REVISTA ANTI-HORÁRIO

Pacientes já usam cannabis medicinal em 56% dos municípios brasileiros. Mas, a prescrição da medicação não é consensual.
Revista Anti-horário
Ano III
Número 5
Maio 2025
Professor orientador
Antonio Simões
Editora Eva Leite
Foto da capa
Natália DiLorenzo/ACAFLOR
01 Antonio Simões Carta ao leitor
02 João Carlos Trajano Reportagem
03 Emilly Dantas Reportagem/Fotografia
04 Julia Nunes Reportagem/Fotografia
05 Milena Ferreira Reportagem/Fotografia
06 Nathália Aguiar Revisão de texto
07 Eva Leite Projeto gráfico/Diagramação/ Entrevista
08 Ana Luz Rodrigues Reportagem
09 Letícia Ferreira Crônica
10 Matheus Gla Poema
11 Maria Eduarda Santos Reportagem
12 Rayanne Silva Reportagem
13 Joana de Alcantara Reportagem
14 Nicolas Almeida Reportagem
15 Bianca Dantas Reportagem/Fotografia
16 João Paulo de Castro Reportagem
17 Gersyka Oliveira Reportagem
18 Joalysson Araújo Reportagem
19 Charles Dias Reportagem/Fotografia
20 Deborah Melissa Reportagem
Deixem as emoções fluírem. Não segurem o choro. Venham conhecer pessoas comuns e mais valiosas do que ouro. Elas oferecem a mesma solução para males diversos. Nada de remédio raro, caro, amargo ou indigesto. Algo simples e transformador. Pois tem como princípio ativo essencial... o amor! Ele ata os nós da rede de apoio. Eis o antídoto quase milagroso.
Em três reportagens desta edição, as redes de apoio são protagonistas no processo terapêutico. É lindo acompanhar o trabalho voluntário de uma equipe multidisciplinar no combate ao câncer. Sobretudo porque esses profissionais ajudaram a construir uma grande rede de apoio chamada Associação Esperança e Vida, que desde 2008 já ajudou 192 pessoas na batalha contra o câncer.
As repórteres Emilly Dantas e Milena Ferreira afirmam ser impossível não se emocionar ao ouvir as histórias de superação das pessoas atendidas pela Associação. “No momento mais delicado de suas vidas, aquelas mulheres encontraram apoio e a certeza de que ninguém precisa enfrentar desafios sozinha. Há pessoas que, por puro propósito, dedicam-se a caminhar ao lado delas, oferecendo assistência, amor e empatia”, explicam Emilly e Milena. Na reportagem “É preciso uma aldeia para cuidar de uma mãe”, Bianca Dantas, Joana de Alcantara e Nicolas Almeida lançam questões importantes para centenas de milhões de mulheres: “Como a maternidade redefine a identidade e a individualidade feminina? O que é ser mãe e o que é ser mulher? Até que ponto o ‘ser mãe’ ultrapassa a identidade feminina enquanto indivíduo?”. Não há resposta fácil. Mas, o texto indica que coletivamente as mulheres são ainda mais fortes nesse processo de redescoberta e autoconhecimento. É exatamente o apoio mútuo que garante grande parte da eficácia do programa Campina Livre do Fumo. As pessoas, que lutam para descontinuar o uso do cigarro, aprendem que precisam ajudar umas às outras. Elas também contam com o suporte dos profissionais de saúde, os quais “[...] são como uma rede firme que ampara cada tentativa, cada avanço, cada tropeço”. Finalmente foi, mais uma vez, a união de um grupo de pessoas que resultou na criação de uma associação especializada no atendimento terapêutico baseado na cannabis medicinal. Independente da polêmica ainda em vigor sobre o uso dessa medicação, esta edição deixa claro que, fundamental mesmo, é a humanização da atenção à saúde. Empatia, amor, compaixão, acolhimento e redes de apoio são procedimentos fundamentais para curar as mais diversas doenças.
PROFESSOR ANTONIO SIMÕES
REPÓRTERES: DEBORAH MELISSA, JOALYSSON ARAÚJO, CHARLES DIAS E GERSYKA OLIVEIRA
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Nordeste tem a maior prevalência de pessoas com deficiência no Brasil, totalizando 5,8 milhões de indivíduos. Em 2022, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), também do IBGE, revelou que aproximadamente um quarto da população de Campina Grande relata algum tipo de deficiência, incluindo limitações visuais, auditivas, motoras ou mentais. Esse cenário evidencia a necessidade urgente de iniciativas de inclusão que abranjam o mercado de trabalho e sejam desenvolvidas em prol da saúde, com melhorias que resultem em uma boa qualidade de vida. Conforme Karla Milene Castro, psicóloga da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Campina Grande, a psicologia desempenha um papel crucial na vida das pessoas com deficiência (PcD). Ela obser-
va que as melhorias físicas e mentais desses pacientes se tornam visivelmente notórias à medida que ganham autonomia para realizar suas tarefas diárias. Ao mencionar a trajetória de um ex-paciente que ingressou no mercado de trabalho, Karla destaca que a instituição continuou oferecendo assistência e acompanhamento, ajudando-o a se adaptar a um ambiente inicialmente novo e desconhecido. Karla informou que este ex-paciente sonhava em ser caixa de supermercado e desejava obter sua carteira de motorista. Ela o motivou, mostrando o caminho a seguir e o que fazer para alcançar esses objetivos. Casos como esse ilustram o papel dos cuidados oferecidos pela APAE: trabalhar as habilidades dos pacientes, para que possam externar seu potencial, permitindo que trilhem seus próprios caminhos e se tornem independentes, sendo mais confiantes nos próximos passos.
84%
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, iODiversidade, Pacto Global e Talento Incluir, nomeada como “Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade de Pessoas com Deficiência” constatou que:
dos profissionais com deficiência ou neurodivergentes já tiveram sua saúde mental abalada pelo capacitismo no ambiente corporativo;
1.230 pessoas de 18 anos ou mais participaram da pesquisa. Os resultados evidenciaram que
Apenas 9 10 EM CADA
já foram vítimas de situações de capacitismo;
das pessoas chegaram a relatar esse tipo de situação nas empresas em que estavam empregadas. 35%
O capacitismo é o preconceito contra as PcD, quando tratadas como incapazes, seja no convívio social ou no mercado de trabalho. Sendo assim, com base nessa pesquisa, fica claro que nem todos, infelizmente, acabam tendo essa mesma realidade que o ex-paciente da Karla conseguiu obter. E quando isso acontece, o estado mental dessas pessoas acaba sendo impactado negativamente ao ponto de não se sentirem capazes, respeitados e acolhidos ao saírem de suas casas e ambientes de tratamento, nos quais eles já se sentem familiarizados. Além disso, sentimentos como medo, angústia, culpa e vergonha influenciam totalmente na autoestima. Logo, se eles estão presentes de forma recorrente na vida de uma pessoa, isso a impede de se sentir à vontade e de conseguir desenvolver sua sociabilização, que é uma das etapas fundamentais para o amadurecimento e para a formação de personalidade de um indivíduo. A fisioterapeuta da APAE, Gertrudes Angélica de Oliveira Nóbrega Medeiros, relata que é gratificante ver muitos dos pacientes recebidos na instituição conseguindo obter bons resultados e sendo incluídos nas atividades sociais relacionadas ao trabalho, bem como nas adaptações em estabelecimen-
tos públicos, apesar dos diagnósticos. Para quem os auxilia desde o início, é recompensador observar cada novo passo alcançado. De modo geral, as principais melhorias proporcionadas pela psicologia e pela fisioterapia incluem desenvolvimento cognitivo, fortalecimento da autoestima, capacidade de expressão, reabilitação e orientação.
Com a saúde em dia, fica mais fácil incluir essas pessoas na vida social. É o caso, por exemplo, da ocupação de vagas no mercado de trabalho. É de conhecimento público que estar empregado gera autonomia, um senso de independência e o sentimento de pertencimento ao grande número da sociedade. Entretanto, se você não estiver fazendo parte dessa parcela, o contrário acontece. Mas o grande problema é quando essas pessoas não estão com a sua saúde mental em um bom estado. Pois, a falta dela impossibilita uma rápida e confortável inserção no ciclo empregatício. Tudo fica mais claro quando refletimos que o aspecto mental de uma pessoa influencia o desenrolar de sua trajetória. A indústria paraibana, por exemplo, tem feito progressos na inclusão de traba-
lhadores com deficiência. Conforme a publicação da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2023, há 2.732 pessoas com deficiência empregadas na indústria, representando pouco mais de 2% da força de trabalho do setor no estado. A maioria desses profissionais tem deficiência física (46%), seguida por auditiva e visual, e a maioria está na faixa etária de 30 a 49 anos.
Esses trabalhadores enfrentam desafios particulares, mas também se beneficiam de um salário competitivo para o setor, com média de R$ 2.737,48. Os dados mostram que a inclusão é possível e pode trazer benefícios tanto para os profissionais quanto para as empresas, mas apontam também para a necessidade de políticas efetivas que promovam a diversidade e a acessibilidade de maneira mais abrangente.
A inclusão, que melhora a saúde mental dessas pessoas e acaba sendo uma estratégia de promoção à saúde, começa, muitas vezes, nas instituições de apoio e educação, como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Campina Grande. Fundada com o objetivo de promover a qualidade
de vida e garantir os direitos de pessoas com deficiência, a APAE tem sido um pilar importante para aqueles que enfrentam desafios intelectuais – pessoas que necessitam de mais tempo para aprender a socializar e resolver questões típicas do cotidiano – e múltiplos –pessoas que, além da deficiência intelectual, possuem dois ou mais tipos de deficiências que podem estar relacionadas à visão, audição, entre outras.
Rosilene Silva, diretora da APAE Campina Grande, define a instituição em quatro palavras: vida, transformação, inclusão e amor. Ela explica que o papel da APAE vai além da assistência direta aos alunos: a instituição se dedica a conscientizar a comunidade sobre o que é inclusão. Segundo ela, as atividades desenvolvidas na Associação preparam os atendidos para a vida em sociedade, capacitando-os para participarem em espaços como supermercados, universidades e comércios. Esse trabalho é fundamental para garantir que as pessoas com deficiência possam se desenvolver e ocupar seu espaço de direito na sociedade.
