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ANTES EU PROCURAVA NO GOOGLE
Antes eu procurava no Google, hoje é o Google quem me procura
Leia essa matéria enquanto escuta a música Só Moleque Bom, do NGKS e Rincon Sapiência
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Ele tem apenas 21 anos, é formado pela Énois - Escola de Jornalismo de notícias, é fotógrafo e produtor. Passeia entre o Rap e o Funk, ritmos presentes nas trilhas sonoras de toda moradora e morador da periferia. Bati um lero com Jeferson Delgado, o “fotógrafo dos bailes” e criador do canal Favela Business, onde apresenta um olhar empreendedor da cultura de periferia. Dá um liga.
Por que você escolheu o Jardim Rosana, no Capão Redondo, para dar entrevista? Aqui foi o lugar que eu nasci e cresci e tive todas minhas vivências, aprendi a ser quem sou e voei pro mundo.
Quando você se entendeu como periferiano? Para entender você tem que achar uma coisa oposta, como por exemplo ter uma vivência com gente rica. Me entendi como periférico quando fui ver outra realidade. Fui morar na USP e tinha muita gente com dinheiro, que não passava o mesmo perrengue que eu, ou até mesmo quem passava, então rolava mais empatia um pelo outro, entendia como era a correria. Quando você se interessou por fotografia? Em 2016 participei da produção do festival ‘Por que a USP não tem cotas?”, trabalhando no bar e vendo o KL Jay tocar. Uma menina que estava no audiovisual do evento perguntou se eu queria a câmera pra tirar umas fotos e pensei ‘ah, vamo nessa’. Ficaram horríveis porque eu nunca havia tido contato com câmera profissional, não sabia fazer fotometria, não sabia o que era ISO, obturador. A câmera nem era dessa mina, era do Fernando, que fazia audiovisual na USP. Depois dessa experiência ele me emprestou a câmera por seis meses, então criei o canal Favela Business, que fala sobre empreendedorismo periférico. Foi um puta suporte que ele me deu, hoje eu estou aqui porque tive esse contato.

Jornalista, produtor e fotógrafo, conhecido por fotografar os bailes funks de São Paulo. Nos últimos meses Jef cobriu a turnê de três décadas do grupo Racionais MC’s. Foto: Facebook Jeferson Delgado.
Como ser de quebrada contribui com a sua carreira? Eu gosto de escrever sobre os bagulhos que estão acontecendo na quebrada ou já aconteceram, o que é cultural e o que está em alta, então me entender periférico e ser de quebrada fortalece. Quando vou fotografar os bailes eu sei como entrar, como sair, sei do respeito e a procedência. Os boyzão entra na quebrada sem disciplina nenhuma. Tem que ter malícia pra saber onde você está chegando.

