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Elisa Castro
Carlos Contente Sobre a experiência com os telefones e a pichação, o trabalho do “qual o seu medo”. Você ao que parece enfrentou o seu próprio medo e pichou alguns muros da cidade...se propondo a escutar o medo alheio . Como foi arriscar-se dessa forma e a repercussão deste trabalho? Por que a secretária? Por que fio de cobre? E como foi aquela história do roubo da sua obra no Morro da Conceição ?
Elisa Castro Bem...esse trabalho acontece em dois momentos, o primeiro é a pichação da pergunta com o número, que é uma explosão. Deixar uma pergunta no meio da rua, é como um grito para o mundo...é um dispositivo urbano para tentativas de comunicação. O segundo momento é gravar um medo meu na caixa postal da secretária eletrônica e esperar o telefone tocar, depois ouvir os medos alheios. Neste trabalho o risco está na entrega, na minha e na do outro. No nosso tempo ir para rua e pichar é tão arriscado quanto se propor a ouvir e a falar. A secretária é um espaço no qual qualquer medo pode ser abordado, individuais ou coletivos. Sobre a repercussão do trabalho... eu recebo muitas ligações, e mesmo que não as recebesse o silêncio também seria uma resposta. Em relação a secretária...se eu pintasse apenas a pergunta também faria sentido, mas seria outra coisa. Decidi colocar o número de telefone porque percebi que (por ser uma pergunta) a resposta às vezes precisava ser verbalizada pelo passante, e ou, ouvida por mim. Então coloquei a secretária para abrir um espaço para troca e aproximação, mesmo que por meio de uma máquina. Sobre o cobre...ele é um metal de transição que apresenta alta condutibilidade térmica e elétrica, só superada pela prata, historicamente foi o primeiro metal usado pelo homem para fabricação de armas e outros utensílios. O fio de cobre conduz a energia e o aparelho telefônico decodifica o sinal recebido em som. A história dos trabalhos tanto da trama quanto do aparelho telefônico (“Qual o seu medo?”) estão conectados. Todo o processo é vivido ao mesmo tempo. A trama de cobre, o segundo momento deste trabalho, é feita a partir da espera das ligações. Um movimento de ESPERA e introspecção,bastante intimista...aguardo as pessoas me ligarem e enquanto isso vou transformando a fiação em teia/trama. O trabalho que fiz no Morro da Conceição era uma rede imensa tecida também com fios cobre, instalada no Adro de São Fancisco da Prainha, que saía de dentro de uma casa onde funcionava a “Oficina de Arte e Bordado”, a rede ia se misturando à fiação elétrica na rua e terminava em um dos postes como um “gato de luz”. Me lembro que passei uns dois meses tecendo no atelier, tempo de forte convivência com os outros artistas que dividem o atelier comigo, e ainda recebi a colaboração de algumas mulheres e crianças da “Ofi-
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FOTO RAFAEL ADORJÁN
cina de Arte e Bordado” que quiseram participar...foi um processo lindo. O evento durou dois dias e no final desses dois dias o trabalho foi levado, roubado. Bem...na hora fiquei bem triste, porque afinal naquela trama estavam todas as histórias que eu tinha vivido no morro, naquele momento a trama era meu meio “condutor” para o mundo...meu comunicador. Depois percebi que o trabalho tinha seguido seu fluxo, estava na rua, e tudo que está em um espaço público se não for absorvido (apropriado) vira lixo. A trama foi absorvida para ser transformada em outra coisa, o trabalho foi o para mundo.
Fernanda Pequeno Como se dá a concepção do seu trabalho? Comente as sutilezas presentes. De que maneira elas se relacionam com forças e presenças efetivas? Ou melhor, como se dá a ambigüidade, contradição entre... exposição e introspecção... silêncio e comunicabilidade... franqueza e aparecimento versus recolhimento, transparência e ausência... ou entre dar e receber, o medo e a confiança. Cristina Ribas Eu vejo que o trabalho do medo é em si o trabalho do medo, ou seja, aquilo que ele opera no sentido daquilo que mobiliza . Daí sinto que se os dispositivos que aplica para que ele opere são fragmentários (e possivelmente complementares), será que a gente pode pensar – que ao instalar o dispositivo que “monta” alguns elementos dessa maquinação no espaço da galeria o trabalho do medo seria também o de reativar o espaço de exposição como potencial espaço de trocas? Neste sentido queria que a gente pensasse, juntas, qual potência existe (se é que preexiste) no dito “espaço de exposição” (que não precisamos estender a um pensamento sobre “as instituições” como um todo...) ...e de que forma isto colabora com a (des)fragmentação do trabalho do medo.

EC Eu gosto de pensar as relações humanas, e meu trabalho se dá a partir disto...e se materializa em intervenções, instalações, fotografia e desenho. Penso que a arte abre um portal para a elaboração da nossa realidade, ou até invenção de uma outra...enfim um portal para subjetivação. Principalmente vivendo neste país e na cidade que a gente vive, vivemos em meio a uma guerra não declarada...mas o povo faz carnaval todo ano, tem o samba, a praia, o baile funk, um povo que gosta de celebrar , isso que é potencial de elaboração e subjetivação! As pessoas tem aqui uma capacidade de se refazer incrível...isso faz a nossa realidade ser completamente paradoxal e ambígua, vivemos entre o caos e a beleza. Sobre as sutilezas presentes no trabalho...acho que é um reflexo do meu entorno. Esse movimento de contradição ... a franqueza e o aparecimento das pichações versus o recolhimento do tecer da trama e dos desenhos. Entendo que quando saio para pichar na rua é um momento de exposição total, de franqueza de gerar reflexão e de me confrontar e confrontar o passante. Quando volto para o atelier é um momento de acolhimento para mim e quero que seja também para o outro, por isso deixo a secretária do telefone ligada e na mensagem revelo um medo meu, por mais que eu não atenda acredito que a verbalização do medo ajuda ...se escutar é muito importante. O processo de escuta dos medos gera o tecer da trama e os desenhos, é como criar territórios fictícios a partir de todos os medos, um grande mapeamento do caos. EC Sim. Operar e mobilizar são palavras chave. Como já disse antes gosto de pensar as relações humanas, e qualquer tipo de relação se baseia no seu potencial de troca, neste caso uso vários dispositivos para detonar essa dinâmica. Vejo esse trabalho como um sistema de várias engrenagens fragmentárias que esperam ser acionadas, elas se complementam... a complexidade deste trabalho também está nisto. Sim...quando instalo na galeria um trabalho com essa engrenagem desejo ativar, ou reativar, este espaço como potencial espaço de troca. Penso que a potência que existe, ou preexiste,neste espaço(o da galeria) é trazida junto ao peso do que este (ou qualquer espaço de exposição) se propõe ... para mim a arte ... (e não sei se é uma idéia muito romântica ou utópica, mas é nisto que acredito) ... tem que mobilizar, tocar , propiciar a troca de alguma forma, suscitar a reflexão... E agora finalmente respondendo a última parte da sua pergunta, sobre “ de que forma isto colabora com a (des) fragmentação do trabalho do medo”... penso que este(o trabalho) só se desfragmenta quando o espectador se propõe à troca...quando perde o medo de se entregar à obra... o trabalho não acontece sem o outro.
Elisa Castro é artista plástica (...)
Cristina Ribas é artista, pesquisadora e amiga da arquivista.