem um grande impulso a partir do início da década de 1970 com a implantação do Plano Nacional de Saneamento – Planasa. O plano criou as companhias estaduais de saneamento, obrigou os estados a investirem no setor e estabeleceu linhas de crédito com base em recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A década de 1980, também para o setor de saneamento, foi de relativa estagnação, dado o alto endividamento do Estado e as elevadas taxas de inflação. A retomada dos investimentos e a ampliação da infraestrutura do setor só ocorrem a partir da estabilização da economia em 1994, com um aumento dos recursos principalmente com a criação do Plano de Aceleração do Crescimento, em 2007. No entanto mesmo com a criação do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), criado pelo Ministério das Cidades em 2012, e que prevê investimentos de R$ 270 bilhões até 2030, as perspectivas para o setor ainda são incertas. Atualmente, 81% da população do País, cerca de 157 milhões de pessoas, têm abastecimento de água tratada. Os 37 milhões que não são atendidos em suas necessidades básicas de água habitam principalmente a região Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste. Além de deixar de suprir parte considerável da população com água tratada, em média 38% do volume de água tratada são perdidos no sistema de distribuição. Isto sem mencionar que somente 47% do esgoto sanitário são coletados e apenas 38% deste volume coletado é tratado – o que quer dizer que meros 18% do volume total do esgoto gerado no Brasil são tratados. Outro aspecto é quanto à qualidade da água tratada. Segundo dados do Ministério da Saúde, apenas 67% das cidades estão preparados para fiscalizar e avaliar a qualidade da água que sua população consome. Não havendo fiscalização constante, não se conhece a situação da água nas fontes de fornecimento (lagos, rios, nascentes), no tratamento e nem no produto final, distribuído aos consumidores. O problema é grave e já na década de 1960 as autoridades de saúde dos Estados Unidos chegaram à conclusão de que não somente a cor e a presença de patógenos ou produtos químicos deveriam ser os únicos parâmetros na aferição da qualidade da água.

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Nessa época já havia uma série de novos produtos químicos e farmacêuticos, que chegando às fontes de fornecimento acabavam poluindo as águas e não eram eliminados nos sistema de tratamento – mesmo com tecnologias de adsorção em filtros de carvão ativado. Hoje o número de substâncias químicas de todo o tipo, que por vária maneiras chegam às fontes de captação da água para consumo são bem maiores. Em pesquisa realizada pelo Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com a água consumida na Região Metropolitana da Região de Campinas, foi constatada forte presença de interferentes endócrinos, substâncias que se ingeridas por longos períodos podem interferir no funcionamento das glândulas. Durante o período de pesquisa foram encontrados diversos tipos de hormônios e de esteróides derivados do colesterol, produtos de origem farmacêutica e industrial. As concentrações identificadas são em alguns casos mil vezes mais altas do que em países da Europa. Estas substâncias são relacionadas com o aparecimento de diversos tipos de câncer e não são eliminadas pelos sistemas convencionais de tratamento de água em funcionamento no País, segundo especialistas.

Mas

informações

sobre

o

assunto

estão

em

http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/dezembro2006/ju346pag03.html. O tratamento da água com adição de cloro é bastante eficiente em um país onde grande parte das fontes de fornecimento já está contaminada por efluentes domésticos. Isto porque, grandes volumes de efluentes não tratados são descarregados nos rios e lagos, que por sua vez também fornecem água para consumo humano. Assim forma-se o círculo vicioso: a baixa qualidade da água captada faz com que o tratamento se torne cada vez mais caro; e a descarga dos efluentes torna as fontes de fornecimento cada vez mais poluídas, encarecendo seu tratamento para consumo humano. Desta forma sobram poucos recursos para tecnologias de tratamento da água mais avançadas que o cloro ou dióxido de cloro, desinfetantes que não são unanimidade entre os especialistas. Descobriu-se, por exemplo, que certos patógenos de água potável são resistentes ao cloro e podem causar doenças como a hepatite, gastrenterite, criptosporidiose e Mal do Legionário. Nos Estados Unidos, menos de 60% da água para consumo humano têm adição de cloro; e em níveis mais baixos que no Brasil – 4 PPM (parte por milhão) contra cinco PPM no Brasil.

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Na Alemanha e Holanda o elemento só é utilizado em alguns casos, já que as fontes de fornecimento são protegidas e controladas, proporcionando a captação de água de alta qualidade, com pouca necessidade de tratamento. Pesquisas indicam que a exposição prolongada ao cloro pode ocasionar câncer de bexiga, do aparelho digestivo e de mama, devido à tendência do cloro de interagir com compostos orgânicos na água, formando trialometanos (THM) e ácidos haloacéticos (HAA5). O Brasil ainda está engatinhando no que se refere ao tratamento e distribuição de água potável. Em uma primeira fase é preciso atingir algo em torno de 95% de água tratada – mais do que isto é utópico para um país com as dimensões do nosso. Mesmo o sistema alemão, eficiente e descentralizado (operado por cerca de 6.000 empresas concessionárias) não chega a atender 100% da população. Quando alcançaremos esta marca de pessoas abastecidas com água tratada é difícil estimar; talvez em 1020 anos, dependendo de fatores econômicos e sociais. Em uma segunda fase provavelmente seriam implantados sistemas de avaliação e fiscalização das fontes de fornecimento. Para que esta providência seja efetiva, terão que ser reduzidos ou eliminados os níveis de poluição por efluentes domésticos de rios e lagos, que funcionam como fonte de captação de água para consumo. Em uma terceira fase poderiam ser implantados sistemas mais eficientes de tratamento – já em uso em algumas poucas unidades de tratamento – como sistemas de ozonização (O³) e tratamento com raios ultravioleta (UV), que eliminariam a prática da cloração da água. Esta solução provavelmente não será aplicada a todas as unidades de tratamento do país, já que fatores econômicos e características regionais poderão requerer outras tecnologias. Outra possibilidade, possivelmente a mais provável, é que os avanços técnicos citados acima ocorram de maneira diversa, em ritmos de implantação diferentes, nas variadas regiões do País.

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Economia, complexidade e capacidade de resposta à crise

A economia, assim como vários outros sistemas existentes - uma colônia de animais, uma eleição, o clima, a bolsa de valores - são considerados sistemas complexos porque suas propriedades emergentes decorrem principalmente de relações não lineares entre suas partes constitutivas. Estes sistemas são compostos por vários aspectos que interagem entre si, formando uma nova estrutura, que por sua vez incorrerá em novas e mais complexas relações, e assim por diante. Os sistemas complexos não são simplesmente a soma de suas partes, como mecanicismo cartesiano; são muito mais. Não é por outra razão que para se estudar o desenvolvimento destes sistemas são necessários computadores de altíssima potência, processando bilhões de informações por segundo. A crise econômica e financeira por que passa o país terá uma série de consequências, numa cadeia de causa e efeito de resultados imprevisíveis, gerando novos fatos agora ainda imperceptíveis. Sem nos preocuparmos em fazer a genealogia da crise pela qual passa o país - já que esta também tem origens complexas - comecemos pelo fato mais palpável e imediato: a alta da inflação e a consequente ascensão dos juros. A elevação do custo do dinheiro (juros) já se baseia em princípios simplistas, cartesianos, de mera causa e consequência: eleva-se o juros, tornando os empréstimos ao consumidor mais caros, reduz-se o poder de compra, provocando a queda da demanda e, como corolário, os preço das mercadorias. É através deste artifício reducionista que muitos burocratas do Banco Central e do governo esperam, não se sabe depois de quanto tempo, conseguir finalmente a queda dos juros. Fato é que até agora, apesar de doses maciças do amargo remédio, a inflação resiste e até aumenta. Por enquanto, o xarope dos juros altos, além de não surtir efeito no combate da inflação, está minando outras partes da estrutura da economia brasileira. Em sistemas complexos cada providência tem suas consequências. Assim, a queda da demanda provoca a redução do poder de compra. Este gera queda no faturamento das empresas, forçando-as a demitir mão de obra.

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Com o crescimento do desemprego em setores importantes, como o da construção, de serviços e indústria ocorre uma queda ainda maior no consumo, resultando em mais redução da produção e mais dispensas. Em todas as fases deste processo "queda de vendas -> aumento do desemprego -> queda de vendas..." ocorre uma queda na arrecadação de impostos. Sendo assim, o recente aumento de impostos também não deverá surtir o efeito desejado, já que o aumento das alíquotas não compensará a diminuição da base de cálculo. A redução da receita do Estado terá outros impactos na economia, como a falta de recursos para investimentos em infraestrutura: serviços de saneamento, hospitais, escolas, projetos sociais, estrutura logística; isto para ficar apenas no básico elementar. Nem consideramos os cortes que sofrerão os investimentos em ciência, tecnologia e pesquisa (em medicina, agricultura, eletrônica e TI, aeronáutica, energia, etc.), meio ambiente (criação de unidades de conservação, aparelhamento de parques nacionais, implantação de programas diversos) e modernização da máquina administrativa do governo em seus três níveis. As medidas de ajuste ora implantadas são necessárias, pelo menos nos primeiros instantes, para conter a hemorragia do paciente e evitar que a situação do Brasil se agrave. Mas o tratamento para sua definitiva recuperação, implicaria medidas de reforma política do estado, da política econômica e fiscal, além de outras providências gerais de modernização, desburocratização e democratização do acesso aos serviços do Estado. Resta saber se com o capital humano de que dispomos - no Executivo, Legislativo e Judiciário - tal empreitada é passível de ser realizada. Além do esforço mensal de embolsar grandes quantias em dinheiro público a título de salário, auxílios e outras benesses - algumas delas até não oficiais - a contribuição que estes poderes vem dando à causa da República ainda está longe de ser suficiente.

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Estratégias de exploração dos recursos naturais

“Produtividade máxima sustentável e estratégia de exploração por quota fixa e esforço fixo”. Como estas técnicas de exploração procuram extrair produções máximas sustentáveis de populações naturais? O termo “produtividade máxima sustentável” é um termo que relaciona a ecologia com a economia. Trata-se da máxima produção que se pode obter de qualquer produto natural – vegetal ou animal – sem que o ambiente onde ocorra esta produção (extração,

cultura

ou

criação)

seja

prejudicado,

ou

seja,

mantenha

sua

sustentabilidade. Um exemplo interessante nos é dado com o plantio de açaí nativo, feito pela Embrapa. Segundo o estudo vemos que há uma interferência no ambiente natural onde a planta é encontrada. Diz o texto: “Nas áreas destinadas para a produção de frutos, normalmente, são eliminados os estipes de açaizeiro excedentes das touceiras e, também, algumas plantas de outras espécies, com vistas à redução da concorrência por água, luz e nutrientes. Ambos os casos provocam sensíveis alterações nos fatores que afetam a produtividade dessa palmeira. No caso da exploração do palmito, são eliminadas grandes quantidades de estipes de açaizeiro em decorrência da própria atividade.” (Nogueira, 2006). No entanto, vemos que mesmo com esta interferência, é mantida a sustentabilidade do ambiente, segundo afirma e especialista da Embrapa: “O manejo tem sido enfatizado como a forma de garantir a extração sustentada dos recursos naturais. No extrativismo da madeira, pesca e caça, por exemplo, há a preocupação de serem igualadas as taxas de extrações com a capacidade de regeneração. No entanto, a taxa de extração biológica, muitas vezes, não garante a sustentabilidade econômica.” (Nogueira, 2006 – negrito nosso). A grande dificuldade deste tipo de exploração econômica é o número de variáveis com as quais se precisa trabalhar. No caso da plantação de açaí é preciso considerar as taxas de luminosidade para as plantas, área de solo disponível, umidade, espaço, concorrência de outras espécies, etc.

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O termo estratégia de exploração por quota fixa e esforço fixo refere-se à exploração econômica de um ecossistema, do qual se extrai quantias fixas de produto natural. Um exemplo típico é a fixação de cotas de pesca de peixes, caranguejos ou lagostas, durante certos períodos do ano em certas regiões. Não se sabe exatamente como anda, por exemplo, a taxa de reprodução dos caranguejos – é por isso que estes ecossistemas precisam ser constantemente monitorados. A pesca da lagosta no Nordeste, por exemplo, atinge volumes cada vez mais baixos, devido a um histórico de pesca predatória que ainda continua. Além disso, é preciso acompanhar constantemente a tecnologia empregada no processo da pesca, já que a melhoria desta tecnologia pode proporcionar a captura de maiores quantidades de pescado em menos tempo. Atinge-se uma alta produtividade que, todavia, em pouco tempo exaure os recursos naturais – neste caso as lagostas. Estas estratégias de exploração procuram extrair quantidades máximas de populações naturais através de um constante monitoramento das condições do ecossistema que está sendo explorado. No caso do açaí, por exemplo, uma seca pode deixar certos espécimes mais fracos, comprometendo a quantidade de frutos produzidos. O mesmo pode acontecer entre os caranguejos já citados, onde mudanças de temperatura da água podem aumentar ou diminuir o nascimento de fêmeas, o que pode apontar para uma tendência de aumento ou diminuição no nascimento de novos indivíduos no futuro. Trata-se, pois de um tipo de exploração que requer muito cuidado e acompanhamento, com o risco de destruir espécies ou ecossistemas inteiros, dependendo da importância desta espécie explorada na cadeia de alimentação do sistema.

Bibliografia: Nogueira, Oscar L. Sistemas de Produção do Açaí. Embrapa, 2006. Disponível em: <http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Acai/SistemaProducaoA cai_2ed/paginas/sp3.htm> Acesso em 7/06/10 Ecologia aplicada – Aula 4. Disponível em: <https://webserv.dec.uc.pt/weboncampus/getFile.do?tipo=2&id=6598> Acesso em 7/06/10 25


Cresce a preocupação com o clima da Terra

Há alguns anos escrevi um artigo sobre a teoria das mudanças climáticas, no qual comparava a atitude de nossa civilização à do fumante em relação ao cigarro. Este sabe que o fumo faz mal à sua saúde e que, mais cedo o mais tarde, terá que abandonar o vício. A grande maioria dos dependentes consegue largar o vício ao longo da vida, com menores ou maiores prejuízos para a saúde. Alguns, no entanto, por diversas razões, não querem ou não conseguem abandonar o mal hábito e acabam falecendo, direta ou indiretamente por complicações causadas pelo cigarro. Este comportamento, o dos relutantes em deixar o tabaco, parece ser o de nossa civilização pós-industrial, em relação às práticas que estão contribuindo para o aumento de emissões e, consequentemente, da temperatura da atmosfera terrestre. Sabemos, ou pelo menos dispomos de fortes indícios, de que nossas atividades econômicas em seus constituintes – a extração, a produção, a distribuição, o consumo e o descarte – contribuem fortemente para o aquecimento da atmosfera e dos mares. Sabemos, mas mesmo assim pouco ou quase nada fazemos para reduzir este impacto. Existem ainda aqueles que negam a existência das mudanças climáticas ou sua origem antrópica. O fenômeno, caso efetivamente exista, é para eles parte de um processo cíclico – os períodos glaciais e interglaciais – pelo qual regularmente passou o planeta nos últimos 30 milhões de anos e relacionado com a mudança do eixo da Terra. No entanto, dizem os cientistas favoráveis à teoria da origem antrópica do aquecimento global, há apenas cinco chances em 1 milhão, de que o fenômeno esteja ocorrendo de forma natural, sem interferência humana. Outro aspecto é que a ideologia dos indivíduos também influencia sua opinião em relação às mudanças climáticas. Através do site Amazona Mechanic Turk foi recentemente realizada uma pesquisa nos Estados Unidos. Dividiram-se 2.400 participantes em dois grupos com igual número de integrantes; um formado por pessoas politicamente conservadoras e outro por progressistas. Os participantes tinham que prever a direção da curva de um gráfico, que mostrava a evolução do degelo nos polos. 26


Os conservadores opinaram que a tendência da curva seria para baixo, com queda no degelo, enquanto que os progressistas estimaram que a curva mostraria crescimento, ou seja, aumento do degelo. Uma das explicações do resultado da pesquisa, dada pelos organizadores, é de que pessoas conservadoras refletem a noção de que para diminuir a emissão de gases, a atividade econômica deverá sofrerá impedimentos. A pesquisa também concluiu que a comunicação em um contexto social polarizado, como as redes sociais, acaba por fortalecer posições de grupo, contra ou a favor de certo tema. Ainda sobre a influência da ideologia nestas questões, declarou em entrevista à BBC o pesquisador Chris Rapley, da University College London: “Em uma época de populismo de direita generalizado, junto com a rejeição das mensagens que partem das chamadas ‘elites cosmopolitas’ e a negação das mudanças climáticas como uma questão séria, a probabilidade de que uma combinação de fatores necessária para que a humanidade leve o planeta rumo a um ‘estado intermediário aceitável’ é próxima a zero.” Fato é que temos informações e dados suficientes, resultado de pesquisas de centenas de instituições por todo o mundo, apresentando evidências da influência do homem no clima da Terra. No entanto, organizam-se encontros periódicos de cientistas, a ONU promove fóruns reunindo representantes de todas as nações do planeta, e, apesar dessas iniciativas, os avanços na redução das emissões continuam pífios. Sim, porque é disso que se trata: reduzir as emissões de gases que causam o efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO²) e o metano (CH4); fenômeno que provoca o amento da temperatura média do planeta, com todas as suas consequências. Estas já são por demais conhecidas, divulgadas por todas as mídias: derretimento das geleiras, aumento gradual do nível dos oceanos, aumento da quantidade e da força das tempestades tropicais, chuvas torrenciais, secas prolongadas, ondas de calor – além dos impactos sociais e econômicos destes eventos. Mesmo com tudo isso são mínimas, até agora, as iniciativas de redução das emissões.

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Continuamos, assim como o fumante, pensando que ainda temos tempo e que os efeitos danosos de nosso comportamento se farão sentir – se o fizerem – somente em um futuro quase remoto, quando já tivermos mudado nossa maneira de produzir e consumir. Países, políticos, empresas e consumidores, em sua grande maioria, sabem do perigo que corremos, mas não querem ou não podem implantar mudanças a curto prazo. Essa foi, até o momento, a atitude da maior parte dos agentes envolvidos com o tema. Mas os dados e as informações preocupantes chegam a um ritmo cada vez mais rápido. O Fundo Mundial para a Natureza (WWF em inglês) divulgou em outubro de 2018 uma pesquisa na qual informa, entre outras coisas, que a velocidade com a qual as espécies estão desaparecendo é de 100 a 1000 vezes mais rápida do que era antes das atividades humanas alterarem significativamente o planeta, ou seja, antes do século XIX. O mesmo estudo dá conta de que houve um acentuado declínio nas populações de espécies vertebradas, da ordem de 60% em todo o mundo entre 1970 e 2018. Para se recuperar sozinha deste impacto na biodiversidade, a natureza demandaria de um período de cerca de 6 milhões de anos. Como resultado deste crescente impacto a WWF prevê em seu estudo que, a continuar com este ritmo de degradação dos recursos naturais, até 2050 as atividades humanas terão afetado 90% de toda a remanescente área natural do planeta. Na prática, já estamos caminhando nessa direção; a Floresta Amazônica foi destruída em 20% e o Cerrado brasileiro em 50%, no período entre 1970 e 2018. Outro aspecto dessa processo de alteração do planeta é o fenômeno recentemente batizado de “Terra Estufa”. Novas pesquisas têm indicado que a partir de um certo ponto do processo de acúmulo de CO² na atmosfera terrestre, pode ocorrer um descontrole. Nesta situação a temperatura média do planeta, que já se encontra 1ºC acima dos níveis pré-industriais e mantêm aumento de cerca de 0,17ºC a cada década, poderia se elevar de tal maneira, alcançando em poucos séculos os patamares mais altos já registrados nos últimos 1,2 milhão de anos. Os cientistas dizem que estamos subestimando o poder e a sensibilidade dos sistemas naturais.

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Em entrevista à BBC News o pesquisador do instituto de pesquisas Stockholm Resilience Centre, da Suécia, Johan Rockström declarou: “Nós estamos no controle agora, mas se ultrapassarmos os 2º C (de aumento de temperatura da atmosfera) veremos o sistema Terra deixar de ser amigo para se tornar inimigo – colocaremos nosso destino nas mãos de um sistema planetário que está começando a se desequilibrar.” Em início de outubro de 2018, representantes de 130 nações e mais de 50 cientistas de diversas áreas se reuniram em Incheon, na Coréia do Sul, para prepararem um relatório, discutindo as chances do planeta em manter a mudança climática sob controle. Um dos principais objetivos deste trabalho é apontar o quanto os países desconsideraram a questão nos últimos anos e deixaram de cumprir metas acordadas no Acordo de Paris (2015), a fim de conter o aumento da temperatura média do planeta em 1,5º C. Foi consenso geral entre os participantes de que para alcançar o objetivo deverá ocorrer uma reorientação monumental da economia mundial em direção à descarbonização. Assim, em 2030 as emissões mundiais precisarão apresentar uma queda de cerca de 40% em relação a 2010. Em meados do século XXI as emissões deverão ser de praticamente zero. Entre outras coisas tais objetivos significariam a eliminação completa dos veículos movidos a combustível fóssil, a abolição do carvão mineral nas usinas termelétricas e o uso de biocombustível em aviões. Países onde a agropecuária e o desmatamento são os maiores responsáveis pelas emissões de CO² e metano, caso do Brasil, teriam que reduzir suas taxas de emissões nestas áreas para valores bem próximos a zero. A situação é difícil e, segundo José Marengo, climatologista do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) disse em declaração ao jornal Folha de São Paulo, “os tomadores de decisão querem ser o mais realistas o possível, mas sem ser muito negativos para não gerar pânico na população e nos mercados.” No Brasil, especificamente, caso a temperatura média da atmosfera aumente em 2º C, as mudanças do clima poderão reduzir ainda mais a precipitação pluvial no Nordeste, diminuindo o volume de água no rio São Francisco e o potencial de geração de eletricidade. O rio Amazonas também poderá perder até 25% de seu volume de água, o que representaria um grande impacto para a biodiversidade da região e a 29


população local. Na agricultura os efeitos também seriam adversos. A produção de milho cairá se a temperatura estiver acima de 35º C e o limite da soja é de 39º C. Ainda não existem estudos detalhados sobre outras regiões do pais, como por exemplo o interior do estado de São Paulo, um dos maiores polos econômicos do Brasil, que recentemente já enfrentou um longo período de estiagem. Permanece, no entanto, a dúvida. Será desta vez que os governantes, empresários e consumidores efetivamente passarão a se preocupar e ocupar com a questão do clima? É este o comportamento que estaremos vendo, seja na comunidade internacional ou em nosso país? Ou será que devemos partilhar do pessimismo velado da maioria dos especialistas, que já fazem um cômputo do custo social e econômico dos impactos que nos aguardam num futuro próximo? Assim como o fumante inveterado, provavelmente acabaremos vítimas de nosso próprio descuido – neste caso com a saúde do planeta e de nossa civilização.

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Uso e exploração dos oceanos

"A origem da vida está nos mares", diz a ciência. Apesar de ainda não termos uma resposta definitiva sobre como e em que ambiente a vida teria surgido - se é que alguma vez teremos -, permanece válida a ideia lançada por Darwin no século XIX, de que a vida deve ter se originado em um meio aquático, provavelmente em mares rasos e quentes. Assim, a vida na Terra não teria sido possível sem a existência dos oceanos e do ciclo hidrológico. Os mares, todavia, nunca foram o nosso habitat - uma comunidade humana vivendo como a descrita no filme futurista Waterworld (1995), sem qualquer contato com terra firme, muito provavelmente nunca existirá. Os oceanos sempre foram para nós fonte de alimentos e rotas de navegação. Há 60 ou 65 mil anos, povos que habitavam a atual região da Indonésia aproveitaram o baixo nível do mar no período glacial, e, navegando de ilha em ilha, alcançaram a Austrália. Os antepassados dos índios americanos utilizaram a mesma estratégia, viajando da Ásia para o atual Alasca ao longo da costa. Os polinésios, provavelmente o primeiro povo de navegadores de longas distâncias, iniciaram sua grande epopeia de colonização das ilhas do oceano Pacífico há cerca de 3.200 anos. Expandiram-se através de uma região de formato triangular, onde cada lado do triângulo tem aproximadamente 10 mil quilômetros. No norte desta figura situa-se o arquipélago do Havaí, ao sul a Nova Zelândia e a leste a ilha de Páscoa. Um feito memorável, dado o pequeno tamanho das embarcações, a tecnologia primitiva e as imensas distâncias oceânicas a serem vencidas. Na tradição ocidental as proezas dos polinésios somente são comparáveis às Grandes Navegações do século XV e XVI, quando portugueses e espanhóis deram início ao maior deslocamento de produtos, pessoas, animais, plantas, metais, jamais havido na história da humanidade. Este comércio ultramarino aumentou nos europeus o interesse por novos produtos estrangeiros, de todos os tipos. Dois séculos mais tarde, o crescimento da procura por produtos manufaturados, principalmente tecidos, seria atendido com a introdução de máquinas a vapor no processo produtivo. Ao longo do século XIX estes equipamentos evoluíram e se tornaram especializados, permitindo o aumento e a diversificação da produção - grande parte dela transportada através dos oceanos. 31


Antes que se iniciasse o uso de embarcações movidas a vapor, as atividades pesqueiras em grande parte dependiam da força humana. Por isso, a atividade de exploração marinha de maior impacto, entre o século XVI e final do XIX, foi a caça da baleia. Desta se aproveitava a gordura para fabricação de combustível para iluminação, óleo lubrificante, sabão e margarina, além de algumas outras partes do corpo do animal. A pesca do cetáceo, todavia, era rudimentar e perigosa, exigindo aproximação do animal para lançamento do arpão. Ficou famoso na história da literatura ocidental o romance Moby Dick, escrito pelo americano Herman Melville, que conta a história de Ahab, capitão do navio baleeiro Pequod, e sua busca pela baleia Moby Dick, que lhe arrancara uma parte de sua perna. Com a introdução da navegação a vapor, os barcos de pesca passaram a ser equipados com mecanismos que permitiam o uso de redes maiores. A partir do início do século XX os equipamentos a vapor foram gradualmente substituídos por motores movidos a óleo diesel, tornando barcos e navios mais ágeis e capazes de capturar maiores quantidades de pescado. Nas últimas décadas a tecnologia muito contribuiu para o aumento do volume de pescado em todo o mundo. Comunicação via satélite, radares para localização de cardumes, previsões de tempo mais confiáveis; tudo tem contribuído para que países como os Estados Unidos e China formassem as maiores frotas de barcos pesqueiros. O crescimento da população mundial está fazendo com que cada vez mais pessoas dependam de atividades pesqueiras costeiras e oceânicas para suprirem sua demanda por proteínas. No entanto, o volume de peixes e outras espécies capturadas não têm aumentado significativamente nos últimos anos. Especialistas alertam que fatores diversos estão provocando uma gradual queda no volume de pescado. Segundo relatório da FAO (Organização das Nações para Alimentação e Agricultura) publicado em 2015, 90% dos estoques pesqueiros dos oceanos encontram-se sobrepescados ou completamente explorados. 90% dos grandes peixes marinhos, como atum-azul e o espadarte já foram eliminados do oceano pela pesca muitas vezes predatória, como no caso de certas espécies de tubarão, das quais só se aproveita comercialmente as barbatanas. Além da sobrepesca de várias espécies de peixes, outros aspectos têm contribuído para afetar o equilíbrio dos diversos ecossistemas oceânicos. 32


Grande parte do dióxido de carbono (CO²) dissolvido na atmosfera e resultado da queima de combustível fóssil nas atividades econômicas (indústria, transporte, geração de energia, etc.) é incorporada pelo oceano. Dissolvido na água, o dióxido de carbono gera ácido carbônico, o que faz com que os oceanos se tornem cada vez mais ácidos, inviabilizando a reprodução e a sobrevivência de diversas espécies, principalmente daquelas que tem um esqueleto de carbonato de cálcio, como conchas e corais. O aquecimento dos oceanos causado pelas mudanças climáticas está branqueando grande parte dos corais, usualmente bastante coloridos. O fenômeno do branqueamento foi observado pela primeira vez nos anos 1980 na costa da Austrália. Nos últimos vinte anos o fato foi documentado por diversas vezes. Em 2017 foi observado o branqueamento de grandes extensões de corais no sul do Mar da China e na Grande Barreira de Corais, na Austrália. O aumento da temperatura da água faz com que as algas que vivem em simbiose com os corais (formados por inúmeros organismos que vivem em colônias) e que lhes dão o colorido, deixem de fazer a fotossíntese e morram. Por causa disso, os corais ficam sem acesso aos nutrientes fornecidos pelas algas e também morrem. Com a morte dos corais também desaparece um riquíssimo ecossistema formado por peixes (mais de 4.000 espécies de peixes habitam os corais), crustáceos, esponjas, cnidários, moluscos, equinodermos, tartarugas, serpentes do mar e cetáceos, além de uma infinidade desconhecida de bactérias e vírus. Estes complexos ecossistemas espalhados principalmente nos mares tropicais - notadamente no sudeste da Ásia e no Caribe formam uma riquíssima cadeia alimentar, fazendo com que seu desaparecimento represente uma grande perda na história da vida no planeta. Desapareceram da cultura dos povos as histórias sobre mares habitados por monstros, seres mágicos, demônios e maldições, que acompanhavam as tripulações dos primeiros navios de longo percurso do século XV e XVI. Hoje os monstros somos nós e as maldições são trazidas por nossa tecnologia. Rios, sistemas de coleta de efluentes e emissários submarinos carregam grandes quantidades de efluentes para os mares. Esgotos domésticos, resíduos de fertilizantes, nitrogênio e fósforo das atividades agrícolas; é o ambiente propício para proliferação de algas que absorvem o hidrogênio da água, tornando o ambiente inviável para qualquer outro tipo de vida.

