"Comunicações" Julho de 2021

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ARTIGO

“Não se compra a Verdade” Com este título, Frei Aldo Colombo – gaúcho, escritor e frade capuchinho – descreve e comenta o seguinte fato: Cosroes, Imperador da Pérsia (531-579 aC), após recuperar-se de uma doença, quis iniciar um governo mais voltado para o povo. Reunindo seus ministros, disse-lhes: digam-me, com franqueza, o que o povo e vocês pensam de mim? Um após outro elogiou o monarca e cada um recebeu uma pedra preciosa. Um deles, chamado Elaim, disse: “Prefiro calar porque a verdade não se compra”. Cosroes concordou, mas insistiu que expressasse sua opinião. Então, falou: “Sua majestade tem qualidades e defeitos como cada um de nós. Seus defeitos, porém, pesam mais que os nossos porque causam sofrimento a todo o povo. Penso que vossa majestade gasta muito com festas, palácios e guerras – tudo com o suor do povo”. No dia seguinte, convocou, novamente, o Conselho e nomeou Elaim como Primeiro Ministro. Magoados com a indicação, um dos conselheiros sugeriu que se enforcasse o comerciante que vendeu os diamantes, “pois as joias eram falsas. Eu sei, respondeu o monarca; são tão falsas quanto vossas opiniões”. Se este fato é verídico ou não – não importa. Importa, relê-lo para hoje. Frei Aldo fez oportunos aportes sobre a política e a Igreja, sugerindo que “governantes e Padres, de maneira disfarçada, circulassem no meio do povo e escutassem o que dizem os fiéis quando não estão presentes. Existe uma grande distância entre o bajulador e o amigo. Este aponta os defeitos da pessoa na sua presença e fala bem dela à distância. Já o bajulador faz o inverso, na esperança de receber favores”. Assim como Frei Aldo trouxe referências para o hoje, pode-se, também, relacioná-lo com algumas passagens bíblicas. Sabe-se que os 12 filhos de Jacó (e outros povos) migraram para o

Egito por causa da fome (Gn 41,54-57) e lá permaneceram 430 anos (Ex 12,40). José, um dos filhos de Jacó, já estava no Egito, vendido como escravo (Gn 37,23-28) e, por desvendar o sonho do Faraó sobre as 7 vacas gordas e 7 magras, foi constituído Primeiro Ministro (Gn 41,1-57). Fez uma administração centralizadora onde tudo convergia para o Faraó. Primeiramente, comprava-se o pão com dinheiro; quando este acabou, José pediu o gado; acabado este, pediu as terras; quando estas eram todas do Faraó, deu-lhes sementes para as cultivarem, mas a quinta parte seria do Faraó (Gn 47,13-26). À exemplo de Cosroes, Jesus, também, “fez como que um ibope”, perguntando aos discípulos “quem dizem o povo quem sou?! Quem sou Eu para vocês?!” Para o povo, é um grande profeta e, para os apóstolos, o Messias/Rei. Seu

Reino, porém, é pautado pelo bem-estar do povo, como sugeriu Elaim a Cosroes. Na parábola do proprietário que, para estocar as crescentes colheitas, substituiu os celeiros por outros maiores e dizia “minha alma! Descanse, coma, beba, divirta-se”. Jesus o chama de ‘insensato’ porque só pensou em si (Lc 12,1421). Igualmente, chama de ‘servo preguiçoso e mau’ aquele administrador que foi demitido por causa de sua má gerência dos bens. Para continuar com o mesmo status de vida, sem precisar trabalhar, dirigiu-se aos devedores do patrão, diminui-lhes as dívidas, para que estes o ‘recebessem em suas casas’ quando fosse demitido. É um empregado esperto, preguiçoso e egoísta (Lc 16,1-8). Para estes e casos similares, não há

lugar no Reino do Messias. Por fim, um questionamento: diz Jesus “Conhecereis a Verdade e Verdade vos libertará” (Jo 8,32). Diante de Pilatos, afirma, com convicção, que seu Reino é o da Verdade, mas não a definiu quando perguntado “o que é a Verdade”! Ao contrário, ficou em silêncio. Por quê? Poderemos supor várias alternativas. Uma delas é aquela Ele mesmo diz: “pelos frutos, os conhecereis” (Mt 7,16). No ‘curriculum vitae’ de Pilatos, sabe-se que foi nomeado, pelo Imperador, “prefeito da Província da Judeia” que, por sua vez, estava subordinado ao governador da Síria (cf. recenseamento de Quirino, Lc 2,1-2). Governou por dez anos (26 a 36) e sua gestão foi desastrosa para alguns e boa para outros. As Igrejas da Etiópia e Kopta, por exemplo, o consideram ‘santo porque foi relutante em condenar Jesus’. Se O soltasse no lugar de Barrabás, seria denunciado junto ao Imperador (Jo 19,12). Porém, os historiadores Flávio Josefo e Fílon de Alexandria relatam que houve conflitos cruentos com os judeus, constrangendo-os em sua sensibilidade religiosa. Para ter a simpatia do Imperador, promoveu o ‘culto imperial’, pregando nos muros de Jerusalém e na fachada do Templo, a imagem da Águia, símbolo do poder romano. Ao construir um aqueduto, utilizou-se do dinheiro do Templo, ocasionando mortes e revoltas. Reprimiu, com violência os samaritanos no Monte Garizin e seu Templo e, no de Jerusalém, mandou matar galileus quando estes ofereciam holocaustos, misturando “sangue humano com o das vítimas” (Lc 13,1). Diante de tudo isso, o governador da Síria, Lúcio Vitéliio, exonerou-o do cargo e o enviou a Roma para ser julgado. Sendo assim, Jesus, que conhece os corações (Lc 16,15) e lê os pensamentos (Mt 12,25), fez do seu silêncio um eloquente questionamento às posturas governamentais de Pilatos. Precavemo-nos para que nossa vida pessoal não seja atraída ao ‘modus operandi’ de certas lideranças religiosas e políticas. Frei Luiz Iakovacz


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