Dayvson Rodrigues, aluno da APAE que trabalha como atendente de restaurante no McDonald’s, afirma que, apesar das dificuldades iniciais, a oportunidade de trabalhar
trouxe uma valorização pessoal e profissional. Ele descreve sua experiência como enriquecedora, destacando o apoio dos colegas e a importância do acompanhamento psicológico para enfrentar a ansiedade e os desafios cotidianos. “A APAE representa muito na minha vida. Ela me ajudou no desenvolvimento e me preparou para o trabalho”, diz Dayvson.
Segundo Eliezio Bezerra, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Campina Grande, a inclusão dessas pessoas traz benefícios consideráveis para o ambiente de trabalho. “São profissionais que, em muitos casos, possuem habilidades acima da média e mostram um grande potencial de desenvolvimento”, comenta. Contudo, Bezerra também ressalta que o mercado ainda deixa a desejar em relação à inclusão, e que iniciativas para conscientizar empresas e lojistas sobre o valor da diversidade são essenciais. A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um processo que exige esforço conjunto de instituições como a APAE, da sociedade civil e do setor privado. Para que a inclusão seja uma realidade tangível, é necessário não apenas abrir oportunidades, mas garantir que essas pessoas sejam respeitadas, valorizadas e apoiadas em sua jornada. A experiência de Dayvson no mercado de trabalho e o compromisso da CDL com
a conscientização são exemplos de que a mudança é possível, mas que depende de um esforço contínuo e consciente. Com mais apoio da comunidade e de iniciativas que promovam uma inclusão verdadeira e integral, é possível construir um mercado de trabalho mais justo e acessível, onde todos possam exercer plenamente seus direitos e contribuir com suas habilidades. Esse, provavelmente, será um caminho fundamental também para fortalecer, por exemplo, a autoestima e autoconfiança dessas pessoas, gerando, posteriormente, ganhos significativos para a saúde mental e emocional delas. Na cidade de Campina Grande-PB, existe uma política pública voltada para essa conscientização e inclusão das pessoas com deficiência, nomeada como “Guia de Direitos e Benefícios da Pessoa com Deficiência”, que se resume em uma cartilha disponibilizada gratuitamente tanto para os portadores – visando informá-los acerca dos seus direitos – quanto para o restante das pessoas – buscando conscientizá-las de que todos os lugares que elas ocupam e funções que exercem, podem, sim, serem ocupadas e realizadas pelas PCDs. Os temas abordados no guia são: saúde, educação, assistência social, habitação, trabalho e mobilidade; nichos cruciais para a reabilitação desse público.
O relógio marcava exatamente 9 horas da manhã quando minha equipe se reuniu cheia de expectativa. O dia amanheceu com aquela atmosfera que antecede momentos significativos onde a troca de experiências e o aprendizado se tornam protagonistas. Partimos rumo à APAE, carregando conosco a missão de coletar relatos que, sabíamos, seriam repletos de profundidade e significado.
Ao chegarmos à APAE, fomos recebidos com sorrisos genuínos e olhares curiosos, o que prontamente nos fez sentir em casa. Era um espaço onde cada detalhe refletia cuidado e dedicação. Iniciamos a coleta dos relatos uma tarefa que foi ao mesmo tempo emocionante e transformadora. Cada palavra compartilhada tinha o peso de vivências únicas, e cada momento registrava a beleza das histórias contadas.
A visita à APAE não foi apenas sobre o que coletamos, mas também sobre o impacto que aquelas vozes tiveram sobre nós. Era impossível sair dali sem uma nova perspectiva sobre o valor de cada indivíduo e a importância da empatia.
Partimos, imersos em sentimentos de gratidão e inspiração, com a certeza de que aqueles relatos eram muito mais do que palavras eram memórias vivas, capazes de ensinar e transformar. Enquanto nos despedíamos, prometíamos voltar e continuar construindo essa conexão tão rica e necessária. E, assim, concluímos nossa missão com o coração cheio e uma nova visão da vida.
- DEBORAH MELISSA
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REPÓRTERES: BIANCA DANTAS, JOANA DE ALCANTARA E NICOLAS ALMEIDA
A maternidade pode ser um dos momentos mais transformadores da vida de uma mulher. No entanto, apesar da alegria, muitas mães acabam não encontrando amparo familiar ou social no ambiente onde estão inseridas e chegam a enfrentar dificuldades na amamentação, medos relacionados ao parto e até mesmo situações de violência obstétrica.
A problemática é comum no Brasil, mas muitas vezes invisibilizada. Dados da Fundação Perseu Abramo mostram que uma em cada quatro mulheres já sofreu violência obstétrica no Brasil, segundo pesquisa realizada em 2010. O estudo “Nascer no Brasil”, da Fiocruz – a mais recente investigação disponível sobre o tema –, ouviu quase 24 mil mulheres entre 2011 e 2012, e revelou que 30% das mulheres atendidas em hospitais privados sofreram violência obstétrica; no SUS, a taxa foi de 45%.
Na Paraíba, a situação se agrava: um estudo qualitativo realizado em Patos, com 12
mulheres acompanhadas pela Rede de Apoio Amorddoula em 2022, evidenciou relatos contundentes de violência obstétrica, que incluíram procedimentos realizados sem consentimento, coação durante o parto e abuso verbal. Histórias de mães e gestantes com experiências semelhantes a essas são frequentes nos encontros do Rede Materna, programa de extensão da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), que em 5 anos, já beneficiou centenas de mulheres, oferecendo um espaço de acolhimento e empoderamento, com suporte emocional e educacional.
A ação, desenvolvida por professores e estudantes, dialoga com o provérbio africano que diz: “É preciso uma aldeia para educar uma criança”. Ou seja, com a colaboração de uma rede de apoio, é possível que as mães criem seus filhos e, ao mesmo tempo, possam cuidar de si mesmas. O programa Rede Materna surge, assim, como um importante aliado nessa articulação.
A coordenadora do programa, Kathleen Elane Vasconcelos, professora do curso de serviço social, explica que o Rede Materna atua em Unidades Básicas Saúde (UBS) na cidade de Campina Grande, promovendo encontros quinzenais onde gestantes e mães compartilham experiências e recebem orienta-
ções sobre temas essenciais – como pré-natal, amamentação e cuidados pós-parto. Os encontros acontecem nas UBS Padre Hachid Ilo Bezerra, no bairro Glória, e na UBS Professora Odete Leandro de Oliveira, no bairro Bodocongó, sempre às sextas-feiras pela manhã. Durante uma hora e meia, as participantes têm acesso a informações essenciais, trocam vivências e são orientadas por profissionais das áreas de serviço social, enfermagem e psicologia. A presença de profissionais de diversos setores contribui para um suporte mais completo.
Enfermeiras, assistentes sociais e psicólogas trabalham juntas para que as participantes não só recebam informações, mas também sejam encaminhadas aos serviços adequados e contem com apoio emocional. Dessa forma, o trabalho coletivo torna-se também um espaço para desabafos, livre de julgamentos e preconceitos, onde todas podem se expressar. “Eu sou mãe. A maternidade é fantástica, é maravilhosa, poderia ser a fase mais incrível da minha vida, mas também é a mais desafiante, sabe? Lá, as mulheres têm espaço para dizer ‘olha, a amamentação não
foi legal, tive dificuldade de ter apego com meu filho no início’, sem se preocupar tanto com os julgamentos externos”, afirma Kathleen.
Como a maternidade redefine a identidade e a individualidade feminina? O que é ser mãe e o que é ser mulher? Até que ponto o “ser mãe” ultrapassa a identidade feminina enquanto indivíduo? Estas são algumas das questões trazidas nos encontros do programa, com o objetivo de oferecer acolhimento para as mães e gestantes e a oportunidade de discutirem sobre a pressão imposta pela sociedade. Bárbara Maria Rocha, estudante de psicologia e bolsista do programa, afirma que, com o passar dos encontros e com o fortalecimento da relação construída entre participantes e colaboradores, muitas mulheres dizem: ‘quero falar sobre mim agora, não sobre meu filho’. Ao compartilhar experiências e ouvir relatos de outras mães, as participantes percebem que seus sentimentos – como medo, exaustão e insegurança – são comuns e legítimos. Esse processo de troca cria uma rede
de apoio essencial, reduzindo a pressão e aumentando a autoconfiança. Os profissionais envolvidos trabalham para quebrar tabus sobre a saúde mental na maternidade, mostrando que sentir dificuldades não é sinal de fraqueza, mas uma realidade que precisa de atenção e cuidado.
Dessa forma, Bárbara explica que empoderar essas mulheres é fundamental para que elas conquistem seus direitos: “Essa questão da prevenção à violência obstétrica é um dos temas que mais mobiliza e que precisa ser trabalhado – de como prevenir, de como evitar. Infelizmente, as equipes de saúde não têm se dedicado a isso”. O programa não se propõe apenas a acolher as participantes, mas também a informá-las sobre seus direitos e oferecer suporte jurídico para que possam buscar justiça.
As maiores questões que surgiram durante os encontros foram sobre cuidados infantis e criação dos filhos, mas Kathleen explica que a grande contribuição do programa é justamente a promoção da saúde mental para as mães: “É muito interessante, porque o Rede Materna, a proposta dele é essa, falar dos filhos, da gestação e tal. Então, acaba fo
Uma decisão fundamental da coordenação do programa foi que o protagonismo nas atividades ficaria a cargo das estudantes. São elas que conduzem as oficinas, organizam os encontros e registram as interações, enquanto professores e coordenadores atuam nos bastidores, oferecendo suporte quando necessário e garantindo que as estudantes assumam a responsabilidade do processo formativo. “Eu acho que é uma experiência muito enriquecedora para ambos os lados. As estudantes aprendem muito com as gestantes e mães, e elas também se beneficiam dessa troca”, afirma Kathleen.
A convivência entre estudantes e mães propicia um aprendizado mútuo. As estudantes de serviço social, enfermagem e psicologia chegam ao programa com embasamento teórico, mas é na interação com as mães que adquirem conhecimento sobre a realidade prática da maternidade, seus desafios diários e as lacunas nos serviços de saúde e assistência social.
As estudantes extensionistas criam vínculos de cuidado com as mães, sendo respontambém pelo apoio na fase pós-parto. essa mulher necessita, a orientação estudante esteja presente para ofeapoio, o suporte e acionar o que for necessário”, explica Kathleen. proximidade forta-
lece o sentimento de acolhimento e empatia, fazendo com que as mães percebam que não estão sozinhas e que podem contar com uma rede de apoio para enfrentar os desafios da maternidade.