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Estas "zonas mortas", segundo estudos, variam em tamanho de dois a quarenta quilômetros quadrados. Em todo o planeta, estas áreas ocupam aproximadamente 160 mil quilômetros quadrados e estão localizadas no Golfo do México, no Mar Negro e Báltico, no Golfo de Bengala e no sudeste da Austrália e da China; basicamente em todas as regiões onde rios que recebem grandes cargas de resíduos de fertilizantes e esgotos domésticos encontram o mar. Algumas regiões da costa brasileira, como a baía da Guanabara e partes do litoral paulista, começam a apresentar o fenômeno. Rios que passam por regiões altamente industrializadas e com grande concentração populacional carregam milhões de toneladas de resíduos, principalmente plástico, para os mares. Ao longo dos últimos trinta anos estes resíduos, levados pelas correntes marinhas, se concentraram em certos pontos dos oceanos, formando verdadeiras ilhas de resíduos plásticos. A maior parte deste lixo tem dimensões menores que cinco centímetros, o que faz com que frequentemente sejam confundidos com alimento, por peixes, tartarugas e aves. Vagando pelos mares em águas internacionais, estas concentrações possuem dezenas de quilômetros e concentram-se principalmente no Pacífico Norte, entre o Japão e os Estados Unidos. Os fatores que afetam a qualidade das águas dos oceanos - e com isso toda a fauna e flora marinha - são variados e tendem a aumentar. Como por exemplo os derramamentos de petróleo dos poços de exploração, lastros e combustíveis de navios e diversos outros produtos e substâncias que secreta e ilegalmente são lançados nos oceanos. O impacto das atividades humanas nos oceanos poderá em futuro próximo, em seus efeitos, se aproximar daqueles de algumas das cinco extinções em massa ocorridas na história da vida na Terra. Apesar de tudo isso, os oceanos ainda continuam sendo os maiores responsáveis pelo equilíbrio climática do planeta. As algas marinhas continuam sendo o "pulmão do mundo", produzindo mais dos 50% de todo o oxigênio disponível no planeta, através de processo de fotossíntese. Mesmo conhecendo somente 5% da área oceânica, sabemos que no futuro seu solo poderá abastecer grande parte da demanda mundial por metais escassos, como o antimônio, a platina, lítio, índio e tântalo, terras raras, entre outros. Além disso, ainda grande parte da fauna e da flora dos mares é desconhecida da ciência.

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A exemplo das florestas tropicais, os oceanos ainda devem guardar grandes quantidades de moléculas, nos tecidos vivos de seus habitantes, que poderão nos ajudar a desenvolver novas substâncias para uso na medicina, na indústria, na eletrônica, etc. As ONU, através da Convenção sobre Diversidade Biológica, estabeleceu as chamadas Metas de Aichi, discutidas e acordadas naquela província japonesa. O acordo prevê a proteção de pelo menos 10% das áreas costeiras e marinhas de cada país signatário até 2020. Desde quando o documento foi assinado em 2010, mais de 14 milhões de quilômetros quadrados de áreas protegidas marinhas foram criadas em todo o mundo. Um dos problemas neste acordo é que muitos países criaram suas áreas de conservação, sem planejar ou implantar ações efetivas de proteção destas reservas. A área do oceano terrestre coberto por unidades de conservação é cerca de 7%, todavia apenas 3,6% são objeto de uma efetiva ação de monitoramento. O Brasil criou recentemente duas grandes áreas de proteção: a Área de Proteção Ambiental Marinha do arquipélago de São Pedro e São Paulo e a Área de Proteção Ambiental Marinha de Trindade e Martin Vaz. Somadas, as áreas sob proteção são uma das maiores do mundo e respectivamente a segunda e terceira maiores no oceano Atlântico, depois da Área de Proteção Marinha das Ilhas Georgia do Sul e Sandwick do Sul, da Inglaterra. Apesar da boa notícia, os especialistas veem com atenção a questão do manejo da área e o controle da zona de exclusão. A repressão à pesca ilegal em região tão remota, a mais de 1.000 quilômetros do litoral é um problema que preocupa, já que o entorno de ambos os arquipélagos é habitado por espécies marinhas raras em perigo de extinção. No estado de São Paulo, por exemplo, a maior parte da zona costeira é considerada Área de Proteção Ambiental há quase uma década. Mesmo assim, ainda não existem regras claras para a ocupação e uso sustentável deste território e o plano de manejo, que deveria ter ficado pronto em 2010 até hoje não foi concluído. Uma coisa, porém é certa. Nosso planeta já passou por cinco grandes extinções e pelo menos uma delas devastou quase 90% da vida marinha. A vida é resiliente e mesmo que nossa civilização venha a destruir grande parte dos oceanos - e provavelmente venha a sucumbir por isso -, a vida continuará o seu curso.

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Em alguns milhões de anos a diversidade biológica terá se recuperado e novas criaturas povoarão os mares.

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Plástico: a grande ameaça aos oceanos

O polímero sintético produzido a partir de derivados de petróleo e conhecido comumente como "plástico" teve seu uso popularizado depois da 2ª Grande Guerra. As pesquisas aumentaram a oferta de diferentes tipos de plástico, o que ampliou bastante seu campo de aplicação. Hoje seu uso se estende aos mais diversos setores da economia - infraestrutura, indústria, lazer e medicina, entre os principais. Dois dos setores da economia que mais se desenvolveram graças à popularização do plástico foram a indústria alimentícia e a de bens de consumo em geral. Atualmente, a economia mundial produz aproximadamente 8,3 bilhões de toneladas de plástico de todos os tipos. Deste volume total, segundo estimativas, 9% são reciclados e 12% são incinerados - em grande parte para geração de energia. Os restantes 79% acabam em aterros, lixões ou, no pior dos casos, diretamente no meio ambiente. Os impactos do plástico ao meio ambiente são inúmeros, desde o entupimento de bueiros e canalizações, poluição de rios e lagos, até a formação de criadouros de mosquitos transmissores de doenças no ambiente urbano. Segundo um estudo elaborado pela ONU e publicado em 2014, os prejuízos ambientais relacionados ao plástico - as externalidades negativas, segundo os economistas excedem os US$ 75 bilhões, dos quais 30% são referentes às emissões de gases de efeito estufa e à poluição durante a fase de produção. No entanto, é nos oceanos que o plástico exerce seu maior impacto ambiental. Em 2010, quando se realizou o até agora mais completo estudo sobre o assunto, já se estimava que aproximadamente oito milhões de toneladas de plástico vão parar nos oceanos anualmente. A maior parte deste volume de detritos não é jogada lá diretamente, mas carregada através dos rios. 90% de todo este plástico, apontam estudos, são jogados nos mares por dez rios: rio Yangtze (China); rio Indo (Paquistão); rio Amarelo (China); rio Hai (China); rio Nilo (Egito); rio Ganges (Índia); rio das Pérolas (China); rio Anum (Gana), rio Níger (Nigéria) e rio Mekong (Vietnã). Provavelmente, se fluísse em direção ao oceano Atlântico o rio Tietê também seria incluído nesta lista.

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Todos estes rios têm algo em comum. Percorrem regiões densamente povoadas (e alguns países), que na maior parte dos casos não dispõem de serviços adequados de coleta de lixo e de reciclagem, aliado ao baixo nível da educação ambiental das populações. Na América Central ocorre um fato que, noticiado recentemente pelo site BBC Brasil, é um exemplo desta situação. O rio Motagua nasce na região Oeste da Guatemala e em seus últimos quilômetros, antes de desembocar no mar do Caribe, faz divisa com Honduras. O rio recebe descargas tão volumosas de lixo, que ao longo da região costeira, tanto da Guatemala quanto de Honduras, se estende uma imensa ilha de embalagens plásticas. Honduras acusa a Guatemala de ser o poluidor do rio porque os municípios guatemaltecos jogam nele seus resíduos. A Guatemala, por sua vez, também não quer assumir toda a culpa. A discussão entre os países continua. O acúmulo de plástico nos oceanos começou a ser percebido como impacto ambiental a partir dos anos 1970. De lá para cá os indícios são cada vez maiores. A maior parte do plástico que vai para os oceanos acaba retornando às praias onde, se não recolhida, o resíduo pode permanecer por várias décadas, até se desfazer. No ambiente natural, os fatores que mais contribuem para a degradação do plástico são a luz do sol, o oxigênio e a água. No entanto, através deste processo de desintegração permanece um resíduo de micro ou nanopartículas do material, que podem causar grandes danos aos organismos. A parte do plástico que, levada pelas correntes não retorna a terra, é muitas vezes confundida com alimento pelas diversas espécies que vivem no mar, causando acidentes no sistema digestivo e respiratório que muitas vezes resultam em morte. Em grandes quantidades e levadas pelas correntes este material se degrada transformando-se em uma "sopa concentrada" de pequenas partículas plásticas de tamanho menor que cinco milímetros. Nas regiões onde ocorre o encontro de correntes marinhas, como no Pacífico Norte, na região do Caribe e na parte Sul dos oceanos Atlântico e Índico, a rotação das águas forma imensas ilhas de plástico, com centenas de quilômetros de extensão. A maior parte destas ilhas não é formada por resíduos grandes, como garrafas e potes de iogurte, mas por partículas que já sofreram um processo de desgaste, de poucos milímetros de tamanho e até menores. Existem evidências de que gradualmente estas partículas micrométricas afundam e juntam ao solo marinho. 38


A maior destas formações até agora avistadas, a Grande Ilha de Lixo do Pacífico possui, segundo fontes talvez exageradas, um tamanho equivalente ao território dos Estados Unidos. O problema está se tornando cada vez mais sério e as consequências a médio e longo prazo são imprevisíveis. É certo que o volume de plástico continuará aumentando cada vez mais e o tempo de degradação do material é relativamente longo, podendo variar de 50 anos, no caso de um copo de isopor, até 600 anos para a linha de pesca. Enquanto isso aumenta a quantidade de plástico finamente dissolvido na água, afetando toda a cadeia alimentar dos mares. Na Inglaterra, por exemplo, já foi constatado que um terço dos peixes capturados tem resíduos de plástico em seus tecidos, na forma de micropartículas. Em dezembro de 2017 mais de 200 países presentes à Assembleia das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em Nairóbi, se comprometeram a reduzir gradualmente o descarte de embalagens plásticas nos oceanos. O problema, no entanto, é bem mais custoso e complicado do que parece, já que envolve a implantação de planos de gestão de resíduos em todos os municípios que tenham alguma ligação com o mar, como vimos acima. O Brasil, segundo um estudo da revista Science de 2015, ocupa o 16º lugar entre os países mais poluidores dos oceanos. A pesquisa levou em conta o número de habitantes dos países vivendo em regiões litorâneas, o tamanho da costa e o nível de desenvolvimento dos programas de gestão de resíduos. É previsto que a partir desse ano (2018) as regiões metropolitanas já comecem a implantar a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Sucessivamente, até 2022, todos os 5.570 municípios brasileiros deverão ter instaurado a política.

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Novas maneiras de incentivar a eficiência energética

Enquanto as economias avançadas envidam cada vez mais esforços para reduzirem o consumo de energia, o Brasil continua preso à ideia de que para crescer é preciso gerar mais energia. A Alemanha, o Japão e os Estados Unidos aumentaram consideravelmente o tamanho de suas economias nas últimas décadas, sem que este crescimento tenha vindo acompanhado de um proporcional aumento da geração de energia; seja eletricidade, calor, vapor, ou trabalho de máquinas. A ênfase dos governos, institutos de pesquisa e empresas destas e de outras nações industrialmente avançadas, é sobre o aumento da eficiência. Para isso são investidos bilhões de euros e dólares, no desenvolvimento e na aplicação de tecnologias que funcionem de maneira mais eficiente. Máquinas mais leves que realizam operações mais precisas; processos inteiros que funcionam com mais velocidade, com menos pontos de perda de energia e quase totalmente automatizados. Lay outs de locais de produção e distribuição de mercados projetados para facilitar o fluxo, a armazenagem e a circulação de produtos e materiais. Uso cada vez mais intensivo da ventilação e iluminação natural. Existem inúmeras providências - muitas delas altamente técnicas - que possibilitam um melhor aproveitamento da energia, seja qual for. No Brasil a preocupação com a eficiência energética se tornou mais acentuada a partir do início dos anos 2000, quando o país passou por uma grande crise de energia elétrica, dado o baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, em função de longos períodos de estiagem. Energias renováveis e eficiência energética tornaram-se temas de debates, publicações e de eventos, já que se converteram em assunto de destaque nas mídias mundiais. Isto porque, grande parte da geração elétrica nos países do Hemisfério Norte era feita com combustíveis fósseis, cujas emissões são causadoras do efeito estufa. Gradualmente o governo brasileiro estabeleceu programas de financiamento (PROINFA) e posteriormente leilões para compra de energia, incluindo a de origem renovável. O mercado da energia eólica, por vantagens técnicas e financeiras, teve um crescimento vertiginoso ao longo dos últimos oito anos, fazendo com que este tipo de energia se tornasse a mais usada dentre as renováveis, depois da hidrelétrica. 40


A energia solar fotovoltaica, a energia da queima de biomassa e biogás, já se preparam para alcançarem desenvolvimento semelhante nos próximos anos. Mas, como dizem os especialistas, a melhor energia é aquela que não foi preciso gerar. Ou seja, não foi necessário fazer qualquer investimento, queimar qualquer combustível, derrubar qualquer floresta ou mudar o curso de um rio. Esta energia não foi gerada e não causou todas estas externalidades, simplesmente porque não era necessária. Mas esta poucas vezes foi a maneira de pensar de nossos governos e de nossos empresários. Assim, a eficiência energética foi sempre relegada a um segundo plano. Em 2010 o Ministério das Minas e Energia em colaboração com a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) elaborou o Plano Nacional de Energia 2030. O documento estabelece, entre outras providências, a meta de poupar 10% da energia consumida projetada para aquele ano, em 2010. À primeira vista, trata-se de uma proposta bastante factível, dados alguns fatos como: - Cerca de 35% da perda de energia elétrica no Brasil já acontece durante a transmissão, geralmente a longas distâncias; - O setor industrial, o maior consumidor de energia em geral na economia brasileira, tem em média uma perda energética de 30%; - O setor de saneamento (tratamento de água e esgoto) também tem uma grande perda de eletricidade por super ou subdimensionamento de equipamentos. Desta forma, os custos de eletricidade representam o segundo item mais importante nas despesas do setor, só ultrapassados pelos gastos com salários; - São inúmeros os potenciais de redução no uso de energia, seja através da ampla implantação de iluminação com LEDs - no setor privado e público -, a substituição de sistemas de ventilação por equipamentos mais modernos, troca de compressores de ar (usados praticamente em todos os segmentos industriais), modernização de sistemas de refrigeração, entre outros. As iniciativas como o PROCEL, apesar de serem bastante abrangentes, incluindo atividades industriais, produtos e edificações, têm alcance ainda limitado, quase não sendo conhecidos - exceção são as linhas de produtos eletrodomésticos. 41


A lei que obriga as distribuidoras de eletricidade a investirem 0,5% da receita anual líquida em projetos de uso racional de energia, alcança apenas 0,08% de economia de energia ao ano. Muito pouco em relação ao que precisa ser feito para que o país possa alcançar suas metas até 2030. Uma proposta recentemente apresentada por Rinaldo Caldeira, pesquisador do IEE/USP, através de uma tese de doutorado, propõe a adoção de um modelo de títulos de eficiência energética, denominados "White Certificates". A ideia é que projetos que efetivamente contribuam para a redução do consumo de energia sejam avaliados e tenham sua redução energética calculada e oficialmente certificada. Por outro lado, o governo ou a ANEEL podem estabelecer um patamar de redução de consumo de energia a ser alcançado pelas empresas (provavelmente setorialmente). No caso de não atingirem suas metas de redução de consumo de energia - estabelecidas antecipadamente pelo governo -, as empresas podriam ser multadas. Eventualmente, os certificados "White Certificates" poderiam ser comercializados e comprados por empresas que ainda não tenham alcançado as reduções de consumo de energia às quais estavam obrigadas. Com o certificado estas empresas compensariam uma eventual multa, já que na contabilidade geral do mercado alcançaram - pelo menos até aquele ponto - as metas que lhes haviam sido estabelecidas. O próprio autor do projeto afirma que tudo ainda é uma proposta, que está sendo apresentada ao MME e à ANEEL. O mecanismo dos "White Certificates" é bastante parecido com o sistema de negociação de créditos de carbono (Certificates of Emission Reduction) muito negociados no início da década de 2000, principalmente por companhias americanas e países europeus. O cálculo do valor destes certificados era feito baseado na quantidade de toneladas de emissões de derivados de petróleo ou equivalentes (tep) capturados ou não emitidos, através de um projeto (reflorestamento, substituição de combustível fóssil, etc.). A tonelada de tep tinha uma cotação no mercado internacional e, desta forma, eram remunerados os certificados gerados pelos projetos. O mecanismo proposto parece ser interessante, mas precisa ser encampado pela ANEEL e MME, além de obter o apoio de instituições como a CNI, a Bolsa de Valores e outros organismos. Mais importante é que estes certificados tenham credibilidade, sendo auditados por auditorias internacionalmente acreditadas. 42


Paralelamente, é necessário que o governo continue com programas de financiamento tecnológico, apoio a projetos, campanhas de esclarecimento e outras iniciativas, visando divulgar a ideia da eficiência energética. Em tempos de "Indústria 4.0" é cada vez mais importante que o país implante a política da eficiência. Esta não só se limita aos recursos energéticos, mas a todos os outros recursos naturais usados nos processo indústrias e no comércio. Eficiência no uso da matéria prima, de insumos, e outros que entrem nestes processos. Quanto menos recursos naturais forem usados, mais serão preservadas as espécies vivas e os ecossistemas. Tudo, afinal, é feito para somente para nossa sobrevivência, já que se desaparecermos a vida continua. Desenvolve outras formas de organismos e vai em frente.

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O ciclo da energia e da matéria através dos organismos

Todos os ecossistema estão estruturados basicamente em três categorias de espécies: 1) Os organismos produtores: aqueles que produzem seu próprio alimento, a partir da energia solar (ou energia química e térmica a exemplo dos organismos extremófilos que vivem em ambientes com altos índices de acidez ou a grandes profundidades no oceano). Nesta categoria estão as plantas, que produzem sua energia a partir da fotossíntese. 2) Os organismos macroconsumidores: os que se alimentam de matéria orgânica, isto é, de outros seres vivos que se situam abaixo deles na escala da alimentação. Nesta categoria situam-se os herbívoros, os carnívoros e os onívoros. 3) Os organismos microconsumidores: aqueles (uni ou pluricelulares) que se alimentam (obtêm sua energia) através da decomposição de matéria orgânica morta ou através do parasitismo (bactérias em intestinos de mamíferos, que ajudam no processo digestivo dos alimentos). O papel dos decompositores é decompor, desfazer, desestruturar as substâncias orgânicas; tenham elas passado por algum nível trófico ou não. Por exemplo, as folhas que caem no chão da floresta e que se não são consumidas pelos insetos, tornam-se alimento para bactérias. Diferente, quando o gado se alimenta de relva; o homem se alimenta da carne de vaca; e o corpo humano, quando morto e decomposto, destina-se à alimentação dos microorganismos. Neste processo de decomposição os organismos decompositores extraem seu alimento (energia) para sua sobrevivência e reprodução, devolvendo à natureza substâncias cada vez mais simples, formadas por moléculas gradualmente mais simples. Da matéria orgânica as bactérias extraem sua energia e liberam metano (CH4) para a atmosfera. Este, por sua vez, depois de queimado, libera CO2, gás que as plantas “respiram” durante o processo de fotossíntese. 44


Caso os decompositores sejam inexistentes, o acúmulo de substâncias orgânicas é cada vez maior. Na ausência de decompositores não há o que chamamos de processo de putrefação. Aconteceria, então, o que sucede com certos corpos colocados ou mortos em locais muito secos ou muito frios, onde quase inexistem os insetos e microorganismos decompositores: um processo de mumificação. Os corpos iriam, aos poucos, perdendo os líquidos e as gorduras, ficando apenas as peles e os ossos (ou os exoesqueletos). A degradação desta matéria orgânica, sem a presença de organismos decompositores, se daria basicamente por processos físico-químicos. Depois de muitos anos, a matéria orgânica se esfacelaria e iria, gradualmente, se transformando em pó. Na ausência de oxigênio (se, por exemplo, soterrado por uma avalanche ou areia trazida por um tsunami) este corpo ou esta matéria orgânica poderia se petrificar (uma possibilidade é que o carbonato de cálcio penetre nos espaços ocupados pelos ossos e outras partes do corpo, formando o fóssil) ou transformar-se em carvão mineral (no caso de plantas) ou petróleo (no caso de microrganismos). As relações energéticas do ecossistema com os organismos decompositores: Luz solar (fornece energia) -> Produtores (plantas absorvem e transforma energia) > Macro consumidores (se alimentam de plantas e entre si, absorvendo energia) -> Micro consumidores (se alimentam de produtores e macro consumidores, absorvendo energia e restituindo as substâncias orgânicas aos seus elementos constituintes principais ATRAVÉS DE PROCESSOS BIOQUÍMICOS, rápidos eficientes) -> Elementos e substâncias químicas (C, H, O2, N, CO2, CH4, etc). Estes elementos, por sua vez, passam a constituir novos organismos produtores e assim são reincorporados à cadeia da vida. As relações energéticas do ecossistema sem os decompositores: Luz solar (fornece energia) -> Produtores (plantas absorvem e transforma energia) > Macro consumidores (se alimentam de plantas e entre si, absorvendo energia). A partir deste ponto não há mais transferência de energia ao ecossistema. Aos poucos, entram em ação processos naturais, abióticos. Processos físico-químicos, lentos e ineficientes a curto prazo 45


Elementos e substâncias químicas (C, H, O2, N, CO2, CH4, etc.) Neste caso parte da energia se dissipa no meio ambiente, sem ser utilizada. Aumenta assim o processo de dissipação (perda) de energia de um ecossistema (aumento da entropia), principalmente pelo fato de que os resíduos não são “desmontados” pelos decompositores. Poderíamos fazer um paralelo com o processo de eutrofização de um lago, onde o excesso de material orgânico (= alimento) propiciou um rápido crescimento dos microrganismos (bactérias), que em seu processo vital acabaram utilizando todo o oxigênio livre na água. Na falta de oxigênio as bactérias morrem e o lago torna-se estagnado, “morto”. Existem várias regiões nos oceanos que passam por esse processo. Por um excesso de substâncias orgânicas e químicas (esgotos domésticos, fertilizantes, etc.) aumenta exponencialmente o volume de bactérias nesta região do oceano, exaurindo todo o oxigênio e liberando dióxido de carbono. Nestas áreas do mar os organismos vivos - mesmo os mais primitivos - são inexistentes. O fato está se tornando um grande problema em regiões do oceano Atlântico na Costa Leste dos Estados Unidos e no Mar da China.

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Turistas e degradação ambiental do litoral

Já faz alguns anos, mudei para o litoral. Cidade pequena e agradável, rodeada por montanhas e de frente para o mar. Ar puro, bem diferente da atmosfera cinzenta de São Paulo. O trabalho não é problema, já que minha principal ferramenta é a internet. Vez ou outra apenas uma reunião de negócios na capital; bate e volta, porque não suporto mais a cidade grande. Algumas vezes, durante o ano, a calma da cidade é interrompida pelos feriados, finais de semana prolongados e férias, principalmente as do verão, quando o afluxo de pessoas é maior. Milhares de turistas põem o pé na estrada e descem para o litoral, abarrotando as cidades e vilarejos dos cerca de 500 quilômetros do litoral paulista. Nos outros estados a situação deve ser igual; mas nem em todo lugar se "desce a Serra", como aqui. Nessas épocas, a população da região litorânea chega a triplicar, até quadruplicar. Durante dias ou semanas, tudo na minha cidade está lotado, com gente saindo pelo ladrão. Padarias, supermercados, farmácias, bares, restaurantes, todos cheios. As principais avenidas congestionadas, já que até pra ir até a adega, a duas quadras de casa, usa-se o carro. Existe prazer maior do que desfilar com seu veículo, símbolo de status social, mostrando a todos - principalmente aos vizinhos - o que o dinheiro pode comprar (mesmo que seja em 60 prestações)? Sob o sol forte e céu azul, as praias transformam-se no principal local de lazer. Praia cheia, por todos os lados. Guarda-sóis, esteiras e barracas montadas por famílias de turistas, debaixo das quais acomodam cadeiras de alumínio e as indefectíveis geladeiras de isopor, repletas de latas de cerveja e, evidentemente, alguns refrigerantes para as crianças. Perto da água, o jovem casal jogando frescobol e no areão a garotada correndo atrás da bola. Sorveteiros, pipoqueiros, vendedores de raspadinha, salgadinhos e até um carrinho vendendo roupas, chapéus e óculos de sol. Perto da água, dezenas, centenas de pessoas caminhando, pra cá e pra lá. Nestas épocas, os sistemas de coleta de lixo da cidade ficam sobrecarregados. A frota de caminhões coletores não consegue dar conta do volume de detritos. 47


Na região central, onde a concentração de pessoas é maior, principalmente à noite, os resíduos jorram das lixeiras - sem contar a grande quantidade de lixo que é jogada na rua, em qualquer lugar, sem qualquer consideração. O mesmo ocorre com os sistemas de transporte público - só existem ônibus e vans -, que já em outros períodos do ano são demorados, e que com o aumento dos usuários ficam sob mais pressão ainda. O incipiente serviço de saúde apresenta a mesma deficiência; emergências lotadas, esperas de horas para consultas urgentes, falta de equipamentos, funcionários... É o quadro da maior parte das cidades brasileiras, mesmo daquelas que por receberem grande número de turistas deveriam estar mais bem equipadas. O que toda esta invasão traz para a cidade? Quais benefícios revertem para a população local? Muito pouco. Algumas centenas de empregos e subempregos no comércio e no setor de serviços, quase todos temporários, por um período máximo que vai de outubro a março. Para os comerciantes e prestadores de serviços, trata-se da época do ano em que se deveria faturar o suficiente para cobrir a temporada das vacas magras, que vai de março a junho e de agosto a novembro. Também é nas férias de verão, ou nas semanas que as antecedem, que aumenta a demanda por serviços de pedreiro, pintor, encanador, faxineiro, jardineiro, corretor imobiliário, e outros: são os turistas preparando suas casas para a família ou para os potenciais locadores. Lojas, hotéis, bares e o comércio em geral fazem reformas e ampliações. E o impacto sobre o ambiente urbano e natural de todo este aumento da população? Muito lixo nas praias, removido diariamente, bem cedo pela manhã, pelos caminhões da prefeitura. Mesmo assim, muita coisa fica pra trás. Embalagens de plástico, papel, fraldas, garrafas e uma série de outros objetos de uso diário, como escovas de dente e cabelo, óculos de sol, restos de brinquedos de plástico, camisinhas, rótulos de produtos e até dentaduras. Às vezes cacos de vidro. Além disso, restos de cordas e linhas de pesca e muito papel higiênico. É comum ver a barraca de uma família armada na praia durante a manhã e na parte da tarde encontrar lixo no local. Alguns, mais "educados" (ou dissimulados) às vezes se dão ao trabalho de enterrar os restos na própria praia.

