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Livre arbítrio

EXPEDIENTE Diretor: Odilon Luís Faccio Diretora de Redação: Maria José H. Coelho (Mte/PR 930) Editora Chefe: Sara Caprario (Mte/SC 625-JP) Redação: Sara Caprario, Alessandra Mathyas (Mte/SC 775-JP) Edição de Arte: Maria José H. Coelho (Mte/PR930) Sandra Werle (Mte/SC 515-JP) Fotografia: Sérgio Vignes Colaboradores: Clemente Ganz Lúcio, Clóvis Scherer, Eduardo Trevisan Gonçalves, Larissa Barros, Michelle Lopes, Rodrigo Cascales, Ronaldo Baltar, Pieter Sijbrandij, Ricardo Neder, Sandra Kiener e Vinicius Carvalho Secretaria : Lilian Franz Distribuição: Mônica Funfgelt Parceiros Institucionais Banco do Estado de Santa Catarina (BESC) Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Fundação Vale do Rio Doce (FVRD) Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) Instituto Observatório Social Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social Rede de Tecnologia Social (RTS) Outubro de 2008

R. João Pinto, 30, Ed. Joana de Gusmão, s 803 Florianópolis - SC - Brasil - 88010-420 F: (48) 3025-3949 / Fax:3028-4615 contato@primeiroplano.org.br

Os artigos e reportagens assinados não representam, necessariamente, o ponto de vista das organizações parceiras e da revista Primeiro Plano. A divulgação do material publicado é permitida (e incentivada), desde que citada a fonte.

As escolhas fazem parte da vida de todos os seres humanos. Saber escolher de acordo com as próprias necessidades pode até ser uma tarefa fácil, mas no momento em que é preciso escolher em prol dos outros, da sociedade e de quem está à volta, a missão pode parecer mais árdua. Mas esta deve ser a rotina cada vez mais presente na vida dos cidadãos. O livre arbítrio é essencial, no entanto, o planeta é de todos e é a partir dos recursos oferecidos por ele que todos sobrevivem. Se as escolhas não levarem em consideração essa premissa, estaremos todos caminhando para um mundo de desperdício, de consumo voraz e culturalmente empobrecido. Ao escolher comprar um alimento certificado, por exemplo, ajuda-se toda a cadeia produtiva a desenvolver-se com base no respeito socioambiental. Abordamos nessa edição, especificamente, o caso do café. Quando um país inteiro escolhe como matriz energética uma ou mais fontes renováveis, beneficia toda a sociedade e minimiza os impactos futuros. O Brasil já possui há muito tempo o foco na energia hidrelétrica e agora há uma profusão das pequenas centrais, evitando alagamentos de áreas e diminuindo mudanças de cenário. O cidadão que sabe exigir seus direitos, e ao mesmo tempo cumprir deveres, colabora na construção de uma sociedade mais justa, democrática e que respeita o diálogo. Os serviços de atendimento ao consumidor estão tendo que se adequar, resultado do aumento das exigências do público. Os caminhos a serem percorridos para garantir o desenvolvimento sustentável estão mais ajeitados, mais seguros. As iniciativas grandes ou pequenas contribuem para essa realidade e nesses três anos de Revista Primeiro Plano percebemos uma evolução real das ações verdadeiras e concretas neste sentido.


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SAC: NOVAS REGRAS

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HIDRELÉTRICAS

ENTREVISTA

Defesa do consumidor deve melhorar atendimento

Série Energias Renováveis traz os avanços das PCHs

PNUD avalia como avançam as ações para atingir Metas do Milênio

08 | OPINIÃO Sandra Kiener | SITES 18 | MUNDO DO TRABALHO Capital e sustentabilidade 22 | OPINIÃO Clemente Ganz Lúcio | DIEESE 24 | ANÁLISE Balanço Socioambiental

26 | PLANETA DIVERSÃO Lazer sustentável 40 | INCLUIR Tecnologia do sim e do não

48 | ENSAIO Homenagem ao Betinho 56 | MEU MUNDO Escritor Mario Prata 58 | SOLUÇÕES

44 | AGENDA GLOBAL ISO 26000 46 | AMBIENTE Café certificado

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06 | POR EXEMPLO


Uma década de Balanço Social você sabia?

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Que oito companhias brasileiras fazem parte do índice Dow Jones de Sustentabilidade (DJSI) 2008? A revisão anual foi anunciada no início de setembro. No total, o índice deste ano é composto por 320 companhias do mundo inteiro, que atuam em 19 setores diferentes, como bancário, químico, automobilístico, serviços públicos e petróleo e gás. Para cada setor, um líder é escolhido, e a brasileira Itaúsa Investimentos foi eleita a líder do setor de serviços financeiros. A Votorantim Celulose e Papel foi inserida neste ano. As brasileiras: Aracruz, Bradesco, Itaú Holding Financeira, Cemig, Itaúsa Investimentos, Petrobras, Usiminas e Votorantim Celulose e Papel (VCP).

Foram analisados mais de mil Balanços Sociais para montar um panorama de investimentos empresariais em meio ambiente, ações sociais e no público interno. O resultado está num livro lançado pelo Ibase As empresas estão mais comprometidas com a transparência de suas informações, mas em contrapartida, os investimentos em áreas importantes como meio ambiente e educação apresentam tendência de queda nos últimos anos. Esta conclusão consta do livro “Balanço Social, Dez Anos: O Desafio da Transparência”, que o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) disponibiliza no seu site. O exemplar impresso terá distribuição dirigida. Com 96 páginas e dividida em seis seções, a publicação consolida uma série de dados contidos nos balanços sociais preenchidos pelas empresas que atuam no Brasil e utilizam o modelo Ibase como parâmetro. Foram analisados 1.288 Balanços Sociais de 345 empresas, entre 1997 e 2005 (os balanços de

2006 não foram contabilizados, pois muitas empresas os publicam apenas no final de 2008). As empresas analisadas somavam receitas líquidas de R$ 663 bilhões em 2005. “O objetivo do trabalho foi fazer uma avaliação de uma década de balanço social e captar tendências. Constatamos avanços, mas existe ainda um longo caminho a ser enfrentado pelas empresas para transformar suas práticas internas e externas”, resume Ciro Torres, coordenador da área de Responsabilidade Social e Ética nas Organizações do Ibase. Os dados mostram que os investimentos ambientais caíram de uma média de 28 milhões por ano por empresa em 2003 para 20 milhões por ano em 2005, atingindo o índice mais baixo desde 2000. Os investimentos internos em educação caí-

Nº DE BALANÇOS SOCIAIS PUBLICADOS POR ANO Ano de publicação Nº de balanços

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 9

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INVESTIMENTOS MÉDIOS EM MEIO AMBIENTE POR EMPRESA (MILHÕES DE REAIS) Ano de publicação Investimentos em meio ambiente

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2001 2002 25

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INVESTIMENTOS EM AÇÕES SOCIAIS Indicadores sociais internos - Quintuplicaram, na soma geral, os investimentos realizados em benefício dos funcionários (alimentação, encargos sociais compulsórios, previdência privada, saúde, segurança e saúde no trabalho, educação, cultura, capacitação e desenvolvimento profissional, auxílio-creche, participação nos lucros ou resultados) de uma média de R$ 772,00/ano por funcionário em 2000 para R$ 3.940,00/ano por funcionário em 2005 (valores atualizados pelo IPCA do IBGE). O aumento é progressivo, sendo que as empresas concentram suas ações sociais internas em alimentação (25% dos investimentos internos, em média, no período) e na saúde (20%). INDICADORES SOCIAIS EXTERNOS Os dados mostram que os valores dos indicadores sociais externos não apresentam, em sua totalidade, reduções ou ampliações consideráveis nos últimos anos, girando (e mantendo-se) em torno de R$ 16 milhões por empresa entre 1999 e 2005. Em termos percentuais, o peso desses investimentos (somados) têm permanecido praticamente estável em relação à receita líquida, mantendo-se no patamar de 0,5% anual no período. Os indicadores sociais externos são: educação, cultura, saúde e saneamento, esporte, combate à fome e segurança alimentar.

A Posigraf, empresa gráfica do Grupo Positivo, lançou a campanha “Carbono (CO2) Zero” para compensar as emissões de CO2 dos processos produtivos e, também, reduzir os impactos ambientais gerados pelas atividades da empresa. Com o estabelecimento de uma metodologia de cálculo das emissões de gases realizado pela ONG SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental), desde janeiro de 2008, a organização analisou, junto à área de qualidade da gráfica, a compensação dos GEE (Gases Efeito Estufa) por meio da conservação e proteção de áreas naturais. Com isso, a Posigraf passou a utilizar o selo CO2 Zero em seus impressos. De acordo com Giem Guimarães, diretor-geral da Posigraf, a Mata do Uru, área de floresta protegida pela empresa, armazena 16 mil toneladas de carbono, por isso, pode-se atestar aos clientes que as emissões de GEE são neutralizadas. A floresta foi adotada pela primeira vez, em 2003, pelo Grupo Positivo e pela Posigraf, e o contrato foi renovado no início deste ano. A Mata do Uru é uma área de floresta de araucária, localizada no município da Lapa, a 80 km de Curitiba. Na reserva, já foram identificadas 260 espécies vegetais, 150 espécies de aves e outras 30 espécies de flora e fauna ameaçadas de extinção. A adoção pelo Grupo Positivo e pela Posigraf inclui repasses sistemáticos de recursos financeiros, aplicados na manutenção da floresta, na implantação de benfeitorias, na segurança e vigilância da área, além do envolvimento de professores, estudantes e colaboradores de suas unidades educacionais e de negócios.

POR EXEMPLO

Impressos neutralizados

PÚBLICO INTERNO O conceito de desenvolvimento sustentável da Posigraf vai além, já que a empresa também desenvolve intenso trabalho de comunicação interna, orientando seus colaboradores sobre a utilização racional dos recursos naturais.

