REVISTA ANTI-HORÁRIO: Soluções na Educação

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REVISTA ANTI-HORÁRIO

SOLUÇÕES NA EDUCAÇÃO

Telescópios produzidos por reeducandos de cadeia pública da cidade de Esperança aprimoram o ensino de Ciências

Revista Anti-horário

Ano II

Número

Professor

gráfico/Diagramação/

10 Antonio Simões

Carta ao leitor/Revisão de texto

11 Gabryele Martins Reportagem/Fotografia

12 Alice Faustino Reportagem

13 Giovana Torres Reportagem

14 Kauanny Lima Reportagem

15 Laura Paiva Entrevista

16 Mateus Ronelle Reportagem

17 Thaylanny Almeida Reportagem/Fotografia

18 Maria Clara Lopes Reportagem

19 Jairo Vasconcelos Reportagem

20 Ana Flávia Soares Reportagem 21 Joelson Araújo Reportagem

Ingrid Ferreira Reportagem

Matheus Gla Poema

06 CARTA AO LEITOR

EDUCAÇÃO VERDE

10 ESPORTE ADAPTADO É FERRAMENTA EDUCATIVA DE INCLUSÃO

16 ALÉM DAS GRADES

23 CRÔNICA

24 COMO CULTIVAR SUSTENTABILIDADE

30 AUTONOMIA NO SONHAR

EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMEÇA NA BASE

36

41 POEMA

42 HÁ ESPERANÇA NO ESPAÇO: UMA NOVA PERSPECTIVA DOS ASTROS NA EDUCAÇÃO

48 GALERIA

50 DESTAQUES

CARTA AO LEITOR

A escola dos sonhos existe!

Os índices da Educação Básica no Brasil são desanimadores. Conforme o Programa Internacional de Avaliação de Estudante, 73% dos alunos brasileiros não chegaram ao nível mínimo necessário, em Matemática, para o exercício pleno de sua cidadania. Em Ciências, segundo o estudo publicado em dezembro de 2023, a maioria dos estudantes (55%), no Brasil, não atingiu o nível básico e ninguém alcançou o patamar máximo de proficiência. O que fazer para melhorar a educação neste país?

Um caminho é explicar como os desafios educacionais estão sendo superados. Assim, é possível levar nossos leitores a sonhar com uma escola diferente, construída pela própria comunidade, estruturada pelo amor, alegria, artes, enfim, uma Escola dos Sonhos. Esta existe e uma de nossas equipes foi até lá conhecê-la. Só adianto que as repórteres ficaram encantadas com a experiência.

Além de sonhos, a Revista Anti-horário busca gerar insights para que as soluções narradas em suas páginas sejam replicadas. Nesta edição, vocês vão aprender, com a professora Lívia Cavalcante e seus estudantes, o poder transformador da educação ambiental e, sobretudo, como implementar a coleta seletiva em uma escola pública. Projeto que foi premiado, conquistou a adesão de 513 jovens, e só nos oito primeiros meses deste ano recolheu mais de uma tonelada de material destinado à reciclagem.

Ainda com o enfoque na área ambiental, foi produzida uma reportagem sobre hortas escolares. Além de despertar o interesse em cuidar do nosso planeta, elas ajudam os estudantes no aprendizado de... Matemática. Quem sabe possam inspirar ainda mais o ensino interdisciplinar e melhorar os índices nacionais nessa disciplina bastante temida por várias pessoas das mais diversas faixas etárias.

Já o aprendizado de Ciências vem sendo aprimorado com o uso de telescópios produzidos por reeducandos na Cadeia Pública da cidade paraibana de Esperança. Lindemberg Gonçalves, idealizador do Esperança no Espaço, acredita que a observação dos astros estimula o contato do jovem com o mundo científico e pode levá-lo a ser um físico, astrofísico ou astronauta! Essa história é tão fascinante que rendeu um documentário.

Outra novidade desta edição é a publicação de nossa primeira reportagem totalmente produzida em quadrinhos. Coragem, sensibilidade e arte foram materializadas em uma narrativa multimídia, cuja temática você vai descobrir mais adiante. Agora, só quero revelar mesmo um sonho: o desejo de que as histórias aqui reunidas possam contribuir para melhorar a educação pública no nosso Brasil.

PROFESSOR ANTONIO SIMÕES

EDUCAÇÃO VERDE

REPÓRTER:

O impacto ambiental é uma alteração no meio ambiente, causada por atividades humanas ou eventos naturais que afetam negativamente a qualidade dos recursos naturais, como a água, o solo, o ar, a fauna e a flora. As consequências podem ser diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, chegando a afetar tanto a saúde humana quanto a biodiversidade e a sustentabilidade dos ecossistemas.

Dados sobre os principais impactos ambientais, como o desmatamento, queimadas, poluição da água, solo e ar, emissão de gases de efeito estufa e uso excessivo de recursos naturais, revelam a importância da adoção de soluções que visam minimizar esses impactos e promover um desenvolvimento sustentável.

VOCÊ SABIA?

60% dos brasileiros consideram o desmatamento o principal problema ambiental do país, seguido pela poluição das águas, queimadas e o descarte de lixo.

O Brasil registrou 180.137 focos de queimadas em 2024, totalizando 50,6% dos incêndios da América do Sul. O número é 108% maior em relação ao mesmo período de 2023.

Apenas 50% do volume de esgoto do país recebe tratamento.

A mineração pode causar poluição da água, do ar e sonora, além de afundamento da superfície da terra e rejeitos radioativos.

A poluição do ar é responsável por cerca de 80 mil óbitos anuais no Brasil e alcança a cifra de 7 milhões de mortes em todo o mundo.

Com a missão de contribuir para a reversão desse cenário de crise ambiental, a Organização Não Governamental (ONG) Recicriança atua desde 1992 com o público infanto-juvenil da cidade de Aracati (CE). Por meio de ações socioeducativas, gratuitas à comunidade, a Recicriança fortalece as práticas de educação e preservação ambiental, destacando a importância de conscientizar crianças e adolescentes para, em harmonia com a natureza e ao alcance de todos, reproduzir práticas sustentáveis. Conhecemos mais sobre a iniciativa, em conversa com Tércio Vellardi, presidente da ONG Recicriança.

TÉRCIO VELLARDI (À DIREITA) E CRIANÇAS PARTICIPANDO DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL “UMA AULA DIFERENTE” NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DE CANOA QUEBRADA. FOTO: ACERVO DA ONG RECICRIANÇA

Revista Anti-horário: Quais são as iniciativas mais eficazes para combater o desperdício de água e energia nas comunidades que a ONG apoia?

Tércio: A Recicriança apoia e executa ações de combate a esse tipo de desperdício por meio da educação ambiental. Seja na reciclagem e reaproveitamento de papéis, nas trilhas, palestras e nos mutirões de limpeza que organizamos, na maioria das vezes com alunos de escolas de Canoa Quebrada, de Aracati e região leste do Ceará. Essa abordagem acontece através de conversas temáticas e demonstrações de atitudes e práticas sustentáveis, para evitar os desperdícios de água e energia.

Revista Anti-horário: Quais são os impactos positivos observados nas comunidades onde a educação ambiental foi priorizada?

Tércio: São diversos impactos positivos diagnosticados com frequência, de atitudes em educação ambiental em nossa comunidade, como: a limpeza da Vila do Estevão, o respeito pelos animais, as denúncias de agressões ambientais ou desperdícios dos recursos naturais, entre outros.

Revista Anti-horário: Como a ONG colabora com escolas e educadores para desenvolver materiais educativos que promovam a consciência ambiental?

Tércio: Trabalhamos junto às escolas, Secretaria de Educação e de Meio Ambiente e, com elas, já desenvolvemos: uma cartilha ambiental, detalhando de onde vem e para onde vai a água, o esgoto e o lixo de nossa cidade; um livro sobre os causos do pescador Antônio Miolo, que detalhou sua labuta diária, sempre exaltando as forças da natureza; socializamos os estudos para um trabalho de conclusão de curso, sobre o programa de educação ambiental ‘Uma aula diferente’, que compila as respostas de 50 escolas participantes, com seus lados positivos e negativos.

Revista Anti-horário: Como foi o processo de produção da cartilha e do livro?

Tércio: Canoa Quebrada não tem uma rede de esgoto, e em Aracati, a cidade que somos

vinculados, o esgoto vai para uma estação de tratamento. Fizemos essa cartilha para que o cidadão conheça de onde vem a água que bebe e para onde vai o esgoto que joga, e de onde vem essa energia que se utiliza aqui. Tivemos muitas usinas eólicas sendo instaladas ao redor de Canoa Quebrada, nas dunas. Então, ficou nessa discussão, de onde vem essa energia para abastecer Canoa, será que é a mesma que abastece o Brasil inteiro? Fizemos essas pesquisas, conhecemos a situação, falamos nas aulas e fizemos essa cartilha para que toda a população de Aracati possa saber de onde vem e para onde vão esses produtos que são muito importantes para nós. O livro é sobre o meio ambiente e também sobre a cultura local. Aqui na Vila do Estevão, estamos em uma vila de pescadores. Seu Antônio Miolo era um dos pescadores mais antigos daqui, que nos contava causos sobre as pescarias, e eu coloquei 10 causos dele em um livro, no qual dou a minha versão sobre o que ele contava para todo mundo. O que eu entendi, coloquei nesse material. As crianças desenharam nas folhas do livro, e então lançamos ‘Miolo de Pote’. Fizemos 2 mil exemplares, vendemos mil para amigos na noite de lançamento, recuperamos o dinheiro investido, e os exemplares restantes nós damos para pessoas que vêm visitar o Recicriança.

Tércio: Temos um grupo de artesãos e artesãs que produzem

Revista Anti-horário: Como vocês garantem a sustentabilidade financeira das suas operações e projetos ambientais? que produzem bonecas de pano, bonecos de material reciclado, chaveiros e outros artesanatos locais, para sustentabilidade da Recicriança e apoio à renda. Mas essa verba não dá para manter a ONG, então, estamos sempre recorrendo à doações de amigos.

TÉRCIO VELLARDI EXPLICANDO PARA TURMA O TRABALHO EM DEFESA NATUREZA NA VILA ESTEVÃO, PRAIA DE CANOA QUEBRADA. FOTO: ACERVO DA ONG RECICRIANÇA

Revista Anti-horário: Como está o alcance do projeto e o impacto?

Tércio: Por já termos 30 anos de caminhada, já tiveram momentos em que o espaço era mais frequentado. Agora não está tanto assim, estamos em reforma, construindo uma quadra, parquinho e academia. Este ano, quase não estamos recebendo escolas para o programa de educação ambiental. Antes, recebíamos 52 escolas por ano. A comunidade continua vindo para cá, participando das atividades que fazemos por aqui com reciclagens, mas nosso foco é o meio ambiente e educação ambiental. Estamos recebendo universitários que gostam de falar sobre meio ambiente, além do pessoal que faz o resgate de animais marinhos. Os bugueiros trazem esses animais que estão encalhados na praia, fazemos os primeiros socorros e encaminhamos eles para laboratórios próximos daqui, ligados à Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), ou em Fortaleza, no Aquasis, que é responsável pelos mamíferos marinhos aqui do Ceará. Então, dependendo do tipo de animal, a gente direciona para algum lugar. Em 2022, fiz uma graduação, na qual meu trabalho de conclusão de curso foi justamente sobre o impacto da ONG, perguntamos às escolas que vem para cá, quais são os pontos positivos e negativos que eles avistaram na trilha durante a aula de educação ambiental. Então, esse diagnóstico determinou que estamos fazendo sucesso com o programa.