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As florestas do entorno, atravessadas por estradas com pouco ou nenhum controle da polícia florestal, recebem visitantes que arrancam plantas, cortam árvores e arbustos, fazem fogueiras e depositam ofertas para supostas entidades espirituais. Ao deixarem o local ao final do dia, é comum abandonarem garrafas, restos de comida, latas, embalagens e outros resíduos, profanos e religiosos. Se por um lado é possível constatar que a infraestrutura da cidade não é suficientemente desenvolvida para receber um número tão grande de visitantes, por outro é claro que uma parte considerável dos visitantes ainda não tem educação suficiente para este tipo de turismo. Ainda com relação aos turistas que frequentam a cidade é preciso fazer uma distinção. Existem aqueles que possuem um imóvel na cidade e, por isso, na maior parte dos casos, têm mais preocupação com a limpeza e manutenção da estrutura do município. Outros, não têm qualquer ligação emocional com a terra; são locatários de um imóvel no qual permanecerão por alguns dias ou semanas. Ocorre que parte destes visitantes, não tendo incorporado noções de higiene e civilidade que deveriam ter aprendido desde a infância, pouco se importam com o lixo e outro tipo de sujeira que vão descartando por toda a cidade e seus arredores. É interessante observar que estes poluidores muitas vezes possuem carros novos, até usam roupas de marca. Mas a educação... Nestas situações penso o quanto nosso país ainda precisa evoluir culturalmente até mesmo nas noções básicas de convivência humana. O progresso de um povo não se mede pelo tipo de objetos que compra, pelo tipo de carros que dirige, pelas roupas que veste. Não é só o crescimento econômico, o consumo, a conta bancária. O parâmetro de progresso de uma sociedade é a maneira como se comporta com seus semelhantes e, consequentemente, como trata o meio ambiente urbano e natural. A considerar estes parâmetros ainda estamos muitos anos distantes de um grau de desenvolvimento aceitável.

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Eficiência energética no Brasil

O Brasil não dispõe de dados recentes sobre investimentos realizados em eficiência energética. Uma das dificuldades é o fato de que muitas vezes são tomadas ações que reduzem o consumo de energia - troca de lâmpadas e de motores elétricos, por exemplo - sem que estas providências sejam classificas especificamente como sendo uma ação de eficiência energética. As iniciativas muitas vezes são pontuais, não refletindo uma real preocupação em, de uma maneira planejada e constante, reduzir o consumo de energia do empreendimento ou imóvel. Apesar de já existir informação suficiente disponível e do tema ser bastante atual, ainda mais em tempos de crise econômica quando as empresas precisam reduzir os seus custos, ainda são poucas as iniciativas planejadas de redução do consumo de energia. Alguns fatores, segundo os próprios empresários contribuem para o reduzido número de iniciativas nesta área: a) Instabilidade econômica, com redução de consumo, dificulta o planejamento de um orçamento para investimentos, incluindo projetos de redução de consumo de energia; b) A relativa elasticidade dos preços, mais acentuada em períodos de inflação, permite com que todos os custos sejam incorporados ao preço do produto e do serviço. Assim, eventuais aumentos nas contas de energia, gás e óleo, sejam incluídos na planilha de custo de produção do produto ou execução do serviço; c) A falta de uma efetiva competição na maioria dos mercados da economia brasileira. Por um lado, existem mercados oligopolizados, onde os poucos concorrentes não aumentarão sua participação no mercado reduzindo custos de energia. Nos mercados não oligopolizados, a diferenciação por marca, qualidade, disponibilidade de outros concorrentes (regionais ou nacionais), faz com que uma pequena redução dos custos de produção não faça diferença. Em suma, em segmentos onde os custos de energia não representam um componente importante do produto ou serviço a eficiência energética ainda não é prioridade no planejamento estratégico das empresas. 50


Não é por outra razão que a elaboração de um projeto específico para reduzir o consumo de energia ainda é bastante desconhecido e pouco implantado fora do âmbito das grandes empresas ou empresas cujos processos são eletro intensivos. Na situação atual, projetos de eficiência energética podem incluir, por exemplo: - A compra e distribuição de geladeiras de baixo consumo de energia, feita pelas companhias de distribuição de energia para pessoas de baixo poder aquisitivo. Estas empresas são obrigadas por lei a destinarem 0,25% de seu faturamento a projetos de eficiência energética; - A implantação de placas de energia solar térmica para aquecimento de água usada em processos de produção industrial; - A colocação de painéis de energia solar fotovoltaica para gerar excedente de energia em industrias; - Projetos de iluminação pública com diodos LED, parcialmente financiados pelo Banco Mundial e implementados em médias e pequenas cidades brasileiras; entre outros. Os dados sobre investimentos específicos em eficiência energética mais recentes que identificamos foram elaborados pela Confederação Nacional da Indústria e datam de 2010¹. O potencial total de economia no setor industrial é de 17.271 GWh, o que representa uma economia de cerca de R$ 4 bilhões² (ABESCO, 2014). Abaixo dados elaborados pela Confederação Nacional da Indústria, contendo os investimentos em eficiência energética por região brasileira:

Região

Projetos

Demanda

Energia

evitada

economizada

Investimento (1.000 R$)

kW

(GWh/ano)

Sul

45

4.681

26

6.355

Sudeste

141

67.598

367

107.598

Nordeste

17

12.002

103

16.681

51


Centro-

8

2.006

126

29.358

Norte

6

687

2

1.038

Total

217

86.975

626

161.000

Oeste

Fonte: CNI 2010

Segundo o mesmo levantamento, os setores industrias em que até o momento foram feitos os maiores investimentos em eficiência energética são os que constam da tabela abaixo:

Segmento

Projetos

Custo

de

energia Custo médio

conservada

por projeto

(R$/MWh)

(R$)

Alimentos e bebidas

35

73

361.158

Automotivo

9

109

633.365

Cerâmico

28

151

50.781

Couro

9

89

123.413

Fundição

12

319

46.657

Metalurgia

14

60

428.810

Mineração - Metálicos

5

106

246.648

Outros

44

61

953.116

Papel e Celulose

Químico

9

74

257.637

22

59

1.029.730

55

4.888.238

Siderurgia 12

52


Têxtil

12

103

325.380

Fonte: CNI 2010

A pesquisa do CNI constatou que os setores industriais nos quais foram feitos os maiores investimentos, foram:

Áreas de investimento e economia de eletricidade Área

Custo médio de energia conservada (R$/MW/h)

Cogeração/Recuperação de calor

113

Ar comprimido

108

Inversor

96

Fornos/Caldeiras/Estufas

95

Iluminação

89

Correção de fator de potência

72

Motor

63

Refrigeração frigorífica

53

Bombas

47

Gerenciamento/Automação

39

Fonte: CNI 2010

A partir destes dados é possível determinar um tendência de investimentos futuros, seja por região, ramo industrial e setor industrial. No entanto, um efetivo desenvolvimento do setor só deverá ocorrer quando a economia voltar a crescer, aumentando a demanda por produtos e serviços. Nesse ínterim, no entanto, existem empresas que estão modernizando parte de seu processo de produção, a fim de estarem preparadas para retomada da economia. Esta substituição ou atualização de equipamentos e processos muitas vezes trazem tecnologia energeticamente mais eficientes. Apesar das iniciativas das associações de classe (CNI, SENAI, entre outros), de órgãos do governo (ANEEL, EPE) e da ABESCO (associação que representa as empresas de engenharia e consultoria que atuam na área da eficiência energética) ainda há muito por fazer para que o setor deslanche.

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Uma das maiores barreiras, no entanto, ĂŠ a mentalidade que continua presente na maior parte do governo e do setor privado, de que para crescer o paĂ­s precisa aumentar o consumo de eletricidade e outras energias. Enquanto isso, economias altamente industrializadas como as do JapĂŁo e da Alemanha, seguem reduzindo o consumo de energia por unidade produzida.

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Efluentes domésticos e reuso de água no Brasil

O Brasil é um dos países da América Latina com o menor índice de tratamento de esgoto. Cerca de 55% dos efluentes domésticos são coletados, dos quais efetivamente 40% são tratados (dados de 2014). Os principais aspectos no baixo índice de coleta e tratamento de esgotos domésticos está relacionado aos seguintes principais fatores: a) Aspectos históricos O tratamento e a coleta de esgotos não fazem parte da história do Brasil. Durante o processo de colonização e até o início da industrialização, no final do século XIX, a maior parte das cidades populosas situava-se à beira mar ou rio (Belém, São Luiz, Recife, Salvador, Rio de Janeiro) e os esgotos eram descarregados diretamente nas águas, sem tratamento (o que em parte ainda ocorre atualmente). Com a industrialização e a movimentação de grandes contingentes populacionais para os grandes centros urbanos, que surgiu a real necessidade de implantar sistemas de tratamento de esgoto. As grandes obras de saneamento só foram iniciadas durante os anos 1970, quando o governo militar deu início a projetos de longa duração (construção de rodovias, hidrelétricas e estações de tratamento de esgoto). b) Aspectos político-administrativos A tradição política e a administração pública no Brasil sempre teve objetivos imediatos; projetos de alto impacto e de curta duração, que pudessem ser implantados durante uma administração (quatro anos) municipal ou estadual. Projetos de longo prazo eram raros. Obras de saneamento geralmente requerem prazos mais longos. Por isso, geralmente quando se falava em saneamento, queria se dizer tratamento de água. É impossível abrir novos bairros ou loteamentos sem disponibilidade de água. No entanto, para o esgoto haviam as fossas céticas e a descarga dos efluentes em rios e no mar. Existe também o aspecto de que obras de saneamento, principalmente o tratamento de esgoto, têm custo elevado e não têm impacto político alto. Ficou famoso o bordão de gerações de políticos brasileiros: "Obra enterrada não traz votos!". 55


A Lei da Concessões (1995) permitiu que investidores privados pudessem atuar em serviços públicos (energia, saneamento, transporte), através do investimentos em projetos e posterior exploração dos serviços. A lei abriu uma série de oportunidades, mas aspectos legais ainda impedem que o setor se desenvolva plenamente. c) Aspectos econômico-financeiros Não haviam fontes constantes de financiamento para a construção de grandes obras. Os grandes projetos de saneamento nas regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre) tiveram início nos anos 1990, quando fundos internacionais - como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o alemão KfW (Kreditanstalt für Wiederaufbau) e o japonês JICA (Japan International Cooperation Agency) - estiveram disponíveis para, junto com a contrapartida nacional (fundos estaduais e federais), financiarem grandes obras de saneamento. À mesma época, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e a iniciativa privada - através de projetos BOT (build, operate & transfer) e PPP (parceria público-privada) - também passaram a investir em obras de saneamento. Cidades como Americana, Ribeirão Preto e Jundiaí, transferiram seus serviços de saneamento para o setor privado. Não existem fatores que impeçam o reuso de efluentes tratados no Brasil. Afora a legislação que estabelece determinados padrões de qualidade da água a ser reutilizada - equivalentes aos internacionais - não há impedimentos no reuso do líquido. O que ocorre é que até o momento são poucas as iniciativas para a reutilização de efluentes, principalmente em grande escala. Empresas privadas, dependendo de sua área de atuação já reutilizam seus efluentes no processo produtivo. No setor público o maior projeto nesta área no Brasil é o de reaproveitamento de efluentes na região de Capuava, na grande São Paulo. O projeto é uma parceria entre a SABESP (companhia estatal de saneamento do estado de São Paulo) e a construtora Odebrecht, reciclando 395 milhões de litros de efluentes domésticos por mês. A reutilização de água para outros fins ainda é ideia recente no Brasil, já que os custos da água eram relativamente baixos.

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A indústria e a agricultura até há pouco nada pagavam pelo uso da água de rios e lagos - a lei de pagamento do uso da água é de 1997 e ainda está em fase de implantação pelos Comitês de Bacias Hidrográficas. As estiagens de 2000/2001 e 2014/2015 aumentaram a conscientização em relação à água e forçaram um maior número de empresas a implantarem medidas de reuso e uso eficiente de água/efluentes. De acordo com especialistas, alguns fatores que influenciariam o desenvolvimento deste mercado, seriam: - Não existem impedimento legais/técnicos para reuso de efluentes, afora normas referentes aos padrões de qualidade da água. O maior impedimento continua sendo a relativa facilidade de se obter água limpa a custo razoável, em comparação ao custo da água de reuso; - O mercado demanda tecnologias que barateassem o custo de tratamento de água de reuso; - Dependendo da destinação a ser dada a água de reuso, existe a prevenção em relação à origem do líquido. Um projeto recente da SABESP, utilizando água de reuso para consumo humano - cujo equivalente existe na Califórnia, nos EUA - teve que sofrer alterações, dada a resistência da população. Neste caso, uma campanha de divulgação e esclarecimento pudesse trazer mudança de mentalidade na opinião pública. (Cabe ressaltar que quase todos os rios e lagos cujas águas são usadas para tratamento e posterior consumo humano recebem cargas de efluentes domésticos sem tratamento - caso da represa Guarapiranga e do rio Piracicaba, por exemplo); - Financiamento de projetos públicos e privados de reuso de água/efluentes, desde que tivessem relevância para divulgar o conceito; - Incentivos fiscais e isenção de taxas para projetos.

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Agricultura, fome e desperdício de alimentos

A busca por alimento, como em todos os seres vivos, sempre foi a maior preocupação da humanidade. Nossos antepassados do Paleolítico, ainda desconhecendo a prática da agricultura, dependiam da coleta e, principalmente, da caça. Durante mais de 100 mil anos o homem moderno, o Homo Sapiens, perseguiu manadas de gnus, zebras e antílopes pelas estepes africanas e mamutes, renas e bisões pelas geladas planícies da Eurásia. Aproximadamente há oito mil anos, no final do último período glacial, a caça começa a minguar. Com o aumento da temperatura, o clima começou a mudar e com isso flora e fauna também passam por mudanças adaptativas. Os animais, que por milhares de anos eram abundantes e proporcionavam grandes quantidades de proteína, decresceram em número, deslocaram-se para outras latitudes mais frias ou se tornaram extintos. Nossos antepassados, espalhados por uma extensa área que se estendia da África à Europa e do Oriente Médio à Ásia até a América – onde os antepassados dos povos indígenas já haviam chegado através de uma ponte de gelo cobrindo o estreito de Bering – iniciaram a primeira grande revolução da humanidade: a prática da agricultura. Observando o crescimento de plantas perto dos acampamentos, resultado da queda ocasional de sementes, os homens devem ter percebido que este processo poderia ser repetido em escala mais ampla, gerando volumes maiores de sementes. Nos vales pantanosos à época dos rios Tigre e Eufrates, na região onde atualmente se situam a Turquia, o Iraque e a Síria, a agricultura passou a ser praticada pela primeira vez em larga escala a partir de 5.000 A.C. Cerca de milênio e meio depois, a atividade agrícola já havia se espalhado para outras regiões; como o vale do rio Nilo, no Egito; o vale do rio Amarelo, na China; e o vale do Indo, entre o Paquistão e a Índia. A prática da agricultura se desenvolveu ao longo de toda a história, sempre ocupando novas áreas, acompanhando o crescimento e a expansão das populações humanas. Basta lembrar as extensões de terras agricultáveis que se abriram na Europa, depois que gradualmente os povos celtas, germanos e eslavos foram cristianizados e incorporados ao império romano e depois ao carolíngio.

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Ou no século XVI, quando espanhóis e portugueses descobriram imensas extensões territoriais agricultáveis no outro lado do Atlântico, além de uma grande variedade de novas plantas comestíveis, como a batata, o milho, tomate, abacaxi, abacate, amendoim, baunilha, mandioca, feijão, cacau, pimentas, entre outras. Apesar do constante aumento das áreas plantadas a fome, no entanto, sempre acompanhou a humanidade. Já na Roma antiga, o historiador Tito Lívio nos informa sobre uma grande fome que teria assolado a República romana em 441 A.C. Pouco antes da Queda de Roma (476 D.C.) a história registra mais um período de grande carestia no então império Romano, provocada pelo saque da cidade, pelo rei visigodo Alarico. Entre os anos de 400 e 800, a ausência de uma estrutura políticoadministrativa estável, fez com que grande parte da Europa fosse afetada por períodos de carestia. A situação se tornou tão confusa, que em certas regiões da Europa, durante o século VIII, até ocorreram casos de canibalismo. As ocorrências de grandes carestias sucedem-se durante a Idade Média, em grande número de países. No final da Idade Média, entre 1315 e 1317 ocorreu na Europa o que se passou a chamar de "A Grande Fome". Devido ao excesso de chuvas e frio em diversas regiões, perderam-se colheitas em extensas áreas, o que acabou provocando uma grande fome em todo o Velho Mundo. Milhões de pessoas morreram por falta de comida e em consequência de problemas sociais ligados à carestia, como o aumento de crimes, doenças e de assassinatos. Foi somente a partir de 1322 que a Europa conseguiu, aos poucos, se recuperar do terrível caos social que havia se instalado. Assim, mesmo com grande variedade de alimentos conhecidos a partir das Grandes Navegações – muitos autores falam em uma globalização do consumo de certas plantas, frutos e sementes – grande parte da humanidade ainda continuava a comer mal ou passar fome. O pintor e gravador alemão Albrecht Dürer (1471-1528), pintou em 1498 o famoso quadro “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, representando os maiores terrores da sociedade europeia à época: a peste, a guerra, a fome e a morte. Foi somente a partir da gradual mecanização da agricultura e da utilização de fertilizantes químicos – processo iniciado na primeira metade do século XIX nos Estados Unidos, que já despontavam como grande potência agrícola – que as colheitas se tornaram mais garantidas.

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Mesmo assim, a fome ainda era uma ameaça real para a maior parte da população mundial, provocando grandes fluxos migratórios, principalmente da Europa para as Américas. Uma lista detalhada das principais ondas de fome ocorridas no mundo desde

a

Antiguidade

até

os

dias

atuais

encontra-se

em:

http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_famines. Ainda na década de 1960 a fome era uma preocupação para cientistas, políticos e empresários – além do perigo de uma guerra atômica. O aparente problema da progressão aritmética no aumento da produção de alimentos, frente à progressão geométrica no crescimento populacional, ocupava grande parte das discussões acadêmicas da época. Tomando como base a taxa média anual de crescimento da população mundial naquele período (2,1%), previa-se a explosão de uma bomba populacional. Mantido a taxa de crescimento, a população se multiplicaria oito vezes no espaço de um século, 64 vezes em dois séculos, 512 vezes em três séculos, 4.096 vezes em quatro séculos e 32.768 vezes no espaço de cinco séculos. Isto significava que a população mundial de três bilhões de habitantes em 1960, chegaria a 98 trilhões de habitantes no ano de 2460; um número assustador. Muitos cientistas diziam que as previsões feitas pelo economista e demógrafo Thomas Malthus (1766-1834) em seu "Um ensaio sobre o princípio da população ou uma visão de seus efeitos passados e presentes na felicidade humana, com uma investigação das nossas expectativas quanto à remoção ou mitigação futura dos males que ocasiona” poderiam se concretizar em um futuro próximo. A humanidade cresceria tanto em número, que não haveria mais alimento para todos. Esta foi, inclusive, a principal preocupação das primeiras reuniões do Clube de Roma, em 1968. Felizmente, o ritmo de crescimento da população mundial começou a cair ao longo dos anos, se estabilizando em torno de 1% ao ano nos dias atuais. Mas, não foi esse o principal motivo pelo qual as preocupações do Clube de Roma mudaram o foco do crescimento populacional para o crescimento da poluição. O que provocou uma verdadeira mudança na segurança alimentar mundial foi a introdução da assim chamada “Revolução Verde” na agricultura. A técnica foi desenvolvida nos Estados Unidos pelo agrônomo Norman Borlaug e prevê a mecanização da atividade agrícola, do plantio à colheita, associada ao uso de sementes geneticamente modificadas e insumos industriais (adubos e defensivos químicos).

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A disseminação destas tecnologias em todo o mundo a partir da década de 1970, fez com que as colheitas aumentassem e que o espectro da fome – pelo menos aquele causado por falta de alimentos – desaparecesse ao longo dos últimos trinta anos. Ainda persiste a fome originada por guerras, falta de recursos financeiros ou por especulação; mas esta não tem causas naturais. Resolvido por ora o problema da fome por falta de alimentos para grande parte da humanidade, defrontamo-nos agora com novo desafio: o desperdício de alimentos. Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) dão conta que no mundo são desperdiçados 1,3 bilhões de toneladas de comida ao ano. Um estudo preparado pela entidade, intitulado Global food; waste not; want not (Alimentos globais; não desperdice; não sinta falta), mostra que grande parte dos alimentos em todo o planeta é perdida, principalmente, por condições inadequadas de colheita, transporte e armazenagem; por adoção de padrões visuais muito rígidos para os alimentos (maçãs vermelhas, bananas sem manchas, etc.); e fixação de prazos de validade rigorosos demais. Na Inglaterra, por exemplo, segundo reportagem do site da BBC, cerca de 30% dos legumes, frutas e verduras são sequer colhidos, por não corresponderem aos padrões de aparência que agradam aos consumidores. Outro aspecto apresentado pelo relatório da FAO é que depois de comprados aproximadamente 50% dos alimentos são jogados fora, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. O descarte de tão grande volume de alimentos representa uma perda de aproximadamente 550 bilhões de metros cúbicos de água, usados para produzir estas frutas e vegetais. Adicionalmente, segundo os cientistas, é preciso computar o volume de gases de efeito estufa (CO² e outros) emitidos para a produção e o transporte destes produtos, bem como o volume de metano (CH4) emitido quando de sua decomposição, sem terem sido consumidos. Liderado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), foi criado um movimento mundial, com o objetivo de reduzir as perdas e o desperdício de alimentos. A ideia, que surgiu durante a Rio+20, está sendo divulgada através de um site (www.thinkeatsave.org) no qual constam informações, relatórios, dados, dicas, eventos e iniciativas, sobre como economizar alimentos e evitar o desperdício.

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A ideia já estava em circulação há algum tempo: em 2012 o Parlamento Europeu aprovou uma recomendação para que fosse reduzido o desperdício de alimentos, que naquele ano chegou a 89 milhões de toneladas (equivalente a 179 Kg/ano/pessoa), com uma previsão de aumento para 126 milhões de toneladas até 2020. O Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), é um dos maiores desperdiçadores de alimentos do mundo. Segundo a instituição, 35% de toda a nossa produção alimentícia são jogados fora; algo em torno de 27 milhões de toneladas de comida ao ano. Dados do Instituto Akatu, publicados em 2003, informavam que 64% do que se plantava no País era perdido ao longo da cadeia produtiva: 20% na colheita; 8% no transporte e armazenagem; 15% na indústria de processamento; 1% no varejo; e 20% no processo de preparação dos alimentos e na alimentação. A questão da produção de alimentos é parecida com a da produção de eletricidade. Se ao invés de continuamente aumentar a produção fossem introduzidas medidas de eficiência, o consumo – tanto dos alimentos quanto dos KWhs – seriam otimizados. Reduzindo o desperdício e gerindo o processo de produção, distribuição e consumo de uma maneira mais racional, não haveria necessidade de se fazer tantos investimentos no aumento da produção – seja de alimentos ou de energia. O melhor aproveitamento dos recursos diminuiria a necessidade de aumentar área de plantio e de geração de eletricidade (hidrelétrica), reduzindo o impacto destas atividades ao meio ambiente. Voltamos assim a um dos princípios básicos da economia: os recursos são escassos e precisamos utilizá-los da melhor maneira possível.

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A política da prevenção

No Brasil é conhecido aquele ditado: “depois de estar arrombada a porta, coloca-se a tranca”. A frase é famosa, porque é desta forma que efetivamente as coisas ocorrem. Nossas práticas culturais em grande parte ainda funcionam desta maneira. Ao invés de prevermos eventuais dificuldades que poderemos enfrentar no futuro – e assim tomar medidas de prevenção dos problemas –, geralmente agimos como se nunca algo de desastroso fosse ocorrer. Por causa desta visão simplista, preguiçosa e irresponsável ocorre todo tipo de acidente, como o estouro da barragem de resíduos de mineração em Mariana (2015), o fogo na boate Kiss em Santa Maria (2013), incêndios como o dos edifícios Andraus (1972) e Joelma (1974), em São Paulo; explosões como a que aconteceu em um restaurante no centro Rio de Janeiro (2011), o naufrágio de barcos que a cada ano ocorrem na região amazônica, além dos milhares de mortos em acidentes automobilísticos. Tragédias que refletem falta de previsão do que possa acontecer; ausência de medidas preventivas como a manutenção de equipamentos e o efetivo controle das autoridades responsáveis, a fim de evitar mortes e prejuízos materiais. A raiz desta atitude está provavelmente em nossas origens históricas de país tardiamente industrializado, com órgãos de controle ainda pouco preparados. A incorporação de normas de qualidade, manutenção preventiva e controle de processos; a formação de uma mentalidade voltada para a prevenção de acidentes e prejuízos; são itens de uma cultura ainda pouco disseminada no País. Os órgãos públicos incumbidos do controle ou da manutenção de serviços essenciais – como fornecimento de energia, água, segurança, saúde e transporte, etc., – também não dispõem de tradição de conhecimentos nesta área, com raras exceções. Mesmo entre os consumidores, a ideia da checagem periódica do estado de seus automóveis, instalação elétrica das residências, por exemplo, é prática bastante recente. No mundo industrializado já é parte da cultura empresarial e governamental a prevenção de falhas e acidentes, ou qualquer outro tipo de ocorrência que poderia, desde que detectada com antecedência, ser evitada.

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Isto porque a maior parte das atividades humanas envolvendo o uso de tecnologia – seja na forma de conhecimento ou equipamentos – pode ser acompanhada através de processos de checagem e verificação, identificando o mau funcionamento do sistema, a incipiente capacitação de funcionários, a quebra do equipamento e prevendo as eventuais consequências do problema detectado. Em setores de infraestrutura, onde a correção de qualquer falha estrutural geralmente necessita de tempo, como o fornecimento de eletricidade, gás, água e tratamento de esgoto, as verificações e correções precisam ser realizadas com grande antecedência. Pior ainda quando o problema é extremamente complexo, envolvendo a falta de chuvas ou insuficiente capacidade de geração de eletricidade – aspectos que precisam ser acompanhados desde o início, com providências que possam minorar a gravidade do problema, através de um conjunto de intervenções. No caso das crises energética ou hídrica – às quais estaremos cada vez mais sujeitos por força das mudanças climáticas – o governo precisaria priorizar a introdução de programas de eficiência energética e hídrica, envolvendo o setor da indústria, da construção civil da agricultura e o consumidor final, entre outros. Dado o desenvolvimento do País, já é hora de atuarmos de uma maneira mais sistêmica, avaliando as consequências de nossos programas e projetos, planejando melhor o futuro.

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45 mil anos de impacto ambiental

Atualmente, não há mais dúvidas para a ciência de que o homem, o homo sapiens, vem alterando o ambiente em que vive há centenas de milênios. À medida que a tecnologia se desenvolvia - desde as ferramentas de corte feitas de pedra e o domínio do fogo até a invenção do arco -, o impacto do homem sobre o ambiente foi gradativamente aumentando. No entanto foi com a Revolução Cognitiva, período a partir do qual houve um acelerado desenvolvimento da cultura (tecnologia, religião, arte), ocorrida há cerca de 50 mil anos, que o sapiens consolidou sua posição no topo da cadeia alimentar dos diversos biomas que habitava. A primeira incursão humana para um mundo fora dos continentes africano e eurasiano se deu há aproximadamente 45 mil anos. O historiador israelense Yuval Noah Harari, em sua obra "Sapiens - Uma breve história da humanidade" relata a ocupação da Austrália por humanos vindos de ilhas da Indonésia. Logo depois disso, dados arqueológicos dão conta do rápido desparecimento de diversas espécies de animais, num ritmo além do natural. Cangurus imensos de 200 quilos e dois metros de altura, coalas gigantes, leões marsupiais do tamanho de um tigre moderno, lagartos de 7 metros e até 600 quilos; o diprotodonte, ancestral do vombate que tinha três metros de comprimento e o genyorni, ave carnívora com dois metros e pesando 230 quilos. Todos extintos. Harari diz em seu texto: "Em alguns milhares de anos, virtualmente todos estes gigantes desapareceram. Das 24 espécies animais australianas pesando 50 quilos ou mais, 23 foram extintas." Também há muitos indícios fósseis de grandes queimadas efetuadas pelos primitivos habitantes da ilha, provavelmente para o abate simultâneo de manadas de animais. O eucalipto, raro há 45 mil anos, espalhou-se por todo o continente australiano, pois é muito resistente ao fogo, diferentemente de outras árvores e arbusto que desapareceram. Estudo recentemente publicado na revista "Nature Plants" mostra o impacto das populações humanas, há milhares de anos, em zonas florestais como Sri Lanka, Nova Guiné, Austrália, México e Amazônia brasileira.