Investimentos sociais da Unimed No Balanço Social Consolidado da Unimed está registrado o volume de R$ 746 milhões investidos por 200 cooperativas em ações sociais por todo o país – 18,15% a mais do que o anterior. As ações da Unimed nas áreas social, esportiva, de saúde, educacional e de cultura beneficiaram 5,6 milhões de pessoas e 10 mil entidades. A Unimed, que tem um faturamento anual de R$ 16,2 bilhões, direcionou recursos superiores a R$ 590 milhões ao seu público interno. Já o público externo recebeu R$ 150 milhões, investidos principalmente nas áreas de saúde, cultura e esporte. “São números importantes, não somente pelo valor, mas pela qualidade do trabalho desenvolvido regionalmente”, destaca o diretor de Marketing e Desenvolvimento da Unimed do Brasil, Almir Gentil. O Sistema Unimed é composto por 377 cooperativas médicas, com 15 milhões de clientes, mais de 106 mil médicos cooperados e 73 mil empresas contratantes.

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ram de uma média de R$ 79,00 por funcionário (para cada R$ 1 mil de investimento social interno) em 2000 para R$ 24,00 em 2005. Os números mostram ainda que mantêm-se estáveis os percentuais de mulheres e negros empregados pelas empresas, em torno de 30% e 15% do total de funcionários, respectivamente, entre 2000 e 2005. Na análise verificou-se que dobrou o percentual de terceirizados, passando de 20,5% para 42,8%. Já os índices de transparência evoluem a cada ano: em 2005, por exemplo, praticamente todas as empresas (95%) informaram em seus balanços sociais o número de mulheres em seu corpo funcional (contra 72% em 2000).


OPINIÃO

Qual o objetivo da sua página de RSE?

SANDRA KIENER

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Psicóloga pela Universidade de Genebra e especialização em 'Responsabilidade Social e Gestão do Terceiro Setor'

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o cenário brasileiro, a Responsabilidade Social Empresarial prossegue sua consolidação. O número de empresas que implementam práticas de responsabilidade social eleva-se, concomitantemente ao crescente interesse e envolvimento de novos segmentos da sociedade. Neste contexto, a evolução das tecnologias da informação e o aumento do acesso à internet facilitam à sociedade a busca de informações de seu interesse. Deste modo, como as empresas utilizam seu website para comunicar suas práticas de responsabilidade social? Surpreendentemente, hoje ainda existem poucas pesquisas sobre a comunicação da responsabilidade social em websites empresariais, particularmente quando se deseja dados em grande escala. Estes fatores motivaram a realização da análise estrutural do website de 157 empresas de grande porte no Brasil, associadas ao Instituto Ethos. A pesquisa* revelou, entre outros dados, que no ano passado 84% das empresas selecionadas utilizam seu website para a divulgação de suas práticas de responsabilidade social através de uma página específica para este fim, majoritariamente denominada “Responsabilidade Social”. Contudo, a multiplicidade de estruturas encontradas nesta página é quase tão diversa quanto o número de website analisados, indicando uma iniciativa interna à empresa para a escolha de sua apresentação e conteúdo. Paralelamente, foram constatados 135 casos de informações, referentes, diretos ou indiretamente, às práticas de RSE totalmente desconectadas da página “Responsabilidade Social” (Balanço Social, ISO 9001, ISO 14001, OHSAS 18001, SA 8000 e Pacto Global). Ou seja, informações apresentadas como ações isoladas em áreas distintas do website, e não como elementos que compõem a responsabilidade social. No quadro atual, a comparação das práticas de responsabilidade social entre empresas é irrealizável. Assim, confirma-se a importância acordada pela empresa à comunicação da “Responsabilidade Social” em seu website. No entanto, atualmente, constata-se o sub-aproveitamento estrutural, conceitual e tecnológico. A dificuldade em elaborar estas páginas pode estar correlacionada ao estágio de assimilação do complexo e abrangente conceito de Responsabilidade Social Empresarial, mas também à falta de um instrumento orientador. Frente à sociedade mais consciente e ávida por informações atualizadas e críveis, a página “Responsabilidade Social” no website empresarial é um avanço. Contudo, é fundamental refletir sobre o real objetivo desse espaço específico. As empresas desejam permanecer atuando de forma isolada apresentando informações segundo critérios internos, limitando a pertinência desse conteúdo? Ou, preservando sua identidade interna, as empresas aspiram à convergência de nomenclaturas, indicadores e estrutura da página, aproximando-a ao amplo conceito de Responsabilidade Social Empresarial e transformando seu conteúdo em informações mais pertinentes, claras e comparáveis entre as empresas? NOTA: Pesquisa realizada pela autora em 2007: 'Como as empresas utilizam seu webiste para comunicar suas práticas de responsabilidade social empresarial: As informações são claras, estruturadas e comparáveis entre si?'

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Novas regras para atendimento

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Alterações pretendem ajudar a resolver o emaranhado em que se transformou a relação consumidor X empresa

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uem nunca ficou alguns minutos no telefone à espera de um atendente para fazer uma reclamação, conseguir uma informação ou cancelar um serviço? Do emaranhado de frases do tipo “sua ligação é muito importante para nós”ou “tecle dois para voltar ao menu principal” resultam clientes insatisfeitos e uma pilha de processos nos Procons de todo o país. Com algumas exceções, os serviços de atendimento ao consumidor são geralmente mal vistos pelos brasileiros, ou porque não conseguem resolver as solicitações ou porque são tratados como mais um número por atendentes despreparados. No entanto, os consumidores estão cada vez mais exigentes e como têm mais acesso às informações sabem definir melhor as escolhas na hora da compra. E desde que o Código de Defesa do Consumidor começou a ser levado a sério e centenas de Procons foram criados nos municípios, as empresas têm também procurado evoluir no quesito relacionamento com o cliente. Agora, mais um importante passo foi dado rumo à difusão da cultura de proteção ao consumidor. Foi assinado no último dia de julho pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva, o Decreto 6523, que estabelece regras para o funcionamento desses serviços, que até então não tinham que seguir nenhuma regulamentação. O prazo para as empresas se adequarem foi de 120 dias, portanto, a partir de dezembro, os serviços de atendimento ao consumidor dos setores regulados pela esfera federal - como telecomunicações, bancos, planos de saúde, TV por assinatura, saneamento, aviação civil e energia elétrica - terão que seguir as

determinações. O objetivo da regulamentação, proposta pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), órgão ligado à Secretaria do Direito Econômico do Ministério da Justiça, é melhorar o atendimento. "O Decreto esclarece e regulamenta o Código de Defesa do Consumidor. Uma empresa que descumprir o Decreto estará impedindo o consumidor de exercer seu direito, previsto no código de defesa", definiu a secretária de Direito Econômico do Ministério da Justiça, Mariana Tavares. Em declarações durante o período das audiências públicas e logo depois da regulamentação, vários atores ligados ao tema da relação com o consumidor mostraram-se esperançosos com a melhoria que o Decreto deve proporcionar. “O decreto esclarece que o SAC consiste no serviço de atendimento telefônico das prestadoras de serviços que tenha como finalidade resolver as demandas dos consumidores sobre informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento de contratos e de serviços”, explica Juliana Ferreira, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Aliás, o Idec, na qualidade de associação civil cujo objetivo é a defesa do consumidor e, portanto, integrante do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, apoiou o processo de criação e elaboração desta regulamentação desde seu início, participando das quatro audiências públicas que aconteceram e contribuindo para a redação do texto colocado em consulta pública. Outra instituição participante foi o Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing de São Paulo e da Grande São Paulo (Sintratel), que também

esteve presente na elaboração da Proposta do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, especificamente na definição do SAC. Para o presidente do Sindicato, Marco Aurélio Coelho de Oliveira, a regulamentação certamente sinalizará para um aumento da oferta de postos de trabalho e exigirá uma melhor qualificação para todos os operadores de telemarketing. “Além de medidas desta natureza, cumpre salientar a necessidade cada vez mais urgente da aprovação de um projeto de lei que regulamente a profissão de operador de telemarketing. Notadamente, o momento exige a efetiva participação do Governo, das empresas e dos trabalhadores com o objetivo de consolidar esse importante setor da economia do país”, afirma. O diretor de Comunicação do Sintratel, Ronaldo Lopes, acredita que com a mudança a tendência é aumentar a quantidade de postos de trabalho, número de treinamento e qualificação profissional. “O trabalhador em telemarketing também é um consumidor e exige melhorias no atendimento.O operador de telemarketing apenas cumpre uma função prédeterminda pelas empresas.A partir do momento que as empresas se enquadrarem a essas mudanças, a pressão sobre o trabalho deste profissional tenderá a diminuir”, disse ele em entrevista e ainda ressaltou que as empresas devem cumprir o prazo de adequação, já possuem estrutura tecnológica e financeira para atender as demandas. Mas o presidente do Sindicato Paulista das Empresas de Telemarketing, Marketing Direto e Conexos (Sintelmark), Diogo Morales, não vê com tanta facilidade assim essa adaptação. Em artigo publicado no site do Sindi-

