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NÃO É DESENHO

A PerifaCon, “a primeira ComiCon da favela”, ocorreu no dia 24 de março e reuniu sete mil nerds de quebradas de todos os cantos na Fábrica de Cultura Capão Redondo. Igor Nogueira é um dos produtores do evento e revela tudo que rolou na primeira edição. Já segura esse spoiler: a próxima acontece na zona leste, nos dias 11 e 12 de abril de 2020. Quer saber mais dos bastidores e os próximos passos desse evento que entrou para história? Então dá um liga no texto.
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Leia essa matéria enquanto escuta a música Não é Desenho, do Rashid

Um evento que parou a Zona Sul e trouxe alegria para quem mora no Capão Redondo. É assim que Igor Nogueira, um dos sete produtores da primeira edição, resume o que foi o dia 24 de março de 2019, um domingo que ficou marcado na história e na memória de todo nerd de quebrada que compareceu ao evento. A ideia de início era simples: Matheus Polito, conhecido como Naruto, e Mateus Ramos propuseram à um grupo de amigos uma troca de quadrinhos na periferia. “A ideia surgiu da falta de acesso aos grande eventos de cultura pop, de ter que pagar o ingresso e depois, além de pagar o ingresso, não ter dinheiro para consumir nada lá dentro. Pensamos: por que não existe esse tipo de evento na quebrada?” Conta Igor Nogueira, que ao lado de Luize Tavares, Andreza Delgado, Gabrielly Oliveira, Mateus Ramos, Naruto e Pedro Okuyama criaram a PerifaCon - a primeira ComicCon da favela, que foi composta por mesas de debate, oficinas, concurso de cosplay e claro, muita ‘nerdice’. O nome surgiu da junção de periferia e convenção, aos moldes de outros eventos do mesmo estilo, como a ComicCon Experience (CCXP), edição brasileira considerada a maior do mundo e a San Diego Comic-Con, precursora do movimento iniciado em 1970. O diferencial do PerifaCon é o recorte periferiano, com entrada totalmente gratuita, diferente das outras. “Conversamos muito com o pessoal da própria CCXP sobre estar junto e de não ser uma concorrência, não é isso que a gente quer, afinal, eles têm o público deles e a gente tem o nosso, só existimos porque eles existem, e principalmente, estamos cobrindo uma demanda que eles não conseguiram”.

Para os criadores, o mais importante de tudo é o impacto social causado pelo evento. “Muito mais importante do que a mídia é a galera do bairro, o que mais impactou pra gente foi ver como eles foram, curtiram e apreciaram”. Mas o evento não foi voltado apenas aos moradores do entorno da Fábrica de Cultura do Capão Redondo. Com algumas perguntas rápidas na fila deu pra perceber que tinha gente de todos os lugares: outras regiões de São Paulo, do interior e até de outros estados, como do Rio de Janeiro. “Fizemos a contagem e quatro mil pessoas tiveram acesso à programação ao evento. Ficaram de fora três mil, mas que tiveram acesso a programação externa. Infelizmente não conseguimos colocar todo mundo por conta da lotação máxima de segurança da Fábrica.” Além das vendas de produtos oficiais da marca PerifaCon, como camisetas e
A primeira ComicCon da favela ocorreu no dia 24 de março, na Fábrica de Cultura do Capão Redondo. A próxima está marcada para os dia 11 e 12 de abril na Cidade de Tiradentes, Zona Leste. Foto: Facebook Perifacon.