Revista Anti-horário: Quais são os meios que acredita serem mais eficazes na conscientização sobre os vários tipos de poluentes que o ser humano produz?

Revista Anti-horário: Como acontece o trabalho com papel reciclado na ONG?

Tércio: Sou professor de escola pública, e sempre gostei de incentivar os estudantes depois do horário escolar. Hoje, a gente participa do programa de escolas em tempo integral, e esse era nosso sonho, durante esses 30 anos: trazer os estudantes, fora do horário escolar, para reciclar papel. Turmas do oitavo e nono ano vem para a Recicriança, à tarde, e começamos a reciclar os papéis. No começo, pensamos que o papel reciclado seria uma forma de dar sustentabilidade para a ONG, que venderíamos as folhas e as formas de papel reciclado e, dessa forma, nos manteríamos, mas não é possível. Não tem comércio de papel reciclado.

Revista Anti-horário: Quais as principais etapas das atividades de reciclagem e produção do papel na Recicriança?

Tércio: A gente recebe livros das escolas, principalmente da escola de Canoa Quebrada. Muitas pessoas querem doar seus livros e bibliotecas antigas para nós, mas não temos espaço e condições para armazenar tanto papel. Antes, produzíamos muitos papéis reciclados que ficaram por aqui estragando, mas hoje em dia, produzimos com as escolas que vem para cá, virou uma oficina da aula de educação ambiental. Os alunos rasgam os papéis, deixam de molho, trituramos os papéis no liquidificador, estendemos nas telas e colocamos no sol. Depois, eles produzem alguma coisa, como desenhos, caixinhas ou cartões, nas folhas criadas geralmente por outra turma, já que as folhas produzidas por eles levam cerca de um dia inteiro para secar.

Tércio: Nós da Recicriança, acreditamos na eficácia da conscientização biental através da reciclagem de Nosso nome, inclusive, se reporreciclar papel com as crianças.

Revista Anti-horário: Quais são os planos futuros da ONG para expandir ou aprimorar as iniciativas ambientais?

Tércio: Temos como missão promover a Educação Integral do Cidadão em harmonia com a natureza. Nossa visão de futuro planeja que o Recicriança estará devidamente equipado, sua equipe capacitada, e a comunidade do Estevão, com sua memória e seu meio ambiente preservados.

ESPORTE ADAPTADO É FERRAMENTA EDUCATIVA DE INCLUSÃO

REPÓRTERES:

GABRYELE MARTINS E MARIA CLARA LOPES

A Trissomia do Cromossomo 21, ou Síndrome de Down é a anomalia cromossômica mais comum entre os nascidos vivos. Estimase que 1 a cada 700 nascimentos no Brasil seja de pessoas com Down, o que seria cerca de 300 mil indivíduos.

É importante destacarmos que a síndrome não é uma doença, mas ela é a causa mais comum de deficiência intelectual, presente em praticamente todas os indivíduos com T21. Eles possuem um cérebro menor em volume, o que impacta diretamente na formação de algumas estruturas corporais, como o cerebelo. Gustavo Baracho, especialista em motricidade e psicomotricidade, explica que o cerebelo é importante para a regulação do tônus muscular e isso impacta diretamente na pes-

soa com Down: “a gente tem no T21 uma característica de pessoas com hipotonia, que é aquele tônus mais molinho, um nível de alerta mais baixo, que é uma das características que afetam o sistema neuropsicomotor. Uma pessoa com músculo mais molinho, menos contraído e com dificuldade para se sustentar, que vai buscar muito o chão e querer fazer atividades sentada ou deitada, vai ter dificuldade [também] para subir, escalar e explorar ambientes”. O especialista afirma que o déficit cognitivo nessas pessoas interfere na produção e regulação de neurotransmissores, substâncias químicas liberadas pelo cérebro, a exemplo da dopamina e serotonina, que influenciam na comunicação entre os neurônios, modulações de humor, atenção e memória. Por causa disso,

O QUE É O CEREBELO?

Parte do cérebro localizada no encéfalo relacionada à motricidade somática, é responsável pelo equilíbrio, controle do tônus muscular e coordenação motora. Além disso, participa de processos cognitivos, como a atenção e a linguagem.

pessoas com Down são menos ágeis e possuem baixa capacidade de resolução de problemas e de tomada de decisão, fazendo com que tenham dificuldade de entender dinâmicas e brincadeiras, e de lidar com a frustração, a necessidade de partilhar recursos, de esperar, o ganhar e o perder.

Ainda segundo Gustavo, o déficit de aprendizagem tem relação direta com atraso motor e a prática de atividades físicas é eficaz para o desenvolvimento psicomotor de pessoas com T21. Os exercícios que estimulam os movimentos melhoram os aspectos psicomotores, que são: o tônus, o equilíbrio, a noção do corpo, espaço e tempo, a motricidade ampla e fina e a lateralidade.

“A gente tem evidências científicas de melhoria do equilíbrio e da postura que a gente também consegue por meio dos exercícios, tem uma estimulação cognitiva durante a exe

Em novembro de 2021, Betânia Santiago, moradora da zona rural de Queimadas, no Agreste da Paraíba, teve a rotina mudada pela Covid-19. Mãe de um rapaz com síndrome de Down, de 23 anos, ela contou que nesse mesmo ano o filho João Guilherme ingressou no ensino médio, mas com a pandemia a escola fechou e ficou difícil para que ele estivesse envolvido com esportes e atividades físicas.

A SOLUÇÃO

Além do contexto sanitário, que impedia a presença na escola, João lidava com a necessidade de um esporte adaptado. Foi quando Betânia, ao pesquisar na internet, conheceu um projeto que desenvolvia futsal para pessoas com Down, o ProSporT21 Futsal Down, de São José dos Campos – SP: “Entrei em contato com o idealizador e ele me falou que eu precisava apenas de duas coisas: a pessoa com T21 e o educador físico. Lancei a proposta às mães que tinham filhos downs aqui em Queimadas e iniciamos o projeto”.

Assim, Betânia deu início em QueimaSupera T21 Futsal”, com o objetivo

MARIA BETÂNIA, FUNDADORA DO PROJETO SUPERA T21, AO LADO DE SEU FILHO, JOÃO GUILHERME. FOTOS: GABRYELE MARTINS

promover a prática da modalidade esportiva entre crianças, jovens e adultos com T21 (embora eles também atendam três atletas com Transtorno do Espectro Autista). O projeto é formado pelos atletas com Down, um grupo de mães, um educador físico cedido pela prefeitura de Queimadas, um voluntário e dois estagiários de Educação Física.

A princípio o engajamento funcionou, mas com o tempo algumas pessoas se ausentaram e ela sentiu a necessidade de levar o “Supera T21 Futsal também para Campina Grande, onde a demanda era maior: “Como o projeto nasceu aqui em Queimadas, se permaneceu com um dia de treino, onde são atendidas três meninas de oito anos e uma de dez anos de idade. E temos um treino em Campina Grande no Parque da Liberdade, onde temos duas turmas: a primeira são com os downs mais adiantados e a segunda turma com os iniciantes”.

Atualmente, 15 atletas são atendidos em Campina Grande e quatro em Queimadas e Betânia garante que houve evolução na qualidade de vida deles, que melhoraram a sociabilidade e gradativamente aprenderam a lidar com as regras, aceitando vitórias e derrotas.

O projeto do Futsal Down se destaca como uma importante ferramenta de educação não formal, oferecendo aos seus participantes, um espaço de aprendizado que vai além das salas de aula tradicionais. Diferente da educação institucionalizada, que ocorre em escolas e universidades, ele promove o desenvolvimento de habilidades físicas, sociais e cognitivas através da prática esportiva, em um ambiente estruturado, mas não regulado por um currículo rígido. A iniciativa se enquadra na categoria de educação não formal, que é caracterizada por ser organizada, intencional e destinada a um público específico, mas que acontece fora dos sistemas convencionais de ensino.

Dentro do Supera, os participantes aprendem de maneira prática e aplicada, desenvolvendo competências que são fundamentais para sua vida cotidiana, como a autonomia, a socialização e a cooperação em grupo. A metodologia do projeto envolve a

prática do futsal, que, além de estimular o desenvolvimento motor, contribui para o fortalecimento de valores como disciplina, trabalho em equipe, foco e resiliência.

No Supera T21 Futsal, o educador físico Matheus Vieira de Souza encontrou a primeira oportunidade de trabalhar com um esporte adaptado. Desde o fim de 2022, ele tem sido fundamental na estruturação das atividades. O treinador explica que não há muita diferença do futsal Down para o convencional no que se refere às regras, mas ressalta que é preciso trabalhar com poucas distrações e entendendo o nível de desenvolvimento de cada atleta: “Tem que estar trabalhando sempre a questão da tomada de decisão. Às vezes alguns vão ter um raciocínio um pouco mais devagar, então a gente tem que sempre estar trabalhando essa dinâmica entre eles, tem que estar trabalhando essa questão de que o futsal, a modalidade, é muito rápida e com tomada de decisão, com movimentos muito rápidos”.

Matheus ainda destacou a importância da prática esportiva para o desenvolvimento dos atletas com Down, que orientados pela equipe técnica do projeto, tiveram ganhos significativos na coor

O QUE SÃO OS ESPORTES ADAPTADOS?

Esporte adaptado é toda modalidade esportiva criada para atender demandas de pessoas com deficiência, como é o caso dos T21, tendo por objetivo possibilitar oportunidades iguais de envolvimento na atividade física, competição e realização pessoal. Segundo a Confederação Brasileira de Desportos para Deficientes Intelectuais (CDBI), existem mais de 50 categorias e modalidades de esportes para atletas com deficiência intelectual, em mais de 80 países.

percebe a evolução dos atletas. Para Ana Célia Pereira, mãe de Wesley, o projeto trouxe mudanças significativas na vida do filho, que antes praticava natação, mas desenvolveu amor pelo futsal, aguardando ansiosamente o dia do treino: “Ele conta os dias para chegar a segunda-feira e vir treinar”. Embora o progresso seja mais lento, Ana observa com alegria o desenvolvimento gradual do filho, que em dois anos praticando futsal, aprendeu a se adaptar ao esporte e demonstrou avanços tanto na motricidade quanto na sociabilidade. Ver Wesley engajado e feliz com o esporte é uma satisfação imensa para ela, como mãe.

