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ENTRE MOTORES E POESIAS

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NÃO É DESENHO

NÃO É DESENHO

Slam: um estilo de batalha poética. Treze: Largo de Santo Amaro, onde está localizado o terminal do bairro, um palco diferente, onde poetas disputam suas vozes com o barulho do ronco dos ônibus. Saiba mais sobre essa mistura no texto.

Leia essa matéria enquanto escuta a música Porque eu rimo, do Kamau O ronco do motor de fundo afirma: mais um ônibus chegou na plataforma. Enquanto isso, um poeta está no microfone, declamando suas poesias. Dividido em duas modalidades, ele tem no mínimo treze segundos ou até três minutos para conquistar os jurados e o público. As notas são de zero a 13 e quando o jurado não dá a maior nota, se escuta da plateia, em alto e bom tom: ‘creeedooo!!!’ Mas a revolta em forma de brincadeira não é dita a quem tirou a nota e sim a quem deu. Já se a nota for treze, se escuta um ‘pow pow pow’, e assim a batalha de poesias segue, até sair um campeão. Essa é a rotina do Slam do 13, evento que acontece toda última segunda-feira do mês, no Terminal Santo Amaro, numa região conhecida como Largo Treze. Thiago Peixoto, o “Poeta Ambulante” é criador da batalha e explica como surgiu a ideia. “Na época, os slams ainda não eram muito difundidos na cidade e não existia nenhum na Zona Sul. Após conhecer a poesia slam, filha do sarau, resolvemos trazer para o local em que moramos. Agora já são seis anos dessa caminhada”.

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O local de escolha não foi por acaso, foi pensado em um local público, para que qualquer pessoa pudesse chegar. O Terminal Santo Amaro foi escolhido como berço para a batalha pois é de fácil acesso. O primeiro encontro ocorreu na saída do Metrô Largo Treze, logo abaixo do terminal, mas na segunda edição choveu, então eles correram para as plataformas superiores do terminal e ali estão até hoje. Sobre a autorização para ocupar o espaço, o poeta comenta: “Nossa licença é de ‘Santamarense’! Não fomos na SPTrans, mas a galera que trampa aqui tá ligado que acontece, fomos construindo esse relacionamento. No começo o slam era mais discreto, colava umas 20 pessoas. Hoje é um evento grande, mas o terminal é parceiro da gente, tanto que eles já emprestaram até extensão”. E por que um slam é importante? O pensamento de Thiago é que em um contexto onde a censura está tomando forma novamente, ter um local de fala é essencial. Foi um dos motivos que fez nascer o slam. “Cara eu penso que o espaço de fala é para além da quebrada, o importante é estar em todos os lugares e falando o que a gente pensa. O slam é esse lugar pra você falar o que quiser falar. Esses espaços que se propõe abrir uma roda de debate através da poesia é fundamental, onde a gente pode construir as nossas lutas”.

“O rap é ritmo e poesia, a gente só tirou o ritmo e ficou com a poesia”

Esse tipo de evento poético chamado de batalha surgiu de outro movimento também muito conhecido na quebrada, os saraus, que se misturou com as batalhas de rap, de onde surgiram grande nomes do Rap Nacional, como Emicida, Rashid e Criolo, este último muito conhecido na Zona Sul, por ser morador do Grajaú e cantar o local em que vive em várias faixas dos seus álbuns. Como ainda eram muito novos, os primeiros poetas de saraus faziam suas rimas como se estivessem cantando rap. “Somos filhos dos saraus, que é filho do rap e do movimento hip hop, que surgido na década de 80 e 90, então tem tudo a ver. O rap é ritmo e poesia, só tiramos o ritmo e ficamos com a poesia”. A missão do Slam do Treze é difundir o movimento e gerar grana para os slammers, nome dado aos poetas. Todo o dinheiro arrecadado com patrocínios ou convites para eventos, é revertido a quem batalha. “Em um país que nem valoriza a cultura, não valoriza nada, a gente conseguir ter um ponto cultural que proporciona isso, pra tentar fazer na raça, independente, é muito significante”.

“A poesia é quem vence sempre” é o bordão utilizado pelo Treze para demonstrar que o que importa, no final, são os espaços de democracia e liberdade que temos por direito. Foto: Luiz Lucas.

Rafa Ribeiro, de poá para o mundo

Frequentador do Treze e cria de Poá, Rafael Ribeiro começou a frequentar as batalhas em 2016, mas só teve coragem de recitar em 2018. “Eu achava que não tinha muito a ver, que não era ali, aquele lugar e eu também não me sentia pronto”. Mas tudo mudou no Slam BR de 2017, o Campeonato Brasileiro de Poesia Falada, onde se apresentam slammers de todo o país, escolhidos em eliminatórias de slams locais, como o do Treze. Rafa percebeu assistindo a competição que o que estava sendo falado ali tinha tudo a ver com seus textos, que eram os relatos de suas vivências. “O que eu escrevia não era exatamente igual, mas eu me via representado naquelas pessoas que estavam falando e eu queria fazer parte daquele grupo. O jeito que eu vi de fazer parte era recitar poesia.” Um dos motivos que o faz ir nas edições do Slam do Treze é a facilidade de chegar e porque ali passam pessoas que, diminuem o ritmo apressado já conhecido dos paulistanos para apreciar poesia. “Ela pensa ‘vou chegar

Diretamente de Poá, Rafa Ribeiro é organizador do Slam do Moinho, realizado na favela de mesmo nome na Zona Leste. Foto: Facebook Rafa Ribeiro.

atrasado hoje, mas dane-se, vou ouvir poesia’. E você percebe que a pessoa está olhando, tá prestando atenção,batendo palma, não é superficial. Ela está realmente absorvendo alguma coisa desse rolê.” Sobre suas referências, o poeta é crítico à situação vivida nas escolas públicas, onde muitas vezes não é apresentado poesia às crianças. “. A gente não aprende a ler poesia na escola, né? Aí acaba sendo a rua memo”. Para o poeta, o slam tem extrema importância nesse aprendizado, e é um jeito que ele encontrou de aprender e mostrar que a periferia tem voz: “tem gente pra falar e tem gente pra ouvir, mesmo que seja só entre nós, um ouvindo o outro”. Para ele, é gratificante encontrar poetas que um dia foram seus ídolos, como Márcio Ricardo, Kimani, Fernão e Kaya, em que ele se espelhava, e que hoje pode batalhar contra e chamar de amigo. A gente vê direto gente que tá passando no terminal e para e fica até o final. Ela pensa ‘vou chegar atrasado hoje, mas dane-se, vou ouvir poesia’.

Rafa Ribeiro se orgulha em dizer que em 2018 foi em todos os slams de São Paulo. Já este ano, ele optou por ter um ritmo mais devagar, pois entrou como organizador do Slam Moinho Resiste, “Fazemos pelas crianças. Tem a molecada lá que está esperando que tenha o evento. Também sabemos que lá seremos resgatados, salvos pela poesia, pelas crianças, pelo espaço, por sentir que aquilo lá continua resistindo e que está plantando uma semente para colher depois”.

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