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Tiago Primo
Gabriela Mureb Tiago, te encontrei no dia anterior a sua performance na Verbo (Galeria Vermelho) deste ano, e você havia me dito que ainda não sabia quanto tempo iria permanecer em pé equilibrando a gilete contra a parede (e, se não me engano, também não sabia se iria estar nu ou não). E você ficou lá durante mais de 8 horas. Mesmo depois que todos já haviam ido embora, você permaneceu ali. Estava aqui lembrando o vídeo em que você tira um molde do seu pênis, enche-o de chocolate e come (não me lembro do título). Lembro de ter ficado impressionada com o fato de aquilo ser claramente um gesto difícil pra você. E fiquei aqui pensando nesses dois trabalhos como uma espécie de desafio que você se impõe. Como uma idéia que precisa ser enfrentada pra ser entendida, mesmo sabendo da dificuldade que será a sua execução. Concorda com isso? Caso concorde, que desafios são esses?
Tiago Primo Concordo, e digo que esses desafios são mecanismos de aprender sobre mim mesmo. Esses trabalhos foram, de alguma forma, sucessivos, e apareceram como problemas a serem encarados de acordo com idéias que me ocorreram. São trabalhos
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FOTO VITOR SAVERIO, PROJETO SEM CULOTES
Meu melhor trabalho de pintura, 2008 / vídeo / 10 min 20 seg muito significativos principalmente pra mim, pelo que tive de encarar sobre o que penso e o que pratico. Quantas vezes não vi meus discursos criarem pernas e saírem correndo na minha frente. Quando me perguntam o que eu queria com esses trabalhos e o que significam, não consigo responder de maneiro objetiva, porque acho que estava mais preocupado em saber de mim mesmo e o que ia acontecer depois deles.
GM No ano passado, quando te pedi que me fizesse algumas perguntas, você fez a seguinte: “o que pensa, a partir do seu trabalho, sobre contenção?”. Queria também que falasse um pouco sobre o que pensa sobre contenção, mas no sentido de conter-se, de conter seus próprios impulsos, e se vê relação entre esse pensamento e seus trabalhos.
TP Contenção é uma coisa que se pode praticar. É uma opção a se fazer com algo que você recebe. A barriga da gente contém energia em forma de gordura, quando você precisa ela libera. Algumas coisas escolhemos conter e outras não. Em relação aos meus trabalhos, acho que contenção não é uma regra que me preocupo em trabalhar, mas às vezes escolho conter. Quando contenho algo contrariado, espero estar consciente do porque escolhi isso. Muita gordura na barriga deixa a gente pesado.
GM O que pensa sobre o pudor relacionado à sexualidade, à nudez, ao corpo?
TP Nada especificamente
GM Pergunto isso porque desde que te conheci, há cinco anos atrás, quase todos os seus trabalhos se relacionam com o corpo, e com o corpo nu, em sua maioria. Lembro que você tinha um caderno em que escrevia poesias e desenhava mulheres nuas, fazendo odes a suas bundas. Depois fez uma série de fotografias em que relacionava o corpo a caixas de transporte, uma outra em que nos seios de uma menina está escrito em braile “pertence”, e em outro come uma réplica em chocolate do seu próprio pênis. Como vc pensa o corpo nesses trabalhos?
TP Acho que na verdade, eu gosto bastante de corpo, de gente, e de sexo e de bunda, especificamente e isso acabou escorrendo. Acho também que muita coisa estava contida e deixei sair nesses trabalhos. No trabalho meio dia, por exemplo, eu te disse que não sabia se ficaria nu ou não, e decidi pecar pelo excesso, pra não ficar duvidando comigo mesmo se eu teria coragem de me expor pras pessoas daquela maneira, nunca tinha feito aquilo daquela maneira antes, então decidi pela nudez, pensei mais na experiência pra mim do que no que aquilo poderia querer dizer sobre o trabalho. Acho que conforme o tempo passa, vou aprendendo a administrar essas coisas, na medida em que for importante, evidentemente.
GM O que é um trabalho cretino?
TP Vamos começar pelo colesterol, existem dois tipos de colesterol, o colesterol maligno e o colesterol benigno. Muitas coisas funcionam dessa maneira e assim também é a cretinice, existe a má cretinice e a boa cretinice. Uma boa cretinice é aquela que funciona de maneira positiva, que abre os olhos. Entendo que cretino, é tudo aquilo que é fácil de dar acreditar, melhor dizendo, difícil de acreditar pela ingenuidade de uma situação e isso pode despertar a sensação de zombaria da inteligência alheia. É negativo quando você reconhece que o que lhe causou essa sensação estava te atrasando de alguma maneira, um exemplo de cretinice negativa são as falsas gratuidades que muitos serviços oferecem hoje em dia, onde qualquer um pode reconhecer que não há gratuidade alguma. Um exemplo de cretinice boa, eu cito o trabalho de um desenhista de animação que se chama Don Hertzfeldt, Rejected (ver www.youtube.com). Confira.