Você se considera uma referência no trampo que você faz? Quando o assunto é fotografia, aqui no Rosana não se conhece outro fotógrafo. No Capão é claro que tem, mas um que transita entre várias áreas, Rap e Funk, que trabalha com artistas, querendo ou não eu sou um dos poucos, porque me destaquei. Na quebrada eu acredito que sou referência, mas mantenho meus pés no chão. Entrevistei um personagem que me disse “essa parada de referência é um peso porque quem não pode errar sou eu”. Os mernozinho se espelha em você. E se eu fosse um mano que usa droga? Eu não quero passar esse espelho para eles. Se for passar, que seja no trampo. Como é ter a responsabilidade de produtor do grupo NGKS, com pessoas que tem praticamente a mesma idade que você? Ser jovem e artista é mil grau, é um bagulho que ninguém fala. Às vezes você não está preparado. O Bafo [outro produtor do grupo] tem 20 anos, eu tenho 21, os moleques do NGKS tem de 18 a 21 também, a gente amadurece juntos. É óbvio que a produção amadureceu mais rápido porque tem mais entregas e responsabilidades. Por ser de quebrada, nunca imaginamos que iríamos fazer quatro shows numa noite, ir pra outro estado. O NGKS não é um MC só, são cinco, é uma responsabilidade muito grande que eu não imaginava, mas sempre quis ter, sempre pensei “mano, ter vivência do lado dos artistas deve ser foda”. É questão de tempo e de vivência, com o tempo você vai amadurecendo e com a vivência também.
O que mais representa a quebrada: rap ou funk? Os dois representam muito bem. O rap representou 100% no passado, mas hoje o funk está em alta. Seja pelo rap raíz até o mainstreaming: o que mais vende, o que chega nos mais jovens, seja um ‘Poetas no topo’ ou um ‘Favela vive’, representa muito. O funk também tem várias vertentes dentro dele, desde o que a gente chama de putaria, que é o que narra a vida noturna do jovem de quebrada, o consciente, que fala das nossas necessidades, até o ostentação, que é o que a gente projeta também pro nosso futuro. O rap e o funk tem a mesma projeção de representar a quebrada hoje.
A periferia está no hype? Quando estamos falando de hype, estamos falando de moda? Se for partir deste princípio, até está. Todo mundo quer se vestir igual nóis, andar igual nóis, falar igual nóis, mas não conseguem ter a mesma vivência que nóis. Essa é a diferença do bagulho, na bolinha do olho a gente consegue se identificar. Tem gente que é bobo e até coloca boy pra dentro da nossa vivência, mas não arruma nada.
Qual música mais te representa? Uma é difícil, até o estilo também, entre o rap e o funk fica difícil, mas tem músicas que fortalecem muito o corre. Eu lembro de uma música que foi decisiva na minha caminhada, que é Sonhos, do Inquérito com participação do KLJey. Tem uma parte da música que é “você só vai saber quando tentar”, foi aí que tentei e lancei o Favela Business. Eu só saberia se iria dar certo se eu tentasse. Deu certo e tamo caminhando. Como foi passar de vendedor de bebidas na entrada do Lollapalooza à convidado de várias marcas para ir ao festival? O corre é louco! Esses dias eu estava até pensando: o que eu sou? Eu ainda sou o que eu era ou sou o que eu sou hoje? Eu ainda sou o moleque que ninguém dava nada, ainda sou o moleque que foi expulso da escola, ainda sou o mesmo, nada mudou, só aprendi outras paradas, outras ferramentas, cheguei em outros espaços. Esses dias meu parceiro me chamou e falou: “caramba, Je, cinco anos atrás ninguém dava nada pra você, né, mano? E olha onde você tá hoje. Você tá com os caras, cê tá viajando, todo final de semana em um estado diferente.” Nem eu entendo, cachorro. Aqui na quebrada é assim, todo mundo já nasce sem expectativa nenhuma. O Lolla é um bagulho louco, foi uma época mil grau da minha vida, estava sem trampo, morando só, precisava pagar conta. Fiquei oito meses vendendo bebida. No evento foi mil grau, tinha muito GCM [Guarda Civil Metropolitana], corri muito. Cheguei nove da manhã com meu parceiro João, que foi vender trufa da mãe dele e eu fui vender Catuaba, vinho, água e cerveja, com dois coolers grandão, carrinho pesado e correndo pra caramba. Só consegui vender minha primeira água 13h20. Três anos depois cheguei como convidado. Nossa, bebi demais! Tenho vários copos lá em casa, porque os boyzão não leva copo de festival, já nóis ama copo… De graça, né? Foi uma virada, uma
Delgado é produtor do grupo de funk NGKS, que estourou na internet com o “Passinho dos Maloka”. Foto: Felipe Max, Kondzilla.

roda gigante, a vida é uma roda gigante. Eu fico pensando: hoje eu tô aqui, quem sabe um dia eu possa estar em baixo, mas a gente sempre luta pra permanecer em cima.
O que você curte mais: ser produtor do NKGS, fotógrafo ou produzir para o Favela Business? Se contempla nos três juntos, mas hoje eu tenho curtido muito a fotografia, estou descobrindo um novo olhar. Produzir o NGKS é um bagulho que eu gosto muito de fazer também porque é uma vivência noturna. Quando a cidade está dormindo a gente tá trabalhando, isso é foda. Sejam os artistas, seja o pessoal que está trocando o banner de ponto de ônibus, seja os motoristas de busão 24 horas, a cidade não dorme. Qual sua dica para jovens que estão à procura do primeiro emprego? A gente fica naquela dúvida: o que chega primeiro no jovem de quebrada, a universidade pública ou o acesso ao crime? Tem que pensar muito nisso. Pede ajuda e fortalece suas referências, manda mensagem pra aquele cara que você acha que é foda, se espelhe em quem está próximo, se aproxima, abraça, trocar ideia, pergunta como é a parada. Assim como o jovem que perguntou pra mim como era fotografar e eu ensinei e hoje ele está na equipe de um artista de funk muito grande. A ideia é essa, ter acesso e questionar as paradas. Por que a comunicação e a cultura perifieriana são importantes? Cultura e informação é um bagulho que os políticos, principalmente, não querem que a gente tenha acesso, pois é uma questão de avanço. O momento que a gente vive do país hoje, os cortes que a gente tem na educação, na cultura, enquanto o presidente está investindo milhões na questão militar, é um ataque direto. Não querem que a gente cresça, que a gente abra nossa mente. Cursos como a É Nóis, o Você Repórter da Periferia, Escola de Notícias e muitos outros ajudam as pessoas a terem outro tipo de contato. Até os cursinhos populares, como o Carolina Maria de Jesus e o Núcleo de Consciência Negra, que fica na USP, mas tem muita gente de quebrada que vai lá pra estudar e ter uma vivência diferente. É genial e transformador, um divisor de águas pra muita gente, assim como foi comigo. Temos que perceber o quanto a cultura e informação são essenciais pra
não ramelar mais uma vez.
