Registo ed179

Page 7

7

Exclusivo

A revolução republicana de 1910 levou à mudança de nome de dezenas de ruas na cidade de Évora.

Da Rua do Paço à da República, a toponímica pós 5 de Outubro

Arquivo Fotográfico de Évora

Nalgumas ruas, como a de Avis, a mudança de nome durou pouco tempo. Luís Godinho | Texto Entre 1910 e 1934 houve 29 propostas de alteração toponímica em Évora, das quais resultou a alteração do nome de 36 ruas, largos e avenidas da cidade. Logo a 10 de Outubro de 1910, cinco dias depois da revolução que derrubou a monarquia, a primeira reunião da comissão administrativa para o municípios de Évora conduziria à alteração da nomenclatura de três das principais artérias da cidade. A primeira a mudar de nome foi a Rua do Paço que conduzia à Praça do Giraldo e ligava à estação ferroviária. “As conotações com o regime monárquico deposto eram por demais óbvias e, assim sendo, essa rua passou a denominar-se Rua da República”, assinalam Ana Cardoso de Matos, Maria Ana Bernardo e Paulo Simões Rodrigues, professores e investigadores da Universidade de Évora e autores de “Évora, Roteiros Republicanos”, edição promovida pela Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República. Além da Rua do Paço, também a Rua da Sellaria e o Largo Vasconcellos Porto mudaram de nome logo a 10 de Outubro. Ligando a Praça do Geraldo à Sé Catedral, na parte mais alta da urbe, a designação da Rua da Sellaria tinha “ressonâncias medievais, motivada provavelmente pela localização de oficinas onde se fabricavam selas”. Uma artéria importante na vida da cidade, desde então chamada de 5 de Outubro. Finalmente, o Largo Vasconcellos Porto, próximo da Praça do Sertório, passava a denominar-se oficialmente como Largo de Miguel Bombarda. “O conselheiro e ministro da guerra glorificado pela vereação monárquica de 1906 como protector da cidade, era assim substituído na memória toponímica eborense pelo médico e político que, pela sua trágica morte, entrava directamente na galeria dos heróis republicanos”. Esta designação não haveria de vingar. Um mês depois, por porposrta do vereador José Formosinho, o Largo Miguel Bombarda passaria a ter a designação actual, Largo Alexandre Herculano, passando o nome do herói republicano a figurar na até então Rua dos Infantes. Antes, na reunião de 20 de Outubro de 1910, tinham sido aprovadas duas outras importantes alterações à toponímia da cidade: a Rua da Lagoa e a Praça D. Pedro passaram a denominar-se Candido dos Reis e Joaquim António de Aguiar, autor da célebre lei de 1834 que extinguiu as ordens religiosas e lhe valeu a alcunha de “MataFrades”. “É difícil não ver na escolha desta nova designação a assunção da face anticlerical da I República por parte dos vereadores eborenses”, escrevem Ana Cardoso de Matos, Maria Ana Bernardo e Paulo Simões

Alargamento da Rua do Paço (actual Rua da República). Foto de José António Barbosa, tirada entre 1896 e 1906. Propriedade do Grupo Pro Évora. Rodrigues. Os autores assinalam que a “dinâmica de substituição” de nomes foi mais intensa até ao final de 1911, com propostas a surgi-

rem da parte de moradores e colectividades, “esmorecendo a partir de então”. Pelo meio registaram-se alguns retrocessos. Um exemplo: só durante pouco mais de um mês (entre 21 de Janeiro e 27 de Fevereiro de 1919) é que a Rua de Avis se chamou Sidónio Pais. A primeira proposta foi apresentada pela Sociedade Harmonia Eborense (SHE) na sequência do assassinato de Sidónio a 14 de Dezembro de 1918, morto por um militante republicano. Expressando uma “profunda repulsa pelo execrando atentado de que infelizmente fora vítima o glorioso presidente da República portugueza, dr. Sidónio Paes e

bem assim a intensa mágoa pela perda irreparável que o paiz sofre com a morte deste grande Patriota”, a SHE proponha que fosse dado o nome do ex-Presidente “a uma das ruas da cidade, lembrando a Rua de Avis”. De facto, assim aconteceu. No entanto, passado um mês, já alterados os “equilíbrios de forças a nível local”, a rua volta ao nome original: “Tratava-se de virar a página dezembrista retirando da memória colectiva eborense o nome do falecido, mas tratavase, também, de renovar os votos de verdadeiro republicanismo, inevitavelmente com repercussões no plano toponímico”, explicam os investigadores.

Manifestações na praça

Évora, Roteiros Republicanos Autores: Ana Cardoso de Matos, Maria Ana Bernardo e Paulo Simões Rodrigues Edição: 2011 Quidnovi

Em meados de 1911, a Associação de Classe da Construção Civil e Artes Auxiliares de Évora pedia à Câmara a mudança de nome da Praça de D. Manuel para Praça 1º de Maio, onde iria assinalar as comemorações do Dia do Trabalhadores. A 20 de Abril de 1911 a praça – que já havia sido conhecida como Chão Domingueiros (1612), adro de S. Francisco (1869) e que desde 1879 era conhecida como a Praça de D. Manuel – passa a ter

a designação actual. Embora não se trate de uma alteração com o intuito de celebrar a República, os autores de “Évora, Roteiros Republicanos” defendem que a mudança “ilustra as mais amplas possibilidades de manifestação públicas que o novo regime proporcionava e, por outro, evidencia o protagonismo de algumas estruturas associativas, nomeadamente as de classe e os sindicatos, no espaço público das cidades”.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.