pôsteres, o evento impactou na economia do bairro, com pessoas abrindo a porta das casas para vender coisas na garagem. “Esse contato com o público foi muito importante. Obviamente que as notícias surpreenderam, porque nunca tivemos contato com nada disso e ver a gente saindo em mídias que a gente consome, tipo Kondzilla e Vice, foi muito importante.” Para a próxima edição, a escolha da Zona Leste foi unânime entre a equipe, após o público pedir em peso uma edição nesta região. Em postagens nas redes sociais sobre a escolha de uma casa para a edição 2020, foram mais de dois mil comentários pedindo a ZL, então resolveram acatar o pedido. “Fizemos uma parceria com a Fab Lab, um órgão da prefeitura que tem laboratório, com impressora 3D e várias paradas muito loucas, com a sede dentro do Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes. Eles entraram em contato com a gente pra fazer alguma coisa no PerifaCon 2020 e eles falaram ‘meu, tem esse lugar, vocês podem ir lá, a gente faz a ponte’. E não deu outra, deu tudo certinho. A gente queria Zona Leste, tinha esse contato, marcamos de conversar com o gestor de lá, que é um cara preto, então foi facinho, saímos de lá com a data”. Além do local para a próxima edição, o grupo já tem um grande parceiro definido, o Twitter, que entrou em contato à princípio para um pitching, um jeito chique de falar curadoria, de pessoas que estavam expondo no evento num espaço chamado Beco dos Artistas. No dia do evento para apresentar esse pitching na sede do Twitter, a empresa anunciou que entraria com patrocínio na próxima edição. “Ainda não caiu na conta, mas eles falaram publicamente que iam patrocinar o evento, então a gente tá contando com isso, né, twitter?!” Brinca Igor. Sobre o interesse das marcas no evento e na periferia em si, ele expressa a visão de um interesse por um público que grandes empresas ainda não conseguiram atingir totalmente. “No PerifaCon falamos muito disso, como consumimos e como as marcas precisam olhar e conseguir entrar com cuidado, de formas que não sejam abusivas e com um olhar delicado para esse público que é gigantesco. Eu não acho que elas são boazinhas e legalzinhas não, é porque querem lucro, principalmente.” Algumas empresas pedem consultoria à equipe do PerifaCon pela experiência com o público.
O foco do evento era levar alegria para a periferia, e foi isso que aconteceu em 24 de março deste ano, um dia de festa e comemoração para a quebrada. “Essas coisas que estamos fazendo está mudando a história do cenário nerd mesmo. A gente é foda!” Sobre o que ficou de mais marcante no evento, Igor conta a história de uma menina que não foi aceita no Beco do Artistas por causa do número máximo de exposições que a sala comportava. Entre muitas inscrições, o grupo escolheu 44 artistas e mesmo assim, a menina veio do Rio de Janeiro até o Capão Redondo, apenas com uma pasta contendo os prints dos seus desenhos. Por força do destino (para quem acredita), uma pessoa que havia sido escolhida não compareceu, então ela conseguiu ocupar o lugar. “Estava acabando o evento, ela veio e me abraçou muito forte e começou a chorar. Eu não estava entendendo, mas comecei a chorar também. Eu não acompanhei esta história do início, mas ela me contou e disse que conseguiu vender tudo e teve dinheiro pra voltar pro Rio”. De um evento com uma ideia pequena, voltado ao público nerd, surgiram muitas histórias, muitos projetos e o principal: o resgate da cultura periferiana. Esse caso exemplifica o cotidiano e de como é viver nesse lugar. As periferias são compostas de pessoas que acreditam, que não desistem, que já possuem o não, mas vão atrás do sim. Como diria Rashid em sua música ‘Não é desenho’, que foi apresentada no evento e o clipe virou uma mesa de debates com o próprio rapper:
“Do gueto vem, do gueto são um milhão de talento, muitas vez sem opção, mas que tão na função de mostrar que eles são bem maior que sua discriminação. Jão, ta na hora de mudar essa condição”.
“Se você quer falar sobre periferias, primeiro tenha pessoas desses lugares na sua empresa, porque pra falar precisa ter conhecimento e saber chegar, pisar devagar, falamos isso principalmente para as que desejam entrar no PerifaCon. Não queremos virar um shopping center e nem vamos virar, mas a gente quer que as marcas estejam ali para fazerem diferença, que tenha sentido elas estarem lá e que deixem marcado quem esteve no evento.”