Esse protagonismo é essencial para o aprendizado das alunas, pois permite que elas desenvolvam autonomia, segurança e empatia no trato com as gestantes e mães. A dinâmica das oficinas funciona em rodízio: enquanto uma estudante conduz a atividade, outra faz o registro fotográfico e uma terceira documenta as trocas e discussões. Dessa forma, todas as participantes têm a oportunidade de atuar em diferentes funções ao longo do programa. Jarda Mendes, enfermeira colaboradora do programa, conta que a experiência foi de suma importância para sua formação como profissional: “Meu TCC foi uma pesquisa dentro do projeto, que voltava a buscar, dentro dessas mulheres, a questão das contribuições, né? Dessas atividades para gestação em maternidade. (...) A gente viu que tem um impacto muito positivo desse tipo de atividade para com a realidade dessas mulheres. Então, é muito enriquecedor em questão de conhecimento, de estar junto com esse público, vendo as necessidades dele, sendo também um pivô de transformação na vida dessas mulheres”.
A poucos minutos da UBS Padre Hachid Ilo Bezerra, no bairro Glória, as mães e integrantes do programa se reúnem para uma confraternização semestral no Sítio “Aprender Mais no Campo”, em Massaranduba. O sítio, que oferece um ambiente acolhedor, é cedido gratuitamente para que o Rede Materna promova momentos de descontração – onde as mães podem relaxar, compartilhar experiências e participar de atividades com seus filhos. Esse encontro não é apenas festivo, mas uma oportunidade para fortalecer laços, aliviar o estresse da rotina e reafirmar a importância do apoio mútuo, criando um ambiente leve onde a maternidade se vive em comunidade.
Enquanto os filhos brincam e exploram a natureza, as mães trocam histórias, dicas e reforçam os vínculos estabelecidos durante os encontros. O Sítio “Aprender Mais no Campo” se consolida como um espaço de acolhimento e crescimento, onde cada participante se renova para enfrentar os desafios e celebrar as alegrias da maternidade.
O projeto “Aprender Mais”, coordenado por Stefanie Nascimento, oferece acompanhamento escolar e curso de língua portuguesa para crianças e adolescentes. Em paralelo,
o “Aprender Mais no Campo” surgiu em 2021 como uma iniciativa complementar que alia a aprendizagem com experiências práticas da vida no campo. Voltado para crianças entre 4 e 10 anos, o projeto promove atividades lúdicas, educação, arte, consciência ambiental e a promoção de hábitos saudáveis, contando inclusive com uma colônia de férias.
Stefanie também compartilha sua experiência pessoal, ressaltando a importância da rede de apoio: “Quando eu fiquei gestante do meu primeiro filho, eu tinha muitas dúvidas sobre tudo que englobava a gestação. O que sentia, se era normal, se não era... A todo momento, a pessoa fica com medo de perder seu bem mais precioso. E eu acho que lá você tinha essa rede de apoio, para conversar com as meninas sobre suas frustrações, sobre o que está sentindo, se é normal”. Essa fala evidencia como o suporte oferecido pelo programa foi essencial para enfrentar os desafios da maternidade.
“Tem mães que passam o dia em casa com o filho – só elas e o filho –, e, ao discutirem sobre o brincar, acabam se sentindo culpadas por não interagirem o suficiente. Quando não há tempo ou condições psicológicas, esses sentimentos se intensificam”, explica Kathleen. O programa, portanto, procura desconstruir essa cobrança da “mãe perfeita”, mostrando que o problema não está nas mulheres, mas na falta de políticas públicas eficazes.
Embora o Rede Materna gere um impacto positivo na vida de muitas mulheres, o programa evidencia as dificuldades e limitações que mães e gestantes enfrentam durante a maternidade. Segundo Kathleen Elane, esse cenário está diretamente ligado à insuficiência de políticas públicas eficientes para a maternidade e a primeira infância. “Não existe mãe boa o suficiente quando há falta de apoio do Estado”, declara Kathleen, emocionada. Sem creches acessíveis para todas as crianças, sem suporte adequado nos serviços de saúde e com a precariedade dos programas de assistência para todas as mulheres indistintamente e sem exceção, muitas mães acabam se sentindo culpadas por não conseguirem dar conta de todos os compromissos sozinhas. Essa culpa é frequentemente reforçada pela família e pela sociedade, que colocam sobre a mulher toda a responsabilidade pelo cuidado e desenvolvimento da criança, sem considerar as dificuldades estruturais que ela enfrenta. Com a insuficiência de ações do poder público, a pressão para suprir todas as necessidades da criança recai sobre as mães, gerando um sentimento constante de culpa – especialmente quando não conseguem atender às expectativas idealizadas da maternidade.
Um desafio enfrentado pelo programa Rede Materna é a dificuldade de captação de participantes. Apesar da importância de suas atividades, o número de mulheres que frequentam os encontros ainda é relativamente pequeno. Isso pode estar relacionado a vários fatores, como a falta de tempo das mães, dificuldades de deslocamento até as UBS onde ocorrem as oficinas, ou mesmo a resistência de algumas mulheres em buscar apoio. “A gente não tem um número grande de mulheres, mas, quem está ali, está de verdade”, destaca Kathleen. Mesmo com esse público reduzido, cada encontro gera transformações significativas, permitindo que as mães se sintam acolhidas e fortalecidas.
Luana da Silva, mãe integrante do programa, fala um pouco sobre esse acolhimento: “Depois que engravidei do meu filho, eu conheci elas, e acho que foi a melhor coisa do mundo, porque elas me apoiaram. Elas sempre conversam, não criticam, porque ao redor da gente, tem esse negócio da sociedade. Tem muitas mulheres que são mães solo também, eu entendo. E elas sempre nos apoiam em tudo. Sempre nos animaram, porque têm dias que nós não chegamos tão bem lá”.
O programa Rede Materna segue sendo um farol de acolhimento para as mães e gestantes. A luta agora é para que mais mulheres possam se beneficiar dessa rede de apoio e que, no futuro, a sociedade possa garantir condições mais justas e dignas para todas as mães e seus filhos.
Ao chegarmos, fomos recebidos por um cenário acolhedor. O sítio, envolvido por uma paisagem verde e vibrante, parecia um convite ao descanso e à interação. Ali, entre árvores e brinquedos, as mães encontravam um refúgio temporário das exigências diárias da maternidade.
estarmos entre essas mulheres por tão pouco tempo, já nos sentíamos acolhidos e pertencentes ao ambiente.
No caminho de volta, olhamos pela janela do ônibus e refletimos sobre tudo que havíamos testemunhado. A Rede Materna não é apenas um projeto acadêmico ou uma ação social – é um abraço coletivo, uma resposta à solidão da maternidade, um lembrete de que nenhuma mulher deve enfrentar esse desafio sozinha.
Era visível o alívio nos rostos de muitas delas ao verem seus filhos correndo livres pelo gramado. A manhã seguiu com oficinas interativas para as mães e brincadeiras lúdicas para as crianças. Em um canto, registrávamos tudo com fotos e anotações – cada sorriso, cada conversa era um testemunho do impacto que aquele projeto tem na vida de tantas mulheres. Nos convidaram para comer, participar das interações, escalamos pedras enormes para ver paisagens incríveis, conhecemos os animais e as árvores frutíferas da região. Apesar de - BIANCA DANTAS
Saímos do sítio com a certeza de que cada mãe ali carregava consigo algo valioso: não apenas conhecimento e apoio, mas também o sentimento de pertencimento. Afinal, é preciso uma aldeia para criar uma criança – e, nesse dia, fomos todos parte dessa aldeia.
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REPÓRTER: EVA LEITE
Na Paraíba, a população está envelhecendo em ritmo acelerado. Com isso, crescem também os desafios e oportunidades para repensar os cuidados em saúde. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2000 e 2023, a expectativa de vida no estado subiu de 70,7 para 76,6 de idade.
No entanto, é no recorte do cimento populacional que os dados ainda mais atenção. De acordo com sa “Projeções de População”, divulgada IBGE em 2024, a proporção de pessoas sas com 60 anos ou mais na Paraíba mais que dobrar entre 2023 e 2070, de 15,3% para 38,2% da população. presenta um crescimento de cerca idosos para mais de 1,5 milhão em cinco décadas, o que demonstra uma mação demográfica no estado, reforçando necessidade urgente de iniciativas e sustentáveis para cuidar, acompanhar mover qualidade de vida a quem Foi com esse cenário em vista cerca de oito anos, uma equipe de dores da Universidade Estadual da (UEPB) começou a desenvolver uma gia capaz de acompanhar, à distância, da população idosa. Nascia, assim,
ma Sênior Saúde Móvel, criada no Laboratório de Computação Biomédica, do Núcleo de Tecnologias Estratégicas em Saúde (NUTES).
A solução combina inteligência artificial e dispositivos vestíveis para um monitoramento contínuo e inteligente dos usuários, mostrando saúde tecnologia podem caminhar jun
Revista Anti-horário: O que motivou o desenvolvimento da plataforma?
Eujessika: No início, o projeto era muito voltado a essa questão do envelhecimento populacional. O Brasil já enfrenta isso, o mundo todo já enfrenta isso, então essa transição demográfica faz com que a gente comece a observar a necessidade de criar tecnologias para auxiliar essa parcela da população que mais cresce e necessita de cuidados. Começamos a desenvolver [a plataforma] a partir de 2018, ela foi produto do meu doutorado, na época. Eu pesquisava essa área de envelhecimento humano, e propus desenvolver uma solução para esse público, a partir de duas perspectivas. Já tínhamos, no NUTES, um trabalho onde também era utilizado o dispositivo vestível, que é o relógio inteligente, e a plataforma, para o monitoramento de crianças com obesidade infantil. Tive como inspiração um intercâmbio que realizei para os Países Baixos, na Holanda, onde os idosos que moravam em uma instituição de longa permanência já faziam o uso de tecnologias vestíveis, na forma de um colar, para auxiliar eles nas chamadas de emergência. Quando voltei para o Brasil, pensei “por que não desenvolver uma tecnologia do tipo?”. Não em formato de colar, porque observei algumas limitações, mas no pulso do idoso, como um relógio que ele naturalmente usa, no seu formato normal, apenas para olhar a hora. Então, seria uma tecnologia minimamente invasiva para ele, confortável, e que permitiria atingir alguns critérios de usabilidade. Dessa maneira, a experiência do usuário com aquela tecnologia seria mais agradável. Inicialmente, esse era nosso pensamento e foi por isso que a gente desenvolveu a plataforma, com base na minha experiência de doutorado e no projeto que já era desenvolvido aqui na instituição. Unimos ambas ideias para construir um sistema de monitoramento para o idoso, usando algoritmos específicos que avaliam indicadores de saúde para a população idosa. Ao longo dos últimos anos, consolidamos propriedade intelectual nessa plataforma e fizemos a patente desses algoritmos. Atualmente, trabalhamos com uma plataforma, um dispositivo vestível, diversos algoritmos inteligentes e um aplicativo móvel. Então, para cada um desses setores, contamos com a contribuição de diversos profissionais e pesquisadores.