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Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo o representante do instituto Max Planck, realizador do estudo, informou que a queima da vegetação era realizada de maneira controlada, de modo a criar áreas abertas, propícias ao crescimento de certas plantas comestíveis e à presença de certos animais. O que de maneira geral a pesquisa indica, é que essas populações, através da experiência, já dominavam técnicas de manejo da vegetação e com isso aumentavam suas chances de obter alimentos. Outro estudo realizado pela Universidade de São Paulo entre 2016 e 2017 também coloca em cheque o conceito de que a floresta amazônica era um ambiente quase intocado até a poucas décadas. A identificação de mais de 400 geoglifos (grandes figuras feitas no solo através da deposição ou remoção de sedimentos) no Acre, atestam a ocupação destas áreas há quatro mil anos, através do manejo da vegetação original. Os pesquisadores descobriram que a mata era substituída por espécies comestíveis, como milho, abóbora e palmeiras. O impacto ambiental de nossa espécie não se limita aos últimos 200 ou 300 anos, com o aumento da população mundial e o advento da industrialização. A ação do homem em seu ambiente tem relação direta com o desenvolvimento tecnológico das sociedades.

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Mais controle na atividade pesqueira

Dois fatos relacionados ao meio ambiente marinho chamam a atenção no início do ano: os protestos contra a proibição da pesca de peixes em extinção e a descoberta de novas espécies marinhas no litoral de São Paulo. Por um lado, a pesca excessiva faz com que peixes como o cação-bico-doce, o mero, o badejo-tigre, o cação-anjo e a raia-viola estejam em desaparecimento. Por outro, cientistas descobrem novas espécies de briozoários (invertebrados que vivem incrustados em rochas e algas, conhecidos como “musgos do mar”) entre Ilha Bela e São Sebastião; região portuária e de grande atividade turística. A descoberta demonstra que além das 1.500 espécies marinhas atualmente conhecidas na costa brasileira, ainda devem existir centenas de outras ainda por descobrir – mesmo em localidades com forte atividade econômica. No entanto, dado o ritmo de exploração das regiões costeiras – através da sobrepesca, aterramento de mangues, descarga de efluentes e descarte de lixo –, muitos animais até hoje desconhecidos podem desaparecer sem que tomemos conhecimento de sua existência. Este é um dos dilemas das ciências que estudam a vida: quantas espécies novas ainda poderão ser pesquisadas em seus ecossistemas, antes que este e seus moradores desapareçam? Para tentar evitar a diminuição e posterior desaparecimento de espécies de peixe como a sardinha, o namorado a garoupa e crustáceos como o camarão-rosa, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) publicou em dezembro de 2014 a Portaria 445, que proíbe a pesca de diversos tipos de espécies marinhas. A medida gerou protestos em muitas partes do país, notadamente em Itajaí, em Santa Catarina, onde pescadores, sentindo-se prejudicados em suas atividades pela portaria, bloquearam a saída do porto de um transatlântico de turismo. Depois do incidente, o governo decidiu criar um grupo de trabalho, formado por membros do MMA e do Ministério da Aquicultura e da Pesca, que através de outras portarias e Notas Informativas fez uma revisão na lista das espécies e no período estabelecido para o defeso (em que é proibido pescar a espécie).

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No Brasil existem mais de um milhão de pessoas que dependem economicamente da atividade pesqueira, que a cada ano captura volumes maiores de pescado para abastecer o crescente mercado consumidor. O excesso de pesca, aliado à utilização de redes de trama fina que não deixam passar os indivíduos pequenos, fazem com os barcos atuem como verdadeiras dragas, carregando tudo que se encontra no fundo do mar. Peixes pequenos ou espécies sem valor comercial são posteriormente descartados, quando estão mortos. Outro aspecto é que a pesca de fêmeas em período de reprodução (quando ocorre o defeso), reduz a possibilidade de procriação da espécie. Todos estes fatores, além dos já citados, poderão contribuir para a diminuição gradual do volume de pescado e eventual desaparecimento das espécies. Segundo o Instituto Chico Mendes (ICMBio) o Brasil tem oficialmente 19 espécies de peixes marinhos ameaçados de extinção. Somente através das atividades econômicas, utilizando os recursos naturais, é possível gerar riquezas. Todavia, a apropriação do recurso natural deve ser feita de tal maneira que possa ser realizada sempre, de uma maneira sustentável. Exaurir os recursos naturais fará com os utilizemos apenas por um curto período, à custa das gerações futuras e das espécies ainda desconhecidas.

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Evolução da questão ambiental

Como jornalista e consultor ambiental venho acompanhado o desenvolvimento do setor da sustentabilidade nos últimos vinte e seis anos. Ao longo deste período pudemos constatar vários avanços, principalmente com relação às questões ambientais urbanas. Se, praticamente até os anos 1970 o tema do meio ambiente era completamente desconhecida do cidadão comum, foi a partir das décadas de 1980 e 1990 que o setor efetivamente tomou impulso com a criação de leis e agências de controle. Outro aspecto é que desde esse período também surgiram as primeiras ONGs ligadas ao meio ambiente e o tema passou a fazer parte da política partidária e da programação das redes de TV. A palavra “sustentabilidade” se tornou comum no nosso vocabulário diário a partir de 1987, quando a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, chefiada pela primeira ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland, publicou um documento intitulado Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório Brundtland. Entre outras coisas, o relatório indicou as diretrizes para o crescimento da economia mundial no futuro: o desenvolvimento sustentável. Este, foi definido pelo documento como sendo “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Ou seja, as atuais gerações não podem impor à economia mundial um ritmo de crescimento que esgote os recursos naturais – solo, água, ar, florestas, mares –, tirando o direito das futuras gerações de disporem da mesma quantidade de recursos. Para evitar a exaustão destes bens, a ONU criou diversos acordos internacionais para reduzir o impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente. Tratado para eliminação dos gases destruidores da camada de ozônio; acordos para proteger a biodiversidade e os mares; para a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, regular o transporte de cargas perigosas; proibir a caça e pesca de certos animais, são muitos. Enfim, existem diversos pactos estabelecidos entre todos os países membros da ONU, com o compromisso de reduzir a exploração excessiva dos recursos do planeta. 69


Pelos noticiários, no entanto, fica evidente que apesar de todos os compromissos assumidos, são diferentes os graus de empenho dos países em reduzirem seus impactos ambientais. Enquanto grandes poluidores, como a China e a Índia, começam a fazer investimentos para reduzirem emissões, há outros países que se tornaram exemplo, como a Alemanha, que até 2020 deverá fechar todas as suas usinas nucleares. O maior consumidor de recursos, os Estados Unidos, apesar dos avanços em diversas áreas, está retrocedendo no controle de suas emissões atmosféricas, por orientação da atual administração. O Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer. Se, por um lado o setor de energias renováveis avança rapidamente com aportes de capital do setor privado, o saneamento, que em grande parte ainda depende de recursos públicos, progride lentamente. Para a maior parte dos governos a preservação dos recursos naturais ainda não é prioridade; por uma série de razões. Cria-se, assim, uma grande expectativa em relação aos novos administradores que assumirão o país em 2019. Enquanto isso, o fenômeno climático evolui, e fica evidente de que não é mais possível separar a gestão da economia da dos recursos naturais.

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Previsão incorreta

A atividade de inteligência de mercado procura reunir informações e dados de um determinado setor e ordená-los de maneira que permitam tirar conclusões. Estas, podem ser de interesse de uma determinada empresa, ou daqueles que de uma maneira mais ampla também têm interesse neste determinado setor. Em outras palavras, baseados em informações e dados de um mercado (e uma série de informações de outros mercados a ele ligados), podemos planejar a estratégia de uma empresa ou inferir o comportamento futuro deste mercado, com margem de erro aceitável. Mas, não é só isso; seria fácil, se tudo fosse tão simples. A economia, como se sabe, é um sistema complexo, definido como aquele cujas propriedades não são uma consequência direta e necessária de seus constituintes, ou seja, seu desenvolvimento não pode ser inferido diretamente do comportamento das partes que o constituem. Assim, a economia – nome genérico de um macro sistema constituído de inúmeros subsistemas – comporta-se geralmente de maneira pouco ou nada previsível, pelo menos para os atuais níveis de conhecimento humano. O mesmo se aplica ao setor da economia que se convencionou chamar de mercado ambiental. Basta tentarmos enumerar alguns subsistemas que o compõem: mercado do saneamento ambiental (tratamento de água e esgoto); mercado de gestão de resíduos (domésticos, hospitalares e industriais); mercado da poluição atmosférica (veicular, industrial entre as principais); preservação, tratamento e descontaminação de solos; reflorestamento e áreas de proteção, entre outros. Imagine-se o número de agentes econômicos envolvidos em todas estas atividades. Além disso, é preciso também considerar que o avanço tecnológico faz com que surjam a cada dia novas demandas e, consequentemente, novos mercados. Em uma primeira avaliação, já é possível estimar que o mercado ambiental está sujeito às mais variadas influencias. Desde a disponibilidade de recursos financeiros por parte de governos e empresas privadas para a implantação de projetos, à aprovação de leis que podem criar demandas tecnológicas ao impedirem determinadas práticas de alto impacto ambiental.

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Da necessidade de cumprir normas técnicas internacionais, no caso de exportadores de determinados produtos, até a identificação de novos fornecedores de matérias primas, extraídas ou fabricadas por processos menos poluentes. Resumidamente, três fatores exercem forte influência em mercados ambientais em desenvolvimento: a) disponibilidade de recursos; b) legislação e normas técnicas; e) desenvolvimento de tecnologias mais eficientes. Disto exposto, é fácil depreender que a tarefa da inteligência de mercado num setor altamente complexo como este não é trabalho fácil. A grande quantidade de elementos que entram em consideração – e a escolha dos que exercem mais ou menos influência no quadro geral – pode confundir as análises e levar a conclusões que mais tarde não se confirmarão. Forma-se uma “hipótese desalinhada” do provável desenvolvimento do mercado, o que faz com que as conclusões da análise teórica também acabem se desencontrando da realidade no futuro. Como exemplo disso, apresentamos uma avaliação do desenvolvimento do mercado brasileiro de tecnologias ambientais que elaboramos em início de 2013. Depois de expor um resumo dos fatores econômicos, sociais e tecnológicos que contribuíram para formar o quadro do mercado à época (2013), mostramos e discutimos alguns dados e números sobre este mercado, dividindo-o nos segmentos de saneamento, gestão de resíduos e controle da poluição atmosférica. Finalizando, baseado em várias informações, dados, previsões setoriais e macroeconômicas das quais dispúnhamos à época, arriscamos construir um quadro do desenvolvimento do mercado brasileiro de tecnologias ambientais, tentando apontar a provável situação futura. Dividimos nossa perspectiva sobre o mercado futuro de tecnologias ambientais no Brasil em três áreas: a) as tendências econômicas; b) as tendências políticas e jurídicas; e c) tendências tecnológicas. a) Tendências econômicas: Na questão das tendências econômicas havíamos previsto um aumento dos investimentos em infraestrutura em função de programas de financiamento como o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e a implantação de legislação reguladora, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). 72


Hoje sabemos que em final de 2013 já se descortinava uma crise econômica no país, que, entre outros efeitos ao longo do tempo, reduziu drasticamente os recursos do governo, diminuindo repasses para o PAC, e, mais especificamente, para o setor de saneamento. Por outro lado, a PNRS, depois de prevista para 2012, teve sua implantação prorrogada para 2018. Mesmo assim, os avanços foram pífios, já que a maior parte dos municípios não dispõe, até o momento, de recursos para dar início às práticas de atendimento da lei. Também havíamos previsto uma maior internacionalização da cadeia produtiva brasileira, através do aporte de investimentos estrangeiros e o crescimento das exportações, o que provocaria um aumento da capacidade produtiva e, consequentemente, o aumento dos investimentos em meio ambiente. O que efetivamente ocorreu é que a cadeia produtiva local se internacionalizou em parte de outra forma. Assim, parte das empresas deixaram de fabricar no Brasil e passaram a licenciar fabricantes chineses. Isto ocorreu de maneira acentuada na indústria autopeças, que fechou muitas de suas unidades de produção e passou a comprar de fabricantes da China, apondo sua marca aos produtos. Em consequência do aumento do padrão econômico médio da população, havíamos previsto o aumento das exigências dos consumidores em relação aos produtos, inclusive no que se refere aos aspectos de sustentabilidade. O que ocorreu, como sabemos, é que o padrão econômico da maior parte da população caiu visivelmente e as exigências dos consumidores se limitaram ao preço do produto. b) Tendências políticas e jurídicas: No aspecto das tendências políticas e jurídicas havíamos previsto que os novos governos dariam mais importância às questões ambientais. Neste quesito o que ocorreu é que a presidente foi reeleita e continuou a manter a mesma orientação de seu primeiro governo, com relação à estratégia na área ambiental. A agravante em seu segundo mandato foi a redução de verbas para o Ministério de Meio Ambiente (entre outros), fato que se acentuou ainda mais quando assumiu o vice-presidente Temer, depois do impedimento de Dilma Rousseff. Outro aspecto que havíamos previsto com relação às tendências econômicas e jurídicas foi a pressão que exerceriam os acordos internacionais e as barreias não 73


alfandegárias instituídas por países e blocos econômicos. Todavia, a dinâmica internacional das negociações dos acordos ambientais foi diferente, principalmente com a eleições de Trump e suas consequências na atuação dos Estados Unidos no cenário internacional da proteção ambiental. Como sabemos, internamente o presidente Trump cancelou diversos programas ambientais implantados por seu antecessor, e a nível internacional abandonou o Acordo Mundial sobre o Clima. Também havíamos considerado que uma maior atividade econômica levaria, muito provavelmente, a uma melhor aplicação da legislação ambiental por parte das agências controladoras. A retração da economia, no entanto, levou a uma menor atividade produtiva, menor arrecadação de impostos e, assim, a uma diminuição dos recursos direcionados para as agências controladoras e reguladoras. c) Tendências tecnológicas: Na nossa previsão de uma economia em crescimento acelerado, antevíamos uma crescente concorrência interna e externa por recursos e insumos. Esta rivalidade levaria a uma necessidade de otimizar processos produtivos para uso mais eficiente do input, de modo a colocar produtos com preços mais competitivos nos mercados. A melhoria dos processos teria um impacto ambiental bastante positivo, reduzindo emissões em geral e aumentando a demanda por tecnologias ambientais. O crescimento das energias renováveis, que também havíamos previsto como tendência tecnológica, foi praticamente a única de nosso estudo que se concretizou. Primeiramente a energia eólica e, a partir de 2017, a energia solar; ambas mostraram um rápido crescimento que só tende a aumentar. Interessante observar que os leilões de energia – através dos quais também se compra energia eólica e solar – são organizados pelo governo, mas financiados exclusivamente pelo setor privado nacional e internacional. Planejamento, construção, operação e financiamento; tudo está a cargo da iniciativa privada, sem depender de recursos do Estado. Por último, havíamos apostado que empresas locais, colocadas numa situação de competição dado o crescimento da economia, demandariam tecnologias mais eficientes, o que teria como consequência o aumento na procura por equipamentos e serviços ambientais. Todavia, a crise econômica na qual o país afundou, fez com que projetos de ampliação ou retrofit de unidades de produção fossem postergados. 74


Concluindo: No caso de nossa análise, a “hipótese desalinhada” do provável desenvolvimento do mercado – fazendo com que as conclusões da análise teórica também acabassem se desencontrando da realidade no futuro - foi, principalmente, não termos considerado a crise que se abateria sobre a economia brasileira, principalmente a partir de 2014 – e cujas nuvens escuras ainda eram pouco visíveis no horizonte em início de 2013. Se àquela época já se previa um crise, sua profundidade e extensão ainda não era antevista pela maior parte dos economistas. Assim, um colapso econômico de proporções extraordinárias, fez com que nossas previsões sobre o futuro do mercado de tecnologias ambientais extrapolasse completamente a “margem de erro aceitável”, mencionada no início deste artigo.

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Origem e transformação dos materiais

Poucas vezes pensamos acerca das origens dos produtos e dos materiais que utilizamos diariamente em nossas atividades. Não sou químico nem físico, mas como leigo interessado no tema sei que qualquer produto é formado por um ou mais materiais, que para existirem precisaram sofrer um processo de transformação. Esta transformação físico-química pode ser de dois tipos: a natural e a produzida pelo homem. O petróleo é um exemplo de transformação natural. Esta substância oleosa, com cor variando do castanho claro, passando pelo marrom até o preto, altamente inflamável, extraída a grandes profundidades, é constituída pelos corpos de inúmeros microrganismos, submetido a pressões altíssimas, na ausência de oxigênio durante milhões de anos. Depois de extraído, o petróleo é submetido a um processo de transformação artificial, executado pelo homem com sua tecnologia. O petróleo cru passa por uma destilação fracionada (basicamente um aquecimento a temperaturas crescentes) do qual resultam substâncias como: éter, benzina, nafta, gasolina, querosene, óleo diesel, óleos lubrificantes, asfalto, piche, coque, parafina e vaselina; todos extraídos em uma determinada faixa de temperaturas. A partir da nafta são fabricadas matérias primas para plásticos PVC e poliuretano. De outros derivados fabricam-se detergentes líquidos, defensivos agrícolas, produtos de higiene, cosméticos, tecidos, remédios e até produtos para alimentos. Todo o processo começou há milhões de anos, quando um terremoto ou outro fenômeno natural soterrou o fundo do oceano, cobrindo bilhões de carcaças de pequenos organismos. Sob o ponto de vista da química ocorreu apenas um processo de rearranjo e perda de átomos formando novas moléculas, eventualmente com liberação de energia. É desta maneira que surgem os diversos materiais dos quais nos utilizamos; seja através da extração direta da natureza (mineração) ou através de processamento físico-químico. O problema inerente a tudo isso é que essa transformação - do minério em ferro ou aço; da argila em cerâmica, do gás natural em metanol até os solventes demanda grandes quantidades de energia, seja na forma de eletricidade ou calor. Outro aspecto é que todos os processos de produção geram grandes quantidades de resíduos, muitos dos quais com custo altíssimo de reaproveitamento. 76


O que então ocorre é que estes restos de materiais são incinerados ou depositados em aterros especiais, destinados a produtos com alguma periculosidade. Quando os resíduos do processo produtivo não são dispostos de modo correto, terminam poluindo o ambiente - as ruas, terrenos baldios, aterros clandestinos, áreas desabitadas e às vezes cobertas de vegetação original. Dependendo da toxicidade destes resíduos (ou refugos), o material contamina os lençóis freáticos, poluindo águas de nascentes, poços, rios e lagos. O grande desafio da indústria continua sendo como aproveitar da melhor maneira possível todas as matérias primas e insumos que entram no processo produtivo. Quanto mais resíduo a indústria - química, automobilística, de alimentos, de bebidas, de embalagens, etc. - gerar em sua produção, mais material estará perdendo, principalmente se ao final a sobra for jogada fora. O planejamento da produção e da distribuição diminui a poluição e reduz o desperdício dos recursos naturais.

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Lucrécio e o consumo

Escrevia o poeta e filósofo romano Lucrécio (99 a.C-55 a.C) que “nada vem do nada e nada acaba em nada”, referindo-se ao fluxo do universo; a energia a matéria e a vida. Este mesmo princípio, se pensarmos bem, também se aplica perfeitamente ao nosso mundo humano: a economia, com todos os seus fluxos de matérias primas, insumos, energia e produtos. Podemos não nos dar conta disso, mas todo e qualquer produto tem uma origem anterior e mesmo depois de descartado não desaparece. O sapato, por exemplo; se é um produto de qualidade, é feito de couro. O couro geralmente é extraído do gado bovino, que precisa se alimentar e crescer em áreas de pasto e com ração. A área de pastagem em alguma época passada já foi área de floresta ou cerrado, removida para dar lugar à criação. A ração é principalmente produto da mistura de capins, silagens e farelos, plantados em terrenos que originalmente também foram ocupados por algum tipo de ecossistema natural. Assim, para obter a principal matéria prima do sapato, os homens tiveram que ocupar e alterar o espaço natural. O passo seguinte, depois da extração, é a preparação do couro, o curtimento. Para isso também são necessários produtos químicos de origem vegetal, como o tanino, ou mineral, como o cromo. Tanto para a produção do tanino, extraído principalmente da casca do carvalho, quanto para a extração de cromo na forma mineral, é necessário agredir o ambiente original, seja pela agricultura ou mineração. Além disso, o processo de curtição do couro demanda grandes volumes de água e gera efluentes altamente tóxicos. Não podemos nos esquecer de que muitos sapatos têm sola de borracha, o que implica falar sobre mais outro segmento industrial e seus impactos ambientais, o que não faremos no momento. Pronto o sapato, este é distribuído para as lojas, geralmente por via rodoviária. Os caminhões operam com diesel e ainda têm motores relativamente poluentes, emitindo grandes quantidades de CO² e outros gases causadores das mudanças climáticas. Também precisamos considerar o fato de que para comprar o par de sapatos, o consumidor necessita se deslocar – geralmente com seu próprio carro – e assim também contribuiu com emissões de gases poluentes. 78


Depois de alguns meses ou até anos, dependendo da frequência do uso e da qualidade do produto, o sapato está gasto – nem o sapateiro pode ajudar mais. Geralmente o destino do calçado é o lixo e dali para um aterro sanitário, onde levará em média 50 anos até que se decomponha. Esta é uma descrição bastante simplificada dos impactos ambientais que ocorrem na produção de um par de sapatos. As matérias primas e insumos têm sua origem na natureza. Estas, somadas à energia dos derivados de petróleo, à eletricidade de hidrelétricas e ao trabalho humano físico e mental, formam os bens e serviços necessários à nossa sobrevivência. Este processo ocorre e se repetirá por bilhões de vezes com os produtos e serviços que diariamente são consumidos pela humanidade, até que acabem as matérias primas, a fertilidade dos solos, a disponibilidade de água, as fontes de energia e outros insumos. Quanto a isso, Lucrécio também escreveu: “Para quem vive segundo os verdadeiros princípios, / a grande riqueza seria viver com pouco, / serenamente: o que é pouco nunca é escasso.

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Herbicidas e impasse na agricultura

As ervas daninhas são espécies vegetais diferentes das cultivadas e com elas competem pela luz, água, solo e adubo, comprometendo parte ou toda a colheita da espécie cultivada. Estas ervas aparecem de diversas maneiras: podem estar inertes no solo aguardando condições propícias para germinar ou ter suas sementes trazidas por pássaros, pelo vento ou pela água; por vezes chegam misturadas às sementes a serem plantadas ou podem ser espalhadas por pessoas, animais ou equipamentos (tratores, colheitadeiras) em seu deslocamento. Enfim, é muito difícil encontrar uma cultura sem nenhum tipo de erva daninha. O método mais antigo de combate às ervas daninhas era a associação da capina com a monda - o arranque manual. Esta situação persistiu até quando os primeiros cultivadores de tração animal e depois mecânica passaram a ser usados na agricultura. No início do século XX tem início a utilização de substâncias químicas, mais tarde classificadas como herbicidas, no combate às ervas daninhas. Nessa época, pesquisadores nos Estados Unidos, na França e na Alemanha, começaram usando sais de cobre e depois o ácido sulfúrico para o combate destas intrusas. O primeiro marco no uso moderno de um produto químico para estes fins na agricultura ocorreu em 1941, como a síntese do 2,4 D, o ácido 2,4 diclorofenoxiacético, posteriormente. Nos anos 1960 e 1970 com o surgimento da Revolução Verde, que visava aumentar a produção agrícola através da mecanização, adubação química, seleção de sementes e uso de pesticidas (inseticidas, fungicidas e herbicidas), o combate às ervas daninhas se tornou mais eficiente. A fórmula deu tão certo que a monocultura intensiva expandiu-se rapidamente em países com amplas extensões de terra ainda agricultáveis, como o Brasil, Estados Unidos, Argentina, Austrália e Índia, entre outros. O principal objetivo, lançado pela ONU, era aumentar a produção de alimentos para fazer frente ao rápido crescimento da população mundial, principalmente nos países pobres, depois da 2ª Grande Guerra. A grande demanda por produtos para a agricultura fez com que grandes empresas do setor químico desenvolvesse novas herbicidas, que durante décadas se mostraram bastante eficazes. 80


No entanto, ao longo dos anos, diversas espécies de ervas daninhas foram adquirindo resistência aos produtos químicos. Segundo a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o problema é mundial. 252 ervas daninhas já se tornaram tolerantes a herbicidas atingindo 92 culturas agrícolas, semeadas em 69 países (jornal Valor de 3/11/2017). No Brasil, as espécies que são imunes aos herbicidas são: a buva, o capim-amargoso, azevem, capim-pé-de-galinha, cloris e caruru. O problema já está provocando o aumento nas despesas de produção de diversas commodities agrícolas, como a soja, por exemplo, cujo custo poderá mais que triplicar, devido as necessidade de maior uso de herbicidas e da queda da produtividade. O fenômeno é mundial, tendo sido identificado em diversos países a partir dos anos 1990. Junto com o já conhecido impacto ambiental dos herbicidas, representa um dos maiores desafios do setor agrícola. Agora, a maior preocupação de organismos internacionais e governos é saber em que velocidade mais de ervas daninhas se tornarão imunes aos herbicidas atualmente disponíveis e qual será o impacto disso na produção de alimentos.

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Do universo ao ambiente

A ciência que estuda o surgimento e a evolução do universo, a cosmologia, avançou muito nos últimos 30 anos. Se antes já havia fortes indícios de que o universo teria surgido através de uma imensa explosão - apelidada de "big bang" -, novas teorias dos anos 1980 consolidaram cada vez mais esta visão científica. A elaboração destas teorias é trabalho multidisciplinar, no qual conhecimentos das diversas áreas - física, química, astronomia - contribuem para formar uma visão coerente da evolução do universo em suas primeiras centenas de milhões de anos. Importante lembrar que tais especulações não são respostas definitivas sobre um tema tão complexo e que a cada ano surgem novas descobertas, que podem colocar em cheque todas as teses anteriormente aceitas. Ultimamente, por exemplo, vem ganhando adeptos a teoria dos multiversos, teorizando sobre a existência de inúmeros universos em paralelo ao nosso. Mas isso é outra história. Resumidamente, em relação ao nosso universo, os cientistas em sua maioria aceitam que este surgiu há cerca de 13,7 bilhões de anos. A partir de um ponto minúsculo que concentrava toda a energia e matéria atualmente existentes, o universo explodiu e se expandiu rapidamente. Durante o processo de expansão a matéria foi esfriando, permitindo o aparecimento dos primeiros átomos e elementos químicos. O hidrogênio e o hélio - elementos mais abundantes no universo - se agregaram em grandes quantidades a altíssimas pressões e formaram a primeira geração de estrelas e galáxias. Posteriormente, com a explosão das estrelas, surgiram outros elementos químicos mais pesados, que contribuíram para o aparecimento dos planetas, satélites e outros corpos celestes. Em um planeta específico - pelo menos de acordo com o estado atual dos nossos conhecimentos - surgiu a vida como a conhecemos. A teoria da evolução do universo também prevê que este terá um fim. De acordo com a hipótese mais recente, que leva em consideração a descoberta da energia e da matéria escura (sobre as quais não falaremos aqui), tudo indica que o universo se expandirá indefinidamente, até perder a energia e dissolver toda matéria. Os cientistas não estabelecem tempo para que isso ocorra; dezenas, centenas de bilhões de anos ou trilhões de anos, como conjecturam alguns. Um tempo inimaginável em padrões humanos, mas finito. O nosso universo, segundo a ciência, terá um fim. 82


Voltemos agora à Terra, onde nós e todas as outras espécies de seres vivos nascemos e vivemos - a maioria já definitivamente extinta. A vida surgiu há cerca de 3,5 bilhões de anos; os primeiros organismos pluricelulares apareceram há 700 milhões de anos; o homem moderno há 200 mil. A civilização organizada surgiu há menos de 10 mil anos; a escrita há seis mil e a ciência moderna tem pouco mais de 400 anos. Somos a única espécie viva na Terra e no universo (ao que saibamos) que tem a capacidade de alterar o ambiente em que vive e de prever, com razoável probabilidade de acerto, o resultado destas ações. Talvez, sob esta perspectiva mais ampla, a humanidade se dê conta da gravidade de nossas ações em relação ao meio ambiente e da importância em protegermos e mantermos os recursos naturais sob todas as formas: espécies vivas, ecossistemas, biomas e ambiente físico; incluindo mares, rios, montanhas, desertos, planícies e tudo mais. A Terra e o universo não foram feitos para o homem, como se supunha no passado. Este surgiu provavelmente por acaso na história da vida, como filho da Terra e do universo, junto com milhões de outras espécies. Temos o privilégio de olhar e interpretar o universo. Como já escreveu outro autor: "O homem é o universo olhando para si mesmo".

