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SÍMBOLOS, SAUDADES, COROAS E FORTUNA
Há histórias que foram passadas, oralmente, ao longo dos anos, e que ajudam a compreender a história e a importância da Viola da Terra na vida dos Açorianos, por intermédio da simbologia que o povo revê nos embutidos do tampo harmónico.
A principal história popular em torno da nossa Viola diz respeito aos seus dois corações: o coração que sai da Ilha e o coração que fica na Ilha. A procura de uma melhor vida, o “salto” nas baleeiras, a emigração, deixando a terra natal, a família e os amigos. Acredita‑se que estes dois corações da Viola são o símbolo dessa “Saudade” que persegue os Açorianos há séculos. Os corações estariam ainda ligados por um cordão, terminando numa lágrima – a lágrima da Saudade. Há quem defenda que a forma de losango, quase sempre apresentada no final desse cordão, representaria o “Ás de ouros”, uma vez que os que emigravam faziam‑no em busca da fortuna.
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Foi esta a primeira história que ouvi sobre a Viola, pela boca do meu Professor, Carlos Quental, na minha primeira aula de viola, aos 13 anos de idade. Ainda antes de colocar os dedos sobre as cordas e experimentar o seu som eu já estava fascinado pelo instrumento.
Os corações poderão ser também a representação do amor, da ligação entre as pessoas, não tendo, necessariamente, de ser algo ligado apenas à emigração e à Saudade. Outros falam de amores proibidos, celebrados para sempre no “rosto” da Viola, sem que mais ninguém, senão os dois amantes, soubesse a quem se dirigia a mensagem de amor.
No cavalete da Viola diz‑se que estaria representado o “Açor”, pois reconhece‑se a forma de um bico de pássaro e de um olho. Esta situação é comum a muitos modelos de Viola, mas não é exclusiva e obrigatória. Muitas vezes encontra‑se as extremidades dos Cavaletes em forma de rabo de baleia ou apenas de forma angular ou quadrada, sem mais qualquer adorno.
Fig. 7 – Diferentes formas do cavalete
No fundo do tampo harmónico os embutidos mais frequentes são os da flor‑de‑lis ou da Lira. Há quem veja nessa flor‑de‑lis a representação da espiga de trigo e, com isso, a alusão ao trabalho árduo dos campos. Há quem interprete como sendo a figuração das plantas, da natureza dos Açores. Outros, ainda, vêem a forma de bigodes ou o relevo/ recorte das Ilhas. Estes embutidos variam de um construtor para outro, havendo exemplos em formas de pássaro, de peixes, das montanhas, de vaso de flores, ou outros, de acordo com a imaginação/marca de cada construtor ou com pedidos directos dos tocadores. A isto chamamos de “personalização das violas”. É algo que acontecia no passado e continua a acontecer nos nossos dias.
Quanto à abertura do tampo harmónico esta costuma ser em forma de dois corações, com três corações entrelaçados (viola de 5 bocas), com duas liras a substituir os corações, com abertura circular ou abertura oval.
Fig. 8 – Formas de abertura do tampo harmónico
Uma outra interpretação do cordão que une os dois corações da Viola aparece‑nos ao rodarmos o instrumento 180 graus. As pessoas viam nesse cordão a forma da Coroa do Espírito Santo. As Festas do Divino Espírito Santo são as maiores Festas dos Açores, celebradas em todas as Freguesias de todas as Ilhas do Arquipélago. Ter esta eventual representação da Coroa no tampo da Viola é algo que acrescenta uma mística, respeito e solenidade ao instrumento. Em algumas Ilhas a Viola aparece a acompanhar as Coroações, a distribuir Pensões, a fazer Peditórios para as Irmandades ou outras funções consoante cada tradição local.
Fig. 9 – Representação da Coroa do Espírito Santo
Em relação ao espelho o mesmo serviria para o tocador se pentear ou para desfazer a barba antes de tocar.
São estas algumas das crenças e visões populares em torno dos símbolos embutidos e pormenores de construção da Viola! Não sendo consideradas como provas históricas, entendo que são pormenores e crenças que tornam a Viola ainda mais nossa, mais próxima dos sentimentos das pessoas e mais próxima das tradições dos Açorianos.
A Viola está também associada a muitas histórias, expressões e brincadeiras, devido à sua importância no quotidiano das pessoas e também à forma como as pessoas gostavam de aformosear a transmissão de ensinamentos:
O meu professor Carlos Quental dizia sempre que há 3 coisas que não se emprestam nem ao nosso melhor amigo: a mulher, o carro e a viola. Era uma expressão já muito antiga e que tem a sua razão de ser. Muitas vezes as pessoas esquecem‑se de devolver o que pediram emprestado. Doutras vezes devolvem com defeito! Estou sempre a falar de Violas, claro!
Dizem ainda tocadores de viola em várias partes do País, em jeito de brincadeira e para antecipar alguma crítica, que “o Tocador passa metade do concerto a afinar a Viola e a outra metade a tocar com ela desafinada!”
“Corda nova não casa com corda velha!” Esta é uma certeza dos tocadores de Viola quando rebenta uma corda. Se quiserem poupar cordas e tempo, substituindo apenas a corda rebentada, deixam de conseguir afinar aquela ordem de cordas. A corda nova não afina com a corda velha pelas diferenças de desgaste e elasticidade. Conseguimos afinar as duas cordas soltas mas depois na oitava já se nota uma diferença enorme na altura dos 2 sons. O melhor é trocar sempre as duas cordas quando uma rebenta.
No Brasil há muitos tocadores (denominados por violeiros naquele País) que usam fitas coloridas amarradas no braço da viola como forma de protecção divina, sendo usadas principalmente na “Folia de Reis” (Folia do Divino). São seis as cores principais usadas e que têm uma explicação baseada na bíblia: a fita branca representa o Menino Jesus, a fita azul Nossa Senhora e a fita rosa São José, completando a Sagrada Família. Já as fitas amarela, vermelha e verde representam o ouro, incenso e a mirra ofertadas pelos 3 Reis Magos. O meu Mestre Carlos Quental chegou a estudar estes testemunhos da mística das fitas na Viola Caipira e defendia o seu uso nas nossas Violas aquando da integração em cerimónias do Espírito Santo.