Mayara Tamires, estagiária do Supera T21, diz que a experiência de trabalhar com o futsal adaptado tem agregado coisas positivas tanto pessoal,

quanto profissionalmente. Ela destaca que ao longo do ano em que esteve envolvida com o projeto, aprendeu muito com os participantes e que houve uma evolução significativa dos atletas no âmbito social: “Eles socializam bem mais hoje. Tem uns que a gente nem escutava a voz, já hoje a gente consegue falar, conversar, e é uma troca bastante enriquecedora”. A pedagoga Aldineide Oliveira explica que atividades coletivas estimulam a confiança dos seres humanos para falar e se posicionar no mundo, sendo recomendadas desde a infância, para além das salas de aula: “a partir do momento em que ela [criança] trabalha junto [com outras pessoas], ela vai se posicionar em suas opiniões, porque percebe que tem vez e voz. Ela percebe que faz parte do mundo e que é importante para o grupo. O ciclo de amizades aumenta e ela não fica mais isolada no cantinho da sala. Quando se chega num lugar novo a tendência é se isolar, mas a partir do momento em que se tem oportunidade de trabalhar com outras pessoas e ser aceito por elas, isso implica na melhora da comunicação”.

Atleta mais antigo do Supera T21 Futsal, João Guilherme ama o futebol, o Campinense e o Grêmio. Comentarista esportivo e digital influencer, ele se dedica à causa da inclusão das pessoas com deficiência. Nos treinos, como um autêntico camisa 10, ele motiva e tranquiliza os colegas de equipe: “nós precisamos entrar, competir e passar a bola para os outros. Não pode baixar a cabeça, não pode [deixar] derrotar a cabeça e passar para os outros”.

João Guilherme descreveu as jogadas realizadas no treino da turma de aperfeiçoa-

mento (avançada), contou dos gols, das assistências e sobre estar gostando de praticar futsal. Ele revelou o sonho coletivo da equipe: “É muito legal [o futsal]. Se Deus quiser, nós vamos ser convocados para a Seleção Brasileira de Down. A Seleção Brasileira de Down foi três vezes campeã do mundo”.

LIMITAÇÕES

Embora a solução replicada por Betânia em Queimadas e Campina Grande para promover a prática do futsal adaptado por pessoas com T21 seja de fácil aplicação e tenha se provado eficaz, o projeto enfrenta diversas dificuldades, que limitam o potencial da ideia e o alcance de alguns objetivos a longo prazo.

Uma das principais questões é a falta de engajamento contínuo. Apesar do entusiasmo inicial com a modalidade, nem todos os participantes seguem frequentando o projeto, o que dificulta o andamento das atividades. O apoio familiar é crucial, não apenas para incentivar a participação, como também para garantir a logística necessária para que os atletas participem das atividades regularmente. Outro desafio enfrentado é o próprio número reduzido de participantes, que prejudica a estruturação de um time coeso e completo, preparado para entrar em competições, por exemplo. Mesmo

VOCÊ SABIA?

Em março de 2024, a Seleção Brasileira de Futsal Down sagrou-se tricampeã do mundo ao vencer a Turquia na 3ª edição da Copa do Mundo de Futsal Down. O Bra sil é o único campeão do torneio, sendo uma referência na modalidade.

que o Supera T21 tenha promovido grandes avanços no desenvolvimento psicomotor e social dos atletas, a baixa adesão restringe as oportunidades de participação em eventos esportivos, que poderiam trazer maior visibilidade e apoio ao projeto.

O Supera se mantém através de doações, que nem sempre são suficientes para a compra de materiais de treino, transporte, e uniformes dos atletas. Como o trabalho da equipe técnica também não é remunerado, há insegurança quanto à manutenção dos profissionais, inviabilizando um projeto sólido e vencedor para a equipe.

Apesar dessas adversidades, o Supera T21 Futsal tem se mostrado fundamental no desenvolvimento dos alunos que participam. Os relatos dos profissionais, treinadores, atletas e familiares, comprovam que a iniciativa tem impactado positivamente os jogadores, melhorando as habilidades psicomotoras, sociais e conferindo confiança e bem-estar. Por esse motivo, é essencial que o projeto tenha continuidade e seja replicado em outras localidades, permitindo que crianças, jovens e adultos com Síndrome de Down conheçam a modalidade adaptada e sejam beneficiados pela prática esportiva.

ANA CARLA É A ÚNICA ATLETA FEMININA A JOGAR COM A PRIMEIRA TURMA DO PROJETO. FOTO: GABRYELE MARTINS

DIÁRIO DE BORDO

Às segundas, no Parque da Liberdade, localizado no bairro de mesmo nome e na Zona Sul de Campina Grande, a quadra poliesportiva recebe um projeto que permite que pessoas com Down pratiquem o futsal de modo adaptado: o Supera T21 Futsal.

Fomos visitar o projeto em duas oportunidades e conversamos com a idealizadora, com atletas, mães e com os profissionais que coordenam os treinos. Fotografamos as atividades e alguns dos participantes.

O desafio maior foi trazer o esporte adaptado como pauta do Jornalismo de Soluções. Destrinchando o problema, a solução e as limitações desta, além de construir o texto de forma a gerar insights no leitor. Identificadas essas características, pudemos nos debruçar sobre o material apurado, mergulhando no universo paradesportivo.

Embora nosso país seja uma potência paradesportiva, com atletas vencedores e consagrados, que figuram nos lugares mais altos dos pódios paralímpicos, é nos campinhos de várzea e nas quadras públicas que a maioria das pessoas praticam alguma modalidade esportiva. E nem sempre se confere espaço e condições para que pessoas com deficiência estejam integradas nessas atividades.

Mas podemos fazer nossas as palavras da estagiária Mayara, que disse aprender mais com os atletas, do que ela mesma os ensinou. Essa troca que tivemos com Ana, Wesley e João Guilherme (atletas do Supera T21 Futsal), é justamente o motivo que nos faz acreditar no Jornalismo de Soluções. O mundo precisa conhecer boas iniciativas e nós como futuros profissionais de comunicação devemos contar essas histórias.

Desejamos ardentemente vê-los na seleção. Estamos na torcida desde já.

SUPERA SUPERA SUPERA SUPERA

Se você ficou curioso sobre o único reeducando da unidade que estuda presencialmente, o nome dele é André e ele cursa medicina na Universidade Federal de Campina Grande. Você pode saber mais sobre essa e outras histórias inspiradoras clicando aqui.

CRIATIVIDADE PARA SOLUCIONAR

AUTORA: EVA LEITE

As salas de aula são palcos de mudança. Mas, disso você já deve saber. É quase impossível sair intacto de um processo de aprendizagem. Os âmbitos são inúmeros, os contextos também, assim como as lições aprendidas. Eu, por exemplo, me deparei apenas recentemente com o fato de que a criatividade está dentro e fora da caixinha que é uma sala de aula. Somos programados para pensar e mudar realidades. E, tal como ler e escrever são habilidades adquiridas, a criatividade também é.

Quando ouvi me dizerem que sou criativa, após a apresentação de um projeto desafiador na universidade, pensei no “como” e “por que”. Pude concluir que, a partir de uma combinação de fatores, fui capaz de contar histórias através do meu trabalho criativo. Solucionei uma questão. Mas, estaria mentindo se dissesse que reconheço as etapas claras de uma criação. Não está numa fórmula. Os estímulos e percepções sobre a criatividade acontecem de modo diferente para cada pessoa, porque vem daquilo que nossa intuição captura.

car essa habilidade em prática, em situações adversas.

Uma palavra, um lugar, uma pessoa, uma música ou um afeto. Para uns, ela é como uma mina de ouro, fonte inesgotável de brilhantes ideias entrelaçadas sob um ponto em comum - ou não. Está em todos os lugares - se aguçados os sentidos para se fazer perceber. Já nasce conosco e é, por vezes, confundida com um dom. Dificilmente se manifesta diante dos problemas de realidades pouco generosas. Não porque seja impossível de acontecer, mas porque somos pouco treinados para colo-

Na infância, é comum que ela seja exercida de forma natural, no brincar. A coisa passa a ficar séria mesmo quando somos levados a compreender o nosso papel no mundo, a traçar planos, metas e objetivos, e acontece já por volta da adolescência, na escola. É quando a brincadeira dá lugar à realidade. E os fatos, sistemas e regras, tal como eles são, às vezes se apresentam como problemas que implicam em solução. Grandes, pequenos, individuais ou coletivos, a gente é que dá os sentidos. No entanto, olhando mais atentamente, a criatividade é uma razão inversamente proporcional à realidade do cenário em sala de aula, no Brasil. Estamos na iminência de um paradoxo, e ele precisa ser contido. Se a escola está para falar do passado e do novo, do que se inventa e reinventa, das boas práticas, ideias inovadoras, diferenças, semelhanças e perspectivas de mudança, não seria a criatividade o trampolim para o entendimento de todos esses aspectos? Começa num método de aprendizagem, que faz pensar além da caixinha, e recai sobre compreender o mundo ao redor, participar socialmente para, então, responder a ele; sobre considerar acessos, vivências e afetos; sobre a importância de dar palco aos problemas e, sobretudo, às soluções. Logo vou sair das salas de aula, e meu palco será a rua. Mas a construção dela, das cidades e múltiplas realidades está nas escolas. Olho por elas, por aqueles que virão depois de mim. Jornalistas, médicos, artistas, cientistas, professores… Criativos e solucionadores.

COMO CULTIVAR SUSTENTABILIDADE

REPÓRTERES: ALICE FAUSTINO, GIOVANA TORRES, INGRID

FERREIRA, JAIRO VASCONCELOS E JOELSON ARAÚJO

Falar sobre conscientização ambiental nunca foi tão necessário quanto nos dias de hoje. À medida que enfrentamos o aumento de catástrofes mundiais como o desmatamento desenfreado, as mudanças climáticas e as perdas na fauna e na flora, promover a educação ambiental não é apenas um ato de responsabilidade, mas sim de urgência para enfrentar os desafios globais que comprometem nossa realidade e a das próximas gerações.

Segundo o mais recente Relatório Anual de Desmatamento (RAD) do MapBiomas, a área desmatada no Brasil cresceu 22,3% em 2022, indicando que a atividade foi executada em larga escala: foram 234,8 ha por hora, ou 5.636 ha por dia, na média.

Esses dados alarmantes corroboram a necessidade proeminente de intensificar reforços e mobilizar a sociedade para mudanças de hábitos e a adoção de práticas mais sustentáveis no cotidiano, uma iniciativa que deve ser enfatizada desde os primeiros anos de vida das crianças.

Essa sensibilização precisa começar desde cedo, e uma alternativa prática para promover essa consciência ambiental são os projetos de hortas escolares, uma solução que parece simples, mas que é uma importante ferramenta educacional e ecológica. Por meio de práticas voltadas para a natureza, os estudantes são incentivados a desenvolver e nutrir um senso de conexão e cuidado com o meio ambiente, com as mais variadas formas de vidas e com os recursos presentes nele.

DESMATAMENTO NO BRASIL EM 2022

Limites Estaduais Biomas (IBGE 250mil) Intensidade 2022 Alta Baixa
FONTE: MAPBIOMAS
FOTO: DOUGLAS DIAS

ATIVIDADE SUSTENTÁVEL

As hortas escolares têm se mostrado uma ferramenta alternativa para o engajamento e conhecimento sobre temas ambientais. Segundo o estudo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), após o contato com as práticas voltadas para as hortas escolares, os estudantes apresentaram um aumento significativo de 85% no conhecimento sobre temas ambientais e práticas saudáveis. A pesquisa também enfatiza uma mudança nos hábitos alimentares e um aumento do interesse por uma alimentação saudável de 70% dos estudantes que participaram.