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Ecossistemas e complexidade

Um ecossistema, assim como outros sistemas dinâmicos, é considerado um sistema complexo. Uma eleição, a economia de um país, o clima de certa região e o ecossistema de uma ilha, por exemplo, são sistemas complexos, porque seus diferentes estados ao longo do tempo decorrem de relações imprevisíveis entre suas partes constitutivas. Sistemas complexos são compostos por vários aspectos que interagem entre si, formando uma nova estrutura, que por sua vez construirá novas e mais complexas relações, e assim por diante. Os sistemas complexos não são simplesmente a soma da atuação de suas partes, como um relógio ou um motor; são muito mais complicados. Não é por outra razão que para se estudar o desenvolvimento destes sistemas, são necessários computadores de altíssima potência, processando bilhões de informações por segundo. Quando uma extensa área de floresta ou de campo é destruída e substituída pela atividade agrícola ou simplesmente degradada, a supressão do ecossistema original provocará diversas consequências, numa cadeia de causa e efeito de resultados imprevisíveis, gerando novos fatos agora ainda imperceptíveis. Geólogos podem antever mudanças na constituição do solo, com o gradual desaparecimento de certos minerais que eram liberados no solo pelas raízes de um tipo de planta, suprimida pelo desmatamento. Hidrogeólogos poderão prever menor disponibilidade de água no subsolo, já que esta era retida pelas raízes dos milhares de árvores e arbustos derrubados. Biólogos, além de observarem menor presença de insetos polinizadores - besouros, abelhas, borboletas, vespas e moscas - identificarão um solo mais pobre em microrganismos, menos fértil. Todos estes aspectos irão interagir entre si e criarão um novo ambiente. Este novo ambiente, se usado para a agricultura, será submetido a soluções lineares e mecanicistas - preparação do solo para o plantio, semeadura, adubação, irrigação, aplicação de herbicidas e inseticidas. São intervenções que atacam apenas alguns pontos do sistema de plantio, como suprir alimento e água e afastar eventuais concorrentes e predadores; mas sem conseguir aprofundar a interação entre seus elementos originais, como acontecia no ecossistema original. 84


Um dos aspectos a observar neste caso é que a vegetação original, que ocupava a área, era um sistema com milhares, talvez milhões de anos de interação entre seus membros e outros elementos (solo, água, clima). A cada mudança de condições enchentes e secas prolongadas, períodos de frio ou de calor mais intensos - este ecossistema teve condições de lentamente se adaptar e voltar a entrar em equilíbrio, mesmo com o desaparecimento (ou aparecimento) de uma ou outra espécie, em função da mudança das condições. A intervenção do homem, transformando aquele complexo sistema ecológico em algo mais simples, destinado a produzir uma, duas ou três espécies de vegetais - sorgo, milho e girassol -, suprimiu bactérias, protozoários, fungos, animais e vegetais, que propiciavam um excelente equilíbrio ao ecossistema original. Com diversidade de espécies menor, o ecossistema agrícola torna-se mais vulnerável às pragas e ao desequilíbrio, como um corpo com carência de certas vitaminas. A demanda por alimentos no mundo será cada vez maior. Assim, o maior desafio do setor agrícola será desenvolver conhecimentos sistêmicos, a fim de aumentar a produção sem destruir completamente os ecossistemas originais.

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Prefeituras não conseguem implantar a PNRS

Publicada em 2010 no final do governo Lula, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi celebrada como solução para a questão da destinação de resíduos no Brasil. O projeto de lei original é de 1992 e por muitos anos permaneceu no Congresso esperando aprovação. Prevista para entrar em vigor a partir de 2014, teve sua validade prorrogada pelo Congresso para 2018, já que pouquíssimos municípios teriam condições de colocar a lei em prática, por falta de recursos. Parte do setor privado mais organizado, principalmente as grandes empresas e aquelas cujos produtos têm maior impacto ambiental, já elaborou e começa a implantar práticas de gestão de resíduos, chamados de logística reversa. No entanto, enquanto as prefeituras não organizarem sistemas de gestão - coleta, reciclagem e destinação de seus imensos volumes de lixo, a PNRS não acontecerá na prática. Nem mesmo a queda na geração nacional de resíduos, que em 2016 com 78,3 milhões de toneladas geradas diminuiu 2,04% em relação a 2015, está ajudando os municípios. A recessão econômica, provocando a queda do consumo, fez com que na média nacional o brasileiro produzisse 2,9% menos lixo do que em 2015, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelp). Mesmo assim, as prefeituras de todo o pais, com menos recursos arrecadados, estão acumulando uma dívida de R$ 8 bilhões com empresas que prestam serviços de coleta, segundo dados da Câmara dos Deputados. A inadimplência das prefeituras junto às empresas de coleta, fez com que até agora o setor tivesse que dispensar 17mil funcionários, segundo informação da Abrelp. Mesmo no estado de São Paulo, o mais rico e desenvolvido do país, uma pesquisa do Tribunal de Contas do Estado (TCE) realizada em 2016, constatou que 71,17% do municípios paulistas não dispõem de áreas específicas para disposição dos resíduos de saúde. 58,28% das cidades avaliadas não possuíam local para descarte de resíduos da construção civil, 94,48% não contavam com usinas de compostagem de resíduos orgânicos e 38,4% dos municípios nem dispunham de cooperativas de catadores organizadas. O quadro no restante do país deve ser o mesmo ou talvez até pior.

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Outro fato levantado por um estudo realizado pela Abrelp em 482 municípios, cujos dados foram extrapolados estatisticamente para todas as 5.570 cidades brasileiras, é que vem aumentando o número de administrações municipais que passaram a usar lixões para destinar os resíduos urbanos. Segundo dados da associação, em 2016 havia 2.239 cidades que dispunham de aterro sanitário; 1.772 tinham aterro controlado e 1559 utilizavam o lixão. O estudo revela que 81 mil toneladas diárias de lixo são depositadas em locais inadequados e que também não houve um aumento da reciclagem de materiais. O quadro geral não permite otimismo, já que será lenta a recuperação da economia e da arrecadação dos municípios. A Abrelp sugere que as cidades instituam a cobrança de taxas específicas para a gestão da limpeza municipal, a taxa do lixo. Segundo a associação, das cidades que planejam e têm orçamento para o setor, 75% dispõem seus resíduos urbanos de forma correta, em aterros sanitários. A solução deveria funcionar, desde que a população perceba que os recursos estão efetivamente sendo destinados à implantação de um programa de gestão de resíduos, e não para outros fins.

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O impacto das mudanças climáticas no litoral brasileiro

O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) publicou recentemente o relatório "Impacto, vulnerabilidade e adaptação das cidades brasileiras às mudanças climáticas"

(disponível

em:

https://drive.google.com/file/d/0Bxchau3sCq6keVYwZFI3TFoxWGs/view), apontando os diversos efeitos que o fenômeno terá sobre o litoral do país. O aumento do nível das águas do mar e seu efeito sobre a infraestrutura urbana e áreas vizinhas, deverá ser percebido nitidamente a partir da segunda metade deste século. Suzana Kahn, presidente do PBMC, em declaração ao jornal Folha de São Paulo, apontou a gravidade do fenômeno: "Está bem ruim mesmo. A situação está difícil, mas a função do relatório é apontar os cenários que podem acontecer." O PBMC, criado em 2009 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e Ministério do Meio Ambiente, reúne especialistas que se dedicam ao estudo dos impactos das mudanças do clima em várias áreas, como infraestrutura, economia, urbanismo, etc. O litoral do Brasil tem 8.698 quilômetros de extensão e área de 514 mil quilômetros quadrados. Ao longo da costa se alinham aproximadamente 300 municípios de diversos tamanhos, que com diversas atividades econômicas, como a pesca, o turismo, portos, indústrias, exploração de petróleo e centros administrativos, entre outros, respondem por 30% do PIB brasileiro e concentram 60% da população. A preocupação dos especialistas tem fundamento, já que 18 das 42 regiões metropolitanas brasileiras estão estabelecidas na região costeira ou então são diretamente influenciadas por ela: Macapá, Belém, São Luiz, Fortaleza, Natal, Aracaju, Maceió, João Pessoa, Recife, Salvador, Vitória, Rio de Janeiro, Vale do Paraíba/Litoral Norte de São Paulo, Baixada Santista, Joinville, Foz do Itajaí, Florianópolis e Porto Alegre. Segundo os especialistas, o nível das águas do Atlântico deverá elevar-se em 20 cm a 30 cm até o final de século na costa brasileira. O impacto dessa elevação será percebido gradualmente, mas criando a necessidade de realocar bairros inteiros, alterar e reforçar a infraestrutura (transportes, eletricidade, saneamento) e preparar as cidades para outras emergências climáticas. 88


Nessa situação, as cidades mais prejudicadas serão aquelas que terão menos recursos financeiros e capacidade de planejamento. Segundo o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, o país já dispõe de um "Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima", que fornece diversos dados sobre o fenômeno climático e relaciona medidas importantes para que o país possa fazer face a estas mudanças. Em 2015, a Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) e cientistas americanos e ingleses, já haviam realizado um estudo sobre os efeitos do aumento do nível do mar, focado na região da cidade de Santos, em São Paulo. Sendo assim, não faltam dados e indicações, para que cidades litorâneas de todo o Brasil deem início ao planejamento de ações concretas para proteger as cidades. No entanto, segundo Carlos Rittl, o plano ainda não começou a sair do papel. Para o secretário, o Brasil está retrocedendo em suas políticas ambientais e climáticas. Pressões de grupos econômicos, apoiados por bancadas de congressistas, estão propiciando o aumento de desmatamento e a implantação de projetos que contribuirão ainda mais para destruir os recursos naturais do país.

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Saneamento básico no mundo e no Brasil

Cerca de 4,5 bilhões de pessoas em todo o planeta ainda não têm acesso ao saneamento básico. Os dados fazem parte de um relatório recentemente publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Os números refletem a situação da maior parte dos países pobres e em desenvolvimento, nos quais parte significativa de seus habitantes, que juntos perfazem cerca de 60% da população mundial, ainda não dispõem de acesso regular a tratamento de água e/ou esgoto. Com relação à água, ainda são 2,1 bilhões de pessoas - 27% dos habitantes do planeta - que têm não são atendidos por suprimento de água potável. Atualmente, ainda cerca de 600 milhões de pessoas compartilham latrinas com estranhos e quase 900 milhões não dispõem de qualquer tipo de instalação sanitária. Em setembro de 2000 a Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou a Declaração dos Objetivos do Milênio, documento assinado à época por 191 países. Concordaram estas nações, incluindo o Brasil, em envidar esforços com o objetivo de melhorar a situação em oito principais áreas, chamados de Objetivos do Milênio (ODM); uma das quais - a sétima - melhorar o saneamento básico. O prazo para o cumprimento das metas foi acordado para o ano de 2015. Em relatório publicado em 2015, a ONU comunicava que de maneira geral, em quase todas as regiões em desenvolvimento (o relatório não cita países), ocorreram avanços em todas as sete áreas do programa; mais em algumas e menos em outras. Especificamente em relação ao saneamento, houve um avanço na oferta de água potável, que disponível para 76% da população mundial em 1990, chegava a 91% em 2015. Dos 191 países que implantaram o programa, 95 conseguiram atingir metas de melhoria no saneamento básico. No entanto, ainda havia muito por fazer na maior parte das nações. A crise econômica, que afetou a economia mundial a partir de 2008, atingiu especialmente os países pobres, limitando seus recursos disponíveis para investimentos em infraestrutura, especialmente saneamento. Por isso, ainda em 2015, a ONU lançou um novo programa, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). 90


Esta nova edição do programa anterior é composto por 17 metas, das quais a sexta tem por objetivo assegurar saneamento básico (água e esgoto) para toda a população mundial, até 2030. O Brasil é um dos países com o mais baixo nível de saneamento na América Latina. Segundo a ONG brasileira Trata Brasil, o país ainda possui mais de 100 milhões de cidadãos (50,3% da população) sem acesso à coleta de esgotos e somente 42,6% do volume do esgoto coletado é tratado (dados de 2013). No mesmo ano ainda havia 35 milhões de pessoas sem acesso à água, fornecida por rede de abastecimento. Na média do país, as perdas de água nas tubulações de abastecimento eram de 37%. Segundo dados do Banco Mundial, publicados na década passada, o país precisaria investir cerca de 25 bilhões de reais ao ano, para atingir a meta de universalização do saneamento até 2030. Mesmo nos melhores anos do governo Lula com o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) I e II, os investimentos não chegaram a estes patamares. Dados publicados recentemente pelo governo indicam que em 2017 o governo reduzirá em 50% os recursos destinados à infraestrutura através do PAC. Será possível a universalização do saneamento em 2030?

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Crise, mudanças e adaptação

A história nos mostra que tempos de crise são tempos de mudanças. Os períodos de perturbação na economia e nas relações sociais representam uma ruptura com o passado, com uma situação existente, indicando que a forma como a sociedade vinha se organizando já não funciona mais. As consequências de tais condições podem ser as crises e as reformas econômicas, os conflitos e o aparecimento de novos grupos sociais, e o surgimento de novas ideias no âmbito da cultura. Assim, para que os indivíduos, grupos sociais e sociedades possam continuar existindo, é necessário que se adaptem às mudanças com a criação de novas estruturas econômicas e sociais. A adaptação às alterações se desenvolveu com a própria vida, desde sua origem. O desenvolvimento das espécies, processo do qual nós, seres humanos, também fazemos parte, ocorre porque linhagens ou grupos de indivíduos foram submetidos a algum tipo de perturbação. Terremotos, secas prolongadas, doenças e alterações genéticas, provocaram o desaparecimento da maior parte dos membros do grupo, sobrando apenas aqueles indivíduos que, por alguma razão, tiveram capacidade inata de se adaptar às novas condições ambientais. Toda a vida existente na Terra é resultado deste processo. Somos todos, das bactérias às palmeiras e dos besouros às baleias, descendentes de indivíduos que passaram por crises de todo tipo e que sobreviveram para contar a história. A ciência nos diz que 98% das espécies dos cinco reinos atualmente existentes (plantas, fungos, animais, protista e monera) estão extintos. As sociedades humanas, diferentemente das outras espécies, podem acumular conhecimentos sobre como reagir às crises. A cultura - incluindo ai todo conhecimento científico e tecnológico acumulado ao longo de toda história do homo sapiens - é o instrumento que nos coloca em vantagem sobre os demais seres vivos. Não dependemos somente de uma possível capacidade de adaptação de alguns indivíduos de nossa espécie, produto de mutações genéticas, e o que significaria a morte para o restante da espécie. Temos meios de mudar o nosso meio ambiente através do fogo, dos instrumentos de caça, da agricultura, das máquinas, dos abrigos e dos remédios - possibilitando que a maioria dos indivíduos de nossa espécie sobreviva às intempéries, cataclismos e doenças. 92


Esta capacidade dos humanos em sempre tirar proveito do meio ambiente, sobrevivendo aos períodos glaciais, às explosões vulcânicas e abandonando regiões áridas, pode ter um fim. Com a tecnologia usada na atividade econômica para nossa sobrevivência, estamos indo longe demais na alteração do meio ambiente. A tecnologia, empregada de uma maneira desastrada - superexploração dos recursos hídricos, dos solos, dos mares - está diminuindo as chances da humanidade persistir como espécie, pelo menos aqui no planeta Terra, se não implantarmos mudanças para sairmos da crise. A história da humanidade, escrita por cientistas de uma civilização do futuro, seria emocionante e irônica ao mesmo tempo. Falaria sobre a única espécie deste planeta capaz de criar suas próprias condições de adaptação, sobrepondo-se à natureza. Em certo ponto de sua história, no entanto, as forças da natureza despertadas pelas atividades humanas teriam sido poderosas demais, e acabaram destruindo o homem.

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Faltam locais de lazer nas cidades

A cada feriado prolongado ou festas de final de ano milhões de pessoas dirigem-se ao interior e ao litoral, para aproveitar os dias livres. Estradas congestionadas, acidentes; milhões de horas perdidas pelos turistas, deslocando-se de um lugar a outro. Os feriados seriam muito mais agradáveis, se este tempo perdido, sentado dentro dos automóveis, pudesse ser empregado passando mais algumas horas na praia ou se divertindo com amigos. Mas do jeito como funciona o turismo e o lazer no Brasil, isto dificilmente será possível - pelo menos nos próximos anos. O problemas, como já escrevemos uma vez em outro texto, começam nas grandes cidades. Sem suficientes opções de lazer, principalmente na periferia dos grandes centros urbanos, os moradores das regiões metropolitanas ficam limitados a frequentarem shopping centers, cinemas, shows de música, algumas exposições e os poucos parques urbanos disponíveis. Todos superlotados, devido à pouca oferta de lazer. A exceção são as grandes capitais litorâneas do Nordeste, a cidade do Rio de Janeiro, Florianópolis e mais uma ou outra cidade de maior porte localizada no litoral, como Santos. No entanto, mesmo assim, a população que mora na periferia destas cidades litorâneas, morando distante do mar, também encontra seu principal lazer na praia. Mesmo porque, outros logradouros, quando existem, muitas vezes são mal cuidados e com pouca segurança, frequentados por assaltantes e consumidores ou traficantes de drogas. Assim, basta surgir um feriado - o Reveillon e o Carnaval são festas muito especiais na cultura popular brasileira - para que grandes massas se desloquem para as praias. Uns, vindo de longe e utilizando as autoestradas, e outros, deslocando-se dentro da própria cidade ou região metropolitana, como ocorre no Rio de Janeiro, em Salvador e outras cidades. Se as metrópoles tivessem uma melhor infraestrutura, formada por clubes públicos, com infraestrutura para a prática de esportes, piscinas, áreas de lazer e bosques efetivamente em funcionamento e bem administrados - a população teria mais opções de lazer.

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Os clubes com piscinas públicas, nos quais os cidadãos passam a ter contato com os esportes aquáticos, são muito comuns na Europa e deveriam ser construídos em grande número nas cidades brasileiras - principalmente considerando o clima tropical do país, onde em sua maior parte é possível utilizar a piscina durante o ano todo. Inúmeros fatores contribuem assim para estes imensos deslocamentos de pessoas em feriados e festas de final de ano, que tanto contribuem para sobrecarregar a infraestrutura das cidades turísticas. Desde a falta de investimentos em lazer nas grandes cidades, passando pelo alto custo das viagens para outras regiões (passagens aéreas, alimentação e hotéis), até a incerteza da economia. A opção próxima e barata são então as cidades do litoral, principalmente nos estados do Sudeste e do Sul. Apesar de continuarmos sendo uma das oito maiores economias do mundo, nossas grandes cidades em pouco melhoraram sua infraestrutura de lazer nos últimos 50 anos. Existem poucas opções, principalmente para as pessoas de menor poder aquisitivo e os moradores das periferias. É só olhar para os rios e lagos localizados no ambiente urbano, para ver o descaso com estão sendo tratados pelo poder público. Lixo, esgoto, invasões, entulho de obras, focos de doenças. O lazer ocorre somente uma vez ao ano, quando muitos extravasam sua revolta e decepção - à luz dos fogos, embalados pela música.

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Meio ambiente e tecnologias de informação

As tecnologias de informação englobam toda a linha de produtos eletrônicos e de informática e representam um dos mais importantes setores industriais. No Brasil, as tecnologias de informação (TI) movimentaram cerca de R$ 192 bilhões em 2014. O mercado brasileiro de TI é o sétimo maior do mundo em número de consumidores, representando 46% do faturamento do mercado de informática da América Latina. Em 2017, segundo especialistas, este mercado deverá movimentar cerca de R$ 236 bilhões; um aumento de 2,9% em relação a 2016. Os maiores fabricantes (montadoras) de equipamentos de TI no Brasil são as empresas Dell, HP, Lenovo, Acer, Positivo, entre as principais. A fabricação de equipamentos eletrônicos foi de 9,4 milhões de unidades de PCs e tablets e de 70,3 milhões de celulares em 2014. A recessão econômica fez com que esses números tivessem uma redução significativa a partir de 2015, acumulando uma queda de mais de 30% em 2016. O descarte de produtos eletrônicos e de informática constitui o que se chama de resíduos eletrônicos. O Brasil produzia em 2015 cerca de 2,5 kg de resíduos eletrônicos por habitante/ano (para uma população de 205 milhões de habitantes em 2015). Segundo dados da ONU, o Brasil produziu cerca de 1,4 milhão de toneladas de lixo eletrônico em 2014. A estimativa de órgãos do setor é que apenas 4% deste volume eram reciclados e uma parte desconhecida era vendida para recicladores localizados na China, Malásia, Paquistão e outros países. Os resíduos eletrônicos tem forte impacto no meio ambiente. Se não forem devidamente dispostos, podem contaminar o solo e o lençol freático com produtos químicos e metais pesados. Mesmo assim, a reuso ou a reciclagem destes materiais ainda é bastante limitada. Foi só recentemente, com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), criada em 2010 e que começa a ser definitivamente implantada a partir de 2018, que os resíduos de TI receberam atenção especial. Assim, o setor de informática apresentou proposta de implantar projetos de logística reversa ao Ministério do Meio Ambiente, a exemplo de vários outros setores da indústria (indústria papeleira, indústria de bebidas, etc.). 96


Os projetos de logística reversa estão em fase de implantação e envolvem todos os fabricantes e importadores de produtos de informática. No entanto, ainda é reduzido o número de locais onde se faz a reciclagem de IT. Como ainda não existe a obrigatoriedade da lei, grande parte da população ainda não adquiriu o costume de reciclar seus equipamentos. Na maior parte das vezes, os equipamentos acabam sendo depositados em aterros sanitários ou lixões; estes últimos simples depósitos de resíduos, sem qualquer tipo de controle técnico. A TI Verde, além da reciclagem, também inclui os conceitos de eficiência energética, ou seja, o desenvolvimento de equipamentos com menos consumo de energia, o reuso e a reciclagem de materiais e o desenvolvimento de processos produtivos e materiais menos poluentes, entre outros. A TI Verde abrange todo o ciclo de vida dos produtos de informática, desde a extração das matérias primas - petróleo e minerais até o descarte dos equipamentos usados. Os grandes produtores de TI nos Estados Unidos, Japão e Europa, estão preocupados em diminuir o impacto ambiental dos seus produtos durante todo o ciclo de produção e consumo. O grande indutor deste processo no Brasil seria a efetiva implantação da PNRS, fazendo com que fabricantes, comerciantes e consumidores sejam obrigados a adotar práticas mais sustentáveis.

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Atividades econômicas e externalidades negativas

O rompimento das barragens com lama de mineração da empresa Samarco, em Mariana, foi o maior acidente ambiental jamais registrado no Brasil. Além de matar mais de uma dezena de pessoas e destruir centenas de casas, a lama afetou uma região bastante povoada e urbanizada, com diversas atividades econômicas, localizada na bacia do rio Doce entre Minas Gerais e o Espírito Santo. O volume dos detritos foi tão grande, que chegou à foz do rio Doce, no litoral do Espírito Santo, afetando toda a vida marinha da região, inclusive áreas de proteção ambiental. O que de imediato chamou a atenção foi a morosidade das autoridades dos dois estados envolvidos - governadores, agências ambientais e demais órgãos ligados ao assunto. O governo federal e seus ministérios - Minas e Energia, Meio Ambiente, Integração Social e outros - só esboçaram alguma reação quando o ocorrido já tinha tomado grandes proporções. Nas primeiras horas da tragédia, a população foi abandonada à própria sorte. A Samarco, responsável pelo derramamento da lama já que este era resíduo de suas atividades de exploração - limitou-se a afirmar que as barragens haviam sido vistoriadas e que "não é o caso de desculpas à população". Investigações avançam e é necessário que o Ministério Público, associações de moradores afetados, ONGs, auditores independentes e a imprensa isenta acompanhem seu desdobramento. Não é possível admitir que os afetados por uma tragédia de tão grandes dimensões - a população, a infraestrutura privada e pública, as atividades econômicas e o meio ambiente - sejam destruídos sem o devido ressarcimento. A empresa Samarco e sua proprietárias, a Vale e a BHP Billiton, são responsáveis em reparar os danos, tenha ou não sido um acidente. Aos efeitos de uma atividade econômica sobre terceiros (aqueles que nada têm a ver com o que a empresa faz, como o morador que perdeu a casa e demais bens por causa da lama), os economistas costumam chamar de externalidades negativas. Neste caso, o vazamento da lama é uma externalidade negativa pela qual a empresa terá que assumir todos os custos de reparação.

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O que alguns economistas defendem, principalmente aqueles embasados pelas questões sociais e ambientais, é que às atividades econômicas sejam incluídos os custos das externalidades de produtos e serviços. Assim, o criador de gado na Amazônia deve incorporar ao custo do boi que venderá ao matadouro o valor da floresta derrubada para fazer as pastagens, da água para dessedentar os animais, de salários condizentes para seus capatazes e peões, das emissões de gases provocadas pela atividade, etc. Todos estes custos deveriam ser incorporados ao valor final do produto, para que este tivesse um preço real, incluindo as externalidades negativas inerentes à sua produção. O mesmo princípio deveria ser aplicado a outros setores da economia, como a mineração, a exploração de madeiras, agricultura, indústria, produção e destilação de petróleo, serviços de limpeza, etc. Todavia, as externalidades negativas ainda não são incorporadas ao custo do produto e continuam a ser impostas às comunidades e ambientes, sem que haja uma compensação. Assim, continuamos praticando o velho princípio do capitalismo sem lei de "privatizar o lucro e socializar os custos". Com isso, os resultados, por vezes, são trágicos.

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Crise econômica, desemprego e meio ambiente

Há vinte ou trinta anos, quando o ritmo de desflorestamento na Amazônia era maior do que hoje, os desmatamentos diminuíam toda vez que a economia entrava em crise. Decrescia o consumo de produtos, minguavam os investimentos em atividades agropecuárias, fazendo com que parte da floresta fosse poupada por mais uma temporada. Nos períodos de pouca atividade econômica diminui o consumo, a produção e a consequente geração de resíduos, tanto industriais quanto domésticos. Menos insumos e matérias primas são utilizados, o que reduz a pressão sobre os recursos naturais. Quando a crise persiste e não ocorre a recuperação econômica de setores, atividades ou regiões, vem a decadência e o abandono da infraestrutura, como ocorreu por exemplo com a Fordlândia, no Pará, as cidades abandonadas de mineradores na Namíbia e as regiões rurais do estado da Virgínia, nos Estados Unidos. Uma das consequências da crise econômica, o desemprego, também pode ser o indutor de danos ambientais, com consequência consideráveis. No Brasil ainda temos poucas análises deste tipo de situação, mas basta percorrer a web para encontrar artigos que discutem as consequências ambientais do desemprego, sob diversos aspectos. Queda na compra de produtos ambientalmente corretos (geralmente mais caros), a suspensão de políticas de taxação de produtos poluentes, ou a diminuição de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), são consequências do desemprego, discutidas na Europa e nos Estados Unidos. Um assunto que preocupa especialistas americanos, por exemplo, é que com o rareamento de postos de trabalho, pessoas são obrigadas a aceitarem empregos longe de suas casas, provocando aumento nos deslocamentos de veículos, ampliando as emissões de gases. A mesma situação certamente ocorre nas grandes metrópoles brasileiras, mas dada a pouca disponibilidade de dados e informações, este fato passa despercebido, ignorado no meio de tantos impactos ambientais maiores. Há outros fatos, mais evidentes, que demonstram o efeito negativo da crise econômica e do desemprego sobre o meio ambiente.

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Recentemente o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou um decreto através do qual voltará a dar incentivos à exploração do carvão, com o objetivo de gerar mais empregos neste setor. A mineração de carvão já passava por uma crise de empregos há alguns anos, devido à automação de processos e a queda no consumo - carvão vinha sendo substituído por gás natural. A medida, criticada por ambientalistas, também pretende liberar novas áreas para exploração do carvão. Assim, para reabrir alguns milhares de postos de trabalho e beneficiar um setor em crise, o presidente Trump aumentará consideravelmente as emissões de gases de seu país. No Brasil a crise econômica e o desemprego sempre foram usados como argumentos para diminuir o rigor na análise de projetos, sob aspecto ambiental. Assim, a construção de grandes obras de infraestrutura, de grande impacto ambiental, são justificadas segundo a propaganda oficial, por gerarem empregos e desenvolvimento. Isto ocorre desde a construção da rodovia Transamazônica, na década de 1970, até as recentes hidrelétricas na Amazônia. O argumento é repetido pela imprensa, pelos empresários e por políticos, sendo aceito por parte da população. Os que exigem mais rigor ambiental, são considerados os inimigos do progresso.

