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Tamara Andrade
Entre dezembro de 2007 e dezembro de 2008, o último ano, portanto, quais foram suas experiências pessoais relevantes, que livros (teoria ou ficção) você leu, e que obras realizou independente de tamanho, suporte ou importância?
Tamara Andrade Considero como experiências pessoais relevantes: Ter conhecido o trabalho da artista Kiki Smith, durante as aulas de gravura em metal na ECA-USP, seus desenhos de seres humanos e animais, uso que faz do papel artesanal como matéria prima e suporte para vários trabalhos; Ter sido premiada com a bolsa Iberê Camargo, projeto Artista Convidado do atelier Iberê Camargo, em Porto Alegre RS. Ter decidido casar novamente e ter um filho (restauração de um futuro familiar); O encontro com a jornalista Natália Lavigne, da Revista da Folha, cuja curiosidade por minhas atividades me fez reconhecer a possibilidade de haver relações frutíferas nos trânsito entre minhas duas profissões (artista plástica e retratista policial); A experiência religiosa na Tenda de Umbanda Pai Benedito da Guiné, durante o primeiro semestre, abrindo lugar para o irracional na vida; As aulas de direção que tive, e o fato de ter dirigido no caminho até Brasília; A mudança de atelier, e todo o processo de reconfiguração das funções em um novo espaço; Ter dado aulas de retrato falado na Academia de Polícia, por ter reavaliado a maneira como aprendi a desenhar e a fazer retratos falados, a análise crítica das minhas tentativas de recriar os métodos de ensino do “ver para desenhar” e a percepção dos poderes do desenho; Ter ministrado um Seminário sobre retrato falado na disciplina de Multimídia na ECA (possibilidade de aproximar as duas atividades: retrato falado e artes visuais); O fato de o irmão ter se mudado para os EUA, me fazendo perceber que é saudável deixar o outro seguir suas intuições, e me permitir seguir as linhas próprias; Ter dado aulas na oficina de desenho na Casa do Olhar, em Santo André; As mortes acontecidas na família do namorado, me fazendo perceber a extensão do vínculo afetivo estabelecido com a família dele; As longas viagens de carro que fiz (experiências de deslocamento de um espaço geográfico familiar para um espaço não familiar); A apresentação dos meus trabalhos para os artistas plásticos e professores João Loureiro, Marco Buti e Mário Ramiro (crítica à forma como conduzi o desenho no meu trabalho: perda da expressividade da linha por causa da valorização do uso de materiais inusitados para o desenho; a animação e outras imagens, para além do mobiliário doméstico, usado de maneira repetitiva, resgatando o frescor dos primeiros desenhos) Ter conhecido o trabalho do artista Ilya Kabakov, sua maneira de usar o desenho em instalações, colaborando para a forma de uma idéia, uma narrativa num ambiente específico - teatral, às vezes; As experiências de reconhecimento da minha relação com o ambiente, com o outro e comigo mesma, na viagem a Porto Alegre para a Bolsa Iberê Camargo; As viagens que realizei, para Salvador, para a zona rural da cidade de Cunha SP, para Pocinhos do Rio Verde, Caldas, Tiradentes, Três Marias, Cordisburgo e Lamin, todas em MG, para Ribeirão Preto em SP, para a Casa da Farinha, em Ubatuba SP, para a vila de Trindade, em Paraty RJ, para Cristalina em Goiás, para Brasília e Porto Alegre; Ter conhecido, finalmente, o Rio São Francisco;
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Neste mesmo período, li os seguintes livros: “24 Horas na Vida de uma Mulher”, de Stephen Zweig; “Crônica da Casa Assassinada”, de Lúcio Cardoso; “Identidades Virtuais”, de Annateresa Fabris; “Discurso sobre o Método” de Descartes; “Fragmentos de um Discurso Amoroso” de Roland Barthes; “A Obra Prima Ignorada” de Honoré de Balzac; “Miss Dalloway”, de Virginia Woolf; “Orlando”, de Virginia Woolf; “O Universo, os Deuses e os Homens” de Pierre Vernant; “Duchamp, uma Biografia”, de Calvin Tomkins;
Realizei as seguintes obras: Desenho com linha de costura sobre parede para a exposição individual Borges Revisitado, no SESC Vila Mariana; Nove instalações/maquetes do projeto ENTREPAREDES , para o 14° Salão da Bahia, para a exposição Alguns Aspectos do Desenho Contemporâneo, no SESC Pinheiros, para a exposição “Estúdio Aberto”, na Galeria Baró Cruz, para a Bienal de Santos, para a SP-Arte e para o Salão de Arte Contemporânea de Santo André; Fotos durante as viagens, para projetos de vídeo e de animação; Desenhos de paisagens no diário; Diversos desenhos e bordados, feitos com linha de costura, caneta esferográfica, lápis aquarelado e grafite durante a exposição Estúdio Aberto, na Galeria Baró Cruz; Dois Bordados sobre tecido, a convite da AACTC, para o projeto Bordando Arte, que foram leiloados na Pinacoteca do Estado de S. Paulo; Storyboard para um curta-metragem de Carolina Mikozschievsky; LUX, animação apresentada para a disciplina de gravura em metal, da ECA-USP; Três trabalhos com entalhe em madeira pintada de branco, alfinetes e linhas de costura;
Cadeira e galinha [Ainda não!]
#38, Módulo-chinelo, Covarde, Almofada-mochila e HALL, todos os trabalhos feitos para a aula de escultura com o artista João Loureiro, na ECA-USP; Cópias de vários estados de gravuras em metal, em que estudei o movimento do pé, ao caminhar, para o projeto de continuação da animação LUX; Dois Bordados de cadeira; Fotografias do namorado, como modelo para futuros desenhos; Desenhos de estudos de pássaros; Esboços de idéias soltas, de anatomia; Fotografias da exposição de Egidio Rocci, para futura animação; Gravuras feitas na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre; Fotografias para estudos anatômicos, feitas durante a Bolsa Iberê Camargo; Esboços feitos no diário de viagem durante a Bolsa Iberê Camargo; Fotografias para futura animação ou trabalhos em conjunto com Egidio Rocci; Serigrafias de uma mesma imagem em vários tipos de papel e tecido, para um projeto de animação;
Que relações você faria entre os conteúdos destas três listas?
TA O que posso depreender de todas estas listas é que existem linhas mestras conduzindo meu interesse, uma delas é que gosto muito de desenhar, mas sempre quis que o desenho tivesse realidade, imanência. No retrato falado, por exemplo, quero pegar com as mãos a memória da testemunha. Quero pegar a minha memória, quero pegar com as mãos as coisas, mesmo as fantasias, quero pegar as coisas, independente de suas realidades. Acho que a série ENTREPAREDES foi mais uma experiência de me liberar da intimidade com o desenho e deixar aparecerem os materiais que compunham sua estrutura. Acho que esta necessidade de experimentar a imanência no desenho fortaleceu a vontade de fazer viagens longas de carro, para sentir o percurso, o cheiro de cada lugar, me impregnar inteira desta experiência de me deslocar para lugares não-familiares. Aprendi a dirigir e foi muito bom seguir rumo ao centro do Brasil e lidar com uma paisagem árida cuja vegetação e rochas remeteram às leituras que fiz do livro Orlando, sobre as transformações da personagem para tornar-se sempre ela mesma. Entre este livro e a paisagem que percorri durante a viagem para Brasília eu persegui a minha própria experiência da viagem. É essa experiência que quero pegar, pois ela parece sempre pairar ao alcance das mãos.