A prática de cultivar alimentos com a presença de estudantes auxiliando nas atividades é uma realidade existente em matérias extracurriculares em escolas da cidade de Campina Grande, na Paraíba. Um exemplo é a escola pública Severiano Pedro do Nascimento, localizada no distrito de Jenipapo. A iniciativa surgiu em 2019, após uma reunião pedagógica da gestão com os professores da área de Ciências da natureza e Matemática, dando início, assim, às atividades da horta escolar em um grande espaço da instituição que não estava sendo utilizado há anos.

“Por estarmos situados em uma região predominantemente rural, e por termos espaço físico suficiente ao redor do prédio escolar, vimos no projeto ‘Alimentação saudável: como cultivar o que se come’, uma oportunidade favorável para trabalhar as disciplinas de Ciências da natureza e Matemática voltadas para o

cultivo de plantas que ajudem na alimentação dos próprios alunos. Ao mesmo tempo em que eles aprendem como são produzidos alimentos que fazem bem à saúde, aprendem que essas atividades lhes ensinam a respeitar o meio ambiente, atrelado aos conteúdos das disciplinas afins”, explica o professor de Matemática e ex-coordenador do projeto, Luciano Ferreira. Luciano acrescenta ainda que, com isso, os alunos também aprendem na prática a matemática “envolvida no tratamento do terreno, agrimensura, dimensões do local onde está inserida a horta, unidades de medidas apropriadas para a distância entre uma muda e outra, comprimento e nivelamento de cada canteiro, fazendo-se uso do plantio com curvas de nível, entre outros. Compreendem também qual as melhores plantas para o cultivo de acordo com o clima da região e tipo de solo que possuímos”.

ESTUDANTES DA ESCOLA SEVERIANO PEDRO DO NASCIMENTO
CUIDANDO DA HORTA. FOTO: DOUGLAS DIAS
FOTO: DOUGLAS DIAS

Douglas Dias, professor de Biologia e atual coordenador do projeto, acredita que os métodos de aprendizagem nas hortas escolares vão além do âmbito escolar. Os estudantes levam para fora dos muros da escola as experiências que “aprenderam na prática e dentro de sala de aula, como: a agricultura orgânica, os benefícios dos alimentos sem o uso de agrotóxicos, alimentação saudável e sustentabilidade”, e aplicam os métodos de produção nos plantios da propriedade de seus pais, que na maioria já trabalham com a agricultura, devido a região ser umas das maiores fornecedoras de hortaliças que abastece as cidades circunvizinhas.

Coentro, alface, cebolinha, tomate, milho, batata doce, macaxeira, capim-santo e erva-doce são alguns dos produtos orgânicos cultivados na horta da escola, utilizando

NA SUA OPINIÃO...

matérias-primas sustentáveis, como água de cisternas, coletada das calhas no telhado da escola, e adubo orgânico, feito de restos de alimentos da cantina, juntamente com a compostagem do mato retirado do terreno ao redor das salas. Esses materiais são reaproveitados pelos próprios alunos nos canteiros, além dos adubos orgânicos doados por eles e professores, que ajudam a enriquecer o solo, garantindo plantas saudáveis e sem uso de agrotóxicos. Os produtos cultivados são utilizados na merenda escolar e vendidos para a comunidade, e o dinheiro arrecadado é destinado à compra de sementes e materiais necessários para a manutenção do espaço. Mas, o projeto ainda encontra dificuldades pelo caminho para manter ativo os trabalhos na horta. A insuficiente quantidade de

A aluna Clarisse Chaves, do 2º ano “B”, da Escola Severiano Pedro do Nascimento, em Jenipapo, e que participa do projeto da horta escolar, respondeu aos seguintes questionamentos:

1. Qual a importância da horta e por que você acredita que ela seja relevante no ambiente escolar?

R: Os alunos veem de onde vem as verduras, todo o processo de crescimento e adaptação sem os agrotóxicos. É essencial para a escola, por que muitos alunos vão percebendo como todo o processo acontece na horta.

2. Qual é o maior desafio enfrentado ao manter uma horta na escola?

R: Na minha opinião, é que muitos levam na brincadeira essa responsabilidade de cuidar da horta e acabam esquecendo de regá-la.

3. De que maneira a experiência de trabalhar na horta influenciou a sua percepção sobre sustentabilidade e cuidados com o meio ambiente?

R: Me influenciou na questão de entender como tudo acontece no processo de plantar, cuidar e colher todo o alimento, além de entender que, sim, é possível ter um alimento saudável sem muita química pra não prejudicar a saúde humana.

PROFESSOR DOUGLAS DIAS E ESTUDANTES EM MOMENTO DE MANUTENÇÃO DA HORTA ESCOLAR. FOTO: DOUGLAS DIAS

ferramentas para todos os alunos que desenvolvem ações no espaço, a falta de uma significativa reserva de adubo orgânico e de água constante na região, são alguns dos fatores que acabam dificultando a realização do plantio. Com isso, para continuar com os trabalhos e trazer mais melhorias à iniciativa, Douglas e a escola pretendem “fazer um sistema de irrigação reutilizando água da chuva, fazendo uma calha com garrafas pets, armazenando em uma caixa d’água que foi adquirida com a venda das hortaliças no ano de 2023 para a comunidade escolar. E pretendemos também adquirir novos equipamentos e ferramentas e investir na manutenção das que já utilizamos”, explica o professor.

É EFICAZ?

O exemplo da escola pública Severiano Pedro do Nascimento, em Campina Grande, nos demonstra um engajamento dos estudantes perante aos temas ambientais a partir destas iniciativas. Mas, uma dúvida pode surgir: a presença e as práticas desenvolvidas por estudantes nestas hortas escolares funciona como uma ferramenta eficaz para a conscientização ambiental?

O professor Simão Lindoso, do curso de Biologia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e idealizador da Feirinha Agroecológica de verduras e hortaliças sem agrotóxicos da UEPB, afirma que sim. O docente destaca a impor tância das hortas escolares: “Elas constituem de po tenciais ferramen tas pedagógicas,

sobretudo no ensino básico, no ensino infantil também, para a gente tentar trabalhar matérias mais pesadas, como a matemática, como a própria língua portuguesa, ciências, geografia e história”. Com a aplicação das hortas no âmbito escolar assumindo um papel importante de auxílio na construção de conhecimento junto às disciplinas da grade curricular, a prática necessita de um prévio conhecimento por parte dos professores, para que as execuções não sejam superficiais.

Os conhecimentos adquiridos nas hortas escolares não somente estão ligados à recepção de ideias e o contato dos estudantes com a temática. A interação com os aspectos da educação ambiental funciona como ferramenta de benefício à comunidade escolar como um todo. A execução do plantio e colheita dos alimentos é uma forma de auxiliar na vertente da educação alimentar: “a escola pode e deve utilizar a produção da horta para a composição da merenda escolar, contribuindo, assim, na própria educação alimentar das crianças”, ressalta Simão.

“OS PROFESSORES TÊM QUE ESTAR INTEGRADOS,

NÃO É SÓ CADA UM CHEGAR LÁ NA HORTA E USÁ-LA COMO UMA FERRAMENTA PARA FALAR SOBRE

A SUA MATÉRIA, MAS TAMBÉM TEM QUE HAVER A INTEGRAÇÃO SOBRE O QUE ESTÃO FALANDO, PARA

A RELAÇÃO INTERDISCIPLINAR” - SIMÃO LINDOSO

O professor destaca sobre como as escolas com a presença das hortas junto aos parques e feiras funcionam como instituições catalisadoras que auxiliam na conscientização e formação pedagógica de cidadãos: “essas iniciativas como hortas escolares e feiras agroecológicas são ferramentas pedagógicas para conscientizarmos. Não vão ser simplesmente as lições que a gente passa para os estudantes em sala de aula que vão fazer essa conscientização.

O Xaxim Garden é um um espaço educativo ao ar livre aberto à visitação de quem quer contemplar e aprender sobre botânica, sustentabilidade e cuidado com o meio ambiente. O projeto é um exemplo inspirador de como espaços verdes podem ser integrados ao ambiente urbano, promovendo educação ambiental e bem-estar. O projeto foi inserido em meio ao famoso Mercado Público das Malvinas, em Campina Grande, idealizado por Rosimeire Almeida e seu esposo, José Lins, no ano de 2020. Meire, como é mais conhecida, traz consigo uma paixão pela natureza desde sua infância. Nascida em Imperatriz, no Maranhão, ela cresceu em meio ao verde exuberante da região amazônica, onde sua família a ensinou o valor do trabalho e a importância da terra.

O espaço verde das Malvinas não é apenas um jardim ou um viveiro de plantas frutíferas e ornamentais, é uma verdadeira sala de aula viva em que moradores e visitantes podem mergulhar na vivência prazerosa de conhecer sobre os cuidados e benefícios do meio ambiente para uma melhor qualidade de vida. Seus encantos e sua atmosfera aconchegante são notáveis, o espaço recebe visitas de escolas, que trazem seus alunos para ensinar a importância do verde e do ato de plantar, trazendo às crianças a oportunidade de se conectar com a natureza e de aprender como cada planta contribui para o ecossistema de forma

apesar das adversidades, não é tarefa fácil. No entanto, durante esse tempo, a vida se renovou: árvores doentes foram salvas, e a fauna, outrora desaparecida pelas ações humanas, agora povoam nosso espaço. Famílias, crianças e escolas encontram aqui um lugar para aprender e sentir a natureza”.

Para Rosimeire, “aqui preservamos não apenas para a nossa geração, mas também para as futuras. Manter um espaço verde e vivo em toda sua plenitude no meio da cidade,

ESPAÇO DO XAXIM GARDEN, IDEALIZADO POR ROSIMEIRE ALMEIDA E JOSÉ LINS, EM CAMPINA GRANDE. FOTOS: ACERVO DO XAXIM GARDEN

DIÁRIO DE BORDO

Na disciplina de Jornalismo Digital, ministrada pelo professor Antônio Simões no curso de Jornalismo da UEPB, fomos apresentados à proposta de produzir uma pauta com a temática da Educação dentro da perspectiva do Jornalismo de Soluções. Então, pensamos em abordar a Educação Ambiental – tão importante quanto necessária nos dias de hoje – através das hortas escolares.

Fomos desafiados a conhecer uma temática importante à natureza. Essas hortas escolares são espaços que oferecem muito mais que apenas um cultivo de alimentos; elas nos oferecem lições importantes sobre sustentabilidade e responsabilidade com o meio ambiente. Produzir essa reportagem nos fez pensar em como essa iniciativa, que parece simples, tem um potencial valioso de incentivar e inspirar pessoas, comunidades e escolas a adotarem práticas de educação ambiental.