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cato, ele diz que algumas dessas regras requerem uma adaptação de grande parte das empresas e mudanças na tecnologia de seus sistemas de atendimento. “O registro das conversas entre o cliente e o operador pelo prazo mínimo de noventa dias, por exemplo, vai exigir de algumas empresas um investimento tecnológico significativo. Repassar a ligação com voz e dados para um segundo atendente sem que o cliente precise repetir a solicitação também requer maior complexidade nos processos de atendimento, além de gerar aumento dos custos”, explicou. O Sintelmark vem se reunindo com as demais entidades representativas das empresas de call center com o intuito de aprofundar as discussões sobre o decreto de regulamentação e encontrar a melhor maneira de se adaptar às novas regras, sem prejudicar o crescimento desse setor que gera 1 milhão de empregos diretos no país. Apesar da preocupação, o presidente afirma que desde o início das audiências públicas para discutir a

regulamentação, o Sintelmark vem apoiando essa iniciativa do Ministério da Justiça, por acreditar que a normatização visa à melhoria da qualidade do atendimento e da imagem dos serviços de call center no Brasil. Para Juliana, os SACs, que deveriam facilitar a relação entre os clientes e os fornecedores, ficaram conhecidos pela má qualidade do serviço disponibilizado, tornando-se um tormento para os consumidores. O DPDC e os órgãos de defesa do consumidor passaram a receber inúmeras denúncias e reclamações não de produtos e serviços, mas do atendimento prestado ao consumidor. Seminário – O Idec realizou em setembro o seminário Como Melhorar o Relacionamento com o Consumidor As Novas Regras para os SACs, que teve exposições elaboradas por membros do Ministério Público, Procons, agências reguladoras e dos setores abrangidos pelo Decreto. Nas trocas de informações entre expositores e atendentes, duas tendências ficaram claras. As empresas estão dispostas

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Conheça as novas regras Atendente: o contato com o atendente tem de ser uma opção no primeiro menu eletrônico e em todas as suas subdivisões. O profissional deve ter capacidade técnica para procedimentos essenciais e deve falar de maneira clara e acessível. A transferência para outro atendente só pode ocorrer se o propósito da ligação não for reclamação ou cancelamento do serviço. O consumidor só pode ser transferido uma única vez durante a ligação, em no máximo 60 segundos, e o próximo atendente não pode exigir que o problema seja explicado de novo. Além disso, a ligação não pode ser finalizada antes da conclusão do atendimento.

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Espera: o tempo máximo de espera para o início do atendimento será definido por meio de uma portaria a ser editada até o fim do ano pelo governo. (no início a sugestão era de 60 segundos, agora vai ser definido um tempo para cada setor) No entanto, uma regra geral que já vale para todos é que, durante a espera, não poderá ser veiculada qualquer mensagem publicitária, a não ser que haja consentimento do consumidor. Informação: o número do SAC deve constar de forma clara e objetiva em todos os documentos e materiais impressos entregues ao consumidor na contratação do serviço, bem como na página eletrônica da empresa na internet.

Cancelamento: cancelar o serviço deve ser uma das opções do primeiro menu eletrônico e deve ser efetuado e confirmado (por e-mail, carta ou telefone) imediatamente após o pedido, mesmo que o usuário esteja em débito. A partir do pedido de cancelamento, o serviço não pode mais ser cobrado, mesmo que a empresa demore mais tempo para interromper o fornecimento ou ainda para retirar equipamentos, por exemplo. Acesso: O atendimento deve ser ininterrupto, 24 horas por dia, 7 dias por semana. O SAC deve garantir o acesso às pessoas com deficiência auditiva e de fala.


SAC gratuito: As ligações para o SAC serão gratuitas e o atendimento das solicitações não deverá resultar em qualquer ônus para o consumidor. Combos: a empresa que oferece serviços diferentes conjuntamente deve oferecer ao consumidor um canal único que possibilite o atendimento de demandas relativas a qualquer um dos serviços oferecidos, mesmo que por meio de mais de um número de telefone. Ou seja, qualquer número de acesso ao SAC deve atender demandas para qualquer um dos serviços oferecidos pela empresa, mesmo que sejam serviços independentes.

PARA ENTENDER MELHOR OS DIREITOS O Código de Defesa do Consumidor (CDC) serve para equilibrar as relações de consumo. O CDC (Lei 8.078) completou 18 anos e tem como uma de suas características mais marcantes a generalidade, ou seja, não procura regular detalhes das relações de consumo mas sim de estabelecer os parâmetros em que essas relações devem acontecer, garantindo os direitos da parte mais frágil - o consumidor. Lamentavelmente, o cumprimento do CDC ainda precisa ser exigido pelas pessoas, entidades e determinado pelo Poder Judiciário. O artigo 4º estabelece que o objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo é a transparência e harmonia das relações de consumo, bem como o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida. A advogada do Idec, Juliana Ferreira, explica que harmonizar a proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico não é tarefa fácil. Para dar efetividade a esta política, o Código criou o SNDC (Sistema Nacional de Defesa do Consumidor), integrado pelos órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e entidades privadas de defesa do consumidor, coordenado atualmente pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor. Como as críticas sobre Serviços de Atendimento aos Consumidores aumentavam a cada dia, o SNDC debruçou-se para melhorar esta ferramenta. Foi assim que surgiu a regulamentação destinada ao SAC. O Decreto deixa claro que as normas nele previstas não se aplicam à oferta e à contratação de produtos e serviços realizadas por telefone. É a harmonização das relações de consumo e direitos básicos do consumidor, como o direito à informação, previstos no Código de Defesa do Consumidor. Para Juliana, esta regulamentação, uma vez cumprida e fiscalizada pelos Procons, muito além de melhorar o dia-a-dia do consumidor, concretiza os princípios e direitos básicos do CDC, ao contrário de diversas outras regulamentações que, ignorando a hierarquia jurídica, ferem frontalmente este diploma legal.

Informações: se o usuário pedir, as empresas são obrigadas a fornecer em até 72 horas o histórico de todos os contatos com o SAC. A entrega pode ser feita por e-mail, carta ou outro meio escolhido pelo consumidor. As ligações gravadas devem ficar arquivadas por no mínimo 90 dias e o registro eletrônico do atendimento por dois anos, e nesse período os registros poderão ser consultados pelo consumidor ou órgão fiscalizador. Com isso, o consumidor fica munido de provas de seus pedidos e do encaminhamento que foi dado a eles.

mação do consumidor, as empresas têm até cinco dias úteis para dar uma resposta. Se não for possível solucionar o problema dentro do prazo, a empresa deve pelo menos informar quais medidas está tomando ou ainda dizer que não é possível atender ao pedido do cliente.

Resposta: a partir da recla-

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a adotar os novos procedimentos, sendo que as de maior porte já começaram a se adaptar. Já o poder público, as agências reguladoras e as entidades de defesa do consumidor, além de estar prontos para fiscalizar, também querem colaborar para que a adaptação pelas empresas seja a mais tranqüila possível. O Procon de São Paulo, por exemplo, está agendando reuniões com as empresas interessadas em esclarecer dúvidas sobre o decreto. E estas persistem, especialmente no que diz respeito à abrangência do decreto. Um dos aspectos do serviço que ainda não foi regulado é o do telemarketing ativo, quando a empresa toma a iniciativa de ligar para os possíveis clientes. A esse respeito, a posição do Idec é a de que "qualquer atividade que seja fiscalizada pelo poder público" é regulada, segundo o gerente jurídico do Instituto, Marcos Diegues. Ele afirma que uma das conclusões do seminário é a de que "ficou claro que é preciso fazer mais".


IDEC colabora na relação consumidor X empresa O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) é uma associação de consumidores fundada em 1987. Não possui fins lucrativos. Não tem qualquer vínculo com empresas, governos ou partidos políticos. Os recursos financeiros para o desenvolvimento de suas atividades têm sua origem nas anuidades pagas pelos seus associados, na vendas de assinaturas da Revista do Idec e outras publicações, além da realização de cursos. Outra parte dos recursos origina-se do apoio de agências de financiamento internacionais destinadas a prestar ajuda a entidades da sociedade civil. As contas do Idec são auditadas por auditorias independentes. O Idec é membro pleno da Consumers International, uma federação que congrega mais de 250 associações de consumidores que operam no mundo todo. O Instituto faz parte do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor - criado para fortalecer o movimento dos consumidores em todo o País - e da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong). www.idec.org.br

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Letra miúda nunca mais A Lei 11.785, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), altera o terceiro parágrafo do artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor. A partir da publicação no Diário Oficial da União no último dia 23 de setembro, os contratos de adesão deverão ser redigidos com fonte superior ao tamanho 12. O CDC já exigia que os contratos fossem legíveis, mas não especificava o tamanho mínimo das letras. No entendimento do Idec, o ideal seria que fornecedores de produtos e serviços observassem o que já está na redação atual do CDC, sem precisar modificá-lo a este nível de detalhe. Caso a boa fé não prevaleça entre os fornecedores, a modificação pode ser inócua, já que a nova redação do artigo só define o tamanho da letra e não o seu tipo - os vários tipos de letras que existem têm dimensões relativas diferentes, mesmo que todos tenham tamanho 12. Além disso, é importante que o novo enunciado, estipulando o tamanho mínimo das letras em 12 pontos, não sirva de álibi para fornecedores em eventuais disputas judiciais, já que podem existir pessoas para as quais este tamanho de letra permanece insatisfatório. Regulamentações específicas como esta sequer deveriam ser necessárias. Mas quando inevitáveis, podem constar de portarias e regulamentos. O risco é querer se modificar as leis a cada nova necessidade particular que surge em períodos relativamente curtos de tempo.