Revista Anti-horário: Como a plataforma funciona, na prática?
Eujessika: As instituições entram em contato conosco para ter acesso ao sistema. Os idosos fazem uso dos dispositivos 24 horas por dia. Monitoramos idosos desde a época da pandemia, e eles continuam até hoje. Os dados saem do dispositivo para o aplicativo deles, onde têm acesso a todas as informações na palma da mão. Também chega ao sistema web que temos acesso, onde é feito esse acompanhamento e conseguimos identificar quais são os possíveis riscos adversos à saúde desses idosos, com os possíveis indicadores que já nos trazem, ali, um alerta de que o padrão de saúde dele está mudando.
A partir disso, a gente entra em contato, e as instituições passam a olhar melhor para aqueles idosos que podem apresentar indicadores de risco. Então, é uma equipe completa, onde todo mundo tem acesso. Hoje em dia, cada instituição tem sua equipe de saúde, que acompanha esses pacientes, então eles mesmos têm autonomia para fazer isso, até porque a plataforma auxilia nesse processo. Ela, por meio da sua inteligência artificial consegue, de certa forma, ir alertando e mostrando os indicadores, sobre o que está bom e o que não está. Nós, do NUTES, somos muito mais os provedores, entregamos essa tecnologia para as instituições e elas têm autonomia para trabalhar com essa solução. Por sinal, ela já passou da fase de testes. Hoje,
além do público idoso, já conseguimos expandir para outros nichos. Com o tempo, começamos a perceber que não somente essa população idosa poderia se beneficiar, mas outros setores também. Então, hoje nós também trabalhamos com gestantes de alto risco, em um projeto em parceria com o governo do Estado da Paraíba, na maternidade Frei Damião, em João Pessoa. Com o Sest Senat, monitoramos trabalhadores do transporte, caminhoneiros, para avaliação da frequência cardíaca, nível de atividade física, etc. Além disso, a solução também tem ganhado destaque na área hospitalar, com pacientes internados. Assim, podemos dizer que a plataforma já está bem madura e avançada. Nosso maior trabalho, hoje, é adaptá-la a outros nichos.
DISPOSITIVO VESTÍVEL UTILIZADO PELOS USUÁRIOS. FOTO: LEONARDO ALVES/ASCOM NUTES
Revista Anti-horário: Como foi a recepção inicial dos idosos à plataforma?
Eujessika: A plataforma foi implementada inicialmente com outras instituições, como no projeto Cidade Madura, onde foi super bem recebida. O nível de adesão foi muito bom, principalmente quando passamos a entregar os dados aos usuários. Então, é importante o usuário não só fazer uso do dispositivo, como também ter acesso às suas próprias informações no aplicativo, em especial na forma de relatórios, que são entregues mensalmente, ou a cada seis meses. A partir disso, o nível de engajamento dos usuários foi ainda maior, evidenciando também a questão do autocuidado.
Revista Anti-horário: Há alguma funcionalidade planejada para futuras versões da plataforma?
Eujessika: O nosso maior objetivo é expandir a plataforma para ser utilizada em outros nichos, contribuindo para a avaliação de outras parcelas da população que podem ser de risco, e para que a gente consiga observar como a tecnologia pode ser inserida nesses outros cenários também. Afinal de contas, quanto mais o tempo passa, mais a gente tem a possibilidade de ter essas tecnologias mais disponíveis aqui no Brasil, com a internet cada vez mais alcançando um maior nível geográfico, mais sensores sendo utilizados com maior nível de precisão, por isso a necessidade de ter alguém que use essa tecnologia de alguma
forma para beneficiar essas parcelas da população. Então, acho que o nosso maior objetivo futuro é conseguir fazer com que a plataforma se enquadre nos mais diversos cenários em que ela possa ser útil.
Revista Anti-horário: Quais são os principais desafios para a sustentabilidade e escalabilidade das iniciativas?
Eujessika: Ainda existe um grande desafio humano. Por exemplo, por mais que a gente esteja numa era de tecnologia, nem todo mundo é adepto a ela. Inserir a tecnologia na vida ou no serviço profissional significa dizer que as pessoas vão precisar mudar de comportamento. O profissional que antes só utilizava papel, vai começar a precisar usar um aplicativo ou dispositivo, e certas pessoas têm limitações nesse sentido. Apesar disso, temos observado bastante mudanças. Com o passar do tempo, em cinco ou dez anos, acredito que o cenário não vai ser mais o mesmo, estará melhor do que hoje, sou otimista e entusiasta dessa mudança.
Revista Anti-horário: De que maneira a expansão da plataforma contribui para a consolidação e relevância de iniciativas como essa, levando em consideração as limitações e desafios?
Eujessika: Nosso projeto já alcança não somente a Paraíba, como também os estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Espírito Santo. Então, a iniciativa é tentar expandir cada vez mais. Com a parceria com o Sest
Senat, conseguimos alcançar o Brasil inteiro, na área de saúde do trabalhador, já estamos vendo esse trabalho acontecer. E a nível internacional, tivemos uma experiência bacana ao implantar essa tecnologia numa instituição de longa permanência na Europa. Foi desafiador, pois o público idoso já estava numa faixa etária avançada e com pouca expectativa de vida. Percebemos que, para essa parcela da população, haviam limitações a mais, e por não enxergarem mais perspectiva de vida, para eles, agregar qualquer outro serviço já não era interessante, diferente dos idosos, mais jovens, com quem trabalhamos aqui no Brasil, que utilizam, se engajam, observam que esse tipo de dispositivo pode sim ser um auxiliar nas atividades, nas mudanças comportamentais, que pode ser um grande otimizador desses aspectos. Então, a plataforma vai se adaptando aos nichos de formas diferentes, e só percebemos os desafios na medida em que vamos a experimentando.
POR: LETÍCIA FERREIRA
Dos muitos contos já contados, das muitas histórias repetidas e das muitas reclamações gritadas, talvez todas tenham em comum a busca pela dignidade.
Nunca soube se era sábio ou se era o consolo do pobre dizer: “A única coisa que não se compra com dinheiro é a saúde”. É certo que a vida não se compra com dinheiro, mas me parece que dá para esticá-la um bocado com algumas notas. Com alguns cartões, o chão frio vira quarto com vista para o mar. Com boas doações, a fila que desassossega é mais rápida. Para os que pouco têm em vida, pouco também é o tempo. Poucos são os cuidados, poucas são as chances.
Os filhos dos transplantes, as mães dos atípicos, os que perderam parte de si e os que lutam para não perder, os que acabaram de nascer, os que já nasceram há muito tempo; todos esses cantam em coro: “Me ajude, dotô”. Dos muitos jogos de azar já inventados, talvez o pobre conheça o pior, desbancando os jogos de banca e até mesmo o felino que corrompe famosos: o sorteio de destino, esse sim é de arrepiar.
Depois de perder o sorteio por um assento no ônibus, é inevitável enfrentar o bingo de senhas, afinal, às cinco da manhã você pode ser o próximo da fila, mas provavelmente
você será o número 506. E no cara-crachá do balcão, o seu destino é decidido: se o plano de saúde premium plus estiver ativo, talvez o médico tenha vindo, mas, se por acaso, sua munição é um cartão do SUS e um RG descolado, muito provavelmente o clínico geral tenha um imprevisto no caminho.
Dos muitos choros já ouvidos em corredores, me doem os desesperados, que com o resto de fé só podem esperar por um milagre. Mas me aliviam os choros compulsivos de gratidão, embolados em orações e soluços, esses agradecem aos deuses e aos médicos. É o ‘muito obrigado’ pelas descobertas da ciência, pelos novos medicamentos e tratamentos, pela doação de sangue de quem nem sangue seu mudou Das é a além plicidade: os vivas preferir
REPÓRTERES: JULIA NUNES, MARIA EDUARDA SANTOS, RAYANNE SILVA E JOÃO CARLOS TRAJANO
Quem vê uma fumaça acinzentada pelo ar enquanto um objeto comprido repousa entre os dedos indicador e do meio, logo captura a memória de um avô, uma prima ou qualquer outra pessoa que, em algum momento da vida chegou a tragar um cigarro. No entanto, a história desse produto vai muito além dos nossos pais, avós ou de uma memória acessível. Seu uso remonta cerca de 1.000 a.C., quando ainda se chamava Nicotiana tabacum – a planta da qual se extrai a nicotina para produção do atual cigarro – e era empregada nos rituais religiosos de comunidades indígenas da América
Central, que acreditavam em seus efeitos de purificação, proteção e fortalecimento. No Brasil, a antiga especiaria foi introduzida por tribos tupi-guaranis e também foi utilizada para fins medicinais.
O uso do tabaco nas atividades indígenas, certamente, não reflete a maneira como é utilizada nos dias atuais, tampouco os impactos negativos do consumo. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o uso do tabaco pode causar pelo menos 15 tipos diferentes de cânceres, incluindo os mais mortais: câncer no pâncreas, fígado, esôfago e pulmão. Mesmo diante desses dados, por que mais de 12,6% da população adulta do Brasil ainda fuma, segundo a pesquisa da Progress Hub?
Porém, ainda de acordo com a plataforma de monitoramento do consumo global tabaco, entre os países das Américas, o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking de Controle do Tabaco, posição que foi conquistada através de iniciativas regionais que buscaram observar seus fumantes de perto para realizar um trabalho de combate mais focal e consistente. É o caso do programa Campina Livre do Fumo, que acontece desde 2007 na cidade de Campina Grande, na Paraíba.
O programa Campina Livre do Fumo surgiu através do Programa Nacional de Controle do Tabagismo, que era liderado pelo INCA e se
articulava à nível nacional. No entanto, o programa nacional acabou sendo extinto na região, mesmo diante da adesão da população. Logo, viu-se que a não-existência de uma ação contra o fumo na cidade seria o mesmo que agir contra a possibilidade de resultados efetivos e contínuos, o que motivou a criação de um programa local, apoiado pela Secretaria de Saúde de Campina Grande.
Acessível para toda a população campinense, o programa funciona em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS), atuando nas mais de 30 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Policlínicas espalhadas pela cidade. Os encontros ocorrem uma vez por semana nas unidades e, geralmente, têm uma hora de duração. Na ocasião, os pacientes recebem orientação de profissionais de saúde sobre como tratar os efeitos causados pelo uso do cigarro.