Enxergar os estudantes como protagonistas e os professores como mediadores frente a essa causa com as hortas escolares foi mais um aprendizado. Mesmo diante dos

obstáculos enfrentados por questões sociais e estruturais, a comunidade escolar soube enfrentar e obter resultados satisfatórios por meio da participação dos estudantes.

Conhecer a iniciativa da escola pública do distrito de Jenipapo, em Campina Grande, e do espaço verde das Malvinas, foi verdadeiramente enriquecedor para aprendermos a cuidar mais das nossas florestas. Disso tudo, tiramos o aprendizado de que podemos começar uma educação ambiental até mesmo com um simples cultivo de uma horta no fundo do quintal. São a partir desses pequenos gestos que, passo a passo, contribuímos para o cuidado e a preservação do que temos de mais precioso: a nossa natureza.

HORTAS HORTAS HORTAS HORTAS

QUER CONHECER DICAS DE CUIDADO COM A TERRA? APERTA O PLAY E VEM COM A GENTE!
- ALICE FAUSTINO, GIOVANA TORRES, INGRID FERREIRA, JAIRO VASCONCELOS E JOELSON ARAÚJO

AUTONOMIA NO SONHAR

REPÓRTERES: EMILLY DANTAS E MILENA FERREIRA

O que te impede de sonhar? Talvez sejam os obstáculos financeiros, o medo do fracasso, ou as barreiras sociais impostas. Fatores como esses se tornam cenários reais na vida de muitas pessoas, limitando seu potencial e suas aspirações. Mas, e se houvesse um lugar onde esses obstáculos fossem superados e os sonhos tivessem a chance de se tornarem realidade?

A apenas 72 km de Campina Grande (PB), na zona rural do município de Bananeiras, na comunidade Monte Carmelo, surgiu em 2005, a Escola dos Sonhos, originalmente conhecida como Escola Nossa Senhora do Carmo, uma escola comunitária, dedicada a transformar vidas através da educação e do empoderamento.

Geografia e Estatística (IBGE), o Nordeste concentrava mais da metade dos analfabetos com mais de 10 anos de idade, registrando uma taxa de 18,9%, mais que o dobro da média nacional. Essa disparidade é resultado de uma combinação de fatores econômicos, estruturais, históricos e raciais que, ao longo do tempo, perpetuaram a falta de acesso à educação básica.

E foi nesse contexto de desigualdade que a Escola surgiu. Começou como um desdobramento de um projeto social criado por uma Priora, (Madre Superiora do Mosteiro Carmelo), que propôs um

ESTRUTURA FÍSICA DA ESCOLA DOS SONHOS. FOTOS: EMILLY DANTAS
FOTO: MILENA FERREIRA

alfabetizar os lavradores do entorno, visto que a grande maioria eram analfabetos. Maria Fontes da Silva (Tita), 49 anos, doceira de mão cheia e muito conhe cida na cidade, foi uma das primeiras alu nas da Escola. A experiência nesse lugar foi fundamental para seu crescimento pessoal e profissional. Enquanto vivia da agricultura, ela também vendia doces para complementar a renda familiar, e os conhecimentos adquiridos, permitiram que Tita conseguisse alavancar seu negócio: “graças à escola, eu consegui fazer a quarta série, porque na época que eu estuda va, eu vivia da agricultura com meu esposo, e ainda pra ajudar na renda de casa, eu fazia doces para vender. As meninas da escola di ziam que meu doce era muito bom, e então comecei a fazer mais. Comecei a trabalhar no restaurante do condomínio ‘Águas da Serra’, vendendo meus produtos lá, e aí minha renda familiar foi crescendo aos pouquinhos. A escola foi fundamental nis so para mim, porque me mostrou que eu tenho capacidade e coragem”.

O impacto positivo da educação que recebeu, motivou Tita a desejar que seus filhos também tivessem acesso às mesmas oportunidades. Gabriel Fontes da Silva, 26 anos, filho de Tita, seguiu os pas sos da mãe e estudou lá. A experiência de ser educando na Escola fez com que Gabriel des cobrisse um novo lado da sua personalidade: a criatividade. Esse foi o ponto de partida para ele escolher a profissão que seguiria no futuro: “eu sou muito grato à Escola por tudo que fizeram por mim e meus pais, pois foi lá onde ganhei a fama de desenhista, e comecei a me interessar por essa parte criativa, não é à toa que hoje sou arquiteto”.

de, desde a sua estrutura física, sua metodologia e seus valores”.

O SABER

Gabriel teve a oportunidade de retribuir à Escola com seus serviços. O design da fachada do lugar e a montagem de uma pista de skate móvel foram todos criados por ele, refletindo sua honra e carinho pela instituição. E foi através do trabalho coletivo que a Escola dos Sonhos se tornou o que ela é hoje.

A coordenadora e atual diretora da Escola, Leila Rocha, 56 anos, juntamente com os educadores, o corpo discente e os pais dos estudantes, desenharam a Escola com base no que queriam e imaginavam: “por isso nasce o nome ‘Escola dos Sonhos’, porque de fato é uma Escola sonhada por toda uma comunida-

Baseada nos fundamentos de Paulo Freire, a Escola traz um olhar para a multidimensionalidade da pessoa humana, ela enxerga o sujeito não apenas como uma cabeça pensante, mas como um ser em sua totalidade. Um ambiente onde o conhecimento vai além dos aprendizados de um livro, método comumente utilizado por escolas regulares, o projeto pedagógico se baseia no seguinte questionamento para o educando: “O que você quer aprender?”. E a partir disso, o tutor monta um roteiro de estudo, interligado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, para as crianças pesquisarem sobre o assunto por conta própria, ou seja, o sujeito se torna consciente de que é responsável por si mesmo e pelo meio no qual está inserido.

BASEADA NA PEDAGOGIA FREIRIANA, A ESCOLA POSSUI UMA PINTURA DO ROSTO DO EDUCADOR. FOTO: EMILLY DANTAS

No Brasil, além da Escola dos Sonhos, existem inúmeras iniciativas educacionais que se distanciam do modelo tradicional de ensino, cada uma com características e abordagens próprias. Essas metodologias não convencionais estão espalhadas por todas as regiões do país, tornando difícil citar todas em um único levantamento, dada a sua diversidade e abrangência. Um exemplo notável é a Escola Flor de Mandacaru, em João Pessoa (PB), uma escola associativa, ou seja, é totalmente administrada e mantida pelas famílias, que se destaca por integrar práticas educativas que valorizam a infância, o cuidado e o convívio com o meio ambiente. Outro exemplo é a Fundação Gol de Letra, com atuação em São Paulo (SP) e no Rio de Janeiro (RJ), que alia a educação e o esporte como ferramentas para o desenvolvimento integral de jovens em situação de vulnerabilidade.

A pedagoga e tutora Ana Paula Rosa, 33 anos, conta que o projeto pedagógico foi construído aos poucos, através de muitos estudos e inserção em metodologias que pos-

suem esse estilo de ensino diferenciado: “nós, educadores, fomos conhecer uma proposta em São Paulo, onde tinha uma metodologia diferenciada, e a partir dessa visita, aprendemos algumas coisas e adaptamos. É uma construção diária”.

Ruth Tomaz, 25 anos, também compartilha dessa jornada de aprendizado e adaptação. Iniciando sua carreira na Escola dos Sonhos, como educadora, ela conta que essa foi sua primeira experiência assim que se formou: “é um processo de amadurecimento, construção e aprendizado, porque o que eu vi da escola tradicional foi como estudante, e como educadora já pude fazer essa transformação diferente na vida das crianças, trabalhando com esse olhar de conjunto, porque elas participam de todo o processo, e a gente é apenas mediador desse conhecimento, é uma troca de saberes muito grande.”.

Esse modelo de ensino, centrado na participação ativa dos alunos, impactou o ex-educando Jailton Justino de Melo, de 19 anos, que se mudou para a cidade de Bananeiras em

ALGUMAS DAS ATIVIDADES OFERECIDAS PARA OS EDUCANDOS. FOTOS: EMILLY DANTAS

2017 e estudou na Escola dos Sonhos por três anos consecutivos: “não é um ensino igual às outras escolas comuns, como o qual todos nós estamos acostumados. Eu vim de uma escola com ensino regular, com um professor no quadro, ensinando os alunos, a gente escrevendo e tudo mais. Quando eu cheguei lá em 2017, foi um impacto muito grande, eu não sabia o que eu estava fazendo ali”.

Com a rotina de adaptação Jailton foi cultivando toda sua experiência para descobrir e alcançar seus sonhos futuros como profissional. Foi a partir da escola que, em 2019, conquistou o 1º lugar em Engenharia Civil na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG): “passei em primeiro lugar, e desde o Ensino Médio, já vinha com essa ideia na cabeça, que foi plantada na Escola dos Sonhos. A escola molda você para ser um cidadão íntegro, alguém que vai conseguir realizar tudo aquilo que planeja, que almeja”.

SONHAR E TRANSFORMAR

Para atribuir esse conhecimento, a Escola parte dos princípios da aprendizagem por meio de três núcleos: a inserção das crianças

no espaço escolar até o seu processo de alfabetização, o multiletramento, linguístico e matemático, e o núcleo de aprofundamento. A partir desses focos, também são construídas as oficinas de dança, teatro, xadrez, jiu-jitsu, capoeira, cinema, percussão e cordas.

Davi Fontes, 21 anos, e Gissely da Silva, 20 anos, Oficineiros Voluntários de Percussão e ex-alunos da Escola dos Sonhos, foram inspirados, através das atividades realizadas nas oficinas, a escolher o curso de Pedagogia e proporcionar o voluntariado através de um novo projeto introduzido pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o ‘Canteiro de Criação’, que possibilita trabalhos de artes com as crianças. “Para mim, é muito importante porque eu estou podendo repassar aquilo que aprendi na Escola para as crianças que estão lá. Me sinto muito feliz em poder voltar, agora como oficineira. É como gosto sempre de falar, eu saí da Escola, mas a Escola não saiu de mim”, conta Gissely.

A frase de Paulo Freire “Quem ensina aprende ao ensinar; e quem aprende ensina ao aprender”, descreveu a história dos ex-alunos Davi e Gissely, visto que a Escola permitiu

LEILA ROCHA, DIRETORA DA ESCOLA, AO LADO DOS EDUCANDOS. FOTOS: EMILLY DANTAS

a autonomia dos jovens em acreditar naquilo que se é capaz, antes como estudantes e agora como profissionais capazes de repassar tudo que foi aprendido. “É bastante satisfatório você ver as crianças se desenvolvendo também na música. Assim como eu, no ano de 2018, também tive essa possibilidade. Então, para mim, é surreal voltar à Escola como um contribuidor para educação. É sensacional ser um voluntário na Escola dos Sonhos”, comenta Davi.