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Capital, Seminário debateu desemprego, democracia participativa, desigualdade e concentração de renda

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Fórum Amazônia Sustentável Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos apresentou no Seminário o Fórum Amazônia Sustentável, um canal de diálogo para buscar alternativas de desenvolvimento sustentável para a região. No site, além de disponibilizar a Carta de Compromisso, o Fórum Amazônia Sustentável, que conta com 114 signatários, assume como missão promover o diálogo e a cooperação entre diferentes segmentos da sociedade para construir e articular ações, visando uma Amazônia justa e sustentável. Fazem parte da Comissão Executiva do Fórum o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), Companhia Vale do Rio Doce, Instituto do Homem e Meio Ambiente (Imazon), Instituto Ethos, Fundação Avina, Projeto Saúde e Alegria (PSA), Grupo Orsa, Instituto Socioambiental (ISA), Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e International Finance Corporation (IFC). www.forumamazoniasustentavel.org.br

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Em sua terceira edição, o Seminário Capital e Trabalho - Compromisso Estratégico para a Sustentabilidade, organizado pelo Portal Gestão Sindical, Instituto Ethos e Observatório Social, teve uma platéia ampliada para discutir quatro pontos principais: o desemprego, a implementação da democracia participativa, a desigualdade e a concentração de renda, e a capacidade do Estado de criar condições para o desenvolvimento sustentável. Entre dirigentes sindicais, profissionais da comunicação, intelectuais, empresários e representantes de organizações não-governamentais, o evento reuniu Carlos Lupi, Ministro do Trabalho; Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); quatro Centrais Sindicais (Força Sindical, CGTB, UGT e CUT); Wagner Brunini, diretor de recursos humanos da Basf; Luiz Ernesto Gemignani, diretor-presidente da Promon; Paulo Sérgio Muçouçah, consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT); Roberto Waack, representante do Forest Stewardship Council (FSC Internacional); Sourak Borralho, chefe de gabinete do Ibama; e Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra. Como explicou Paulo Itacarambi, diretor-executivo do Instituto Ethos, em seu discurso de abertura, o objetivo que moveu os organizadores do Seminário foi o de fazer convergir, sob a ótica da sustentabilidade, as agendas do mundo sindical, das empresas comprometidas com o movimento da responsabili-

dade social empresarial e das lideranças governamentais, na direção de um novo padrão de relações políticas para que os trabalhadores sejam valorizados nesse caminho. O evento ocorreu dia 12 de setembro, no auditório da BM&F Bovespa, com patrocínio da Petrobras, Ceagesp, Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), Bovespa, CDN, Sindeprestem, Femsa e Votorantim. Nesta reportagem, estão aprofundados os eixos de discussão através de dados e palestras realizadas durante o Seminário. Desemprego - Um quarto de século sob a camuflagem de crescimento fez com que o Brasil desviasse da rota do desenvolvimento. Hoje, no ranking de vulnerabilidade econômica, o País saltou de um 4º lugar mais vulnerável para o 4º menos vulnerável. Com o crescimento do PIB em 5%, um salário mínimo 27% mais gordo e a criação de 1,6 milhão de empregos, em 2007, com previsão de 2,5 milhões para 2008, o Governo comemora o ritmo de expansão. “O Brasil hoje está entre as 10 economias do mundo que mais BRUNO R ODRIGUES LEITE

Público do III Seminário em SP


Rita Braglia BRUNO R ODRIGUES LEITE

Ministro Carlos Lupi (à dir): “Brasil está num momento especial do a esperar um dia, um ano, para o desenvolvimento de uma política de sustentabilidade. Isso significa um atraso em relação à evolução e à capacidade competitiva de inserção produtiva no país. O debate sobre o impacto do desenvolvimento no país, o conceito de desenvolvimento econômico e social nem sequer foi incorporado como questão nacional”, aponta Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra. Para que haja avanços em termos de novos empregos e de novos investimentos em condições sustentáveis, a sociedade precisa ser estimulada nessa direção. Não é delegando a um Ministério ou outro a responsabilidade de atuar em questões emergenciais sobre impactos ambientais provenientes de atividades econômicas, legalizadas ou não, que o Governo, como um todo, avançará. É preciso se posicionar e aplicar um direcionamento estratégico criando na sociedade o sentido do sustentável. “No caso da reforma tributária, que agora está em pauta no Congresso Nacional, existe por acaso algum estudo para a sustentabilidade? Desde

2003, nossa Constituição requer, não em seu capítulo ambiental, mas em seu capítulo da ordem econômica do país, que todos os produtos, que todos os serviços recebam tratamento diferenciado na tributação, de acordo com seu impacto ambiental, desde sua concepção até a sua destinação final, ou seja, em todas as fases da cadeia. Não existe sequer um instrumento econômico tributário, conseguido dentro da própria reforma tributária, nesta linha”, exemplifica Smeraldi. E conclui em sua exposição, como debatedor no III Seminário Capital e Trabalho: “Se hoje nós deixamos de investir e ganhar em eficiência no uso dos recursos, graças a determinadas tecnologias, se hoje nos especializamos no contexto internacional em ser mais exportadores de determinadas matérias-primas, nós estamos fazendo escolhas que dizem respeito ao nosso futuro. Essas escolhas definem as condições de sustentabilidade de um país. Há uma dificuldade enorme em gerar o que se chama de agenda transversal. A síndrome da ‘meioambientalização’ da sustentabilidade é um problema que todos os países têm

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investimentos recebem, o risco-país está em seu mais baixo nível histórico. Todos os índices e indicadores macroeconômicos colocam o Brasil num momento muito especial: inflação sob controle, crescimento econômico em todas as regiões e crescimento da empregabilidade”, enfatizou Carlos Lupi, Ministro do Trabalho. Mesmo assim somente 48% dos trabalhadores brasileiros têm algum grau de proteção, com carteira assinada. Para Marcio Pochmann, Preseidente di Ipea, há duas principais restrições ao emprego: a primeira é a transformação na forma de gestão do trabalho, com uma extensa jornada, que limita a absorção de mãode-obra; e a segunda, é a determinação do emprego, pelo padrão de produção que temos hoje, que deslocou o trabalho material para o imaterial. “Na verdade, o padrão de produção que temos hoje é o padrão de produção da “economia do ter” e isso está cada vez mais insustentável ambientalmente”, completa. São cartas postas na mesa para os caminhos da sustentabilidade. Sustentabilidade - Onde é que se forma o debate sobre o impacto do desenvolvimento no país? O problema reside no fato de ainda não se ter, no âmbito governamental, uma política para a sustentabilidade. “Em muitos casos enfrenta-se essa questão a partir do esgotamento de determinados recursos, a partir de uma degradação de outros, de um atraso tecnológico acumulado em outros. O mundo não fica para-

MUNDO DO TRABALHO

trabalho e sustentabilidade


passado, antes de entender que é uma política de governo”. Agenda do trabalho decente Segundo Paulo Sérgio Muçouçah, consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, o conceito de desenvolvimento sustentável veio muito na esfera da discussão ambiental, no primeiro momento. Só a partir da Cúpula de Johannesburgo, em 2002, é que houve a integração de dois outros aspectos a essa noção de sustentabilidade: a noção de crescimento econômico e de progresso social, como dimensões indissolúveis e inseparáveis dessa noção de sustentabilidade. Portanto, é essa a noção que a OIT procura trabalhar: desenvolvimento econômico quer dizer progresso social e sustentabilidade ambiental. A OIT lista seis condições para que haja essa sustentabilidade por parte das empresas. Em primeiro lugar, estabilidade macroeconômi-

ca e a boa gestão da economia como um todo; a boa governança e o diálogo social; a instituição de processos civis e políticos que sejam capazes de permitir essa rede de diálogo social, ou seja, os países têm que desenvolver essas instituições para se relacionarem com a sociedade, no sentido de procurar estabelecer uma relação amigável, aproveitar as características culturais, sobretudo no caso de empresas multinacionais; a infra-estrutura material; a gestão responsável do entorno, do meio ambiente; e por último a questão da equidade e inclusão econômica e social. Isso remete para a questão da qualidade do emprego. Não basta simplesmente criar emprego e incluir economicamente, mas é fundamental que os empregos gerados produzam salários adequados, proteção social e oportunidade de qualificação e promoção. Isso é o que se considera ser uma empresa sus-

tentável, do ponto de vista da OIT. O conceito seguinte é o de trabalho decente, que, de maneira geral, é definido por um trabalho produtivo, adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança e capaz de garantir uma vida digna para todas as pessoas que dependem desse trabalho para viver. Mais do que um conceito, ele é um paradigma, um modelo a ser atingido e também uma estratégia de ação, que visa responder aos efeitos da globalização e da crise mundial de emprego. Mercado – Outro palestrante foi Roberto Waack, presidente do Conselho da FSC Internacional e do Conselho Consultivo do Instituto para o Agronegócio Responsável (Ares), que ressaltou que a construção de um mercado socialmente responsável passa por um processo que depende de relações muito complexas e, portanto, cada vez mais próximas à realidade do mun-

Duas empresas, dois modelos

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A experiência do diálogo social na Basf A Basf tem cinco mil colaboradores, com mais de três mil no Brasil e isso tem grande representatividade no cenário sul-americano. Há dez anos, uma frente formada por trabalhadores, uma iniciativa de unidades sindicais na América do Sul, entregou um documento à diretoria da Basf para que fosse estabelecido o diálogo social. “A partir de outubro de 1999, passamos a fazer a chamada reunião do diálogo social na América do Sul, lembrando que esse diálogo existe por força de Lei na Europa e que respeitamos todas as formas de organização de trabalhadores. Hoje temos comissões de fábrica em todas as unidades produtivas”, expõe Wagner Brunini, diretor de Recursos Humanos da Basf. Os componentes desse Diálogo Social Regional, que acontece duas vezes por ano, são representantes da Basf, dois representantes dos trabalhadores; e convidados por parte da empresa ou dos trabalhadores. Os temas discutidos versam sobre valores e princípios, código de conduta, linha direta com o colaborador, atuação responsável, Global Compact, assuntos sociais relativos aos trabalhadores, resultados e perspectivas dos negócios e respeito aos direitos fundamentais do trabalho. O cenário do diálogo social envolve uma quantidade grande de parceiros e a discussão de temas com-