A dinâmica e organização do processo de reeducação são elaboradas, principalmente, por um coordenador que administra o programa na unidade de saúde. Na Polínica a qual tivemos acesso, a do Francisco Pinto, localizada no centro da cidade, fomos recebidos pela enfermeira e coordenadora
do programa daquela unidade, Marcleane Fernandes Ferreira. Ela nos contou que, naquela unidade, quando um paciente aceita participar do projeto, buscam conhecer o perfil da pessoa enquanto fumante, registrando desde as preferências de sabor até a rotina de consumo – um processo que foi chamado de “anamnese” pela própria coordenadora.
“Nessa ficha aqui, eu faço a anamnese individual de cada pessoa. No final, na parte de trás, eu faço a avaliação através de uma contagem de pontos para ver qual é o nível de grau de dependência daquela pessoa em relação ao tabagismo, ao fumo. A partir daí, vou traçar um plano de cuidado para aquela pessoa que veio iniciar o tratamento”, explica Marcleane.
Durante conversas com os pacientes e profissionais da unidade, foi possível perceber que o programa se dá por um tipo de “método educativo anti-fumo”, uma vez que os usuários aprendem, de forma didática, tudo que o cigarro representa. Além da orientação dos profissionais da saúde, todos os participantes recebem um “manual do participante” que é distribuído pelo Ministério da Saúde e amplamente trabalhado ao longo do programa.
O livreto funciona como um guia de apoio complementar ao que é discutido nos encontros, apresentando os objetivos do tratamento, testes, informações ilustradas e respostas às principais dúvidas de quem está iniciando a luta contra o vício em nicotina, facilitando o acompanhamento mesmo fora do ambiente das reuniões, como explica a coordenadora do programa: “Esse manual ajuda a tirar dúvidas
MENOS NOCIVO QUE O CIGARRO CONVENCIONAL?
O cigarro eletrônico, também conhecido como Dispositivo Eletrônico para Fumar (DEF), virou tendência no século 21, especialmente entre o público mais jovem. Em 2019, se estimava que 1 milhão de brasileiros, com 15 anos ou mais, utilizavam dispositivos como o vaper e o pod.
Estes eletrônicos, diferentemente dos cigarros convencionais, possuem um apelo diferenciado: sabores diversos, aromas agradáveis, visual estiloso e a praticidade de usar refis, permitindo que o usuário utilize um único instrumento de diversas formas. No entanto, por trás dessa tendência, substâncias nocivas como nicotina, tabaco aquecido, extratos de plantas e outras, podem colocar em risco saúde, levando a uma série de problemas, incluem: redução da função pulmonar, tensão arterial, cânceres de língua, garganta pulmão.
Com o aumento do uso destes eletrôni cos, a medicina chegou à descoberta de nova lesão pulmonar, chamada EVALI (do glês E-cigarette), que é causada pelo consumo de produtos com tetrahidrocanabinol (THC), mesmo psicoativo presente na cannabis. pesquisas sobre a EVALI ainda são recentes, mas sabe-se que ela pode variar entre mas mais graves ou mais leves e o usuário começa sentindo tosse, falta de ar, dor peito, febre e até mesmo vômito ou diarreia. O comércio dos DEFs é proibido Brasil desde 2009. Em 2024, o governo bra sileiro também proibiu o uso dos dispositi vos em locais públicos, privados e fecha dos.
para quem está começando, e também para quem quer dar continuidade ao tratamento”.
Marcos José Nascimento Ferreira, de 38 anos, já sente diferenças em seu cotidiano, mesmo tendo iniciado o tratamento há apenas dois meses: “Eu tenho disposição para trabalhar, para correr, nadar, fazer esporte, qualquer tipo de esporte que queira. Tenho um melhor paladar, um melhor olfato”, contou o autônomo.
A pedagoga e irmã de Marcos, Claudia Nascimento, foi a pessoa que o incentivou a buscar o apoio do programa. Ela disse que o irmão também bebia e parou imediatamente após frequentar outro grupo de apoio. Segundo Claudia, a educação sobre o cigarro é o que mais tem ajudado o irmão a diminuir o consumo, porque provoca os pacientes a se conscientizarem sobre os malefícios do fumo de forma dinâmica. “Ele tem consciência de que o cigarro traz todos esses processos e ele quer mudança, sabe? Quer cuidar da saúde. Sabe que pode dar câncer, que o sorriso fica feio... No AA [Alcoólicos Anônimos], fala: “Evite o primeiro gole”. E aqui, fala: “Evite o primeiro cigarro”. Essa rede de apoio é muito importante”, relatou Claudia.
O convívio com outros participantes em processo de descontinuação do uso do cigarro e o contato com os profissionais media grande parte da eficácia do programa, mas a maioria
dos tratamentos também se alia a medicamen tos como antidepressivos, como a bupropiona, e adesivos que inibem a vontade de Para manter um controle eficaz dos adesivos e assegurar o retorno cientes, o núcleo de enfermagem oferece adesivos por semana, incentivando pantes a comparecerem às reuniões para dar continuidade ao tratamento.
O cinema de Hollywood teve crucial na popularização do cigarro século XX. Mostrar o galã ou a mocinha filme tragando um cigarro atribuiu ao mo sentimentos de charme, poder, rebeldia. O ato de tragar ainda é ligado sas imagens nocivas e, talvez, isso porquê do fumo ainda ser tão popular diante dos malefícios e das possibilidades agravamento à saúde, levando, em sos, à morte.
Essa visão do cigarro como algo também pode ser incentivada pela passividade do fumo – pessoas que mesmo sem cigarro, acabam inalando o tabaco. O tabagis ta passivo, que pode vir a se transformar em um potencial fumante, consome o fumo no dia a dia através dos fumantes que fazem parte do seu convívio. A pedagoga Claudia Nascimento,
só parou quando teve problemas no coração. A gente cresceu vendo isso em casa, como se fosse algo normal”, relembrou. Mas, essa situação não pode ser normalizada. De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) em 2022, no Brasil, o tabagismo é responsável por aproximadamente 161.853 mortes anuais, o que equivale a 443 óbitos por dia e representa 13% do total de mortes no país. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada em 2019, a Paraíba registrou o maior número de fumantes do Nordeste A coordenadora do programa à nível municipal, Sanara Farias Aguiar, relata que uma das grandes limitações da iniciativa é a dificuldade de aceitação, pois, na maioria dos casos, o cigarro não é visto como um problema real ou o paciente tem resistência em lutar contra o vício. Ela explica que o principal problema está na acessibilidade facilitada ao cigarro, assim como ao álcool. O valor financeiro é agregado ao valor “beneficial”, já que os fumantes veem no cigarro uma “válvula de escape” e, para eles, acaba sendo mais rápido e prático gastar R$ 9,50 em um maço de cigarro, do que buscar ajuda profissional. “Para quem realmente fuma, não é fácil. É o que digo todos os dias: é um câncer, como qualquer outro, porque há consciência, mas a
MEDICAMENTOS DO TRATAMENTO PARA DESCONTINUAÇÃO DO USO DO CIGARRO. À ESQUERDA, MARCOS JOSÉ NASCIMENTO, PARTICIPANTE DO PROGRAMA. FOTOS: JULIA NUNES
ferida está aberta e o vício é quer coisa. Na questão alimentar, até nas próprias drogas, é da tão desafiador quanto”, contou geral do programa.
Marcleane Ferreira, coordenadora unidade Francisco Pinto, também a comodidade do vício dificulta incentivo à participação do projeto: existem pessoas que querem e existem outras que querem, nha, tem preconceito, acham que e que todo mundo vai ver, todo sabendo, e ficam naquela resistência”, cou.
Apesar do programa buscar dagem humanizada com foco a realidade e o cotidiano daquele procura pela assistência é o maior para ampliar o seu alcance. Por grupo de pacientes da unidade é composto por 40 pessoas, mas de saúde em que não há grandes ou mesmo grupos já formados. ativa. O mais difícil é você ir lá, las pessoas a participarem, porque conhecem, outras não tem vontade”, conta a enfermeira.
Com relação ao problema da proximidade com os fumantes, Sanara já expõe que o programa pensa em implementar Agentes Comunitários de Saúde (ACS) na linha de frente do projeto: “Os ACS conhecem a área em que atuam. Sabem quem é ‘Seu José’, ‘Dona Maria’, e essa proximidade ajuda muito na captação. A ideia é não só manter a porta aberta, mas bater nas portas das pessoas”. Apesar dessas limitações, a coordenadora geral do programa salienta que o Campina Livre do Fumo busca novas formas de atrair os fumantes, mas que essa parceria deve ser uma via de mão dupla, e que o paciente deve pensar nos benefícios do abandono do fumo tanto para ele quanto para seu pai, seu amigo, seu irmão e todas as outras pessoas que vivem ao seu redor.
O Campina Livre do Fumo oferece uma rede de acolhimento real e ganha corpo em conversas, em escuta e em persistência. De acordo com os dados, pelo menos 81% dos fumantes que se inscrevem inicialmente conseguem parar de fumar, e em 2021, a iniciativa foi reconhecida pelo prêmio “Atenção Primária à Saúde Forte no SUS”, do Ministério da Saúde, destacando-se por sua eficácia no acompanhamento e assistência aos fumantes. Os interessados em participar devem procuuma Unidade Básica de Saúde (UBS) em Campina Grande para obter mais informações
A visita à Policlínica Francisco Pinto começou com uma descoberta: a própria existência daquele espaço no Centro da cidade. Nós conhecemos a Coordenadora do Campina Livre do Fumo, Sanara Aguiar, que foi extremamente simpática, assim como todos os funcionários e pacientes que tiveram contato conosco. Fomos direcionados a uma sala onde estava acontecendo o encontro. O espaço era bem pequeno e estava comportando muitas pessoas naquele dia. A orientação já estava em andamento, e os pacientes falavam sobre a importância de abandonar o cigarro para um tratamento efetivo da saúde bucal. Foi possível perceber que os profissionais que atuam ali são como uma rede firme que ampara cada tentativa, cada avanço, cada tropeço. Eles não oferecem apenas orientações médicas, mas escuta, empatia e cuidado, reforçando que saúde é um direito e nin guém precisa enfrentar sozinho esse processo. Tanto que, quando os pacientes apresentavam suas dúvidas e preocupações com relação processo de descontinuação do uso do
ro, as enfermeiras e médicas faziam questão de acalmá-los e direcioná-los. A saúde estava sendo levada com humanidade, respeito e dignidade.