LIMITAÇÕES

O projeto foi reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC) em 2015, juntamente com outras três escolas paraibanas: Professor Lordão (Picuí), Bento Tenório de Sousa (Escola do Campo - no sítio Santa Catarina, em Monteiro) e Projeto Beira da Linha (João Pessoa), como Instituições de Referência em Inovação e Criatividade na Educação básica. É a primeira, no estado da Paraíba, desde 2017, a integrar a Rede das Escolas Transformadoras pelo Instituto Ashoka/Alana - iniciativa que conecta escolas comprometidas em formar crianças e jovens com senso de responsabilidade social

Apesar das conquistas significativas na construção de um ambiente escolar de qualidade, ainda são necessários investimentos adicionais para fortalecer o ensino sonhado pela comunidade. Como o projeto reside na zona rural, parcerias são essenciais para suprir a carência da cultura de doação, facilitando tanto o retorno social quanto a manutenção do projeto. “Precisamos remar contra a maré, digamos assim, a gente se sente muito sós neste sentido, porque são experiências pontuais, em que a gente é despercebido da sociedade, do Poder Público. Por exemplo, não existe nenhum recurso financeiro público para as escolas comunitárias. E são elas, em sua grande maioria, com trabalhos belíssimos em alternativas para uma nova educação”, afirma Leila.

A falta de investimentos ainda não permitiu a finalização da construção física da Escola, faltando áreas como quadra, parquinho, cozinha comunitária, e uma loja própria, a fim de garantir renda extra com os produtos produzidos pelos próprios alunos. “A gente nunca deixa de sonhar. Paulo Freire, mais uma vez, disse que, sem sonhos, é impossível a gente viver. Então, a gente queria implantar o ensino médio para que conseguíssemos acompanhar eles do começo ao fim, porque é muito difícil finalizar o ano letivo, eles não querem sair, e para nós esse momento é uma dor no peito”,

Acreditar sempre será o lema da Escola dos Sonhos, sem o amor e discernimento da comunidade nada seria possível. Como Paulo Freire comenta, “não se pode falar de educação sem amor”, e assim como Leila, Davi, Gissely, Maria, Gabriel e Jailton, todos eles têm amor pela Escola dos Sonhos, que parte do princípio de autonomia e discernimento, com tantas histórias de superação e aprendizado já construídas. Cada pessoa que passa pelo lugar é como uma pequena semente plantada com cuidado e dedicação. Todos crescem e florescem, espalhando os valores aprendidos por onde vão. “Era muito difícil ver um aluno do campo ter essa inserção na faculdade. E hoje, a cada ano no Enem, vemos um dos nossos se destacando em cursos variados. Isso para nós é muito gratificante, porque a Escola ensinou a alcançar voos”, relata Leila com um sorriso no rosto e o sentimento de dever cumprido.

DIÁRIO DE BORDO

Escolher esta escola para nossa reportagem não foi um ato ao acaso. Após diversas pesquisas, ela se destacou em meio a tantas outras. A didática aplicada lá nos deixou com um desejo de saber como funcionava isso na prática.

Inicialmente, planejamos realizar uma visita presencial para a apuração, mas uma série de contratempos impossibilitaram nossa viagem. Com o coração apertado, tivemos que nos contentar com a coleta de dados de maneira virtual e esperar que, posteriormente, nossa ida para a Escola fosse realizada. A distância física não impediu que o lugar despertasse algo em nós, cada detalhe compartilhado aumentava o desejo de estar lá, de caminhar pelos corredores, de sentir a energia do lugar e das pessoas.

Durante esse momento virtual, um fato inesperado nos chamou a atenção: a entrevista foi realizada no dia 16 de julho, data em que é comemorada Nossa Senhora do Carmo (para os católicos) e, coincidentemente, a Escola dos Sonhos era conhecida, anteriormente, como Escola Nossa Senhora do Carmo, o que trouxe aquele sentimento de que esse momento teria sido predestinado.

As semanas foram passando, e finalmente, no dia 9 de agosto, partimos de Campina Grande com destino a Bananeiras. A ansiedade fazia com que a viagem parecesse mais longa do que o previsto. Ao chegar na Escola

dos Sonhos, seu ambiente acolhedor parecia ter saído de um conto, era muito mais do que aquilo que víamos nas redes sociais.

As salas de aula não se limitavam às paredes de um ambiente fechado, eram em locais abertos, onde o vento passava livremente, carregando as vozes das crianças que, atentas, participavam das atividades propostas pelos educadores. O que mais nos impressionou foi a distribuição dos espaços, tudo parecia ter sido pensado para que as crianças se sentissem à vontade para explorar, descobrir, e aprender de forma natural, sem as amarras do ensino tradicional.

Em cada canto que exploramos, cada abraço que recebemos, era notável a grandeza daquele projeto. Os educadores, com sua dedicação, mostravam que a educação pode ser um caminho de transformação verdadeira. Os educandos, com sua curiosidade e alegria, eram prova viva de que ali não se ensinava apenas conteúdos, mas valores, sonhos, e maneiras de enxergar o mundo.

Essa visita marcou profundamente nossa trajetória. Todas as vezes em que saímos para uma visitação como essa, somos lembrados do motivo pelo qual escolhemos nossa profissão. A Escola dos Sonhos nos lembrou da importância de acreditar em projetos que fazem a diferença, de que o trabalho que realizamos tem um propósito maior. Saímos de lá com a certeza de que aquela Escola não apenas transforma as vidas das pessoas que participam, mas também transformou a nossa vida, deixando uma marca que levaremos sempre conosco.

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SONHOS SONHOS

EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMEÇA NA BASE

REPÓRTERES: THAYLANNY ALMEIDA E MATEUS RONELLE

No período pandêmico, com o vírus da COVID-19 contaminando e causando a morte de milhares de pessoas, as máscaras foram uma alternativa de proteção, mas ao mesmo tempo de poluição, gerada pelo descarte irregular. Segundo o Instituto Akatu, ONG voltada para o consumo consciente, desde o início da pandemia mais de 12 bilhões de máscaras foram jogadas fora no Brasil. Isso colocou em risco a saúde dos catadores que, em contato direto com o lixo para a separação dos recicláveis, se deparavam constantemente com esses resíduos contaminados.

Preocupada com a situação, a educadora ambiental Lívia Cavalcante decidiu ofertar, em 2021, ainda no modelo de aulas remotas na ECIT Prof. Bráulio Maia Júnior, a disciplina eletiva intitulada “Recicla, ECIT, TikTok Tread”, buscando conscientizar os alunos do Ensino Médio, entre 15 e 18 anos, sobre o descarte correto do lixo. No mesmo ano, ganhou o prêmio Mestres da Educação pela iniciativa. “Eu disse: opa, tenho que sensibilizar, e a escola é a porta de entrada para isso, né?”, ressaltou a professora.

Ainda incomodada, Lívia resolveu ir além e transformar a eletiva em um projeto fixo na ECIT Prof. Bráulio Maia Júnior, em Campina Grande. No final de 2021, ela idealizou o Projeto “#rECIcla: Educação Ambiental começa na base!”. Palestras, que sensibilizam sobre a importância do meio ambiente, são colocadas em prática por meio da coleta seletiva na escola, onde todos os alunos participam ativamente, separando corretamente o plástico, o papelão e, principalmente, a alta quantidade de papel gerada pelas provas e atividades. Os materiais são

destinados aos catadores da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis da Comunidade Nossa Senhora Aparecida (ARENSA). As palestras, ministradas por alunos voluntários do projeto, são voltadas para as turmas do ensino médio da ECIT Bráulio Maia Júnior, em especial aos novos estudantes da escola. Mas a coleta seletiva tem várias etapas que dependem do engajamento de todo o corpo estudantil, como a confecção das caixinhas personalizadas, feitas de papelão e revestidas com TNT, dispostas em vários pontos da instituição para o armazenamento dos papéis coletados.

“Em cada sala tem uma caixinha dessa, nas salas de aula, na coordenação, na secretaria. Porque toda escola tem uma alta demanda de papel, e ações como essa podem ajudar na coleta seletiva. Então, confeccionamos, en

Outra ação fundamental é destinar o conteúdo das caixinhas ao lugar correto de reciclagem na instituição: o bag de nylon, localizado por trás da escola. Os responsáveis por esse processo são os líderes de turma, que também estimulam os colegas a jogarem os papéis na caixinha do #rECIcla. “Esse projeto está implantado na escola para que o nosso protagonismo possa fazer ele acontecer. Se os alunos não incorporarem realmente esse projeto e não realizarem aquilo que tem que fazer, o projeto não vai andar. Então, a gente, como líder, tem que instigar a turma para que eles façam isso”, destacou o líder de turma do primeiro ano, João Gabriel, 15 anos.

Ainda que o foco seja os papéis, em virtude da grande demanda, outros materiais também são reciclados, mesmo que em menor quantidade, como o plástico e o papelão, provenientes de embalagens da cozinha, já que, pelo fato dos alunos consumirem merenda, o acesso à embalagens descartáveis é limitado. “Separa na cozinha também, faz tudo bem bacaninha, né? A caixinha de papelão que vem no ovo, também separamos”, salientou a funcionária Verônica Guimarães, 59 anos.

Com uma identidade visual inspirada nos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), a conscientização vai para além dos muros da escola, explorando o digital através do Instagram. “É o nosso aliado principal, vocês nos conheceram pelas redes, assim como tantos outros. O nosso perfil conta com mais de mil seguidores. Para um grande empresário isso pode parecer pouco, mas para o nosso projeto, é muito. Estamos atingindo mil pesso-

as, fora a escola. As redes sociais entram nesse sentido, de nos ajudar a sensibilizar mais pessoas”, enfatizou a educadora ambiental. A iniciativa vem sensibilizando e inspirando cada vez mais alunos, como foi o caso da voluntária Maíza Gabriela, 16 anos: “Eu sempre tive muito interesse em questões ambientais e tenho vontade de trabalhar com isso futuramente, é um projeto positivo que agrega muito para a gente aprender sobre essas práticas. Na minha casa, por exemplo, quando minha mãe vai jogar fora algo que é reciclável, eu falo ‘não, peraí [sic], a gente vai juntar aqui e depois leva para algum catador reciclar’. Então, tento incentivar muito essa prática dentro e fora da escola também”, declarou a estudante.

O projeto recolheu, em média, 126 kg de materiais recicláveis por mês, totalizando mais de uma tonelada até agosto de 2024, e revela que, para implementar a educação ambiental, não precisa de muito. Com força de vontade e trabalho em equipe, é possível fazer a diferença: “Muitas vezes, as escolas pensam “mas vai dar trabalho e a gente não tem pessoas com formação em educação ambiental”. Tudo que é voltado para o meio ambiente, o pessoal coloca dificuldade, e estamos aqui para mostrar o contrário. Que requer engajamento, não tem tantos custos e, com materiais reutilizáveis, podemos fazer a coleta seletiva acontecer”, pontuou Lívia Cavalcante.

A ação depende de estudantes voluntários dedicados ao projeto e responsáveis por propagar a educação ambiental e ajudar eco-

DADOS SOBRE OS RECICLÁVEIS COLETADOS ENTRE JANEIRO E AGOSTO DE 2024. FONTE: PROJETO RECICLA

nomicamente os catadores: “Todas as questões aqui são puro voluntariado, boa vontade e amor pelo projeto. Principalmente porque sabem que os catadores precisam desse material, então eles [os estudantes] se sensibilizam muito com essa parte socioeconômica”, ressaltou a professora.