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plexos. A liderança da Basf não estava muito preparada, então passou a chamar para a mesa do diálogo o Dieese, o Observatório Social, a CUT, entidades capacitadas no assunto. “Não adianta você ter um grupo reservado de pessoas sensibilizadas sobre a importância de um diálogo, não adianta termos isso como parte de nossos valores e organização, se no chão da fábrica a liderança, a supervisão não está sensibilizada para essa nova realidade” completa. E conclui: “É uma nova realidade que os gestores das organizações têm que aprender e aprender rápido. Esta é uma experiência, não é uma tese e com certeza estamos aprendendo, estamos acertando. O fato é que empresas estão nos procurando para saber o que é esse diálogo social”.


luções vão aparecer na medida em que esses elementos todos se dispuserem a dialogar de uma forma intensa, encarando os desafios nesses processos e construindo novos paradigmas produtivos de uma forma bastante ampla. Waack ressaltou que toda discussão sobre desigualdade vai além da relação Capital e Trabalho e passa, especialmente, pelo conceito de equidade, de acesso à oportunidade. O conceito de trabalho decente é cada vez mais amplo, cada vez mais externo até aos limites da organização que o emprega; a discussão sobre o emprego direto é mais exata nesse processo, a lei, a formalidade, os benefícios, a questão da saúde, transporte, educação, enfim, todos esses elementos do emprego direto. “Estou falando de uma migração de um processo de legalidade para de moralidade, indo além da discussão da lei escrita, do cumprimento

da lei, para surfar em mecanismos de regras inovadoras, desenvolvidas por esse conjunto de relacionamentos desse diálogo, que vão, certamente, além da questão da legalidade, migrando do curto prazo para uma visão de longo prazo, uma visão dos impactos futuros, voltando à discussão do compromisso ético com o futuro. Saindo do foco de gestão de passivo trabalhista, passivo ambiental, para o foco de intensa valorização dos ativos sócio-ambientais, que são vários. Saindo da visão de que “eu tenho que cuidar de não causar passivos” para um processo de construção de ativos sócio-ambientais e, claro, dentro de um processo tangível de discussão desse problema para incorporação de elementos ligados à ética, à moralidade, que são ativos inteligíveis e extremamente importantes em todo esse processo de discussão de responsabilidade social e de sustentabilidade”, relatou ele.

MUNDO DO TRABALHO

do em que se vive. “É muito difícil compartimentalizar o que é ser socialmente responsável, no âmbito de uma organização, na medida em que ela tem partes importantes em toda a cadeia de suprimentos com a qual está relacionada. A partir desse processo, questões sobre a responsabilidade social, desigualdade, concentração de renda, entre outras, passam a ter uma amplitude cada vez maior. O tratamento da questão social e sua relação com a ocupação do planeta têm uma relação direta com a história da desigualdade e da concentração de renda”, disse Waack. Para ele, o que se achava sustentável há pouco tempo atrás, já não é mais. O grande elemento novo, que a sociedade está exercitando, é o diálogo amplo, social, multilateral, na busca de soluções, na definição de novos paradigmas. O desenvolvimento social não deve ser visto em contraposição à preservação ambiental, pois as so-

de gestão participativa A Promon é uma empresa de engenharia de projetos, de porte médio, com 48 anos de existência. Possui 1200 funcionários e atua nos setores de energia elétrica, óleo e gás, química e petroquímica, mineração e metalurgia, indústrias de processos e tecnologia de informação e comunicação. Ela nasceu em 1960 para fazer frente aos projetos que viriam com a fundação da Petrobras. Em 1970, um grupo de diretores, jovens e idealistas, com uma visão de mundo moderna para a época, entendeu que a companhia não deveria ser só deles e ofereceu a participação acionária a todos os demais funcionários. “O modelo acionário é de participação aberta a todos, voluntária e limitada (ninguém pode ter mais do que 5% das ações) e a diretoria é eleita, a cada três anos, por voto direto e secreto dos funcionários acionistas. A totalidade da riqueza criada pela empresa é repartida com as pessoas que nela trabalham, sendo um terço para todos os funcionários como participação nos lucros, em função de uma avaliação de desempenho profissional, e os outros dois terços cabem aos funcionários acionistas - uma parte distribuída como dividendos na proporção da qualificação acionária de cada um e outra parte é

BRUNO RODRIGUES LEITE

retida e incorporada ao patrimônio, para fazer frente aos investimentos, somando-se ao preço da ação para o momento em que o funcionário sai da empresa e vende suas ações”, explica Luiz Ernesto Gemignani, diretorpresidente da empresa. A organização tem três propósitos principais: o econômico, o de contribuição relevante para o desenvolvimento do Brasil e, o terceiro, o de ser um ambiente efetivamente capaz de proporcionar a realização profissional e humana para as pessoas que trabalham lá. A política salarial da Promon envolve mecanismos de autoproposição de salário, com pouca diferença entre o maior e o menor salário se comparada a outras empresas.

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Promon: a empresa sob gestão dos funcionários


Bom desempenho das negociações coletivas

OPINIÃO

N CLEMENTE GANZ LÚCIO Diretor técnico do DIEESE

os últimos anos, os trabalhadores brasileiros têm vivido um cenário favorável à negociação coletiva, resultante, principalmente, do crescimento econômico, da expansão no nível de emprego e da inflação controlada, num contexto político democrático. A junção desses fatores, entre outros específicos de cada setor, segmento ou categoria profissional, tem influído no aumento do poder de barganha das entidades sindicais de trabalhadores e se reflete nos bons resultados dos balanços de reajustes salariais publicados pelo DIEESE. Os resultados do primeiro semestre deste ano são o terceiro melhor da série de estudos, iniciada em 1996, em termos de percentual de negociações salariais capazes de agregar ganhos reais aos salários dos trabalhadores. O levantamento do Sistema de Acompanhamento de Salários do DIEESE analisou 309 unidades de negociação do primeiro semestre deste ano. Desse total, 74% obtiveram reajustes acima da inflação. A maior parte deste percentual, 86%, conseguiu aumentos de até 2% acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor, do Instituto Brasileiro e Geografia e Estatística – INPC-IBGE. Apenas 12% apresentaram conquistas equivalentes a este índice e 14% delas tiveram reajustes insuficientes para recuperar integralmente o valor de compra dos salários da data-base anterior. No comércio e na indústria houve maior concentração de reajustes salariais superiores à variação da taxa de inflação: no mínimo, 80% das negociações de cada setor registraram aumentos reais. Já no setor de serviços, foram encontrados os resultados mais modestos.

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Os índices crescentes de inflação nos últimos meses e o clima de incerteza na economia dificultaram as negociações coletivas no semestre. Entretanto, o comportamento favorável das vendas e dos lucros das empresas, impulsionado pelo crescimento da economia, favoreceu o ambiente negocial e permitiu o bom desempenho das negociações coletivas de trabalho. O atual crescimento brasileiro resulta, principalmente, da expansão do mercado interno. Os dados do PIB – Produto Interno Bruto –, referentes ao primeiro semestre deste ano, superaram as expectativas e atingiram 6,1%, liderados pelos investimentos internos. O reflexo no mercado de trabalho tem sido muito positivo, com ampliação do emprego e dos rendimentos e elevação da capacidade de consumo da sociedade. Há indicação de que esta rota é sustentável. O momento é favorável, apesar das incertezas geradas pela condução da política monetária e pelo cenário externo (comportamento do preço do petróleo e elevação da taxa de juros). O Brasil está mais forte diante de possíveis crises externas, o que abre oportunidade para que sejam feitos novos investimentos. Esse ambiente pode estimular ainda mais o emprego e a renda, reforçando o atual ciclo virtuoso de crescimento.

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O que há no Balanço Social PIETER SIJBRANDIJ

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Consultor de RSE

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N

olocar os trabalhos realizados por quase 70 mil funcionários de uma empresa que vale mais que 400 bilhões de reais num balanço social e ambiental de apenas 100 páginas é uma tarefa nada fácil. Seguir rigorosos padrões internacionais como o da Global Reporting Initiative (GRI) torna o desafio maior ainda. Em 2007, a Petrobras estava com o vento em popa. O seu valor no mercado aumentou em 87%, comprou as empresas Suzano e Ipiranga e descobriu grandes reservas na Bacia de Santos. Felizmente, a empresa decidiu dedicarse não apenas para a área econômica, mas também para o social e ambiental: “A Petrobras agora tem como desafio de ser referência internacional em responsabilidade social na gestão dos negócios, contribuindo para o desenvolvimento sustentável.” O Balanço Social e Ambiental 2007 deixa evidente que a estruturação da sua responsabilidade socioambiental é recente. No ano passado a empresa consolidou sua política de responsabilidade social e a integrou no plano estratégico 2008-2020 de todo o sistema Petrobras, seguindo o exemplo de gigantes como BP e Shell. Ao mesmo tempo, foram desenvolvidos os procedimentos e instrumentos que são cruciais para tornar a política realidade. Embora uma parte desses instrumentos já existisse, desenvolver novos e torná-los num conjunto funcional e transparente, ter as informações a disposição e o pessoal capacitado, são avanços importantes. A Petrobrás foi perspicaz em aderir nos últimos anos a diversas normas voluntárias que aceleram o processo como, por exemplo, Global Compact ONU, GRI, OHSAS

AVANÇOS E DESAFIOS AINDA ESTÃO LADO A LADO NUM RELATÓRIO QUE FOI RECONHECIDO POSITIVAMENTE NO CENÁRIO INTERNACIONAL

18001. Também se associou a várias iniciativas nacionais e internacionais de empresas do setor, da região o simplesmente de multinacionais, IETI, WBCSD, BID, IPIECA entre outros. Nacionalmente, celebrou um impressionante número de convênios com ONGs, entidades governamentais e acadêmicas assim como instalou um processo estruturado de consulta às numerosas partes interessadas. Evidentemente, todas as ações desenvolvidas partiram da base mínima que é o cumprimento da lei e estão em sintonia com as políticas públicas.