Cada relato que ouvimos na visita ao ‘Campina Livre do Fumo’ nos mostrou exemplos de superação e esperança. Neste trabalho, ampliamos nossa escuta sensível, para observar além das estatísticas. Conhecer de perto quem enfrenta o vício nos fez pensar além dos estigmas e ampliar o olhar sobre a necessidade do acolhimento. Mais do que informar na reportagem, ouvir os relatos dos atendidos também foi uma forma de acolher suas trajetórias e transportá-las em palavras. Os fumantes carregam uma história de luta silenciosa contra a dependência... Mas ali, naquele ambiente acolhedor, vimos o desejo real de mudança. Vimos pessoas dando o primeiro medo recaídas, pormelhor. QUER CONHECER MAIS SOBRE A INICIATIVA?
REPÓRTERES:
O uso medicinal da cannabis ainda é cercado de preconceitos e desinformação. Em palestra apresentada pelo projeto CIM - Cannabis na aula de farmacologia da Universidade
Aberta à Maturidade (UAMA), o tema “cannabis medicinal” causou estranhamento inicial entre os alunos, muitos dos quais carregavam estigmas antigos associados à planta. Expressões como “meu avô dizia que essa era a erva do diabo”, “pode falar sobre esse tema?” ou “tenho uma conhecida que usa, mas não confio nessa planta” foram ouvidas no início da apresentação, revelando tabus e estereótipos sobre o uso da cannabis.
Entre os participantes, estava a estudante Maria do Socorro Araújo, de 77 anos, que frequenta a chamada “turma da diversidade” – grupo formado por alunos que já concluíram o curso, mas desejam continuar participando. Ela afirma que, apesar de acompanhar conteúdos jornalísticos na televisão, a palestra sobre o uso medicinal da cannabis e sua diferenciação do uso lúdico foi fundamental por trazer uma abordagem próxima e acessível sobre o tema. “Eu já sabia porque assisto o jornal, eu acompanhava o conteúdo e também as desinformações relacionadas ao tema. Como a que o uso da cannabis seria recreativo e que sua plantação poderia gerar roubos, como já foi noticiado. Depois dessas informações do CIM - Cannabis, o pensamento foi expandido.
Muita gente da turma só conhecia o uso da maconha para o mal, não como um benefício”, conta Maria do Socorro. Manoel Freire, professor da UAMA, destaca a importância de palestras como as do CIM - Cannabis, projeto de extensão do curso de Farmácia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), desenvolvido em parceria com o Centro de Informações sobre Medicamentos (CIM). Segundo ele, essa contribuem para a construção biente seguro, acessível e aprendizado dos idosos – reunidos mas mistas, composta por e não alfabetizados –, os quais tram, ao longo das atividades, fil atento e responsável no de informações. “Temos uma curricular aberta em relação inovações. Quando é proposto um tema que é relevante para os idosos, como a cannabis e seus resultados positivos comprovados através dos estudos científicos, apesar do pequeno acesso, tivemos um alto nível de aceitação. Buscamos criar um link de informação positiva e correta para a pessoa idosa”, explica Manoel.
No Brasil, a Resolução RDC 327, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), regulamenta a fabricação, importação e prescrição da cannabis medicinal, evidenciando que as medicações podem ser prescritas quando estiverem esgotadas outras opções terapêuticas disponíveis no mercado brasileiro, e contenham como ativos exclusivamente derivados vegetais ou fitofármacos da Cannabis sativa, predominantemente canabidiol (CBD), além de, no máximo, 0,2% de tetrahidrocanabinol (THC).
Porém, a falta de conhecimento sobre o uso terapêutico da planta e sua regulamentação não atinge apenas os mais idosos, mas sim, a população de forma geral. Essa questão talvez seja o reflexo do Brasil estar na 30° – e última – posição do The Global Drug Policy Index de 2019, estudo mais recente que ranqueia o nível de flexibilidade das políticas de drogas dos 30 países economicamente relevantes. Além de resultar numa população desinformada, a falta de aprofundamento e disseminação de informação relacionada ao uso medicinal da cannabis prejudica aqueles que necessitam de um tratamento alternativo.
É o caso de Ravi Emanuel, criança de quatro anos de idade, com microcefalia, cardiopatia congênita e epilepsia de difícil controle. A mãe, Erika Nayara Rodrigues, conta que encontrou na cannabis um caminho mais eficaz e com menos efeitos colaterais que os
como uma possível alternativa e, assim, buscou um médico prescritor que a informou que o uso da medicação seria realizado de forma gradativa. O tratamento, no entanto, era feito de forma privada e com alto custo.
“Ele iniciou o tratamento com um ano de idade. Infelizmente, ainda conseguimos o medicamento de forma privada, e é um gasto muito grande. É difícil o acesso pelo SUS e, além disso, é preciso a desmistificação mesmo, pois é uma questão de preconceito. Como mãe, eu acredito que a gente vê que, a longo prazo, os efeitos são muito bons”, relata Erika.
A enfermeira Adella Lima, que fazia o acompanhamento de Ravi, e atua na Unidade Básica de Saúde da Família (UBSF) Odete Leandro, em Campina Grande, afirma que muitos médicos não prescrevem medicamentos à base de cannabis. O envolvimento através do convite Lindomar Farias: pouco sobre a queríamos muito trazer as autoridades introduzir na saúde pú-
CANNABIS DURANTE SEU PROCESSO FARMACOLÓGICO. FOTO: NATÁLIA DILORENZO/ACAFLOR
PONTO E CONTRAPONTO
Dados do III Anuário da Cannabis Medicinal no Brasil, de 2024, mostram que 672 mil pessoas fazem uso da cannabis medicinal no país, 313 mil pacientes importam medicamentos de cannabis, 212 mil têm acesso aos medicamentos nas farmácias e por volta de 147 mil pacientes fazem o tratamento via associações – organizações que atuam em prol do acolhimento e facilitação do acesso a medicamentos à base de cannabis –. Até o primeiro semestre de 2024, esses pacientes estavam distribuídos por 3.100 municípios pelo país, ou seja, 56% das cidades. Conforme o Anuário, de julho de 2023 a julho de 2024, a Paraíba teve um aumento de mais de 100% de profissionais da saúde prescrevendo cannabis medicinal.
No entanto, segundo o presidente do Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB), Dr. Bruno Leandro de Souza, ainda há uma lacuna normativa, o que gera insegurança entre os profissionais da saúde para a prescrição da cannabis. Porém, caso seja tomada a decisão de prescrevê-la, há algumas recomendações e ações a serem seguidas relacionadas também aos pacientes e seus responsáveis. Diante desses aspectos, a entidade recomenda aos médicos um acompanhamento rigoroso para com os pacientes, recomendando o mapeamento de registros detalhados e regularmente atualizados dos tratamentos, buscando, assim, garantir segurança para a prescrição.
O CRM-PB afirma seu compromisso com a revisão periódica de suas resoluções baseadas em novos estudos que possam ampliar as indicações para o uso da cannabis de forma segura. Além disso, Dr. Bruno Leandro reforça a perspectiva de que uma nova resolução sobre o tema seja editada ainda este ano. Em 18 de maio de 2023, em Campina Grande, foi sancionada a Lei Nº 8.603, que garante o acesso gratuito à cannabis medicinal através do Sistema Único de Saúde (SUS), mediante a apresentação de receita médica. No entanto, mesmo com o sancionamento da lei, o centro de distribuição não chegou a ser finalizado, estando apenas em fase de planejamento. “Há toda uma formalidade para que isso seja criado. A gente não tem políticas específicas, hoje, do Ministério da Saúde, então usamos da prerrogativa de município, para que possamos conformar o serviço adequado”, explica Miguel Dantas, diretor de Vigilância em Saúde do município. O Ministério da Saúde foi procurado para comentar sobre o tema, mas não respondeu até o fechamento da edição.
Apesar deste avanço social na distribuição pública e do potencial da cannabis medicinal no tratamento de doenças como fibromialgia, dores crônicas, epilepsia e esclerose múltipla, a questão é polêmica e complexa. Nesse cenário controverso, agentes como a Associação Canábica Florescer (ACAFLOR) viabilizam o uso da cannabis medicinal. Fundada em 2012 por um grupo de pacientes, na cidade de João Pessoa, com a coordenação do psicólogo Cauê Pinheiro, e sua parceira Tayná Araújo, a ACAFLOR é especializada em atendimento a usuários da cannabis medicinal, por meio da produção e distribuição de óleos, pomadas, flores in natura e extrações – flores para uso vaporizado. A distribuição exclusivamente para pacientes associaabertura para associar-se a partir apresentação de receita ou avaliação feita associação. “Atendee idosos, porém, a
maioria dos pacientes da ACAFLOR são adultos entre 20 e 40 anos. Esses adultos apresentam em sua maioria dores crônicas e questões de saúde mental como ansiedade, depressão e, principalmente, TDAH. Também atendemos casos de doenças intestinais crônicas, autismo e Parkinson, no caso do público idoso”, afirma Cauê Pinheiro. A associação tem atendimento voltado para uso medicinal e terapêutico, abraçando patologias pré-estabelecidas, agravadas e recém-diagnosticadas. Além disso, a ACAFLOR afirma que uma de suas maiores ações é a educação em saúde e educação política, na busca pela desmistificação de preconceitos. Marcando presença em eventos e promovendo rodas de conversas, a associação estimula debates sobre o direito à saúde e à vida, pautando o uso da cannabis como ferramenta de cuidado, e atuando de frente no combate aos desafios enfrentados tanto pelos usuários quanto pelos distribuidores do medicamento. “O principal desafio é a ausência de regulamentação, não só para a ACAFLOR como para todas as associações. Hoje, nós temos autorização para dispensar todos os tipos de produtos à base de cannabis, porém, muitas associações não têm. Então, não haver regulamentação específica faz com que não haja um parâmetro mínimo também para essas associações. Tem de haver um movimento específico, um movimento associativo único no Brasil, sendo exemplo para o mundo todo”, explica Cauê.
Seguindo as mesmas concepções sobre o uso benéfico e eficiente da cannabis, o projeto CIM - Cannabis, há três anos em atuação em Campina Grande, tem foco específico em desconstrução de preconceitos e acompanhamento farmacológico de medicamentos à base de cannabis.