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Os raios e o meio ambiente

O aumento médio da temperatura da Terra nos últimos anos está trazendo verões mais quentes, com trovoadas mais fortes e maior número de relâmpagos. Segundo o Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat), ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), morrem no Brasil cerca de 120 pessoas anualmente devido às descargas de raios. A tendência é que quanto mais alta a temperatura, maior a incidência destas descargas elétricas. Devido à sua localização geográfica e extensão territorial, o Brasil é o país no mundo com maior incidência destes fenômenos atmosféricos. Os raios são gigantescas faíscas de eletricidade estática, geradas durante uma tempestade. A eletricidade forma-se dentro de nuvens do tipo cumulonimbus, que alcançam 18 quilômetros de altitude, onde as temperaturas estão em torno dos 60ºC negativos. As faíscas elétricas ocorrem dentro de uma mesma nuvem, entre duas nuvens e entre uma nuvem e o solo. Como e porque se formam estas imensas descargas, ainda não está completamente explicado pela ciência. O ar em torno de um relâmpago chega a 30.000 graus Celsius (a temperatura da superfície do Sol é de 6.000ºC) e estas partículas aquecidas da atmosfera são chamadas de plasma, emitindo a luz característica da faísca. A tensão contida num raio chega a 100 milhões de volts, com uma intensidade de 30 mil ampères (cerca de mil vezes a intensidade de um chuveiro de banho). Segundo a revista “Super Interessante”, cerca de 3,15 bilhões de raios caem sobre a Terra por ano. As regiões de sua maior incidência são a África Central (Congo e Ruanda) e a região do Lago Macaraibo, na Venezuela. O Brasil recebe descargas anuais de cerca de 100 milhões de raios, em sua maior parte na região Sudeste, nos estados de São Paulo e Minas Gerais. Os raios sempre tiveram um papel importante na história da vida na Terra. Segundo os cientistas, nos primórdios do planeta há 3,8 bilhões de anos, as descargas elétricas tiveram um importante papel na formação de aminoácidos – moléculas básicas para a vida – catalisando reações químicas entre substâncias como amônia, metano e hidrogênio. 102


Ao longo da evolução da vida, os relâmpagos sempre estiveram presentes nas tempestades, produzindo óxido de nitrogênio (NOx), que reagindo com a luz do Sol e outros gases da atmosfera gera o gás ozônio. Este, próximo ao solo, pode afetar a saúde de todos os seres vivos; plantas, animais e o homem. Nas partes mais elevadas da atmosfera, na troposfera com altura de até 12 km, o ozônio é causador do efeito estufa. Na estratosfera, entre 12 e 50 quilômetros, o ozônio passa a atuar como bloqueador da radiação solar ultravioleta, causadora do câncer de pele. Pesquisas recentes, ainda em andamento, parecem indicar que o volume de geração de óxido de nitrogênio (NOx) através dos relâmpagos é bem maior do que era estimado até o momento. Especulam os cientistas que maior quantidade de NOx na troposfera deva acelerar o efeito estufa, aquecendo ainda mais a atmosfera. Esta, aquecida, aumentam as trovoadas e os raios, que por sua vez elevam os volumes de NOx. Até o momento, dada a extrema complexidade dos fenômenos atmosféricos e dos ainda incalculáveis fatores que podem influenciar e retroalimentar este processo, não há uma explicação clara sobre seu funcionamento. Enquanto continuam pesquisando, convêm continuar a tomar cuidado com os raios.

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A ameaça da degradação dos solos

A destruição de solos férteis é um dos mais graves problemas a serem enfrentados pela maioria dos países. Assim como o efeito estufa, a poluição dos oceanos e a diminuição dos recursos hídricos, o desaparecimento de solos agricultáveis é mais um fator de preocupação com relação ao futuro da humanidade. Atualmente cerca de 38% das terras do planeta são usadas para atividades agrícolas. No entanto, em grande parte dos países, principalmente as nações pobres, a agricultura tem sido feita de maneira insustentável, sem levar em conta o impacto da atividade sobre o meio ambiente e os demais recursos naturais, principalmente o solo. Assim, por exemplo, a falta de técnicas de combate à erosão, como o plantio em terraços, faz com que a chuva arraste parte da terra fértil, encharcada de adubos e defensivos agrícolas, para a parte mais baixa do terreno e dali para os riachos e córregos. A eliminação da mata ciliar que vai beirando os cursos d’água, tendo para estes uma função protetora, faz com que parte da terra lavada pela chuva da área de plantio, acabe assoreando os rios e poluindo suas águas com excesso de fertilizantes e defensivos. Muitas vezes são destes mesmos rios que os agricultores vizinhos e cidades da região captam água para consumo humano. Ao mesmo tempo, não penetrando devidamente no solo, o lençol freático não é suficientemente abastecido com água, sofrendo queda constante e forçando os agricultores a buscarem água em profundidades cada vez maiores – fato que acontece na Índia e no Paquistão há alguns anos e que por fim secará o subsolo. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) a degradação do solo é definida como uma mudança na saúde da terra, com a diminuição da capacidade dos ecossistemas que se desenvolvem sobre este solo, de fornecerem bens e serviços. Esta mudança não se limita à disponibilidade de água; inclui presença ou não de microrganismos endógenos, composição balanceada de minerais e de matéria orgânica, acidez e aeração correta, entre outros fatores. Nem todos os solos são naturalmente propícios à agricultura, há que corrigi-los. 104


Da mesma forma, solos originalmente indicados para o plantio são desequilibrados por uma prática incorreta. Esta é a razão pela qual a atividade humana aumentou em 10 a 40 vezes a velocidade de ocorrência da erosão, em comparação às condições naturais. Aqui vale lembrar que a natureza leva em média 500 anos para repor 2,5 cm de solo fértil. A prática agrícola necessita em média de uma camada de 15 a 30 cm de solo e esgota 2,5 cm deste solo fértil a cada 25 anos. Com isso, os Estados Unidos estão perdendo solo 10 vezes mais rápido que a capacidade natural de reposição; a China e a Índia 30 a 40 vezes. Uma das maiores preocupações da FAO é manter a produtividade dos solos, para que no futuro não ocorra uma queda na produção de alimentos. Desflorestamento, formação excessiva de pastos, técnicas agrícolas ultrapassadas, são os maiores responsáveis pela perda de solos férteis no Brasil. Num mundo que em 40 anos perdeu 30% de seus solos aráveis, nosso país ainda está em posição privilegiada, mas precisa aumentar os cuidados com a manutenção desse patrimônio natural. Fertilidade é um presente da natureza, que para ser recuperado demanda muito tempo e recursos.

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Aves urbanas

O Brasil abriga 1.833 espécies de aves, cerca de 20% do total mundial. Este número, no entanto, continua crescendo, já que são constantes as descobertas novas espécies nas diversas regiões do país, até nos arredores de grandes cidades como São Paulo e Curitiba. O número de variedades de pássaros habitando a região metropolitana de São Paulo (RMSP) gira em torno de 400, segundo a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da cidade de São Paulo. Somente na área do Parque do Ibirapuera, já foram observados 159 tipos de aves, cujo número aumenta em direção à Serra da Cantareira, na região Norte da cidade, e do parque Capivarí-Mono, no extremo sul da cidade, nos contrafortes da Serra do Mar. Muitos dos habitantes antigos das cidades da região têm a impressão de que as espécies e o número de aves urbanas, as aves sinantropicas (que sendo selvagens se beneficiam da presença humana), vêm crescendo ao longo das últimas décadas. Mais plantio de árvores frutíferas e floríferas, aumento das áreas verdes e praças, conscientização em relação à proteção das aves (as crianças nem conhecem mais os estilingues e as arapucas); são alguns dos motivos que parecem ter atraído mais pássaros para áreas urbanas da RMSP. Tal interpretação é defendida pelo engenheiro e ornitólogo brasileiro Johan Dalgas Frisch, um dos maiores estudiosos das aves brasileiras. Impressão ou não, o fato é que quanto maior o número de aves urbanas em nossas cidades, tanto melhor. Os pássaros, além dos seus cantos e de suas belas cores, prestam-nos serviços ambientais como o controle biológico de pragas (insetos, pequenos vertebrados), a polinização de flores e a disseminação de sementes. As aves também são um indicador ambiental; quanto maior a presença e a variedade de pássaros, melhor a qualidade do ambiente. Por isso é importante que os habitantes e os administradores municipais façam o plantio de árvores frutíferas e floríferas, atraindo grande número e tipos de aves para os ambientes urbanos.

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As aves mais comuns na RMSP são o pardal e o pombo doméstico (ambas as espécies trazidas da Europa durante os primeiros anos de colonização), o sabiá da terra, sabiá laranjeira, tico-tico, saíra, sanhaço, bem-te-vi, cambacicas, beija-flor, coleirinha, corruíra, periquito, joão de barro, pica-pau anão, coruja buraqueira, entre outros. Para aqueles que querem alimentar as aves urbanas, especialistas recomendam recipientes colocados em árvores ou lugares abertos, contendo frutas como mamão, laranja, banana, tangerina, maçã, pera, carambola; e sementes como o girassol, painço, quirera de milho e alpiste. As cidades brasileiras, em geral, ainda têm grandes deficiências de infraestrutura, urbanismo e meio ambiente. Córregos poluídos por esgotos, loteamentos semiclandestinos sem arruamento e construídos em áreas de risco, falta de parques e arborização nas ruas; são problemas comuns a todos os municípios, há muitas décadas. Para modernizar o país é preciso que novas gerações de vereadores e prefeitos, devidamente preparados, tomem a si a tarefa de melhorar o padrão de habitabilidade de todos os bairros de nossas cidades, distribuindo democraticamente os benefícios do desenvolvimento econômico e tecnológico. Quando esta época chegar, será talvez o número e as espécies de aves urbanas que se avistam em cada rua, um dos fatores que definirá o padrão de desenvolvimento de cada município.

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Catástrofes e a sobrevivência humana

Com certa regularidade encontramos artigos na mídia, falando sobre o provável fim da nossa civilização ou do desaparecimento da humanidade, por algum cataclismo. Nestes relatos, as possíveis causas da destruição de nosso modo de vida são geralmente ambientais; mudanças do clima afetando regimes de chuva e a temperatura, prejudicando colheitas e reservas de água, etc. Um longo encadeamento de fatos, cujas origens estão na nossa maneira irresponsável de explorar os recursos naturais do planeta. Os mitos sobre o surgimento de catástrofes, destruindo cidades, impérios e multidões de vidas, são bastante antigos. Já na epopeia de Gilgamesh, um dos mais antigos documentos literários conhecidos (cerca de 2.700 a.C.), é contado como os deuses assírios destruíram o mundo através de um dilúvio, do qual apenas se salva Utnapishtim, em condições semelhantes às do hebreu Noé. Egípcios, judeus, gregos, persas; quase todos os povos da Antiguidade tinham relatos sobre a destruição da humanidade em algum período do passado ou do futuro. Os maias e os astecas, povos que habitavam a região do México e da América Central, desenvolveram uma elaborada religião, que exigia sacrifícios humanos e a construção de pirâmides, a fim de evitar que os deuses se vingassem dos homens e destruíssem o mundo. A origem destes mitos muito provavelmente está baseada em fatos reais, já que desde o seu aparecimento sobre a terra, diversas gerações de humanos presenciaram fenômenos naturais impressionantes, que através de relatos transmitiram às gerações posteriores. Grandes terremotos sucedidos por maremotos, chuvas torrenciais e enchentes, explosões vulcânicas, quedas de meteoritos; fenômenos cujas descrições foram incorporadas aos relatos folclóricos e religiosos. Mitos como os do Dilúvio e de Atlântida (civilização situada no oceano Atlântico, destruída por explosões vulcânicas e maremotos, segundo relatos do filósofo grego Platão), muito provavelmente tiveram origem em fatos reais, ocorridos em passado remoto. Os relatos sobre grandes cataclismos, afetando e dizimando parte ou a totalidade da humanidade, não deixaram de existir. A diferença é que atualmente o relato mitológico e religioso foi substituído pelo científico. 108


Apesar de não podermos antever com exatidão o tipo de catástrofe que poderá nos atingir, sabemos pela ciência que o desastre, se ocorrer, será causado por fenômenos naturais até certo ponto previsíveis, ou pela interferência humana. Assim, desde o final da década de 1940, temos conhecimento do risco que corremos em destruir o planeta com explosões de armas nucleares. Estamos cada vez mais cientes dos efeitos das atividades econômicas sobre o meio ambiente, destruindo os ecossistemas e, através de reações em cadeia que ainda não conseguimos explicar em detalhes, minando gradualmente nossas condições de sobrevivência nas condições atuais. Os relatos sobre catástrofes destruidoras têm uma forte componente emocional. Muitas dessas narrativas foram usadas pelas religiões, para fortalecer a doutrina e manter os fiéis sob controle. Atualmente as teorias da ciência são capazes de fazer previsões, mostrando o que poderá ocorrer ao planeta – e a nós principalmente – se continuarmos mantendo as mesmas condições de produção, consumo e distribuição das riquezas. Pode não sobrar ninguém para contar a epopeia humana.

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Vida e sobrevivência

As espécies vivas têm em si o impulso de sobrevivência. No longo processo da evolução do organismo unicelular ao complexo, que levou 3,8 bilhões de anos, o ímpeto de preservação sempre foi a mais primordial e poderosa força a guiar os seres vivos. Esta disposição se manifesta de diversas maneiras; na procura de alimentos, procriação e proteção da prole e na luta ou fuga para a preservação da própria vida. A vida, em todas as suas formas simples e complexas, tem essa misteriosa tendência a se perpetuar, seja em si mesma ou em sua descendência. Encontramos registros da existência de baratas com idade de 350 milhões de anos e de tubarões com 400 milhões de anos. Os dinossauros, já extintos há 60 milhões de anos, foram a espécie dominante no planeta durante 135 milhões de anos. Nós humanos, da espécie animal homo sapiens, somos os atuais dominadores da Terra – processo que teve início há apenas 150 mil anos e se consolidou gradualmente ao longo dos últimos 10 mil anos, com a invenção da agricultura. No passado, outras espécies de hominídeos também habitaram o planeta – muitas ao mesmo tempo –, mas por obra do acaso apenas a espécie sapiens sobreviveu e se impôs em todos os ambientes e a todas as outras espécies. Somos, portanto, recém-chegados à história da vida e rapidamente dominamos. O rápido desenvolvimento da espécie humana se deu nos últimos 35 mil anos. Por essa época, por motivos ainda não esclarecidos pela ciência, nossos antepassados começaram a produzir armas mais sofisticadas, desenvolver adornos, fazer pinturas rupestres, adotar regras de convivência social sofisticadas, incluindo uma linguagem elaborada e religião. Antropólogos, paleontólogos, sociólogos, biólogos e geneticistas, entre outros, tentam achar uma explicação para este repentino desabrochar da inteligência especificamente humana; o surgimento da cultura. Os humanos não seriam mais limitados por ambientes e climas, já que com o processo de acumulação de conhecimentos desenvolveriam tecnologias para sobreviver e, posteriormente dominar. A invenção da agricultura, das cidades, da escrita, da fundição de metais, do Estado e das grandes religiões (não necessariamente nessa ordem), estabeleceu a base dos grandes impérios, do comércio mundial, da industrialização, até chegarmos ao período da globalização. 110


Nesse processo esquecemos que fomos guiados principalmente pelo instinto de sobrevivência, que herdamos dos nossos primeiros antepassados, as cianobactérias. No entanto, depois de nossa espécie dominar completamente o planeta e desenvolver um mundo à parte do natural – o mundo humano formado pela cultura – encontramonos em uma encruzilhada: não estamos apenas sobrevivendo, mas exaurindo os recursos da Terra. Assim, em seu mais recente livro “Half-Earth: our planet´s fight for life” (Meia Terra: a luta de nosso planeta pela vida), o famoso biólogo Edward O. Wilson aponta o crescimento populacional e o excessivo consumo, com os principais fatores da degradação do planeta. Para barrar este processo, Wilson propõe a criação de imensas áreas de preservação natural, no que muitos outros preservacionistas não concordam. As soluções segundo estes, são muito mais complexas, envolvendo uma série de providências que afetarão nossa tecnologia e nossos hábitos de consumo, tudo para garantir a sobrevivência. Mas, teremos tempo para isso?

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Aspectos do saneamento no Brasil

A prática do tratamento e coleta de esgotos não faz parte da história do Brasil. Durante o processo de colonização e até o início da industrialização no final do século XIX, a maior parte das cidades mais populosas situava-se à beira mar (São Luiz, Recife, Salvador, Rio de Janeiro) ou rio (Belém, Manaus). Providencialmente, as administrações construíam apenas sistemas de canalização, e os esgotos corriam tranquilamente para algum canto afastado de uma praia ou para uma curva afastada do rio. Esta prática era geral até quase meados do século XX e em muitos lugares ainda ocorre hoje. Com o início da industrialização e a movimentação de grandes contingentes populacionais para os grandes centros urbanos, a partir dos anos 1940, surgiu a real necessidade de implantar sistemas de tratamento de esgoto. O imenso volume de resíduos gerados por milhões de pessoas não podiam mais permanecer nas imediações da cidade, provocando mau cheiro e servindo de criadouros de todo tipo de animais transmissores de doenças. Ou até abrigando jacarés, como ainda acontece hoje em bairros da região Sul do Rio de Janeiro, onde em lagoas poluídas pelo esgoto e atulhadas de lixo, os répteis sobrevivem bravamente. Obras de saneamento requerem prazos longos. Por isso, geralmente quando se falava em saneamento, pensava-se somente no tratamento de água. É impossível abrir novos bairros ou loteamentos sem disponibilidade de água. Para o esgoto, no entanto, havia as fossas céticas e a antiga prática da descarga dos efluentes em rios e no mar. Outro aspecto é que obras de saneamento, principalmente o tratamento de esgoto, têm custo elevado e não têm impacto político alto. Ficou famoso o bordão de gerações de políticos brasileiros: "Obra enterrada não traz votos!". É fato que a política e a condução da administração pública no Brasil sempre tiveram objetivos imediatistas, nem sempre eram do interesse dos eleitores. Por isso, dava-se prioridade a projetos de alto impacto midiático, de curta duração e, se possível, de baixo custo. Obra que pudessem ser implantadas durante uma única administração, seja municipal ou estadual. O importante era (e ainda é) impressionar o cidadão e abocanhar mais um mandato. 112


Apesar dos grandes projetos de modernização do país implantados no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), grande parte das obras de saneamento só foi iniciada durante os anos 1970. Os governos militares, seguindo metas de planejamento, deram início a projetos de longa duração - construção de rodovias, hidrelétricas e estações de tratamento de esgoto - alocando grandes recursos, principalmente nas regiões metropolitanas. Nas médias e pequenas cidades, no entanto, os recursos sempre foram parcos – ou direcionados para outras obras e outros fins – e a situação na maior parte do país permaneceu empacada. Mesmo a Lei de Concessões (1995), que permitia aos investidores privados investirem e atuarem em serviços públicos, não ajudou muito a resolver os problemas do setor. O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado no governo Lula, trouxe um alento para o setor, mas está quase se acabando, anêmico, desde o final do primeiro governo Dilma. Assim, por algum tempo, ainda teremos outras coisas se deslocando nas águas da Baía de Guanabara e do rio Tietê, além de peixes. Espécie que no Tietê não existem mais – pelo menos no trecho paulistano.

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Lucro fácil e rápido

O Brasil sempre foi considerado um país da fartura. Os primeiros colonizadores portugueses quando aqui chegaram, ficaram admirados ao verem a diversidade de plantas e animais. Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, escreveu na célebre "Carta do achamento do Brasil" que "Andamos por aí vendo o ribeiro, o qual é de muita água e muito boa. Ao longo dele há muitas palmeiras, não muito altas; e muito bons palmitos. Colhemos e comemos muitos deles." Em outro trecho do documento a ser encaminhado ao rei, Caminha relata como viviam os índios: "Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos." A comida e a água na terra na recentemente descoberta Ilha de Santa Cruz, eram abundantes. Diferente da pátria que ficou para trás, onde a terra não era mais tão fértil e as safras de trigo eram perdidas por falta de chuva ou pelo frio. A partir das primeiras décadas de colonização criou-se o mito da terra fértil, com recursos abundantes prontos para serem explorados. A exploração do pau-brasil nas matas do litoral (século XVI), o plantio da cana de açúcar com mão de obra escrava (séc. XVII) e a extração de ouro em Minas Gerais (séc. XVIII), refletem aspectos desta mentalidade. Esta visão exploratória começou cedo sua história no Brasil. Os bandeirantes foram os primeiros que com parcos recursos materiais e humanos, ingressavam nos sertões à procura de riquezas - índios e pedras precisas -, sendo muitas vezes bem sucedidos. Tornaram-se, junto com os senhores de engenho do Nordeste, as primeiras elites econômicas e políticas da colônia. Mais tarde, esta mentalidade também foi fortalecida pelas atitudes dos funcionários do reino e pelos investidores. Vindos de Portugal, os primeiros queriam amealhar pequenas fortunas, para voltar à metrópole em melhor situação social. Os segundos, planejavam multiplicar seus investimentos, aplicando seus recursos em empreendimentos de lucro fácil e rápido, como o tráfico negreiro e a mineração. 114


O tempo passou, o Brasil se tornou independente de Portugal, mas permaneceu no arquétipo da cultura colonial brasileira a componente exploratória, visando o lucro imediato. Findo o ciclo econômico do ouro, começa o do café, nos arredores da cidade do Rio de Janeiro. Florestas foram derrubadas, para o plantio da rubiácea. A destruição da mata no maciço da Tijuca, gradativamente provocou a diminuição de água nas nascentes que serviam a cidade. Foi preciso remover a cultura cafeeira para a região do vale do rio Paraíba e reflorestar os arredores do Rio de Janeiro. Do vale do Paraíba a cultura do café se estendeu para o interior da então província de São Paulo, em direção Oeste. A expansão da cultura cafeeira envolveu a eliminação de grandes extensões de floresta atlântica e, principalmente no interior de São Paulo, a morte de milhares de remanescentes de povos indígenas. A história recente do Brasil continua mostrando que a exploração com objetivo de lucro fácil e rápido, destruindo e extraindo recursos até a exaustão, ainda faz parte do inconsciente cultural brasileiro.

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Queda do desmatamento e saúde

A revista científica americana "Nature" publicou recentemente um estudo, mostrando que a redução do desmatamento na Amazônia fez cair o índice de doenças pulmonares em toda a América do Sul. O trabalho foi realizado através de uma parceria da Universidade de São Paulo (USP) com especialistas das universidades de Leeds e Manchester (Inglaterra) e do Massachussetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos. O tema principal da pesquisa é a emissão de aerossóis (micropartículas carregadas pelo ar) através da queima da floresta (biomassa) e seus efeitos sobre o clima e a qualidade do ar (http://www.nature.com/news/amazon-fireanalysis-hits-new-heights-1.11467). O estudo mostrou que a diminuição do desmatamento na Amazônia entre 2001 e 2012 tem permitido uma redução de 30% no material particulado (aerossóis), além de reduzir os níveis de ozônio, monóxido de carbono, óxido de nitrogênio e outras substâncias poluentes emitidas durante a queima da floresta. Esta diminuição dos níveis de poluição também foi constatada em toda a região sul do Brasil, na Argentina, no Paraguai e no norte da Bolívia. A queda do desmatamento deve-se ao aumento do controle sobre a região por parte do governo e, principalmente, aos acordos assinados entre empresas produtoras e compradoras de soja e carne bovina, atestando que os produtos não são originários de áreas de desmatamento. Através da comparação dos dados deste estudo com outros, a equipe de pesquisadores pôde concluir que à redução do desmatamento correspondeu uma queda nos números de casos de doenças e mortes precoces, causadas pela poluição atmosférica. A diminuição de 40% no desmatamento, estima o estudo, poupou a vida de 1,7 milhões de pessoas das regiões afetadas pela poluição. É a primeira vez que um estudo desta abrangência pôde mostrar a relação direta entre a derrubada da floresta amazônica, a poluição atmosférica no cone sul do continente e as mortes daí resultantes. A pesquisa científica identifica, cada vez mais claramente, a relação existente entre os sistemas ecológicos e os seres vivos, que aparentemente nada têm em comum por estarem distantes. 116


Há trinta ou quarenta anos atrás, quem imaginaria que as queimadas na floresta amazônica, tão extensa e tão distante (do sul do continente), poderiam ter algum efeito sobre a saúde das pessoas em São Paulo, Assunção ou Buenos Aires? Se a floresta amazônica, distante milhares de quilômetros da região sul e sudeste do Brasil, pode exercer tanta interferência no clima e na qualidade do ar, o que dizer da Mata Atlântica, localizada praticamente na periferia das cidades e na de grandes metrópoles, como Rio de Janeiro e São Paulo? Vale lembrar que quase toda a ocupação do país se deu através de regiões dominadas por esta floresta e que ainda hoje, cerca de 50% da população do país ainda habita áreas de influência deste bioma. A preservação das florestas e de outros biomas deveria ser prioridade nas macro estratégias de todos os governos. A relação destas áreas naturais com o clima, os recursos hídricos, a qualidade do ar e diversos outros aspectos do ambiente urbano e rural, ainda são em grande parte desconhecidos. A destruição destes recursos naturais em nome da expansão econômica e do crescimento populacional causará fenômenos imprevisíveis - a crise hídrica é um pequeno exemplo disso.

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Melhorar a eficiência no uso dos recursos

Por que em época de crise econômica as empresas e o governo deveriam se preocupar com a questão ambiental, com a preservação dos recursos? Que contribuição a discussão da ecologia poderia dar ao momento econômico brasileiro, dominado por debates sobre a volta da inflação, da perda da competitividade dos produtos brasileiros e da crise da indústria? A contribuição poderia ser grande, se levarmos em conta a ecoeficiência; a produção e a distribuição de bens e mercadorias utilizando menos recursos, gerando menos resíduos – os poluidores do meio ambiente. Em outras palavras: fabricar, transportar, vender e consumir de uma maneira mais eficiente. Esta ideia pode se estender a praticamente todas as atividades econômicas; da agricultura à indústria, da administração pública ao setor de serviços até o consumidor. Este raciocínio pode parecer novo, mas não é. Durante toda a história, uma das grandes metas do conhecimento aplicado às atividades humanas sempre foi o de fazer com que uma organização, um processo, uma máquina, uma operação, funcionassem de maneira mais eficiente; de uma forma mais organizada, mais rápida, mais econômica e com menos falhas. Com o avanço das ciências humanas e exatas este princípio universal pôde ser aplicado tanto ao governo de países, à administração de empresas, ao gerenciamento de linhas de produção, ao desenvolvimento de máquinas, à administração de uma casa e muitas outras áreas. Diz a física que quanto mais organizado, mais eficiente for o funcionamento de qualquer sistema – seja algo simples, como o motor de um automóvel ou muito complexo, como uma minúscula célula – tanto melhor atuará esta estrutura, aproveitando da melhor maneira possível os recursos – combustível ou alimentos – que tem a sua disposição. Muitas economias desenvolvidas compreenderam isto e estão trabalhando para se tornarem cada vez mais eficientes. A questão do aumento crescente dos preços das matérias primas, dos minérios, da energia e da água, está mobilizando países como o Japão, a Alemanha, os Estados Unidos, a Coréia e muitos outros. No estágio atual de seu desenvolvimento, o setor industrial alemão pretende aumentar o índice de automatização dos processos e tornar os já existentes ainda mais eficientes. 118


Mesmo empresas de médio e pequeno porte estão implantando sistemas de gestão de processos produtivos modernos e automatizados, encurtando o ciclo de produção de um produto e reduzindo o uso de insumos. Medidas como estas deixam o processo de fabricação mais limpo e organizado; reduzindo perdas (resíduos) e custos de produção; aumentando a qualidade e a competitividade do produto; e reduzindo o impacto ambiental do empreendimento. O Brasil está pronto para promover mudanças em seu sistema político, legal e tributário; criar normas, técnicas e estratégias que possam levar o país a dar um salto de qualidade – seja no setor público ou privado. A má gestão, a incapacidade e o desperdício podem ser reduzidos, tornando o país mais eficiente, competitivo e reduzindo os impactos ambientais de suas atividades econômicas.