e Ambiental da Petrobras preendido ao ver que na maior empresa do Brasil apenas 4,3% são negros. Um desafio e tanto. Há outros temas que mereciam mais atenção como, por exemplo, a política de terceirização, considerando que hoje a empresa lida com uma situação onde há 211 mil trabalhadores empregados de empresas prestadoras de serviços. ONGs ambientas poderiam alegar que não houve suficiente atenção para o conflito que houve na selva de Equador ou para as opiniões divergentes do gasoduto Urucu-Manaus. Sindicatos poderiam alegar que um comportamento aceitável no Brasil não diz nada sobre a atuação da empresa nos países onde os trabalhadores não possuam qualquer tipo de vínculo sindical como por exemplo na Colômbia, México e Nigéria, mesmo se isso é devido à legislação de cada país. Pessoalmente, gostaria ter encontrado mais opinião sobre os grandes desafios que a sociedade brasileira e a Petrobras enfrentam como são os de aquecimento global e o equilíbrio entre biocombustíveis e alimentação. Ou seja, além de informar, o Balan-

ço 2007 provoca curiosidade, vontade de saber mais, sobre os códigos e o plano estratégico, sobre casos específicos, sobre os grandes desafios e sobre os resultados de tantos trabalhos iniciados. Há como melhorar o Balanço ao incluir mais dados comparativos no tempo, contrastados com metas previamente anunciadas. Também há como provocar mais interesse, utilizando exemplos de como os trabalhos realizados se concretizaram na prática e introduziram um toque mais humano, ilustrando nas palavras de pessoas reais o que signifique tudo isso. Transformar um gigante como a Petrobras numa “referência internacional em responsabilidade social na gestão dos negócios, contribuindo para o desenvolvimento sustentável” é uma tarefa tremenda. O Balanço socioambiental da Petrobras é um bom exemplo e mostra o desejo de ser o melhor aluno na sala. Com suas políticas definidas e procedimentos e instrumentos no seu lugar, aguardaremos nos balanços futuros as provas de que todo esse esforço possa trazer os resultados que as partes interessadas merecem.

DADOS SURPREENDENTES - O valor agregado da Petrobras no país representa em média cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro - O patrocínio esportivo significa menos que a metade que do patrocínio cultural - Dos 3,2 milhões de barris vendidos por dia, mais do que um terço foi vendido fora do Brasil - 58% dos funcionários no Brasil está no tipo de emprego “administrativo” - A Petrobras tem três especialistas integrando a equipe de pesquisadores do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC/ONU)

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Embora o grande número de iniciativas e abreviações distraia um pouco o leitor, para os profissionais isso indica que o trabalho é sério e que a Petrobras está impondo um ritmo acelerado de incorporar a responsabilidade socioambiental nos negócios com uma visão de longo prazo. Em cada tema, o Balanço se dedica a mostrar ao leitor a existência da boa política da empresa e que os procedimentos estão no seu lugar. Isso torna a leitura em vários momentos um tanto árida, o que felizmente é aliviada por alguns dados que surpreendem (veja quadro). O Balanço mostra que a Petrobras tem várias conquistas a celebrar. Melhorou a forma e os critérios para decidir quais propostas de investimento social devem ser priorizadas. O processo é mais transparente, vem hoje com critérios e até treinamento para aprender como formular. O trabalho em relação aos fornecedores também merece destaque. Pouco a pouco, a Petrobrás aumenta a pressão para que as empresas fornecedoras não apenas cumpram a lei, mas também desenvolvam o tema da responsabilidade socioambiental nas suas operações. A atenção dada ao tema de equidade de gênero mostra a sintonia da Petrobras com as políticas públicas e a preocupação para que a porcentagem das mulheres cresça na empresa . Contrastante com a atenção dada à questão de gênero é a virtual ausência de atenção à equidade racial. Como a GRI não obriga isso, os números são apenas encontrados nas páginas finais onde a empresa apresenta o modelo Balanço Social Ibase. Fiquei sur-


você sabia? - Que a cidade do Rio de Janeiro é o destino de 30% dos estrangeiros que buscam diversão no Brasil - Que em 2007 foram comercializados no mundo 70 bilhões de dólares em brinquedos, incluindo videogames?

Alie preservação e com descontração No mundo inteiro há uma crescente valorização dos momentos de entretenimento, do turismo, das brincadeiras educativas e das práticas responsáveis em todos os momentos, até mesmo na hora de se divertir. Empresas de brinquedos e instituições criam possibilidades para que as pessoas interajam com assuntos ligados à responsabilidade social e ao desenvolvimento sustentável.

PLANETA

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DIVER 26


No tabuleiro Dentro do plano global de sustentabilidade da rede Wal-Mart foi realizada uma parceria com a empresa Brinquedos Estrela para o lançamento do Banco Imobiliário Sustentável. O jogo de tabuleiro é o mais vendido no Brasil, foram cerca de 20 milhões de unidades comercializadas desde 1944, ano que em que o jogo passou a ser vendido aqui. A nova versão substituiu o dinheiro do sistema de troca por crédito de carbono. Os bairros e ruas de São Paulo e Rio de Janeiro foram substituídos por reservas naturais como Pantanal, Rio São Francisco, Chapada dos Veadeiros e Serra da Mantiqueira e por regiões produtoras de

cana-de-açúcar como Ribeirão Preto (SP), Três Lagoas (MS), Teotônio Vilela (AL). Como o objetivo é também destacar temas ligados ao uso dos recursos naturais. Por isso, as companhias de transporte deram lugar para empresas de Reciclagem Energética, de Reflorestamento, de Agricultura Orgânica e de Reciclagem Mecânica. O próprio material do Banco Imobiliário Sustentável também tem o conceito da sustentabilidade. As peças plásticas são produzidas com polietileno verde feito 100% com matéria-prima renovável - bagaço de cana. Há uso de papel reciclável na produção de embalagens, cartas e tabuleiro.

CANTEIROS E SEMENTES A utilização de jogos cooperativos e ecológicos estimula a construção de um ensino contextualizado e envolvente. Com essa certeza é que o Instituto Harmonia na Terra, uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) com sede em Florianópolis (SC), produziu o Jogo da Agrofloresta. Trata-se de um material ecopedagógico composto de um kit de sementes orgânicas e de uma cartilha que contém informações básicas sobre ecologia e orientações para jogar. Este jogo nutre a possibilidade de aprender com alegria a partir da criação de canteiros agroflorestais. Os participantes poderão pesquisar, compreender e vivenciar melhor os padrões da vida. A agroecologia representa uma forma de vivenciar a ecologia na prática, porque incorpora as relações que existem entre os seres vivos e destes com o solo, água, ar e estações do ano.

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BICICLETAS PARA GENTE GRANDE Portland, no Oregon (EUA), é considerada a melhor cidade para pedalar nos Estados Unidos. Cerca de 3,5% usam a bicicleta para trabalhar, enquanto a média nacional é de 0,4%. Para buscar novos adeptos os argumentos são simples: menos poluição, menos trânsito menos dependência do petróleo. Na cidade ocorre o festival Pedalpalooza, que ajuda a disseminar a cultura de andar de bicicleta. Há seis anos Portland transforma-se durante 15 dias, quando o festival promove mais de 200 eventos. São mostras de arte, sessões de cinema, feiras, oficinas e pedaladas temáticas e lúdicas.

Sustentabilidade na balada

DIVERSÃO

PLANETA

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Uma das ondas aderidas pelos jovens europeus tem nome: Sustainable Dance Club (danceteria sustentável). Criada pela ONG holandesa Enviu, do escritório de arquitetura Döll, o local tem como slogan "Aproveite a vida ajudando o planeta". A garotada curte a noite ao som de vários ritmos e a própria energia da dança mantém as luzes piscando, a música alta e as paredes mudando de cor. A vibração vira energia ao ser captada por molas ou cristais piezelétricos (como o quartzo) colocados no chão. Essa força é transmitida a um gerador. Mas se todo mundo ficar parado, não tem problema, painéis solares e cata-ventos mantêm o funcionamento da casa. O primeiro evento da Sustainable Dance Club ocorreu há dois anos e foi chamado de The Critical Mass (A massa crítica), em Roterdã, na Holanda. A idéia ganhou destaque internacional e por isso o projeto terá turnê mundial. No Brasil, por enquanto, o máximo que é feito nesse sentido é a neutralização da emissão de carbono em grandes eventos e festas.

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JOGOS VIA INTERNET

ENERGYVILLE: BRINCANDO COM A MATRIZ ENERGÉTICA O jogo lançado em setembro do ano passado pela Chevron, grupo multinacional que detém entre outras marcas a Texaco, permite ao internauta gerenciar sua cidade virtual. É possível escolher quais as fontes de energia - solar, eólica, hidrelétrica, termelétrica, nuclear, biomassa, carvão, gás natural, petróleo e hidrogênio - vão compor sua matriz energética para garantir o abastecimento local. O interessante é poder descobrir os impactos ambientais e econômicos de cada fonte, a influência na economia, no meio ambiente e na segurança da população. Se o jogador souber utilizar as informações em prol do desenvolvimento sustentável da sua cidade, acumula pontos no placar de gestão de energia. A idéia é conseguir minimizar os impactos do uso do petróleo com outras fontes de energia renováveis. EfficienCity: ambiente interligado - O jogo do Greenpeace funciona pela internet e oferece animações de como funciona a energia eólica, o sistema de energia pelas ondas do mar, pelo nível da maré, uma pequena hidrelétrica, entre outras atividades.