O projeto conta com o auxílio de 12 extensionistas e busca formar profissionais capacitados sobre o uso medicinal da planta, para a prevenção e mitigação de possíveis reações adversas aos medicamentos e danos à saúde dos pacientes. Além disso, busca a promoção de informações e educação de alunos, pacientes e profissionais da saúde através de palestras, eventos e aulas baseadas em artigos científicos. Os serviços do CIM - Cannabis estão disponíveis para os pacientes atendidos na Unidade Básica de Saúde da Família (UBSF)
Professora Odete Leandro Oliveira, no Centro de Informações sobre Medicamentos (CIM), na Clínica Escola de Fisioterapia da UEPB e na Universidade Aberta à Maturidade (UAMA).
Segundo a equipe do projeto, o público ainda apresenta muitos questionamentos sobre o uso medicinal da cannabis, os quais precisam ser sanados para combater a desinformação. “Ainda existe uma grande demanda por esclarecimentos. Durante as atividades do CIM - Cannabis, observamos que alguns profissionais da área, bem como alunos, têm dúvidas sobre as dosagens, os efeitos colaterais, as indicações clínicas e as implicações legais do uso da planta. Esse cenário torna a disseminação de conhecimento ainda mais crucial, pois é a partir dessa troca de informações que podemos avançar na implementação de tratamentos seguros e eficazes”, comenta a coordenadora do CIM - Cannabis, Lidiane Pinto Correia.
Assim, ao abrir espaço para diálogos sobre o tema, é criada uma desconstrução de desinformação de profissionais, além de reafirmar cia da educação em saúde transformação.
Cientes da discussão política e social que permeia o tema, gostaríamos de abordar os estigmas e desinformação que fazem do uso da cannabis medicinal um “tabu”. Na busca por iniciativas que atuam na desconstrução de preconceitos sobre o tema, nos deparamos com o CIM - Cannabis e a ACAFLOR, projetos que valorizam uma discussão aberta e mais humana sobre os benefícios medicinais da planta. Essa jornada, nos possibilitou conversar com diversos profissionais da saúde para que pudéssemos, na medida do possível, entender o lado dos que são contra e a favor do seu uso.
bilidade e empatia. Infelizmente, Ravi faleceu antes do fechamento desta reportagem, no dia 3 de abril de 2025. Aos seus pais Erika Nayara, Rogério Andrade e toda a sua família, nossos sentimentos.
O processo de entendimento sobre a desmistificação do uso da cannabis medicinal levou até Ravi e sua família. Somos gratos abrirem suas portas para nós e nos acolhecom tanto carinho, nos fazendo perceber existe desconfiança e resistência sobre tema, e nos mostrando o quanto ainda precisamos falar sobre o assunto com responsa- - ANA LUZ RODRIGUES E JOÃO PAULO DE CASTRO
Enfrentamos muitas dificuldades para obter respostas sobre o assunto. Foi graças à insistência e determinação da equipe, que conseguimos chegar à ACAFLOR, onde encontramos uma escuta mais atenta e respostas pontuais. Ao final de tudo, entendemos que o Brasil ainda caminha lentamente no debate sobre a cannabis medicinal. Mas acreditamos que, alimentando nosso entorno com informação verdadeira e comprometida, podemos contribuir para acelerar esse processo. Mais do que combater o preconceito, é preciso vencer o tabu e abrir espaço para o cuidado e a dignidade que tantos pacientes merecem.
REPÓRTERES: EMILLY DANTAS E MILENA FERREIRA
O câncer é como uma tempestade inesperada. No começo, tudo parece distante, algo que acontece com os outros. Até que, em um dia comum, uma consulta de rotina, um exame simples, traz um diagnóstico que vira o mundo de cabeça para baixo. De repente, o tempo passa a ser contado em sessões de quimioterapia, consultas médicas e dias de espera ansiosos por resultados. O medo se mistura à esperança, e a busca por tratamento adequado se torna uma jornada cheia de desafios emocionais, físicos e, muitas vezes, financeiros.
No Brasil, a realidade é alarmante. O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que mais de 700 mil novos casos surgem por ano entre 2023 e 2025, atingindo pessoas de todas as idades e regiões. Para aqueles em situação de vulnerabilidade social, a batalha se torna ainda mais árdua. Embora o Sistema Único de
Saúde (SUS) ofereça tratamentos como quimioterapia, radioterapia e consultas especializadas de forma gratuita, em até 60 dias após o diagnóstico, conforme estabelece a Lei nº 12.732/2012, o acesso a avaliação precoce e a terapias adequadas ainda enfrenta impasses significativos. O tempo entre a descoberta do câncer e o início do tratamento é, muitas vezes, longo demais, comprometendo as chances de cura. Além disso, o custo indireto do tratamento é alto: despesas com transporte, alimentação, medicamentos complementares e a necessidade de acompanhamento psicológico são apenas algumas das dificuldades enfrentadas por pacientes e suas famílias. É nesse cenário que surge a Associação Esperança e Vida - AEV, sediada em Campina Grande-PB. A iniciativa foi idealizada por Márcia Cordeiro, a partir de uma vivência profundamente pessoal: o diagnóstico de câncer de
mama em sua mãe. Movida pela experiência e pela vontade de oferecer apoio a outras famílias enfrentando a mesma realidade, Márcia uniu forças com dois amigos e tirou do papel o que antes era apenas um sonho coletivo. A Associação Esperança e Vida foi fundada em 2008 e, desde então, tem atendido pessoas de todas as idades e gêneros, buscando proporcionar uma melhor qualidade de vida aos seus usuários portadores de câncer, juntamente com seus familiares que se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Atualmente, 51 pessoas estão cadastradas, com predominância de mulheres adultas e idosas. Ao longo dos anos, mais de 192 pessoas já passaram pela associação. Para tornar esse atendimento possível, a AEV conta com uma rede de profissionais voluntários que dedicam tempo e habilidades para oferecer suporte integral aos pacientes. A equipe multidisciplinar é composta por psicólogas, que atuam no fortalecimento emocional dos pacientes com terapia individual e em grupo; fisioterapeutas, responsáveis por auxiliar na reabilitação física; e nutricionistas, que orientam sobre uma alimentação balanceada, essencial durante o tratamento oncológico.
Além disso, operadores de telemarketing ajudam na comunicação e captação de recursos que encaminham aos mensageiros, que são responsáveis pela logística interna e recebimento de doações.
Roseane Araújo, 41 anos, assistente social e atual diretora da instituição, explica que muitas pacientes chegam completamente
desorientadas, sem conhecimento sobre seus direitos ou sobre como proceder diante da doença: “Quando a gente faz o atendimento social, elas chegam aqui sem nenhum norte.
E aí, a gente faz essa escuta qualificada, e a partir desse diálogo, a gente faz as orientações e os encaminhamentos. Elas saem super satisfeitas, porque descobrem informações que desconheciam. E é onde elas entendem que podem ser as protagonistas de suas próprias vidas, que podem lutar pelos seus direitos. Aí o leque se abre, o que estava embaçado, fica claro.”
Assim como o suporte social é essencial para ajudar as pacientes a se orientarem diante dos desafios burocráticos, o cuidado com a alimentação desempenha um papel crucial na saúde física e emocional durante o tratamento oncológico. Segundo informações do Instituto Nacional de Câncer (INCA), cuidar da alimentação, praticar atividade física, buscar manter o peso adequado, é fundamental para recuperar a saúde, prevenir o retorno da doença e o desenvolvimento de um novo câncer. Para isso, a nutricionista Vivianne Castro, 46 anos, atuante voluntária na Associação desde 2013, oferece acessibilidade e informação sobre a importância de uma alimentação saudável, descomplicando conceitos muitas vezes vistos como inacessíveis. “Eu acho muito importante esse contato, porque nem sempre elas teriam a possibilidade de ter um atendimento nutricional. Nós sabemos que não é acessível a todos, então, a gente mostra a importância dos alimentos, com uma linguagem simplificada, porque elas vêm muitas vezes, carregadas de mitos de coisas que não podem comer, ou que às vezes um familiar falou que não pode, e aí a pessoa retira esse alimento da vida por muitos anos e a gente tenta introduzir novamente”, explica a nutricionista.
Vivianne ainda complementa que sente muito carinho em poder fazer essa troca com as pacientes, especialmente ao perceber que muitas seguem suas orientações com dedicação. Com emoção, ela relembra o caso de sua mãe, que enfrentou um câncer de mama, experiência que reforçou seu desejo de contribuir voluntariamente na Associação: “Esse trabalho é uma troca de amor. Eu acho muito importante fazer isso. Minha mãe teve um câncer de mama, hoje ela é curada, mas a gente vê as histórias se repetindo, então são coisas que a gente tem que fazer pelo outro que engrandecem a gente também. Eu sempre fico muito feliz de vir aqui.” O trabalho da Associação Esperança e Vida não se limita ao período de tratamento da doença. Mesmo após essa fase, os assistidos continuam recebendo acompanhamento, orientações e os devidos encaminhamentos para garantir uma vida com mais qualidade e dignidade. Além do suporte contínuo, a instituição promove momentos de lazer e experiências enriquecedoras, muitas vezes inéditas para os pacientes. As comemorações incluem datas especiais como o Dia da Mulher, Dia das Mães, São João, Aniversário da Instituição, Dia da Beleza, Outubro Rosa e o Natal Social. “Procuramos trazer algo diferente, algo que elas não têm acesso normalmente e que contribua para a saúde integral. Já trouxemos grupos de dança, trio de forró, cantores, além de momentos de espiritualidade, que é um dos pilares para que elas se fortaleçam durante o processo da doença”, relata Rose. Roseane também lembra de um passeio especial oferecido por dos parceiros da Associação, o Outback akhouse de Campina Grande, localizado no Partage Shopping: “Dividimos assistidas em grupos e as levamos taurante, onde participaram de pelo estabelecimento e conheceram tória da marca desde sua fundação. um momento muito significativo para Algumas não iam ao shopping há e outras nunca haviam tido acesso ambiente como aquele. Ver a alegria rostos delas foi indescritível.” A restaurante foi apenas um entre tantas
vências especiais promovidas pela Associação Esperança e Vida. Em momentos em que tudo parece desmoronar - o corpo, os planos, a rotina -, essas instituições se tornam um porto seguro.