PARCERIA DE SUCESSO

Todos os recicláveis provenientes da coleta seletiva realizada pelos alunos da ECIT Bráulio Maia Júnior são destinados aos catadores da ARENSA, que vão até a escola recolher o bag de nylon contendo esses materiais. O processo ocorre quinzenalmente, mas, em períodos chuvosos, eles buscam os resíduos toda semana, a fim de evitar o acúmulo de água e, consequentemente, a proliferação do Aedes aegypti. Com os recicláveis em mãos, os catadores pesam e encaminham a quantidade para Lívia, que faz todo o registro de contabilização numa planilha do Excel. Entretanto, essa parceria nasceu bem antes do #rECIcla existir.

Em 2008, enquanto graduanda em Ciências Biológicas, na Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, Lívia Cavalcante participou de um projeto de extensão voltado para a formação e educação ambiental dos catadores. Dessa oportunidade, ela construiu uma ligação que perdura até hoje: “É uma parceria muito mais que especial, porque ela surgiu em 2008, já tem muito tempo. Participei da organização desse grupo e hoje trago eles para onde eu estou. Se estou na UEPB como professora substituta, onde já estive, tratando as questões da gestão de resíduos, levava a ARENSA. Hoje estou na ECIT Prof. Bráulio Maia Júnior, do mesmo jeito. Então é um projeto pessoal e profissional”.

Jeane Silva, 37, tesoureira e uma das fundadoras da ARENSA, trabalha há mais de 15 anos como catadora e relatou o início da trajetória na Cooperativa: “Quando conhecemos a professora Lívia, ela foi ajeitando a gente e fazendo palestras de como desenvolver a coleta seletiva nas casas. Nós alugamos o galpão, pagamos do nosso bolso o aluguel e o caminhão para pegar as coletas também. Já passamos por muita coisa para chegar na Associação”.

Os catadores sobrevivem da coleta de recicláveis. Mas, boa parte da renda acaba

sendo destinada aos gastos da Cooperativa, como pagamento de luz, água, segurança, internet e conserto de caminhão, fazendo com que o lucro seja pouco. Por esse motivo, Jeane destacou a importância de iniciativas como a do Projeto #rECIcla para os catadores da ARENSA: “Se todas as escolas do estado e do município fizessem isso seria bom para a gente. Se todo gestor de escola fizesse a coleta seletiva, não iria todo material para os aterros. Nós, catadores, sobrevivemos dessa renda do material, e mesmo assim já é pouco, porque nós não temos salários”.

LIMITAÇÕES: FALTA DE FINANCIAMENTO

Em 2021, ano de fundação do #rECIcla, a professora Lívia aproveitou a oportunidade para submeter a iniciativa ao Programa Celso Furtado, na época vinculado à Secretaria de Educação. Seis bolsas de R$400,00 foram ofertadas à equipe, ajudando no desenvolvimento das atividades. Mas, em 2023, o financiamento foi suspenso

porque o programa passou a custear apenas os projetos de Ciência e Tecnologias vinculadas às instituições de Ensino Superior. Devido à falta de incentivo financeiro, o trabalho voluntário é vital para a continuidade das atividades. Porém, a professora segue submetendo o projeto a editais que possam ajudar financeiramente a causa, para que as práticas alcancem ainda mais pessoas, principalmente os catadores. Atualmente, cerca de 20 deles são beneficiados pelo projeto.

RESULTADOS INSPIRADORES

Só este ano, a equipe do Projeto #rECIcla já contabilizou mais de uma tonelada de materiais recicláveis. O êxito do trabalho vem sendo fruto da atuação constante de estudantes e funcionários na ECIT Prof. Bráulio Maia Júnior, engajados na proposta de educação ambiental da instituição. “Nós temos 543 estudantes e todos já aderiram à coleta seletiva na nossa escola. Eu sou apenas uma condutora e eles são os multiplicadores desse conhecimento”, afirmou Lívia.

CATADORES BUSCAM RECICLÁVEIS

COLETADOS PELO PROJETO RECICLA. FOTOS: ACERVO DO PROJETO

E, para que esse conhecimento chegue a mais escolas, ela entrou em contato com a 3ª Regional de Ensino e firmou uma parceria em que mais de 25 escolas, de 8 municípios, aderiram à coleta seletiva de livros inservíveis para o ensino e aprendizagem dos estudantes para serem encaminhados para os catadores da ARENSA. Por exemplo, a Escola Cidadã Integral Senador Humberto Lucena, por intermédio da professora Luciana Lunguinho, aos poucos vem replicando a ideia e implementando a coleta de materiais recicláveis no cotidiano escolar.

A coleta seletiva teve início em abril, apenas com a turma do 2°A, em que alguns alunos passavam nas salas de aula conscientizando os colegas, entregando folders e colocando as caixinhas, separadas por tipo de material. A partir do mês de maio, o projeto se expandiu para a escola toda. “Ver os alunos envolvidos e interessados em uma causa relevante como a reciclagem reforça o sentimento de que o trabalho que se iniciou com o #rECIcla está fazendo a diferença, inspirando e empoderando os estudantes a serem agentes de mudança na sociedade”, comentou a professora Luciana.

Essa prática, desenvolvida pela educadora Lívia, rendeu o prêmio “Educador Transformador” na categoria Ensino Médio, em 2024. “O Educador Transformador veio coroar todo o trabalho que vem sendo feito. Não precisamos de várias ferramentas tecnológicas ou robôs gigantes. Uma coisa simples, mas que está sendo uma prática bem-sucedida”, ressaltou ela. O prêmio também proporcionou aos estudantes voluntários do projeto a oportunidade de participar do Neon, o principal evento de inovação e empreendedorismo do Nordeste, com tudo pago pelo Sebrae.

A iniciativa surgiu com o intuito de conscientizar as pessoas sobre o descarte inadequado de máscaras durante a pandemia, e se tornou uma solução na educação para incentivar a coleta certa de resíduos recicláveis, ajudando o meio ambiente e os trabalhadores que vivem da renda desses materiais. “Eu acredito no poder transformador da educação ambiental, sou fruto dessa iniciativa. E acredito que os meus alunos também estão passando por esse processo e estão entendendo a mensagem. Sem educação ambiental não é possível conservar o planeta”, finalizou a idealizadora Lívia Cavalcante.

DIÁRIO DE BORDO

No dia 07 de agosto de 2024, numa manhã de quarta-feira, fomos até a escola ECIT Professor Bráulio Maia Júnior, localizada em Campina Grande, conhecer de perto o Projeto “#rECIcla: Educação Ambiental começa na base!”. Ao chegar na instituição, nosso primeiro contato com a iniciativa foi por meio de Maíza Gabriela e Adriano Medeiros, alunos voluntários dedicados, que compartilharam com gratidão suas experiências e a importância que o projeto vem exercendo em todos os âmbitos de suas vidas.

Depois de escutar os relatos, conhecemos oficialmente a idealizadora do #rECIcla e educadora ambiental Lívia Cavalcante. Ela nos contou tudo sobre o projeto, desde a ideia inicial até as constantes ações na escola que,

além de promover a conscientização e ajudar o meio ambiente, também contribuem para a fonte de renda dos catadores da ARENSA. E tivemos a oportunidade de conhecer alguns catadores da Cooperativa, como Jeane Silva, que falou sobre as dificuldades enfrentadas diariamente e como essas ações fazem a diferença para eles.

Ao fim da entrevista, tivemos a certeza de que o #rECIcla é engajamento, é amor, é esforço, é sensibilizar sobre as questões ambientais e tentar mudar o mundo para melhor. Esperamos que mais pessoas possam conhecer e replicar a iniciativa, pois pequenos passos têm o poder de fazer a diferença.

- THAYLANNY ALMEIDA E MATEUS RONELLE

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CONHECIMENTO ERGUE CASTELOS

Como poeta, surgi em sala de aula

Como uma nova vida, renasci junto ao conhecimento

De tanto fazer atividades de casa

Desenvolvi novos métodos e ensinamentos

Imagens, escritas e sons

Ruas, versos, canetas e livros

Aprendendo e ensinando novos ritmos

Entendimentos que nos fazem sentir vivos

Cultura também vem de estudos

Ideias partem do “pensar”

Leitura nos dá asas

Liberdade nos ensina a voar

E educação vai além da escola

Pois somos algo além de estudantes

Um dia me tornei protagonista da minha história

Por entender que não somos só figurantes

Conhecer é como erguer castelos antigos

Como reis, nos traz poder

Como árvores, crescemos

O que são raízes, precisam florescer.

AUTOR: MATHEUS GLA

HÁ ESPERANÇA NO ESPAÇO: UMA NOVA PERSPECTIVA DOS ASTROS NA EDUCAÇÃO

REPÓRTERES: ANA FLÁVIA SOARES, EVELYN GOMES, KAUANNY LIMA, MANUEL DUARTE E NILO BARRETO

A palavra curiosidade pode ser definida como o “desejo intenso de ver, ouvir, conhecer, experimentar algo”. O ser humano é, muitas vezes, movido por essa palavra, motivado pela vontade de descobrir coisas novas e alcançar aquilo que parece estar inalcançável. Lindemberg Gonçalves é uma dessas pessoas. Apaixonado por astronomia desde a infância, ao chegar na vida adulta ele foi em busca de realizar seu sonho de ver os astros por meio de um telescópio. Devido ao preço elevado, no entanto, Lindemberg resolveu pesquisar e fazer o seu próprio equipamento. Trabalhando como diretor da cadeia pública do município paraibano de Esperança, situado a 149 quilômetros de João Pessoa, a sua engenhosidade passou a reverberar nos colegas e reeducandos do lugar, fazendo surgir um projeto nunca antes imaginado: o Esperança no Espaço

“Um dos reeducandos que, inclusive, já está em liberdade, virou um ATM, que é um construtor amador do telescópio. O Fábio Alexandre fez uma pergunta para mim que mudou nosso destino. Ele

perguntou se, um dia, quando ele saísse, eu poderia construir um telescópio para ele. Aí, eu disse que não. Poderia construir com ele aqui dentro nos nossos horários vagos”, conta Lindemberg. O que seria apenas a construção de um telescópio acabou se tornando um tra-

zer cumprir a lei de ressocialização. O projeto começou de forma muito limitada, com o trabalho sendo desenvolvido na cozinha da cadeia e com poucos reeducandos participando. Com o objetivo de ajudar não somente os detentos, a ideia logo de início era gerar, de alguma forma, uma contribuição para a educação do município, através da doação dos telescópios para escolas públicas, como explica o diretor: “No começo a minha vontade era fazer mais ou menos uns 4, eu comprei 4 kits e fui montar com eles pra doar pra 4 escolas daqui de Esperança. Então era só fazer esses telescópios e doar para as escolas, dar uma contribuição para a astronomia e dar oportunidade pras crianças poderem observar o universo.”