Questões de sustentabilidade e responsabilidade social tratados de forma divertida e lúdica é a proposta do PVC Game, lançado pelo Instituto do PVC. Trata-se de um jogo online que oferece ao internauta a oportunidade de testar sua capacidade de gerenciar uma indústria e seus produtos de forma sustentável, considerando, portanto, os aspectos sociais, ambientais e econômicos de todo o ciclo de vida de um produto, desde a extração das matériasprimas até a reciclagem. A cadeia produtiva do PVC é utilizada como cenário do jogo. Em cada etapa, o

internauta, que será o CEO (Chief Executive Officer) da empresa, enfrenterá uma série de situações que o levará a um processo de auto avaliação e aprendizado. O jogador agregará conhecimento sobre o ciclo de vida do PVC e, considerando sua indústria virtual, deverá tomar decisões estratégicas no sentido da sustentabilidade e competitividade. Ao término do jogo, que simula um período de 10 anos, uma avaliação mostrará o desempenho da empresa no quesito sustentabilidade, além do desempenho econômico do negócio.

O Instituto do PVC foi fundado em setembro de 1997, representa a união de todos os segmentos da cadeia produtiva: fabricantes de matérias-primas e insumos, produtores de resinas, aditivos, fabricantes de equipamentos, transformadores e recicladores. www.institutodopvc.org/pvcgame

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Caminho do plástico


PEQUENAS USINAS, Apesar de ser considerada limpa e renovável, manter o país praticamente dependente da geração de energia hidrelétrica já preocupa. Tanto que em 1998, quando aconteceu o ainda lembrado apagão, foi preciso um plano emergencial com usinas térmicas a carvão e óleo diesel, altamente poluidoras. De lá pra cá se intensificaram os estudos de inventários dos rios brasileiros para a ampliação da

DIVULGAÇÃO

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BRASIL É CAMPEÃO NA PRODUÇÃO DE ENERGIA DE FONTE HIDRELÉTRICA E APOSTA CADA VEZ MAIS NAS USINAS DE PEQUENO PORTE

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GRANDES SOLUÇÕES lanço Energético Nacional e no Plano Nacional Energia. Até 2030 a previsão é ampliar a geração desta fonte pois, do potencial hidrelétrico brasileiro de 261,4 GW, usado como uma referência para os estudos de planejamento, atualmente só é convertido em energia elétrica cerca de 30%. Do total, 32% correspondem a um potencial pouco conhecido, apenas estimado, e 43% estão na Região Norte. Já em comparação com dados mundiais, 33% do potencial tecnicamente factível no globo já foi explorado, sendo que em alguns países, como a França o aproveitamento da fonte hídrica já chegou aos 100%. Ampliar a geração hidrelétrica, aliás, não é uma orientação apenas

brasileira. Na edição de 2007 do International Energy Outlook dos Estados Unidos, a meta para o crescimento da geração hidrelétrica e outras fontes renováveis foi estimada em 56% nos próximos 23 anos. Este potencial tecnicamente disponível para aproveitamento hidráulico global está concentrado em apenas dez países. Neste ranking o Brasil ocupa a terceira posição, superado apenas pela China e pelos Estados Unidos. Daí a aposta nesta

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energia elétrica também com pequenas usinas e também se ampliou o debate em torno da biomassa para térmicas, da energia eólica e de projetos com energia nuclear como complementos à matriz energética principal, que é a hídrica e continuará sendo. Ao menos esta é a perspectiva apontada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no seu mais recente Ba-


Matriz energética à base de água

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O Brasil é o 10º maior gerador de energia elétrica do mundo e, destes, o que mais produz energia de fonte hidrelétrica. Por isso, o país é considerado uma referência internacional na construção de usinas hidrelétricas – afinal a base da matriz energética brasileira é hidráulica desde a metade do século XX. A geração está interligada quase que na totalidade (98%) através do Sistema Interligado Nacional (SIN), hoje controlado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). É o SIN que impede a falta de energia, por exemplo, numa região onde os reservatórios estejam em níveis preocupantes, enviando a energia de outra região brasileira em situação mais confortável. De toda a capacidade de geração energética brasileira – 103,8 GW, a energia hidrelétrica responde pela

fonte para geração. E quando se avalia o crescimento da demanda por energia no país, a energia hidrelétrica acaba sendo, entre as fontes limpas, a mais barata. Segundo o Plano Nacional de Energia da EPE, o consumo energético nacional deverá crescer uma média de 3,7% ao ano, de 2005 a 2030. Neste mesmo período, o consumo da indústria deverá aumentar em 3,5% ao ano e o residencial em 2,5%. Conforme estudos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), restaram poucas opções para a construção de grandes usinas. No momento, os projetos em discussão são as duas usinas do Rio Madeira – Santo Antônio e Jirau – em Rondônia, e a usina de Belo Monte, no estado do Pará. Usinas deste porte, apesar do avanço tecnológico brasileiro, não são empreendimentos simples. Atualmente, governo e empreendedores reconhecem que estas usinas são investimentos intensivos em capital com altos riscos geológicos, hidrológicos, de engenharia, construção, financia-

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bilidade e também sempre envolvem grandes problemas socioambientais. As PCHs surgem como vantajosa alternativa energética por vários motivos, como o imenso potencial hidráulico do país, o conhecimento tecnológico, menor custo de implantação e o desconto ao empreendimento de 50% nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição, pelo fato de não pagarem compensação financeira (royalties) pela utilização dos recursos hídricos e a necessidade de se diminuir os problemas socioambientais. Impulsionadas também pelo Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), onde a Eletrobrás garante a compra da energia, pipocaram pelo país centenas de projetos de PCHs. Além disso, a possibilidade da venda de energia no mercado livre e a auto geração tornaram estes empreendimentos bastante atrativos para o setor empresarial brasileiro que vem registrando considerável crescimento. Na Aneel estão catalogadas, desde as que já estão em operação até as que ainda não saíram do

maior parte, quase 76% (76,9 GW). Se somar a importação da energia de Itaipu do Paraguai, chegamos a 84%. Estão em operação até o momento no Brasil, 690 usinas de fonte hídrica, incluindo aí as grandes, como Itaipu, Sobradinho (BA), Machadinho (SC), Tucuruí (PA), Paulo Afonso (AL), Ilha Solteira (SP), Xingó (SE), Itumbiara (GO), Porto Primavera (MS), Furnas (MG), Barra Grande (RS/SC) e outras, as chamadas PCHs – pequenas centrais hidrelétricas, que produzem de 1MW a 30 MW e as CGHs – centrais geradoras hidrelétricas, com capacidade máxima de 1MW cada. Destas, 159 são consideradas usinas de grande porte e 531 PCHs e CGHs. Ainda estão em construção outras 74 e não iniciaram as obras, mas já são empreendimentos outorgados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) outras 137 pequenas usinas. Já das grandes usinas (acima de 30 MW), 21 estão em construção e 18 não iniciaram as obras.

projeto básico de análise e registro, 1834 PCHS e outras 297 CGHs, que poderão gerar 16.184 MW e 169 MW respectivamente. As pequenas usinas normalmente operam no que os engenheiros chamam “ a fio d'água”, ou seja, o reservatório não permite a regularização do fluxo d´água. Por isso, em época de estiagem a vazão pode ser menor que a capacidade das turbinas e a usina pode ficar ociosa. Em situação oposta, quando a vazão é maior que a capacidade de engolimento das máquinas, o excedente de água passa pelo vertedor. Esse é um dos fatores que faz com que o custo da energia de uma PCHs seja maior que o de uma usina hidrelétrica de grande porte, onde o reservatório pode ser operado para diminuir a ociosidade ou os desperdícios de água. Mas nem mesmo esta característica que, economicamente poderia deixar a PCH em desvantagem, tem feito os empreendedores recuar. E o motivo são os baixos impactos ambientais e a possibilidade do uso da energia de forma descentralizada.


EFEITO CASCATA Quando um setor cresce, todos os demais que o abastecem crescem junto. No caso das PCHs os pedidos para a construção de casas de força e geradores aumentou consideravelmente. Um exemplo é a Weg, indústria sediada em Jaraguá no Sul (SC) e com representação em todos os continentes. Segundo Alexandre dos Santos Fernandes, chefe de Vendas de Hidrogeradores, nos últimos dois anos, depois que a Aneel liberou muitas concessões e os investidores externos descobriram que a PCH é um bom negócio, a capacidade de produção da Weg está praticamente toda tomada até o final de 2009. Ele afirma que os prazos de entrega dos geradores estão mais longos do que o normal também por problemas de sub-fornecedores de materiais e equipamentos, que, por sua vez, pelo aumento das encomendas, demoram mais para entregar. A maior parte da produção dos geradores da WEG – 80% - está destinada ao mercado nacional. A situação é a mesma com outros fabricantes.

tótipos de turbinas amigáveis para

peixes, que permite a transposição dos animais. Outro ponto que, no caso de Santo Amaro da Imperatriz é bastante polêmico, é que o rio onde as usinas deverão ser construídas é o responsável pelo abastecimento de água de toda a região metropolitana, que abrange a capital, Florianópolis, e mais cerca de dez municípios. Esta situação levou o Ministério Público de Santa Catarina a encaminhar a Recomendação 07/2008 ao órgão ambiental do Estado, a Fundação do Meio Ambiente (Fatma), para proceder com mais cautela na liberação de licenças para as usinas hidrelétricas no Estado, “considerando que os estudos localizados não oferecem uma avaliação abrangente do impacto sobre a bacia hidrográfica”. No documento onde solicita reunião da Fundação com a Aneel e Ibama a fim de firmar um Termo de Referência para os procedimentos em bacias hidrográficas de Santa Catarina, o MP/SC relembra conflitos anteriores, como os ocorridos na construção das usinas de Machadinho, Barra Grande e Campos Novos. Também afirma que a situação é mais crítica no Oeste do Estado, em razão da poluição dos rios por dejetos suínos. Para o Ministério Público, que desenvolve o Programa Água Limpa nesta região, os barramentos previstos “implicam a formação de lagos que poderão potencializar a poluição já existente”, bem como se mostrou preocupado com a “supressão de remanescentes da Mata Atlântica”. O órgão público defende a realização de estudos integrados de bacias hidrográficas no Estado catarinense e não apenas os Relatórios Ambientais Simplificados, que são os exigidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) na Resolução 279/91. A iniciativa do Ministério Público catarinense foi comemorado por entidades ambientais, como a Associação de Preservação do Meio Ambiente e do Movimento Rio Cubatão Vivo (Apremavi ), contrário à construção das PCHs neste rio da Grande Florianópolis. A polêmica ainda está