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Extinção em massa

Não sabemos ao certo quantas espécies existem na Terra. A estimativa mais recente, divulgada em 2011 pelo Instituto Censo da Vida Marinha (Census of Marine Life http://www.coml.org/), informa que o planeta tem 8,7 milhões de espécies vivas; 6,5 milhões vivendo na Terra e 2,2 milhões habitando os oceanos. A pesquisa, segundo o Instituto, pode ter uma margem de erro de 1,3 milhões de espécies para mais ou para menos. Estes dados não incluem seres vivos que não possuem núcleo celular, como as bactéria e os vírus, cujo número de espécies pode exceder o dos outros seres vivos. As espécies vivas efetivamente conhecidas e catalogadas giram em torno de 1,2 milhões. Assim, mais de sete milhões de tipos de seres vivos continuam desconhecidos e ainda não foram estudados. O estudo de novas espécies acrescenta mais conhecimentos sobre a diversidade da vida no planeta e sua evolução. Copiando formas e propriedades da natureza através da engenharia biomimética, indústrias desenvolvem novos materiais e produtos. A medicina descobre novas drogas e a pesquisa agrícola aprofunda seu conhecimento sobre solos, novas espécies de plantas cultiváveis e técnicas de plantio. Por isso é importante a proteção da biodiversidade do planeta. Nos últimos 500 milhões de anos a vida do planeta foi afetada por diversos cataclismos que causaram grande mortandade entre as espécies vivas. Estes acontecimentos, que podiam se estender por milhões de anos, foram chamados de extinções em massa - quando ecossistemas são totalmente destruídos ou afetados de tal maneira, que a vida já não é mais possível. A ciência conta cinco grandes extinções; sendo a maior delas a extinção do período Permiano, há cerca de 250 milhões de anos, que eliminou 95% de todas as espécies marinhas e 70% das terrestres. A outra extinção em massa importante - especialmente para nós, mamíferos - foi a extinção do Cretáceo-Paleógeno, ocorrida há 65 milhões de anos, exterminando 60% de toda a vida, incluindo todas os tipos de dinossauros, espécie dominante que foi substituída pelos mamíferos. Fala-se hoje de uma sexta extinção, causada pelo homem, que começou há cerca de 50 mil anos, quando nossa espécie passou a ocupar novas regiões. 120


Indícios do rápido desaparecimento de espécies, associadas à chegada do homo sapiens, são encontrados na Europa, Austrália e Américas. Com a disseminação da prática da agricultura, há nove mil anos, o processo se acelerou cada vez mais, aumentando com a industrialização. Somos hoje uma civilização planetária, abrigando 7,5 bilhões de pessoas, explorando todos os recursos disponíveis, à custa da sobrevivência das outras espécies. Segundo estudo da universidade de Stanford, desaparecem anualmente entre 11 e 58 mil espécies (o número é uma estimativa em função do número de espécies existentes); outras tiveram suas populações reduzidas em até 30% nos últimos quarenta anos. Cálculos estimam que cerca de cinco mil espécies estão sendo dizimadas a cada ano nas florestas tropicais. O empobrecimento destes ecossistemas torna-os mais vulneráveis aos fenômenos climáticos e a todo tipo de pragas. Apesar disso, continuamos mantendo nosso sistema de exploração dos recursos, ignorando tudo aquilo que para nós não tem uso imediato. Essa ignorância pode nos custar caro; podemos estar destruindo nossas possibilidades de sobrevivência.

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Produção de carne e redução de CO²

O Brasil, devido a sua extensão territorial e clima propício, é talhado para o agronegócio. Não é por outra razão que quase 50% das vendas internacionais brasileiras são de produtos deste setor. Especialistas preveem que nos próximos anos, com o aumento da população mundial e do consumo de carne, o Brasil terá um papel cada vez mais importante na produção deste alimento para o mundo. A carne bovina é e continuará sendo por muito tempo a mais importante fonte de proteínas para a humanidade. O aumento do padrão econômico de milhões de pessoas faz com que o consumo de carne continue crescendo, haja vista o que vem ocorrendo na China e entre a classe média ascendente, de religião islâmica, na Índia. Com o aumento da demanda, o Brasil expandiu em 727% suas exportações de carne entre 2000 e 2014, o que representou um salto de 779 milhões de dólares para 6,4 bilhões de dólares. No entanto, não somos os únicos fornecedores de carne no mercado mundial e com certeza a competição com países como os Estados Unidos, Argentina, Canadá e Austrália poderá, no futuro, ser cheia de surpresas. Guerra de preços, barreiras não alfandegárias, cotas, entre outros, podem ser problemas com os quais nosso setor agropecuário poderá se defrontar, nos próximos cinco a dez anos. Para evitarmos incorrer em uma guerra de preços com nossos concorrentes, precisamos aumentar a nossa produtividade. Segundo o jornalista Marcelo Leite, do jornal Folha de São Paulo, a pecuária bovina tem baixíssima densidade, alocando menos de 100 cabeças por quilômetro quadrado (km²), o que faz com que a atividade ocupe 2,2 milhões de km², dos quais 700 mil km² na Amazônia. Esta ocupação se dá à custa da derrubada da floresta nativa. Mesmo assim, nossa pecuária é muito ineficiente. Com 211 milhões de cabeças - o maior rebanho do mundo - produzimos 9,1 milhões de toneladas de carne, enquanto que os Estados Unidos, com 88 milhões de reses, produziram 11,7 milhões de toneladas.

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Outro aspecto negativo, que poderá gerar barreiras comerciais à nossa carne e aos seu derivados, é a grande emissão de metano, durante o processo de digestão de bois e vacas. O metano, como sabemos, é um dos gases de efeito estufa, responsável pelo aquecimento da atmosfera e das mudanças do clima. Os 115 milhões de toneladas de gás carbônico emitido por nosso rebanho, é equivalente à poluição produzida por uma frota de 115 milhões de veículos 1.0, rodando cada um 20 mil quilômetros por ano. Uma quantidade imensa de gás poluente. Uma possível solução é apresentada pela Universidade Federal de Minas Gerais, em associação com a ONG Aliança da Terra e pesquisadores americanos. Constatou-se que com uma melhor alimentação e em confinamento, o gado cresceria mais rápido, chegaria mais cedo ao tempo de abate e assim ficaria menos tempo no pasto, ruminando e arrotado o gás metano. A solução significaria um grande avanço, pois liberaria terras para a necessária expansão da agricultura, reduzindo o desmatamento, além de colocar o Brasil entre os países empenhados na redução de emissões - fato que terá um papel cada vez mais relevante nas relações comerciais internacionais. Assim, não seria surpresa se no futuro certos países estabelecessem barreiras e cotas para a carne e derivados, produzidos por nações não preocupadas com a redução de dióxido de carbono, gerado pela sua agropecuária.

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A influência da natureza

Todo ser vivo existe em constante interação com seu ambiente. O elefante, o homem, as bactérias e o vírus; todos têm seu habitat para sobreviver. Ao mesmo tempo em que está imerso no meio em que vive, o ser vivo também é uma unidade independente do resto da natureza. Fechado em si mesmo, cada indivíduo precisa gerar energia para manter-se vivo, através da incorporação de alimentos. Perdida a capacidade de subsistir e manter sua estrutura, o ser vivo se desfaz e volta incorporar-se ao ambiente. A influência do meio ambiente sobre o indivíduo é tão grande que quase não é mais possível estudar uma espécie abstraída de seu entorno. Assim cada ser vivo pode ser visto como um nó de uma vastíssima teia de relações, onde cada parte influencia a outra. Esta ideia é relativamente recente, foi criada na teoria dos sistemas, disciplina que estuda de modo interdisciplinar a organização e interação de fenômenos, incluindo seres vivos. Com o desenvolvimento da ecologia, da biologia molecular e de outras ciências ligadas ao estudo do meio ambiente, este conceito da interação entre ambiente e espécie tornou-se mais importante. Por esse motivo são tão complexos os Estudos de Impacto Ambiental e os Relatórios de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA), necessários para avaliar os efeitos de um projeto no local onde será instalado. No entanto, mesmo contando com uma infinidade de conhecimentos e equipamentos científicos, além de pesquisas feitas in loco, ainda não é possível estabelecer definitivamente todos os impactos de uma atividade. Efeitos microscópicos a longo prazo ainda são desconhecidos em muitos casos, como por exemplo o uso de sementes geneticamente modificadas e seu efeito sobre a flora do entorno. Há muitos aspectos ainda desconhecidos da natureza, que têm grande influência sobre os seres vivos. Nos últimos anos a ciência descobriu que além das bactérias, os vírus também atuam fortemente sobre a vida do planeta. Só para se ter uma ideia, em um litro de água do mar vivem cerca de 10 bilhões de bactérias, acompanhadas de 100 bilhões de vírus; todos no mesmo volume.

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No passado, os cientistas admitiam que nosso genoma (o conjunto de nossos genes) era basicamente determinante para nosso desenvolvimento. Atualmente, no entanto, descobriram que existem três aspectos adicionais, de grande impacto na maneira como nossos genes se comportam e nossos corpos (e de todas as espécies vivas) se desenvolvem e funcionam: o epigenoma (as substâncias que envolvem os genes); o microbioma (trilhões de bactérias que habitam nossos corpos células); e o viroma (trilhões de vírus que habitam essas mesmas bactérias, nossas células e todas as partes do nosso corpo). O viroma ainda é pouco conhecido. Os autores Juan Enriquez e Steve Gullans em seu livro "Evolving Ourselves: How Unnatural Selection and Nonrandom Mutation are Changing Life on Earth" (Desenvolvendo-nos: como a seleção não natural e a mutação não aleatória está mudando a vida na Terra), escrevem que "os vírus carregam, trocam e modificam os genes entre as células ou de uma espécie para outra. Eles dirigem a evolução em todas as escalas, nas bactérias, nas plantas, nos animais e nos humanos." Os estudos sobre o papel dos vírus na evolução da vida ainda estão no começo mas mostram, novamente, que a influência da natureza sobre nós é muito mais abrangente do que imaginamos.

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Cidade, a grande invenção humana

A cidade foi uma das maiores invenções da humanidade, há cerca de sete ou oito mil anos. De um modo geral, o surgimento das primeiras aglomerações humanas está ligado à prática da agricultura. Esta atividade começou a se difundir em toda a região do Crescente Fértil, área que engloba os atuais Iraque, Síria, Líbano, Egito, Israel, Jordânia, parte da Turquia e Irã. Sob a influência dos rios Nilo, Tigre e Eufrates, a população local desenvolveu a cultura de plantas que passariam a ser incorporados ao cardápio da posteridade, como a cevada, trigo, aveia, ervilha, lentilha, cebola; frutas como o figo, a tâmara, o pêssego e a ameixa. O excedente de alimentos produzido pela agricultura, associado à criação de gado, à pesca e eventual caça, permitiu com que um numero cada vez maior de pessoas se fixasse nas áreas urbanas, exercendo atividades tipicamente citadinas, como artesãos, ferreiros, prestadores de serviços, sacerdotes, etc. Assim, a cidade sumeriana de Tell Brak, localizada na atual Síria, já tinha uma população estimada em 4 mil pessoas por volta de 5.000 A.C.; as vizinhas Uruk e Larak tinham respectivamente 5 e 10 mil habitantes por volta de 4.000 A.C., sendo que a primeira alcançaria a impressionante população de 50 mil habitantes por volta de 2.500 A.C. A título de comparação, a cidade de São Paulo tinha pouco mais de 30 mil habitantes em 1872 e alcançou a cifra de 65 mil moradores somente em 1890. Foi no espaço das cidades de todo o mundo que se desenvolveram outras grandes criações humanas: o Estado, as religiões organizadas, a escrita e o cálculo, a ciência e a tecnologia. No entanto, apesar de serem as capitais dos impérios, os centros administrativos, religiosos e comerciais, as cidades tinham uma importância relativa, já que a maior parte da população vivia no campo de forma autossuficiente

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necessariamente não precisava frequentar a cidade. Muitas pessoas, até o fim do período medieval, visitavam a vila ou aldeia mais próxima somente algumas vezes em suas vidas. A partir dos séculos XIII e XIV ocorreram diversas mudanças econômicas, sociais e culturais na Europa, que fizeram com que as cidades passassem definitivamente a ser o centro das principais atividades humanas. 126


O campo ainda produzia alimentos e matérias primas, mas os centros urbanos agora é que ditavam os destinos das nações; eram as sede dos governos, do comércio, dos bancos, das universidades, da administração de impérios ultramarinos e da vida cultural. As metrópoles foram os focos irradiadores das novas ideias religiosas e políticas. A partir da segunda metade do século XVIII, as cidades também se tornaram o local das atividades industriais e da pesquisa científica. A cidade foi uma invenção tão bem sucedida que atualmente cerca de 55% da população mundial vive em metrópoles - no Brasil já são mais de 80% da população. Mas, como toda invenção humana, a cidade está sujeita a melhorias e adaptações, já que é o local onde se concentram inúmeras atividades humanas, sujeitas às condições históricas e ambientais do local onde ocorrem. A cidade, seja de que tamanho for, é a amostra de como funciona um país. De como atende às necessidades da população através do urbanismo, arquitetura, transporte, saneamento, segurança, lazer, condições de saúde, educação e cultura. É uma construção coletiva, da qual todos participam e devem se beneficiar.

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Sal, açúcar e gordura

A alimentação representa o mais antigo e fundamental vínculo que o ser humano tem com a natureza. Apesar de todo avanço da tecnologia agrícola, são as condições ambientais - como a temperatura e o ritmo de chuvas e as características do solo e de seus micro-organismos - que continuam sendo determinantes na produção dos alimentos. Durante centenas de milhares de anos nos alimentamos principalmente de carnes, acompanhadas de algumas raízes e eventuais frutos. Foi apenas nos últimos 10 mil anos, quando passamos a praticar a agricultura, que a base da nossa dieta passou a ser de cereais e grãos - trigo, aveia, arroz, milho. Os primeiros alimentos processados industrialmente surgiram no final do século XIX, tornando-se populares depois da 2ª Grande Guerra. Atualmente é quase impossível fazer uma refeição, sem ingerir algum alimento processado. Durante sua preparação, são adicionados aditivos químicos - corantes, aromatizantes, conservantes, antioxidantes, estabilizantes e acidulantes - que têm a função de dar sabor, cheiro, aspecto natural e durabilidade ao alimento. Outros componentes bastante importantes, dosados de modo a tornar os alimentos mais agradáveis ao paladar mas nem por isso mais saudáveis -, são o sal, o açúcar e a gordura hidrogenada. São estas substâncias que aumentam o impulso de consumo de produtos como refrigerantes, batatas fritas, salgadinhos, biscoitos, sorvetes e bolos. Há mais de quarenta anos é conhecida a estreita relação entre o sal, o açúcar, a gordura trans (hidrogenada) e as doenças cardiovasculares, o diabetes, o excesso de peso e certos tipos de câncer. Na Europa e nos Estados Unidos, campanhas governamentais e iniciativas de ONGs procuram conscientizar os consumidores sobre o perigo do excesso de sal, açúcar e gordura, contidos em determinados alimentos. Recentes legislações nestes países limitam a adição destas substâncias às comidas e exigem que os fabricantes incluam informações mais claras nos rótulos dos produtos. No Brasil o problema mal começou a ser discutido. O percentual de pessoas adultas com sobrepeso e obesas está em torno de 52% da população e o de crianças em 39%. 128


O aumento de peso das crianças se dá principalmente entre a população mais pobre, que consome quantidades maiores de alimentos processados, por serem mais baratos que os outros. Esta população tem menos acesso à informação e a recursos como médicos e clínicas especializados, academias e remédios. O filme brasileiro "Muito além do peso" (https://www.youtube.com/watch?v=8UGe5GiHCT4) aborda este problema, em reportagens sobre a má educação alimentar infantil no país. No Brasil, o controle da qualidade dos alimentos é partilhado por diversos órgãos e entidades da administração pública, como o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), Sistema Único de Saúde (SUS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), entre outros. A falta de clareza na competência do controle gera problemas, além das legislação excessivamente detalhada e nem sempre revisada. Segundo o jornalista americano Michael Moss, autor do livro traduzido "Sal, açúcar e gordura Como a indústria alimentícia nos fisgou", o setor está dominado por grandes empresas, que exercem forte pressão sobre o governo e a mídia. Assim, para ter melhor qualidade de vida, a sociedade civil precisa se organizar e reivindicar.

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Verde do extremo sul de São Paulo corre perigo

O extremo sul da cidade de São Paulo ainda dispõe de áreas verdes, constituídas por remanescentes da mata atlântica, repletos de nascentes e corpos d'água. Formada pelos atuais distritos de Parelheiros e Marsilac, a área viveu em relativo isolamento ao longo da história da cidade. Esta situação só foi interrompida em 1829, com a vinda de colonos alemães que por lá se estabeleceram. O núcleo deste povoamento é o atual bairro de Colônia. Sempre foi grande o número de chácaras e sítios na região, que com sua produção de hortaliças e produtos de granja abasteciam as cidades de Santo Amaro e de São Paulo - Santo Amaro foi município independente até 1935. A partir dos anos 1970 a cidade de São Paulo começou a crescer fortemente em direção ao leste e ao sul, regiões mais afastadas do centro e onde havia mais terra desocupada disponível. Na região de Santo Amaro e Capela de Socorro formaram-se extensos bairros e tiveram início as ocupações das margens das represas Guarapiranga e Billings. Ao longo dos anos 1980 e 1990, com a crise habitacional por que passava o país, estas ocupações clandestinas só aumentaram. O impacto ambiental deste processo era diverso: derrubada da vegetação original, geralmente formada por mata atlântica; formação de lixões clandestinos, já que o precário arruamento impedia a entrada de caminhões de coleta; e poluição das águas dos reservatórios, com a descarga de efluentes domésticos sem qualquer tratamento. O poder público pouco fez para barrar ou organizar a ocupação destas áreas de mananciais. As represas Guarapiranga e Billings são o maiores reservatórios da região da grande São Paulo e poderiam ser melhor aproveitados - principalmente a represa Billings - se suas água não estivessem contaminadas por tão grande volume de efluentes e resíduos. Nos últimos quinze anos o processo de ocupação irregular começou a avançar ainda mais para o extremo sul da cidade de São Paulo, alcançando Parelheiros e Marsilac. Áreas que até há alguns anos eram propriedades agrícolas do cinturão verde da cidade, foram transformadas em loteamentos. As ocupações clandestinas também avançam para dentro do perímetro da APA (área de proteção ambiental) BororéColônia, área de mananciais localizada entre as represas Billings e Guarapiranga. 130


O conhecido desmatamento "formiga" - invasões, adensamento populacional e pequenos desmatamentos - são comuns na região. Segundo reportagem publicada no jornal O Estado de São Paulo, a situação é do conhecimento da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, mas a fiscalização da região é quase inexistente. A região do extremo sul de São Paulo, que engloba as APAs Bororé-Colônia e Capivari-Monos ainda possui reservas florestais de mata atlântica e por isso ainda tem grande quantidade de nascentes e córregos que contribuem para alimentar as represas Guarapiranga e Billings. A floresta que cobre a região tem influência na temperatura e no grau de umidade das regiões circunvizinhas. Em tempos em que as cidades em todo o mundo procuram valorizar e ampliar suas áreas verdes, a prefeitura da cidade de São Paulo tem obrigação de zelar para que a cobertura vegetal do extremo sul não seja destruída. Sua supressão, além de destruir um bioma único, poderia causar impactos climáticos não só em São Paulo, mas em municípios limítrofes, como São Bernardo, Diadema, São Caetano e Santo André.

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Por que a questão ambiental avança tão lentamente?

Por que a questão ambiental avança tão lentamente no Brasil? A velocidade em que outros países industrializados implantaram mudanças estruturais na área ambiental políticas governamentais, legislação, normas técnicas, controle das empresas públicas e privadas - foi bem mais rápida. Basta ver o progresso em toda a Europa e Estados Unidos, no que se refere à atuação ambiental de governos e empresas, ocorrido entre o final da década de 1960 e os anos 1980. Em pouco mais de uma década, houve uma verdadeira revolução no que se refere à redução dos impactos diretos ao meio ambiente - água, solo e ar -, concretizada através de grandes projetos de despoluição, modernas estruturas de gerenciamento de resíduos e melhores controles das emissões atmosféricas. É verdade que a fase de pleno desenvolvimento do capitalismo industrial por que passavam os países desenvolvidos naquela época, contribuiu para gerar excedentes de recursos que foram efetivamente alocados na solução de grande parte dos problemas ambientais. Ocorria que os governos, pressionados pela sociedade civil, criaram leis ambientais mais rígidas, a serem cumpridas pelas empresas e pelos governos, que para isto dispunham de capitais. Em dez ou quinze anos, bacias hidrográficas e grandes áreas de solos contaminados foram recuperadas. Extensos programas de reuso e reciclagem de materiais, reduzindo drasticamente os volumes destinados aos aterros - construídos dentro de padrões técnicos -, foram implantados e passaram a gerar milhões de empregos e novas demandas tecnológicas. O processo foi relativamente rápido: da pressão popular para melhores leis e normas, e destas para obras que ajudaram a reduzir a poluição e o impacto aos recursos naturais. Para colocar este processo em marcha foi necessário o desenvolvimento de novas tecnologias, para o que contribuíram os financiamentos governamentais e a cooperação entre institutos de pesquisa, as universidades e o setor privado. No Brasil a questão da redução dos impactos ambientais, ocasionados pelas atividades econômicas, avança lentamente.

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Já faz mais de trinta anos que o país criou a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (6938 de 17/01/81), a mais importante. Outras normas importantes foram elaboradas entre os anos 1980 (em sua maior parte) e nos anos 1990. Mais detalhes em: http://planetaorganico.com.br/site/index.php/meio-ambiente-as-17-leis-ambientaisdo-brasil/. Portanto, não nos faltam leis. Recursos também não faltam ao governo e às empresas; principalmente aquelas com maior impacto ambiental como mineradoras, construtoras, agronegócio e pecuária, empresas públicas de saneamento, setor químico e petroquímico, entre outros. Poucos recursos do PAC, além daqueles destinados ao saneamento e que também foram reduzidos, estão sendo utilizados para controle da poluição. A grande falha, a nosso ver, ainda está no baixo grau de conscientização da sociedade civil. Apesar de ter uma vaga noção sobre poluição, grande parte da população desconhece suas causas econômicas e políticas e não exerce seu direito a um ambiente limpo, assegurado pela Constituição. A mídia crítica faz seu papel da melhor maneira possível, mas devido ao baixo nível educacional do povo acaba falando sempre para os mesmos. Assim, sem pressão e mobilização "fica tudo como dantes no quartel de Abrantes", como já diziam os portugueses.

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Produção, distribuição e consumo de alimentos

Em várias partes do mundo persistem os problemas de saúde ligados à falta de alimentos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a subnutrição ainda é causa indireta de cerca de 30% das mortes de crianças no mundo. Afetando o desenvolvimento físico e mental de milhões de crianças, a subalimentação também compromete seu desenvolvimento intelectual e profissional, diminuindo o número de cidadãos preparados para contribuir com o desenvolvimento de seus países. Este é o ciclo vicioso a que são condenadas regiões pobres em todo o mundo: falta de acesso a alimentos gera subnutrição. Esta prejudica o desenvolvimento intelectual e profissional de parte da população. Na falta de cidadãos preparados, o crescimento da economia fica comprometido e desta forma não geram-se menos recursos para produzir ou comprar alimentos para toda a população - principalmente aquela mais necessitada. Por isso, é preciso que os países detentores de tecnologia agrícola desenvolvida atuem nestes países na transferência de conhecimentos. A fome ainda presente no século XXI não é por falta de alimentos. A produção mundial de comida é suficiente para abastecer os atuais 7,3 bilhões de habitantes da Terra. Se parte da população dos países menos desenvolvidos não tem acesso a quantidades suficientes de comida, isto se deve a fatores como insuficiente produção local; falta de recursos do país para adquirir alimentos no mercado internacional; e elevação dos preços internacionais devido a ações especulativas, entre outros. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) alerta que a população mundial deverá atingir 9 bilhões em 2050, o que incrementará a procura por alimentos. Segundo os especialistas, para fazer frente a esta demanda, o mundo deverá atacar este problema em três frentes principais. Primeiro, aumentar a produção de produtos agrícolas, sem comprometer os recursos naturais, não avançando sobre áreas de vegetação natural. Isto significa que o Brasil, por exemplo, precisará investir muito mais em pesquisa e tecnologia - o que em parte já vem fazendo - para obter uma melhor produtividade das áreas agrícolas já existentes.

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O segundo aspecto a ser considerado é a melhoria dos sistemas de armazenagem e distribuição das colheitas. Dados apontam que cerca de 30% dos produtos agrícolas mundiais são perdidos entre o campo e o ponto de venda do produto. Será necessário, na maioria dos países produtores, construir mais silos e armazéns, ampliar a rede rodoviária, ferroviária e ampliar e modernizar as instalações portuárias. A última providência sugerida pelos estudiosos é reduzir a perda de alimentos nos pontos de venda e entre os consumidores. Segundo um relatório elaborado pela FAO, depois de comprados, aproximadamente 50% dos alimentos são jogados fora, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. No Brasil aproxima 70.000 toneladas (aproximadamente 2.800 carretas) de alimentos acabam no lixo a cada ano no Brasil. Compra de produtos em excesso, mal acondicionamento são fatores que fazem com que milhões de famílias descartem quantidade imensas de alimentos, sem reaproveitá-las. No futuro serão necessárias campanhas em todos os países principalmente os ricos - incentivando e ensinando o reaproveitamento de alimentos. Se os alimentos forem melhor manuseados e aproveitados, haverá comida para todos.

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O clima e o oceano

O oceano foi muito provavelmente o local onde se originou a vida, há 3,8 bilhões de anos. Ali ela permaneceu e se desenvolveu até que há cerca de 380 milhões de anos os primeiros seres vertebrados passaram a ocupar terra firme. Desde então, os mares continuaram a ser o habitat de centenas de milhões de tipos de animais, que se sucederam ao longo da história da vida. Durante este longo período, as espécies estiveram sujeitas àquilo que a ciência chama de extinções em massa: cataclismos que causaram o desaparecimento de dezenas de milhares até milhões de espécies, em um período de tempo relativamente curto, de algumas alguns milênios. Estas extinções foram causadas por grandes erupções vulcânicas, espalhando cinzas na atmosfera e impedindo a entrada de parte da luz solar, esfriando a temperatura do globo; terremotos seguidos de imensos maremotos, com ondas colossais com altura de dezenas de metros, inundando e destruindo toda vida em seu caminho. De uma maneira ou de outra os mares eram bastante afetados, tendo sua temperatura ou constituição química das águas alterada, o que frequentemente provocava grande mortandade de espécies. Aqui vale lembrar que muitas espécies não desapareciam por causa das condições físico-químicas das águas, mas pela falta de alimento. Se espécies que estavam na base da cadeira alimentar - como atualmente as anchovas e sardinhas - fossem afetadas pela mudança das condições, todos os seus predadores também desapareceriam por falta de alimento. Essa a razão por que as mudanças climáticas e suas consequências no planeta são um evento tão complexo; sabe-se como se iniciam, mas é difícil prever seu desenvolvimento e consequências. Por causa das atividades humanas interferindo nos oceanos aproximamo-nos de mais uma era de extinções de espécies em massa, segundo os cientistas. As condições dos mares, segundo especialistas, estão se aproximando daquelas de 55 milhões de anos passados, no período geológico conhecido como Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno, que se caracterizou por uma mudança brusca no clima, alterando em curto espaço de tempo a circulação do oceano e da atmosfera.

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Em um breve período de seis mil anos, segundo dados geológicos, a temperatura média da Terra aumentou em 6º Celsius, fazendo com que subisse o nível do mar e crescesse a concentração de dióxido de carbono (CO²) e metano (CH4) na atmosfera. A consequente escassez de oxigênio das águas oceânicas provocou uma mortandade em massa de espécies. Enquanto que no início do Paleoceno-Eoceno houve uma forte atividade vulcânica na Terra - o que aumentou a concentração de gases na atmosfera -, atualmente ocorrem fortes emissões de gases através das atividades humanas pela queima de combustíveis fósseis. Outro aspecto é que quanto mais subir a temperatura da atmosfera, tanto maior será a liberação de gás metano nas regiões de permafrost – solos congelados da região ártica contendo grande quantidade de matéria orgânica, que aquecida libera o gás resultante da decomposição destes materiais. O gás carbônico contido na atmosfera se mistura com a água do oceano, tornando-a mais ácida. Grandes quantidades de fertilizantes e esgotos domésticos, que regularmente são carregados para os mares, reduzem a quantidade de oxigênio dissolvido. Cientistas chamam esta situação de "trio mortal" para os mares: aumento da temperatura, acidificação e baixa taxa de oxigênio. A estes fatores ainda se alia o fato de que a pesca predatória só aumentou ao longo das últimas décadas.