O projeto, criado em meados de 2022, foi iniciado seguindo o planejamento de Lindemberg, com a construção dos equipamentos de forma estritamente artesanal. Usando cabos de pvc, partes de bicicleta, cabos de vassoura e outros materiais, os telescópios foram ganhando forma. Além da parte prática, os reeducandos também passaram por aulas de física para entender um pouco da ciência que envolve esse equipamento, sobretudo na área

No entanto, a solução encontrada por Lindemberg não ficou restrita ao que ele pensou. O projeto acabou gerando o interesse de cada vez mais pessoas, como foi o caso da juíza da Vara de Execuções Penais de Esperança, doutora Paula Franssinette, que começou a contribuir através da verba de prestação pecuniária, a fim de incentivar cada vez mais a iniciativa e assim, beneficiar mais pessoas.

ASTROS NAS ESCOLAS

O trabalho conjunto desenvolvido na penitenciária e esse apoio recebido de pessoas de fora, conseguiu garantir a distribuição dos telescópios nas escolas públicas de Esperança, indo além do que havia sido pensado por Lindemberg. Crianças, jovens, e até os pais e responsáveis, puderam ter o contato com algo que parecia até impossível. A presença dos equipamentos nas instituições foi sinônimo de transformação, proporcionando a combinação da teoria e da prática nas aulas de ciências. Diversos estudos realizados ao longo dos últimos anos destacam as dificuldades enfrentadas pelos professores no ensino da astronomia em escolas públicas. Um exemplo é o artigo “Dificuldades no Ensino de Astronomia

REEDUCANDOS TRABALHANDO EM UM DOS TELESCÓPIOS.
FOTO: EVELYN GOMES

em Sala de Aula: Um Relato de Caso da Revista de Vivências em Ensino de Ciências”, da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), que estudou uma escola em Pernambuco e revelou problemas como erros conceituais frequentes nos livros didáticos e a quase total falta de recursos tecnológicos para facilitar o entendimento desses conceitos. Isso evidencia a importância de iniciativas como o Esperança no Espaço.

“Quando falamos do sistema solar, vemos uma coisa muito abstrata. A gente tem um imaginário e, depois que chegou o telescópio, a gente consegue ver de verdade tudo aquilo que vemos na teoria. Então, é uma prática, e envolvemos não só o assunto de sala de aula com os alunos, mas a comunidade junto”, relata a professora de ciências, Daiane Santos, que teve a oportunidade de trabalhar o tema com seus alunos na Escola Municipal José Souto.

A transformação social que começa na cadeia de Esperança, ultrapassa as portas e visita cada uma das pessoas que têm contato com o equipamento. Érika Rossana, também professora de ciências da Escola José Souto, comenta sobre a recepção dos alunos e a mudança nos comportamentos em sala de aula: “desde o momento que a gente começou a trabalhar, desperta aquela curiosidade, o interesse. Até desperta mais os talentos. Alguns

passaram a se identificar mais com esse campo da astronomia, de querer conhecer mais, baixaram os aplicativos no celular e foram se identificando cada vez mais”.

Yuri Rafael, de apenas 13 anos, foi um dos alunos que conseguiu desfrutar da experiência de observar os astros por meio do telescópio: “eu consegui ver várias coisas como planetas, luas e também o Sol de dia, no ano passado. Porque eu fui convidado a ver com Lindemberg e vi o sol. E também de noite, esse ano eu vi planetas, as luas de Saturno, Júpiter e o eclipse.”

Outro estudante foi o Jerfeson Menezes, também de 13 anos, que após uma atividade feita em sala de aula sobre os eclipses lunar e solar, conseguiu ver na prática o acontecimento e se encantar ainda mais com os fenômenos astronômicos, antes restritos apenas aos conteúdos dos livros didáticos.

Essa ampliação do conhecimento proporcionada pela prática vai totalmente ao encontro com o que Lindemberg acredita, trazendo uma contribuição para mudar a vida das crianças e jovens: “então o aluno, começando a ter um contato com o mundo científico, pode mudar a vida dele também. Ele pode se engajar naquilo e no futuro ser um cientista, ser um físico, ser um astrofísico, quem sabe um astronauta”, destaca o diretor da cadeia.

O ‘Esperança no Espaço’ funciona, sobretudo, como um meio para abrir novos horizontes e permitir que as pessoas sonhem e consigam transformar suas vidas, como é o caso dos próprios reeducandos, que mesmo em um cenário incomum, têm a possibilidade de ter esperança no futuro. Anthony Ramos é um dos reeducandos participantes do ‘Esperança no Espaço’, e desde que ingressou no projeto ele consegue perceber o potencial transformador existente na educação. Já graduado em Pedagogia, cursando Gerontologia, e autor do livro “Por trás das grades de uma prisão”, que foi escrito em cárcere, Anthony já planeja o que pretende fazer quando estiver em liberdade: “pretendo montar meu consultório de Gerontologia e também, ter uma oficina para expandir o projeto, procurar as escolas, as universidades e levar além a astronomia”. Joaldo de Souza é outro integrante do projeto, que também já consegue enxergar todo o impacto positivo trazido através da construção dos telescópios. Mesmo com nível de escolaridade baixo, ele conta que está se desafiando e escrevendo poesia de cordel com a ajuda de Anthony, e que pretende levar todos esses aprendizados para o seu filho e para toda a sociedade: “meus planos? Sair daqui, levar o projeto Esperança no Espaço para conhecimento do meu filho… Para que ele possa olhar e dizer assim ‘meu pai trouxe um bom exemplo para mim, não por causa que ele esteve em um centro prisional, mas sim pelo aprendizado que ele teve naquele mesmo lugar’, é isso que vou levar para o meu filho e para todos os outros na sociedade”, conclui Joaldo.

O projeto, embora revolucionário em várias formas, ainda encontra certas limitações, principalmente pela falta de conhecimento das pessoas com relação ao equipamento do telescópio. A realidade elitista existente no campo astronômico acaba dificultando um melhor aproveitamento das pessoas, tanto professores quanto alunos, e até da população em

geral que se interessa pela observação dos astros. Lindemberg destaca a preocupação em popularizar esse universo e fazer com que mais pessoas tenham essa oportunidade: “tutoriais, vídeo-aulas para ensinar a população a como fazer telescópios… É popularizar a astronomia. A nossa maior meta é a ressocialização e popularização da astronomia. Então, quanto mais longe, melhor”.

O ‘Esperança no Espaço’ já ultrapassou os muros da penitenciária e está atingindo bem mais do que era esperado. Com o reconhecimento cada vez maior, os telescópios construídos estão saindo do município de Esperança e sendo distribuídos, exclusivamente, para a rede estadual de ensino público da Paraíba. Além disso, o projeto também foi premiado nacionalmente por meio do Prêmio LED 2024, na categoria “Empreendedores e Organizações inovadoras”.

Pensar no espaço requer muita ima ginação. Ver o espaço e os astros que estão nele é inacreditável. Mas, saber que toda essa grandiosidade vem de pessoas que estão re clusas da sociedade e que ainda contribuem com o processo de ensino-aprendizagem de crianças e jovens, parece ser ainda mais inal cançável para a nossa mente. O ‘Esperança no Espaço’ não se restringe a ser um projeto

outros mundos, como se um certo alguém decolasse em um foguete em direção ao espaço e pousasse de planeta em planeta, porque um outro alguém lhe deu uma nova lente para enxergar.

O projeto não vai parar de crescer e com certeza, vai atingir mais crianças como Jerfeson e Yuri, e outros detentos, como Anthony e Joaldo, com vontade e coragem de mudar o destino de suas vidas. Mas também, vai alcançar aquelas pessoas curiosas, que anseiam tirar o pé do chão e voar.

ESTUDANTES DA ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL JOSÉ SOUTO. FOTO: EVELYN GOMES

DIÁRIO DE BORDO

No dia 12 de junho, viajamos rumo à Esperança, para conhecer o projeto “Esperança no Espaço”, e visitar também a Escola Municipal de Ensino Fundamental José Souto. Nos encontramos no Centro de Campina Grande e fomos para a Rodoviária Velha pegar o ônibus até o município de Esperança. A viagem foi tranquila e rápida. Chegando no destino fomos recebidos por nosso colega Manuel, que reside na cidade e nos guiou até a escola, nosso primeiro local de gravação.

Chegamos na escola um pouco antes do intervalo, e lá fomos recepcionados com muito carinho. Conseguimos gravar a primeira entrevista com a professora de ciências, Daiane, e após isso iniciou o intervalo. Ficamos aguardando na sala da diretora e nos preparando para as próximas entrevistas. Com o retorno das aulas, fomos a caminho de uma das salas, onde tivemos contato com a professora Érika, que nos contou um pouco dos impactos que o projeto “Esperança no Espaço” causou em sua turma. Lá, entrevistamos também alguns alunos que nos contaram suas experiências particulares ao utilizar os telescópios para aprender além da teoria.

Nossas gravações continuaram na Praça do Poeta, ponto da cidade pensado para a produção de imagens complementares para o nosso documentário (disponível no player de vídeo nesta página). Logo depois, almoçamos e fomos para a Cadeia Pública de Esperança, o local onde acontece, na prática, o projeto Esperança no Espaço. Lá, tivemos a oportunidade de conversar com o diretor da cadeia, Lindemberg, que nos contou um pouco sobre a formação do projeto, e também com os reeducandos, que puderam nos contar sobre o impacto dessa atividade em suas vidas. Concluída nossa experiência e gravações, Manuel nos conduziu até a rodoviária para que pudéssemos voltar para Campina Grande.

E NILO BARRETO

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ESPAÇO ESPAÇO ESPAÇO ESPAÇO

- ANA FLÁVIA SOARES, EVELYN GOMES, KAUANNY LIMA, MANUEL DUARTE
FOTO: THAYLANNY ALMEIDA
FOTO: EMILLY DANTAS
FOTO: EMILLY DANTAS
FOTO: MILENA FERREIRA
FOTO: EMILLY DANTAS
FOTO: EMILLY DANTAS
FOTO: MILENA FERREIRA
FOTO: GABRYELE MARTINS

ANTI-HORÁRIO NA MÍDIA

• REPORTAGEM CONQUISTA SEGUNDO LUGAR NA 11ª EDIÇÃO DO PRÊMIO SEBRAE

A 11ª edição em nível estadual do Prêmio SEBRAE de Jornalismo, com tema central “A contribuição dos pequenos negócios na transformação de realidades locais”, destaca a relevância do jornalismo em evidenciar iniciativas que impactam positivamente suas comunidades. A reportagem “Sereias da Penha: A arte de transformar mulheres”, publicada na segunda edição da revista digital Anti-horário: Soluções no Litoral, de autoria de Emilly Dantas, Milena Ferreira e Rillery Venâncio, estudantes de jornalismo da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), conquistou o segundo lugar na categoria “Jornalismo Universitário”.

O trabalho mergulha na história de mulheres da comunidade da Penha, em João Pessoa, mostrando como a arte pode ser uma ferramenta poderosa de transformação social e empoderamento feminino. Além desta, foram finalistas na mesma categoria as reportagens “Águas potiguaras”, da 2ª edição da Revista Anti-horário, e “Tudo é possível para aqueles que sonham”, da 3ª edição.

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MILENA FERREIRA E EMILLY DANTAS NA CERIMÔNIA DA 11ª EDIÇÃO DO PRÊMIO SEBRAE DE JORNALISMO, EM JOÃO PESSOA. FOTOS: EMILLY DANTAS

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