Segundo a oncologista, Dra. Sabrina Chagas, que acompanha de perto a realidade enfrentada por pacientes oncológicos, o impacto vai muito além do que se vê: “Iniciativas como a AEV, são fundamentais no cuidado de pacientes oncológicos em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O câncer não impacta apenas a saúde física, mas também a emocional, social e financeira dos pacientes e suas famílias. Dentro desse contexto, um aspecto importante do papel desenvolvido por essas instituições, é o letramento em saúde, ou seja, a capacidade dos pacientes de compreenderem melhor sua condição, o tratamento e as decisões médicas. Muitas vezes, a linguagem técnica pode ser uma barreira, e essas organizações desempenham um papel essencial ao traduzir informações complexas de forma acessível. Quando um paciente compreende seu diagnóstico e os passos do tratamento, ele se torna mais ativo no próprio cuidado, aumentando suas chances de sucesso Além disso, esses espaços um papel afetivo: eles criam laços.
Sabrina, nesses lugares os pacientes deixam de se sentir enxergam no outro lho, alguém que compreende suas dores, seus
e suas vitórias, gerando um senso de pertencimento: “O convívio com outras pessoas que estão passando pela mesma experiência gera identificação, esperança e aprendizado, ajudando os pacientes a enfrentarem os desafios com mais confiança. Essas conexões podem ser tão terapêuticas quanto o próprio tratamento médico, pois trazem conforto emocional e um senso de pertencimento.”
Em novembro de 2007, Regina Clara Barros da Silva, com 63 anos, recebeu um diagnóstico devastador: câncer de mama. Em fevereiro de 2008, ela passou pela cirurgia para a retirada da mama no Hospital Napoleão Laureano, e seu tratamento, que envolveu quimioterapia e 30 sessões de radioterapia, se estendeu por cinco anos. Ao longo desse percurso, Regina viveu momentos de dor, desafios financeiros e a constante luta para se manter positiva, mas ela encontrou na Associação Esperança e Vida um refúgio de acolhimento e força.
Regina conta que sua filha foi a primeira a perceber os sinais do câncer, já que, no início, acreditava que a dor e o inchaço nos seios eram decorrentes de Landra, por condições relacionadas ao processo de amamentação, que havia sido afetado por suas seis filhas. Foi através de uma amizade com a tia de Roseane, que trabalhava na Associação, que Regina começou a participar do grupo, ainda no início da organização, sendo assim, a primeira paciente da associação.
“Eu sou a primeira paciente da Esperança e Vida, com muito orgulho. Quando cheguei para minha primeira quimioterapia, já com o cabelo caindo, fui acolhida com tanto carinho pela Rose e pelo Sr. Adalberto (funcionário responsável pelos serviços gerais da AEV).
Desde então, tenho trazido outros pacientes que encontro no Hospital da FAP, porque aqui encontrei tudo o que um paciente oncológico precisa”, afirmou Regina, emocionada.
Ela compartilhou a dor de ter recebido, em 2012, o diagnóstico de um segundo câncer, desta vez no útero. Ao passar por uma cirurgia, Regina enfrentou os desafios financeiros impostos pelos custos do tratamento. Até hoje, continua realizando o acompanhamento médico e os tratamentos necessários na FAP, seguindo firme na luta contra a doença. “Eu passei por uma situação muito difícil no INSS. Tive que mostrar minha cirurgia para o médico e perguntei: ‘Se fosse sua esposa, com câncer de mama, sem condições financeiras, o que você faria?’. Naquele momento, tudo ficou em silêncio”, recorda.
Mesmo com todas as dificuldades financeiras, como a falta de uma prótese de mama, Regina sempre foi resiliente. Ela relatou que, em 2014, conseguiu uma prótese através da ajuda de Rose, mas ainda esperava pela substituição, que não havia sido atendida até o momento. “Hoje, apesar de tudo o que passei, mesmo com as crises e o medo de que o câncer possa voltar, continuo lutando. Eu pedi a Deus para viver, porque ainda tinha muito para viver, e estou aqui”, revelou.
Odete Maria Gomes, 62 anos, compartilha uma história semelhante de luta e superação. Diagnosticada com câncer de tireoide em 2008, ela encontrou, por meio de Regina, o apoio que tanto precisava na Associação. ”Quando meu pai e minha mãe morreram de câncer, fiquei desesperada. Fui fazer os exa-
mes chorando, sozinha, mas depois percebi que precisava ser forte. Quando Regina me chamou para conhecer a associação, foi uma virada na minha vida”, disse Odete. Ela passou a se sentir acolhida e, com o tempo, superou a solidão e o desespero. “Aqui encontrei uma nova família. Aprendi muito, porque antes eu era muito estressada e não compartilhava minha dor com ninguém. Hoje, faço questão de contar a minha história para mostrar que, diante de Deus, tudo tem solução”. A psicóloga voluntária Edvânia da Paz Romão de Souza, 61 anos, tem sido uma figura fundamental na vida dessas mulheres. Para ela, o ambiente acolhedor e a energia positiva da associação são essenciais para a recuperação emocional das pacientes. “Quando pensamos em mulheres com câncer, logo imaginamos sofrimento e tristeza. Mas aqui, é completamente diferente. São mulheres fortalecidas, com muita fé e uma energia incrível. Eu sempre falo para elas que é uma troca: se eu chego com uma energia positiva, é porque também recebo essa energia delas. O ambiente aqui é tão acolhedor que a recuperação emocional flui facilmente”, explicou Edvânia. As histórias de Regina e Odete, e a dedicação de pessoas como a psicóloga Edvânia, mostram que a luta contra o câncer é, sem dúvida, um processo complexo, mas com o acolhimento certo, o apoio emocional e uma rede de solidariedade, é possível transformar a dor em força, a perda em renovação, e a luta em esperança.
Apesar do impacto positivo que gera na vida de tantas pessoas, a Associação Esperança e Vida enfrenta inúmeras limitações que de-
safiam a continuidade de suas atividades. Sem apoio governamental, a instituição depende exclusivamente da solidariedade de pessoas físicas e empresas parceiras, que contribuem com doações de alimentos e recursos financeiros. Essas colaborações são essenciais para a manutenção do espaço e para garantir que os assistidos tenham acesso aos atendimentos oferecidos.
As doações de cestas básicas são fundamentais, já que muitos pacientes enfrentam dificuldades financeiras que se intensificam durante o tratamento oncológico. Além disso, a estrutura da Associação precisa ser mantida com itens básicos, como material de limpeza, energia elétrica, água, e insumos para atividades realizadas no local.
“Tudo que a gente recebe é da sociedade civil e, muitas vezes, as doações não são suficientes, não temos uma ajuda fixa, um apoio maior. Já tivemos situações de possível despejo, porque o aluguel atrasou, então são dificuldades que a gente vai enfrentando ao longo dos dias. Por exemplo, recebi uma senhora em atendimento me dizendo que o armário estava vazio, e nós gostaríamos de fazer a entrega de cestas básicas todos os meses para garantir um pouco da segurança alimentar dessas pessoas,” relata Roseane.
Mesmo diante das maiores adversidades, a Associação Esperança e Vida nos mostra que é possível encontrar força na solidariedade e sentido na partilha. Ali, o câncer deixa de ser apenas uma sentença de dor para se tornar também um ponto de partida para histórias de superação, laços de afeto e redescobertas sobre o valor da vida. A realidade pode ser dura, mas o trabalho feito ali nos provoca uma reflexão profunda: e se cada um de nós fosse uma pequena parte dessa rede de apoio?
Aquela casa poderia ser, à primeira vista, apenas mais um lar comum. Mas basta atravessar o portão para perceber que ali pulsa algo especial. As paredes trazem mensagens de motivação que parecem sussurrar esperança a quem passe por ali. Entre as frases, fotos de rostos sorridentes contam histórias de pessoas que encontraram, naquele espaço, apoio e força para enfrentar os desafios da vida. Logo que entramos no ambiente acolhedor da Associação Esperança e Vida, fomos recebidas com sorrisos calorosos, como se cada pessoa ali carregasse uma história que ansiava ser contada. E assim foi a nossa tarde, entre uma conversa e outra, era notável o brilho no olhar das pessoas ao falarem daquele lugar. A fé e a força daquelas mulheres estavam presentes em cada gesto e em cada palavra falada. É impossível não se emocionar ao ouvir seus relatos de superação, marcados por desafios que, para muitos, podem parecer insuperáveis. Mas, ali, naquele espaço, elas mostravam que a vida pode ser ressignificada todos os dias, independentemente das dificuldades que surgem pelo caminho.
Entre tantos detalhes que tornavam aquele lugar especial, um deles se destacava: os profissionais que trabalhavam voluntariamente, dedicando tempo, conhecimento e, acima de tudo, amor àquela causa. É admirável ver o carinho com que cada um exerce sua função, desde uma simples conversa até um atendimento mais especializado. Ao final daquela tarde, saímos com um propósito ainda maior: levar adiante a verdadeira essência daquele lugar e dar voz às histórias dessas pessoas. No momento mais delicado de suas vidas, aquelas mulheres encontraram apoio e a certeza de que ninguém precisa enfrentar desafios sozinha. Há pessoas que, por puro propósito, dedicam-se a caminhar ao lado delas, oferecendo assistência, amor e empatia. E se há algo que aprendemos nesse encontro, é que iniciativas como essa merecem ser fortalecidas, divulgadas e vividas de perto. Por isso, temos a certeza de que essa não foi nossa última visita, voltaremos outras vezes, não apenas para contar suas histórias, mas para fazer parte dessa rede de apoio que transforma vidas e ressignifica a esperança.
- EMILLY DANTAS E MILENA FERREIRA
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A poesia já foi minha cura, pois há em mim algo que respira. Com ela, tratei meu espírito,
O projeto “Revista Anti-horário” foi vencedor na categoria “Comunicação” do IV Prêmio Paulo Freire de Extensão, concedido durante o IV Congresso Universitário da UEPB, realizado em novembro de 2024. Nesta última edição, o congresso teve como tema geral “Inovação e transformação: a Agenda 2030”, e a premiação, que busca destacar iniciativas que promovem o diálogo entre universidade e sociedade, alinhadas aos príncipios da educação e transformação social, reconheceu o trabalho desenvolvido nas edições “Soluções no Litoral” e “Soluções na Periferia”, que compõem a cota 2023/2024 do projeto de extensão. Ambas as edições exploraram iniciativas locais que propõem melhorias concretas na vida de comunidades litorâneas e periféricas, conectando jornalismo de soluções, cultura e participação social com uma abordagem crítica e sensível. Na mesma categoria, o projeto “Repórter Junino” também foi premiado, dividindo o primeiro lugar com a Revista Anti-horário.
ANTONIO SIMÕES, COORDENADOR DO PROJETO, E AS INTEGRANTES QUE FORAM BOLSISTAS, LETICIA FERREIRA E EVA LEITE, RECEBERAM A PREMIAÇÃO. FOTO: PALOMA MAHELY
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