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A parábola do sapo e do Leviatã

Famosa é aquela história (ou será parábola?) do sapo e da panela sobre o fogo. Segundo dizem, se você colocar o animal na água ainda fria, ele não perceberá que a água está esquentando e morrerá quando o líquido ferver. Mas se você pegar o anfíbio e jogá-lo em água já quente, ele imediatamente saltará do recipiente. Verdade ou não - e existem aqueles que afirmam que experiências comprovam o relato - a história não quer nos ensinar nada a respeito das reações deste pobres animais submetidos a experiências tão dolorosas, mas nos dizer algo sobre nós mesmos. Na forma de parábola, o relato se refere ao nosso relacionamento com o meio ambiente, principalmente nos últimos 50 anos, quando nossa atuação sobre a natureza se tornou cada vez mais destruidora. Se há 100 ou 150 anos abríamos estradas, geralmente de terra para a passagem dos raros automóveis ou de carroças, em nossos dias mudamos paisagens inteiras, para a construção de autoestradas de seis ou oito pistas, permitindo o deslocamento de milhões de veículos e pesados caminhões. Para nós modernos, tudo parece muito natural. Grandes obras, imensas cidades, largas áreas de monocultura, enormes fábricas empregando milhares de operários; tudo grande para produzir e distribuir vastas quantidades de produtos a serem consumidas por milhões de pessoas. A imagem lembra o gigantesco Leviatã, descrito pelo filósofo Thomas Hobbes. O monstro, que segura um cetro e uma espada representa o Estado, que por ser formado por milhões de cidadãos tem a aparência de um homem, constituído por inúmeras imagens de pessoas. É aí que entra a parábola do sapo, mas que nos tempos atuais se transformou em Leviatã. O colossal personagem - na realidade formado pelos interesses, apetites e ações de bilhões de criaturas humanas - não percebe que através de sua atuação está destruindo suas próprias possibilidades de sobrevivência a longo prazo. A exaustão dos recursos naturais e a destruição dos ecossistemas que os abrigam, colocarão em risco, cedo ou tarde, a sobrevivência dos estados na forma como os conhecemos hoje.

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Secas, tornados, nevascas, chuvas torrenciais, serão fenômenos climáticos que se tornarão cada vez mais comuns. A exaustão dos solos, dos recursos hídricos; a diminuição das espécies de peixes comestíveis; a destruição das florestas temperadas e tropicais. Tudo isto já está acontecendo, basta prestar atenção aos noticiários ou escutar as palavras dos cientistas. Enquanto isso, a economia faz questão em ignorar o assunto. "É preciso que a economia funcione a um ritmo cada vez mais rápido, para que cada vez mais pessoas possam consumir. Mais consumo, mais empregos, mais riqueza." Será? Para que possa aumentar a velocidade da produção e do consumo é preciso tornar os produtos obsoletos em menor tempo. E assim consumo, venda e produção ocorrem em cada vez menor tempo, aumentando o ritmo de uso dos recursos naturais necessários para a produção de mercadorias (muito anunciadas pela propaganda e cujo financiamento é facilitado). Onde isto vai parar ninguém sabe. Ou sabe. Basta ver a maneira como estamos degradando o ambiente com nossas atividades econômicas. Somos o sapo que se transformou em Leviatã e que não se dá conta de que a cada dia, ano e década a água está mais quente. Ainda há tempo para saltar da panela. Mais um pouco, no entanto, e será tarde para a maior parte de nós.

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Os rios e o espaço urbano

Nos dias quentes do verão suíço, milhares de pessoas tomam banho no rio Limmat, que liga o lago Zurique ao rio Aare. Até aí nada de especial. Milhões de pessoas tomam banho em milhares de rios no mundo inteiro. O detalhe é que esta cena se passa no centro financeiro da cidade de Zurique, a mais populosa cidade da Suíça com mais de 400 mil habitantes. Muitos dos banhistas são pessoas que trabalham no bairro central da metrópole e que usam parte de sua hora de almoço para dar um mergulho no rio de águas límpidas. Em Seoul, capital da Coréia do Sul, a população de um dos bairros mais populosos da cidade tem uma nova área de lazer. Ladeado por avenidas e prédios corre o rio Cheonggyecheon, em cujas margens existem pequenos jardins e áreas de passeio, muito utilizados pela população. O rio, limpo e habitado por diversas espécies de peixes, se estende por mais de cinco quilômetros pela cidade, por vezes interrompido por cascatas e atravessado por pequenas pontes. Um ambiente idílico em plena área urbana, em região onde até o início da década passada se erguia um elevado, percorrido diariamente por milhares de automóveis. Dois exemplos de como é possível conviver com os cursos d'água em plena área urbana, mesmo em grande metrópoles. Seoul, por exemplo, tem uma população de 10,1 milhões de habitantes concentrada em uma área de 605 km²; pouco mais de um terço da área da cidade de São Paulo (1.522 km²) para uma população quase equivalente (São Paulo tem 12 milhões de habitantes). Assim, quando aqui no Brasil invadimos as áreas de várzea, ocupando as baixas dos rios com avenidas e obras urbanas, não se trata absolutamente de falta de espaço. Isto ocorre porque em grande parte das administrações municipais ainda persiste uma visão urbanística que tem origens no passado. Segundo este tipo de pensamento, muito em voga entre os urbanistas e planejadores no final do século XIX e início do XX, as regiões baixas das várzeas e dos rios continham miasmas, "ares ou vapores" que podiam transmitir doenças como o cólera e o tifo. O médico inglês William Farr, responsável pelo censo populacional de Londres em 1851, foi um ferrenho defensor e propagador desta teoria. O argumento também foi usado para que o arquiteto 140


francês Hausmann pudesse promover a reurbanização da capital francesa, desalojando milhares de pessoas pobres que viviam em prédios antigos, localizados perto do rio Sena. Apesar de partir do incorreto pressuposto dos miasmas, a teoria acertava no fato de que áreas de várzea e rios podiam ser foco de doenças, por serem habitat de mosquitos, ratos, baratas e outros tipos de vetores. A teoria errava, quando assumia que estas áreas deveriam ser simplesmente aterradas, transformadas em avenidas, ter os rios canalizados; por serem estas áreas "sujas" e "não urbanas", que não deveriam nem poderiam ser incorporadas ao espaço urbano. Este tipo de visão influenciou muitos urbanistas e administradores, responsáveis pela modernização dos centros urbanos durante o século XX. No entanto, em muitas cidades o processo foi revertido, fazendo com que várzeas e rios fossem inteligentemente incorporados (ou reincorporados) ao dia a dia da cidade, propiciando bem estar, lazer e contato com a natureza. No Brasil, ainda aguardamos pela recuperação de rios como o Tietê e Pinheiros em São Paulo; o rio Belém em Curitiba; o rio dos Sinos em Porto Alegre; o Capibaribe, em Recife; e muitos outros país afora. As grandes metrópoles têm muito a ganhar em qualidade de vida, com a inserção destes rios no espaço urbano.

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Brasil não dispõe de banheiros públicos

A falta de coleta e tratamento de esgoto é um grande problema ambiental no Brasil, refletindo pouca atenção à higiene e saúde pública. Assim, não é de estranhar que ainda existam 3,5 milhões de casas que não dispõem de um banheiro, segundo o Censo do IBGE de 2010. A falta de sanitários públicos nas cidades também é um problema em todo o país, onde grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro improvisam soluções com banheiros químicos móveis pouco higiênicos. A falta de banheiros públicos nos centros urbanos também tem explicações históricas. Até os anos 1960 a maior parte da população vivia em áreas rurais, as cidades eram menos populosas e de menor área. Na maior parte das aglomerações urbanas então existentes, seus habitantes não tinham necessidade de longos deslocamentos por grandes distâncias. Era possível resolver as pendências pessoais em torno dos quarteirões que cercavam a praça da matriz, já que era por ali que se situavam os cartórios, bancos, consultórios médicos, etc. Se o transeunte precisasse “aliviar suas necessidades”, havia sempre um bosque, uma beira de rio ou local ermo. Quem estava em viagem pela cidade, tinha um hotel, hospedaria ou pensão como local de permanência. Nos últimos 50 ou 60 anos a população brasileira cresceu exponencialmente, inchando os centros urbanos. No entanto, nenhuma cidade brasileira, pequena ou grande, resolveu um problema básico de seus habitantes ou visitantes: onde fazer as necessidades fisiológicas, quando fora de casa? Os poucos banheiros disponíveis em aeroportos, shopping centers, rodoviárias, estações de metrô, ônibus ou trem, estão em locais afastados, geralmente longe de onde circula a maior parte da população. Isto sem falar das condições de higiene destes banheiros, muito ruins, especialmente para as mulheres. Nas estradas brasileiras a situação não é diferente. O país possui uma malha rodoviária de aproximadamente 1,3 milhão de quilômetros, dos quais apenas 140 mil estão pavimentados. Destes, 14 mil quilômetros foram transferidos a 51 empresas privadas, que operam estas rodovias em regime de concessão.

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Nesta modalidade, as concessionárias são responsáveis pela manutenção e conservação das estradas e se remuneram através da cobrança de uma taxa, o pedágio. As autovias privadas são melhores do que aquelas sob responsabilidade dos governos municipais, estaduais e federal, dispondo de boa infraestrutura, sinalização, telefones de emergência e equipes de apoio. No entanto, um importante item que mesmo as estradas sob administração privada não dispõem são os banheiros públicos. Não fosse algum restaurante, lanchonete ou posto de gasolina no percurso, o usuário teria que aliviar suas necessidades à beira da estrada, como de fato muitas vezes acontece. Recentemente vimos em uma importante estrada em São Paulo, de altíssimo fluxo de veículos, alguns banheiros químicos, colocados lá para atender a “demandas urgentes”. Instalações de alvenaria, limpas, higiênicas, principalmente para mulheres e crianças, não existem nas estradas brasileiras. O poder público tem como obrigação zelar pela higiene e pelo bem estar da população – pelo menos é o que acontece em países civilizados e modernos. A exemplo do que ocorre nestes lugares, já é hora de nossos prefeitos e do Ministério dos Transportes pensarem em soluções para este problema tão humano.

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Natureza e felicidade

Hoje nossa cultura dá muito valor ao bem-estar, à alegria e, cada vez mais frequentemente, à felicidade (ou aquilo que as pessoas consideram como tal). Atendidas as necessidades básicas de alimentação e proteção para a maior parte da população – pelo menos nas nações desenvolvidas e em desenvolvimento, sob influência da cultura europeia – a ideia da simples sobrevivência passa a dar lugar a viver bem; viver com qualidade. E isto, além de incluir uma barriga cheia e um teto sobre a cabeça, também abrange segurança quanto ao futuro e saúde para desfrutálo. A este estado comumente se chama de bem estar, com momentos de alegria e, mais raramente, felicidade. Nossa sociedade afluente tem origem no desenvolvimento de um tipo específico de capitalismo baseado no consumo, que surgiu nos Estados Unidos no início do século XX. O país à época já era o mais fortemente industrializado e disponha de um grande número de trabalhadores com recursos excedentes para o consumo. Assim, foram inventadas máquinas e engenhocas, que se tornaram imprescindíveis no dia a dia das pessoas e que devido ao seu relativo baixo custo, poderiam ser adquiridas por grande parte da população: geladeiras, fogões, torradeiras, máquinas de lavar, automóveis. Nos anos 1930, com a popularização do uso da eletricidade (também no Brasil), apareceram os toca-discos, rádios, barbeadores elétricos e vários outros itens de utilidades domésticas. Todos estes implementos são feitos para aumentar a sensação de conforto e bem-estar, e sua compra traz alegria para muitos – mesmo que as prestações sejam altas ou que a assistência técnica dos produtos ruim. Por toda a história também houve pessoas que defendiam uma vida mais simples. Desde os antigos filósofos cínicos e estoicos da Grécia e de Roma, passando pelas ordens religiosas mendicantes da Idade Média, até chegar aos intelectuais e ativistas modernos. Figuras como o poeta inglês William Blake (1757-1827), o escritor e filósofo americano Henry David Thoureau (1817-1862) e o escritor alemão Hermann Hesse (1877-1962) transmitiam em suas obras uma oposição ao industrialismo e contra a ilusória busca da felicidade baseada na obtenção de bens de consumo.

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Influenciado por estes e outros pensadores críticos, nasceu nos Estados Unidos nos anos 1960 o movimento “hippie” (palavra derivada de “hip”, que em inglês indica pessoa bem informada), que em poucos anos se espalhou por todo o mundo. Os hippies defendiam uma vida simples, livre do excessivo consumismo da sociedade industrial e valorizavam a natureza, em seus diversos aspectos. Pensadores que influenciaram o ideário hippie foram filósofos como Alan Watts (1915-1973) e Herbert Marcuse (1898-1979), além da filosofia indiana, o pensamento anarquista e o movimento da contracultura. Muito daquilo que os ambientalistas passaram a defender no final dos anos 1960 e início de 1970 tinha suas origens no pensamento hippie. Alguns fundadores de importantes ONGs, como o Greenpeace, são oriundos de grupos da contracultura americana e inglesa. Em um ponto todos estes movimentos e filosofias estão de acordo: a felicidade, ou pelo menos a alegria, estava muito mais em uma volta à natureza; uma vida mais simples. Não no consumo, que muitas vezes não chega nem a nos trazer conforto e bem estar, servindo apenas como passatempo dispendioso, para afugentar o tédio.

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Proteção aos animais

Nos últimos quarenta anos a ciência aprofundou seus conhecimentos sobre os animais, observando seu comportamento e sua percepção. Em estudos de campo na natureza, em áreas de cativeiro e experiências em laboratórios, os pesquisadores descobriram um complexo “mundo interior”, principalmente nos mamíferos e nas aves. Com isso, é cada vez mais aceita a ideia de que estes animais são seres sencientes; capazes de sentirem prazer e dor, sofrimento e felicidade, sendo dotados de lembranças e pensamentos. A relação do animal homem com os outros animais sempre foi de estranhamento. Diversas tradições religiosas consideram o ser humano como a única criatura dotada de alma imortal, diferente de outros seres vivos, que segundo o filósofo francês Descartes (1596-1650), não passavam de autômatos que apenas reagiam aos impulsos. Esta visão ainda persiste, por exemplo, em nosso Código Civil, que considera os animais como “coisa fungível (substituível) e semovente (move-se por si mesmo) no caso de possuírem proprietário”. Se não têm dono, são como “res nullius” (coisa de ninguém), podendo ser apropriados por qualquer pessoa. Assim, tratamos juridicamente os demais seres vivos como “coisa” e damo-nos o direito de fazer com eles o que quisermos – geralmente visando lucro. A ciência, neste caso, tem muito a dizer sobre a complexidade dos animais. Frans de Waal, zoólogo e estudioso de renome internacional, relata em recente artigo (Scientific American Brasil/outubro de 2014), o caso de uma fêmea de chimpanzé que sofre de artrite. Em diversas atividades ela é ajudada por outros macacos de seu grupo. De Waal conclui sobre a cooperação entre primatas: 1) A cooperação não exige laços familiares; 2) A cooperação é muitas vezes baseada na reciprocidade; e 3) A cooperação pode ser motivada por empatia, emoção despertada quando outros sentem dor ou sofrimento. Em toda a sua extensa obra sobre os macacos primatas, o zoólogo procura mostrar que muitas atitudes e reações tidas como humanas, já se encontram, pelo menos em sua forma simples, no comportamento dos nossos primos chimpanzés – pela teoria darwiniana descendemos de uma espécie comum.

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Assim, comportamentos de colaboração, partilha e divisão justa, são comuns a muitas espécies. Waal escreve que “A sobrevivência depende de partilhar, o que explica por que humanos e animais são extremamente sensíveis às divisões justas. Experiências mostram que macacos, cães e algumas aves sociais rejeitam algumas recompensas inferiores às de um companheiro que executa a mesma tarefa; chimpanzés e humanos vão ainda mais longe, moderando sua porção de recompensa conjunta para evitar frustração alheia. Devemos nosso senso de justiça a um longo histórico de cooperação mútua” (SCIAM 149). A revista Página 22, da FGV, publicou em sua edição de julho de 2014 que a França recentemente alterou seu Código Civil, no qual agora os animais não humanos obtiveram o status de “seres vivos dotados de sensibilidade”. No Brasil tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei no. 6.799/13 do deputado Ricardo Izar (PSDSP), propondo a mudança da natureza jurídica dos animais de “bens de posse” para “sujeitos de direito”, já que segundo o deputado a legislação sobre crimes ambientais é insuficiente para proteger os animais dos maus-tratos. Uma sociedade que respeita os animais não humanos tende a respeitar mais ainda os humanos.

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Meio ambiente: natureza e cultura

Há pelo menos vinte anos escutamos falar cada vez mais sobre temas ecológicos. A proteção do meio ambiente, o aumento da poluição, a exaustão dos recursos naturais, o uso dos recursos hídricos, a conservação das florestas, o aquecimento global, a gestão dos resíduos urbanos. São todos temas que se incluem na questão ambiental, tão tratada pela mídia e cada vez mais importante nas decisões políticas e econômicas de nações e empresas, além de afetar diretamente a vida do cidadão comum. Mas o que é o meio ambiente, do qual todos falam? São as florestas e os desertos, a atmosfera e os oceanos; são os rios que cortam as cidades e as lavouras, os animais selvagens e domésticos; é a área verde do nosso prédio e o canteiro central da avenida? Parece que é tudo isso e muito mais, incluindo todas as atividades que de alguma maneira causam efeito sobre este ambiente em que habita a nossa civilização. Aí podemos incluir a agricultura, a criação de gado e a pesca em alto mar; a produção de tudo o que consumimos; desde a extração das matérias primas até o transporte à loja ou nossa casa. A coisa vai tão longe que até o nosso lixo, o combustível e a fumaça dos nossos carros, a descarga de todos os banheiros e a água de chuveiros faz parte do meio ambiente. Incluso o nosso corpo, os alimentos que ingerimos, os milhares de tipos de bactérias que vivem em nosso intestino, tudo isto faz parte do meio ambiente. Meio ambiente é tudo. Em uma linguagem religiosa podemos dizer que meio ambiente é tudo aquilo que Deus colocou em existência nos primeiros seis dias da Criação. No entanto, meio ambiente é tudo isso e ainda mais. Não são somente as coisas que existem na natureza, mas principalmente a relação entre elas. Sim, porque o mundo natural não é estático; todas as coisas exercem influência umas sobre as outras. O Sol evapora a água dos oceanos, que cai na forma de chuva e é absorvida pelo solo, que molhado libera os alimentos para as raízes das plantas, que para crescer incorporam CO², que causa o aquecimento da atmosfera, que aquecida causa os fenômenos climáticos, que, que, que... Uma complexa teia de causas e efeitos classificada pelos cientistas como sistemas complexos - um conjunto de coisas e relações complicadas e difíceis de serem estudadas. 148


Mas não é somente a geleira do Ártico que se derrete com o aquecimento da atmosfera, a floresta amazônica que é dizimada pela agricultura e pecuária ou os tubarões que são mortos indiscriminadamente. Nossa civilização planetária desenvolveu-se tanto tecnologicamente e exerce cada vez mais pressão sobre a natureza, utilizando-se de seus recursos, que é impossível que alguma atividade humana não cause certo impacto sobre o ambiente, seja localmente ou globalmente. Isto é ainda mais verdade há pelo menos 200 anos, quando o processo de industrialização e da moderna urbanização que teve início na Europa, espalhou-se gradualmente por todo o mundo. Paradoxalmente, apesar de tecnologicamente avançados como nunca o fomos, nós humanos dependemos cada vez mais da natureza. Criamos as ferramentas, a agricultura, e as leis; inventamos histórias para nós mesmos na religião, na literatura, filosofia, e outras ciências. Mas dependemos cada vez mais dos recursos naturais energia e matéria - para continuar mantendo o nosso próprio ambiente humano, elaborado ao longo dos últimos milhares de anos.

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Avanço tecnológico e gestão de recursos

Todas as sociedades passadas, presentes e futuras, subsistiram e subsistirão através do uso de recursos naturais. A afirmação parece óbvia. No entanto, ao estudarmos os diferentes períodos históricos – e também os pré-históricos – aprendemos que os recursos naturais raramente foram usados com parcimônia pela humanidade. A luta pela sobrevivência de nossos antepassados, fez com que diversas espécies de mamíferos e aves fossem extintas na África, Europa, Austrália e América, entre 50 e 10 mil anos atrás. Na Antiguidade, gregos e romanos derrubaram imensas florestas de cedro na orla do Mediterrâneo, para construírem suas frotas navais de comércio e guerra. O aumento da população europeia a partir do século X provocou a expansão da agricultura e com isso a derrubada de florestas, aterramento de pântanos e a canalização de rios. A exploração dos recursos só não era maior, porque faltava tecnologia. O carvão mineral, por exemplo, parece ter sido usado como combustível nos séculos II e III em certas regiões da então província romana da Germânia. Depois, sua utilização foi esquecida, vindo a ser redescoberta no século XII, como substituto à lenha, que estava escasseando em certas regiões da Europa. Seu uso, porém, não se tornou disseminado, já que o carvão não era encontrável em todos os lugares e seus custos de transporte eram muito altos. Assim, foi somente no século XVIII, com o advento da industrialização na Europa, que o carvão mineral passou a ser explorado em quantidades cada vez maiores. Pouco desenvolvimento tecnológico faz com que se utilize menor diversidade de recursos naturais ou que os já conhecidos sejam usados de forma limitada. A água, pelo menos até antes do início da Revolução Industrial, era utilizada para regar as plantações, dessedentar humanos e animais, carregar resíduos e – de forma ainda primitiva – gerar trabalho com o acionamento de máquinas. Fazendo uso de sistemas de roldanas e cabos, as cerrarias podiam acionar longas serras e as tecelagens movimentavam as pesadas máquinas de tecer. No início do século XVIII, o inglês James Watt aprimoraria a utilização do vapor d’água para aumentar a capacidade das máquinas e assim ampliaria as aplicações da água. 150


Ainda no século XIX se inventaria uma máquina (turbina) que, aproveitando o movimento da água, geraria eletricidade. Ao mesmo tempo aumentava a utilização da água na nascente indústria química, na siderurgia e nas primeiras estações de tratamento de água e de esgotos, instaladas nas grandes cidades europeias. As diversas aplicações da água à movimentação da economia aumentavam exponencialmente. A partir dos anos 1950 do século XX toma importância cada vez maior a gestão dos recursos hídricos, associada à implantação de grandes obras de infraestrutura, expansão da revolução verde na agricultura e financiamento internacional de projetos hídricos em países pobres e em desenvolvimento. No Brasil, foi o período em que começaram a aparecer os projetos das estações de água e de efluentes, sem que chegassem a atender toda a demanda – pelo menos até hoje. A recente crise hídrica por que passam diferentes regiões do Brasil, reflete também a má gestão do precioso recurso. Atualmente, dispomos de conhecimentos técnicos e recursos, que, se bem utilizados, poderiam ter diminuído o impacto deste fenômeno. Faltou vontade.

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Extinção de espécies, o que perdemos?

Nossas atividades econômicas, de uma maneira ou outra, estão gradualmente destruindo o meio ambiente natural. Derrubamos a floresta para criação de gado, preparamos áreas para abertura de condomínios residenciais, canalizamos córregos para construção de estradas; sempre alteramos os ecossistemas originais. Com isso, o complexo sistema formado pelo solo, recursos hídricos, vegetação e animais (inclusive a microfauna) é destruído parcial ou totalmente, fazendo com que perca seu equilíbrio, o que provoca a morte de espécies que habitam o ecossistema. Outros indivíduos da mesma espécie podem voltar a ocupar o ambiente alterado – caso ainda encontrem condições de sobrevivência – ou desaparecer daquela região. Se estas espécies forem do tipo endêmico, que existem somente em um determinado lugar, teremos destruído um tipo de animal ou planta, produto de milhões de anos de evolução, que nunca mais voltará a existir. O desaparecimento de uma espécie vegetal ou animal, na maior parte dos casos, não tem nenhum efeito sobre nossas atividades diárias – pelo menos é o que a maioria de nós pensa. Que efeito terá sobre nosso dia a dia a extinção de uma planta que só existia nos arredores da região sul da metrópole de São Paulo e que foi extinta com a construção do Rodoanel (tal fato quase ocorreu efetivamente)? O que importa para o país, às voltas com tantos problemas econômicos e sociais, o desaparecimento de uma ave, recentemente identificada na Amazônia, mas que já está em processo de extinção? Pouco ou nada, diremos. Ainda somos ignorantes em relação às complexas conexões que existem neste vastíssimo sistema chamado vida. Desconhecemos a maneira como a eliminação de um tipo de vegetal ou ave pode influir no equilíbrio (sempre instável) de todo um ecossistema. Quais espécies de animais se alimentavam das folhas e do néctar das flores desta planta, e qual a posição destas espécies na cadeia alimentar daquele ecossistema? Que tipo de inseto e semente foi o alimento da ave? Conhecer as respostas a estas perguntas e muitas outras, poderia ajudar os cientistas a prever as chances de sobrevivência dos ecossistemas dos quais planta e ave desapareceram.

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Estudar propriedades químicas da seiva da planta e as cores da plumagem do pássaro proporcionaria, eventualmente, novas substâncias para o combate de doenças e conhecimento sobre microestruturas nas penas que, copiadas, melhorariam técnicas de camuflagem. Estas oportunidades, importantes para a nossa vida diária e para os problemas do país, desaparecem quando espécies se tornam extintas. Se cada espécie, planta ou animal, para muitos não tem importância em si e nem por sua função na cadeia da vida, pelo menos deveria ter importância sob aspecto científico e econômico. A cada mês de novembro, bilhões de indivíduos da espécie de borboleta monarca (danaus plexippus) chegam às florestas das montanhas centrais do México, vindas do Canadá e dos Estados Unidos. Nesta longa migração, os pequenos insetos voam durante dois meses e percorrem até 4.000 quilômetros, para então hibernarem durante o inverno. Cientistas detectaram uma queda no número de indivíduos a cada ano, por causa das condições climáticas mais extremas (provocadas pelas mudanças climáticas) e uso indiscriminado de inseticidas. Se esta espécie de borboleta desaparecer da região, o que teremos perdido?

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Crescimento da população, consumo e impacto ambiental

Em 1950 a população do mundo era de 2,5 bilhões, passando a seis bilhões de habitantes em 2000. Os países que tem o maior crescimento populacional são os africanos, liderados pela Libéria (4,50% ao ano), Burundi (3,90%) e Saara Ocidental (3,72%). Na maior parte do mundo, todavia, o crescimento populacional está diminuindo ao longo dos últimos 20 anos. É sintomático que duas nações, as quais concentram 2,6 bilhões de habitantes (37% da população terrestre), têm atualmente índice vegetativo baixo: a Índia com 1,46%, e a China com 0,58%. O Brasil também reduziu sua taxa vegetativa drasticamente nas últimas duas décadas – atualmente em 1,24% ao ano. A redução do crescimento da população mundial ainda não se fez notar com tanta clareza, já que grande parte das pessoas nascidas nos últimos 50 a 70 anos ainda continua viva. O que se espera é que a redução do crescimento vegetativo médio seja perceptível a partir da metade deste século quando, segundo previsões, a população humana deverá alcançar os nove bilhões e lentamente decair, segundo algumas fontes. A ONU (Organização das Nações Unidas), todavia, prevê que a população continuará a aumentar, chegando a aproximadamente 11 bilhões no final do século. O maior crescimento ocorrerá no continente africano, cuja população deverá chegar aos 4,2 bilhões de habitantes até 2100. O problema do aumento da população não é apenas o da falta de alimentos, como se temia no passado. Estes são e poderão ser produzidos em quantidades suficientes para abastecer o mundo. A tragédia da fome é relacionada com a especulação financeira sobre safras futuras, a falta de recursos, a corrupção e os conflitos, que privam populações do acesso aos meios de produção e compra dos alimentos básicos. O impacto do crescimento populacional é mais amplo. Refere-se aos recursos naturais necessários para alimentar, dessedentar, vestir, transportar, aquecer, refrigerar, iluminar e divertir centenas de milhões de seres humanos, que também almejam uma vida melhor.

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Segundo um estudo do instituto americano Wolfensohn Center for Development, em 2030 aproximadamente cinco bilhões de pessoas – cerca de 2/3 da população global – poderão pertencer à classe média mundial, dispondo de 10 a 100 dólares por pessoa por dia (dependendo do país) para gastar. O efeito que esta demanda por produtos provocará no meio ambiente é imenso: mineração, agricultura, criação de gado, pesca, indústrias de todos os tipos, construção civil, transportes e fornecimento de energia e água. Além disso, há que se considerar a geração de resíduos de todas estas atividades e o impacto no solo, nas águas e na atmosfera, aumentando as emissões de gases de efeito estufa e acelerando as mudanças climáticas. A expansão das atividades econômicas aumentará a pressão sobre os ecossistemas remanescentes, apressando a destruição de espécies, muitas delas extintas antes de terem sido estudadas. Cientistas recomendam que para evitar o aumento descontrolado da população, principalmente em países pobres, seja incentivada a educação das mulheres, proporcionando-lhes mais liberdade individual, acesso à informação e a métodos contraceptivos. Esta política deveria ser acompanhada de planejamento familiar esclarecido, livre da tutela do Estado, da religião, de grupos de pressão ou membros da família.

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