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Um reflexo do aquecimento deste setor pode ser medido pelo número de pedidos de empréstimos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o principal financiador público das obras de infra-estrutura no país. Até o mês de julho o Banco já havia emprestado R$ 640 milhões para o financiamento de PCHs. Para o professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o fato destas geradoras não serem concedidas em leilões e estarem voltadas prioritariamente para o mercado livre de energia, sendo a produção usada diretamente no crescimento industrial, justificam a opção por este tipo de fonte geradora. O aumento no financiamento de PCHs pelo BNDES, comenta Nivalde, tem outro ponto favorável, pois o Banco só financia os projetos que já estão com todas as licenças ambientais liberadas e com a energia contratada por dez anos, em média. Ou seja, é um financiamento seguro com retorno certo. O fato de não necessitarem da criação de uma grande barragem e permitirem a movimentação das turbinas apenas com a queda natural dos rios faz das PCHs uma alternativa energética com baixo impacto ambiental. Assim, num mesmo rio é possível a construção de inúmeras pequenas usinas. E isso já está acontecendo por todo o país, mas nem sempre de forma harmoniosa. No Estado de Santa Catarina, por exemplo, a construção de seis PCHs no Rio Cubatão, no município de Santo Amaro da Imperatriz está gerando conflitos. Para os ambientalistas da região, as usinas irão interferir diretamente nas águas termais que caracterizam o turismo da região. Além disso, alegam que a reprodução dos peixes poderá ficar comprometida porque, tendo que superar tantas usinas, não conseguiriam fazer a desova. Neste quesito específico, o Centro de Referência em PCH da Universidade Federal de Itajubá (MG) já desenvolve pro-


PARAFUSO DE ARQUIMEDES:

Tecnologia simples ainda inexistente no Brasil

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Na Alemanha o engenheiro Hans Wilhelm Peters patenteou uma pequena hidrelétrica que permite a criação de peixes ao mesmo tempo em que gera energia. Usando um “parafuso de arquimedes”, que gera energia tanto quanto uma pequena turbina mas que não fere os peixes e um sistema lateral que permite o retorno dos animais para o leito do rio para a desova. Ele tem vendido sua idéia sobretudo em pequenas propriedades. Assim, é possível ter energia própria, sem estar conectada à rede e não prejudicar o meio ambiente, pois é uma proposta para pequenos rios. Ainda há o benefício de produzir uma renda extra sobre a criação de peixes. “Eu nasci perto de um rio e desde criança sempre observei o comportamento dos peixes. Por essa razão questiono essa forma da rampa da década de 80. Os peixes não nadam em linha reta, em ângulos retos, os peixes nadam em forma orgânica, junto com o movimento da água”, explica Peters. O resultado disso são linhas orgânicas, movimentos circulares. No Brasil não há registro do uso desta tecnologia ainda. A apresentação da idéia foi feita pelo próprio autor no mês de maio, em Florianópolis, no Sustentar 2008 – Fórum sobre Energias Renováveis e Consumo Sustentável, promovido pela Assembléia Legislativa de Santa Catarina. ESTUDOS DISPONÍVEIS ON LINE A ANEEL agora disponibiliza em sua página eletrônica um relatório de acompanhamento dos estudos e projetos com o andamento dos processos de estudos de inventário hidrelétrico e de viabilidade, bem como dos projetos básicos de empreendimentos hidrelétricos, usinas hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Para acessá-lo, basta entrar no site da agência (www.aneel.gov.br) e clicar no link Informações Técnicas/Gestão e Estudos Hidroenergéticos.

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no ar. A Fatma, depois de uma audiência pública na comunidade no mês de julho, realizada pela Assembléia Legislativa do Estado, sustou os processos de licenciamento das usinas por 90 dias. Na ocasião, o representante da fundação disse que existem duas atividades econômicas competindo pelo uso dos recursos hídricos: a produção de energia e o turismo de aventuras. Isso ficou evidente na afirmação do presidente da Associação Brasileira de Turismo de Aventura (Abeta), seccional Santa Catarina, Keko Gabeloto: “Defendemos a preservação total dos mananciais e somos contra a construção de centrais hidrelétricas nos municípios”. Para ele, “o rio é um bem público e deve ser utilizado por toda a comunidade, para abastecimento e lazer. Estas hidrelétricas não são a vocação deste rio”. A situação ficou mais difícil para as usinas depois que a Câmara de Vereadores sancionou a lei 8.198, de 30/06/08, proibindo qualquer instalação de central hidrelétrica no município. O convencimento aos vereadores veio do segmento hoteleiro. Conforme os dados da Abeta, o turismo de aventura e de águas termais rende para Santo Amaro da Imperatriz cerca de R$ 1 milhão por ano. No entanto, a gestão das águas é competência federal e caberá à Aneel a decisão final pela liberação das usinas, conforme estabelece a Resolução 394/1998. A Agência, contudo, deverá levar em consideração as orientações do comitê da bacia hidrográfica, que, amparado pela Lei 9433 da Constituição Federal, tem a função de arbitrar os conflitos gerados pelos usos múltiplos da água. Pelo visto, neste caso, a polêmica está longe de uma solução. Está prevista para o mês de novembro uma nova audiência na cidade de Santo Amaro da Imperatriz. Até lá não há possibilidade da construção das usinas. O exemplo das PCHs previstas para serem construídas no Rio Cubatão, em Santa Catarina, dá uma dimensão do quão conflituosa é essa questão, que, no final pesa no orçamento total do empreendimento. Essa demora para a implantação tem sido uma das principais queixas de quem investe em energia hidrelétrica. E isto afeta tanto a pequena quanto a grande usina. Conforme Jerson Kelmam, Diretor-Geral da Aneel, a maioria dos problemas associados ao licenciamento ambiental para a construção de hidrelétricas no Brasil ocorre na primeira fase – a da licença prévia (LP). Entre estes problemas, segundo Kelmam, estariam a falta de planejamento adequado do governo, falta de clareza sobre qual esfera governamental (se federal ou estadual) tem autoridade legal para emitir as licenças ambientais, os atrasos na emissão dos termos de referência para os estudos de impacto ambiental, a má qualidade dos EIAs preparados pelos proponentes dos projetos, o que resulta numa avaliação inconsistente destes estudos, a falta de um sistema adequado para resolução de conflitos, de regras claras para a compensação social e de profissionais da área social no órgão ambiental federal. O Brasil é um dos poucos países a ter um processo


processo; novos critérios para desempate, no caso de dois ou mais empreendedores interessados no mesmo aproveitamento; e aplicação de penalidades que evitem o não cumprimento dos requisitos dispostos na proposta, especialmente quanto aos cronogramas de implementação do empreendimento. Mesmo depois do fim do prazo de audiência pública, as dúvidas continuam. Tanto que o presidente da Aneel deverá ser convidado para participar de uma audiência pública na Câmara dos Deputados, por iniciativa da Comissão de Agricultura, para falar da proposta de mudança na regulamentação de pequenas centrais hidroelétricas no que diz respeito à preferência pelo empreendimento. Atualmente a Agência estabelece que, na disputa para implantar uma usina desta modalidade, tem a preferência o proprietário das terras das margens do rio. Mas a idéia em discussão é mudar esse critério favorecendo as empresas que fazem o inventário do potencial das águas. Obviamente que isso contraria muitas expectativas dos proprietários, que em alguns casos já cobram aluguel pelo espaço. E para os empreendedores, aumenta ainda mais a responsabilidade. “O setor precisa de modificações para ser otimizado. Fazer dos empreendimentos balcões de negócios prejudica a oferta de energia”, comenta Antenor Zimmermann, diretor da Desenvix SA. Mas num mercado ávido pela necessidade energética, mesmo com a demora para a efetivação dos empreendimentos, vale muito apostar na produção de energia, em

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trifásico, com procedimentos separados para a concessão das licenças em diferentes estágios o que, na opinião de Kelmam, contribui para transferir ou repetir conflitos, gerando um alto grau de incertezas, longos atrasos e, com custos de transação igualmente altos. Duas medidas que poderiam contribuir na agilidade das obras de uma usina e também para a diminuição dos problemas socioambientais, sugere o diretor da Aneel, são a formulação e adoção de lei complementar que esclareça as responsabilidades da União e dos Estados nos licenciamentos ambientais e a adoção de mecanismos de resolução de conflitos para o processo de licenciamento, o que evitaria longas disputas judiciais. Isso se traduz, na prática, em equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e social, com a competitividade dos setores produtivos e qualidade de vida da população com a conservação ambiental e preservação do patrimônio histórico. Além disso, os investidores esperam uma revisão da Resolução 395/98 da Aneel. Esta normativa esteve em audiência pública de 12 de junho a 31 de agosto, recebendo contribuições para possíveis modificações. É ela que estabelece as regras para registro, elaboração, aceite e outorga de autorização para implantação de pequenas centrais hidrelétricas. A idéia é simplificar o processo de outorgas. As principais alterações em discussão constituem quatro premissas: foco das avaliações na caracterização do potencial hidráulico; redução no tempo de tramitação de um


especial em energia hidrelétrica de pequeno porte. Não é à toa que a energia de PCHs já representa 2,22% da capacidade instalada do país. O custo médio para a obra é de R$ 5.000/kW instalado. Numa perspectiva de 15 anos, este é um mercado que deverá ter um aporte de investimentos da ordem de R$ 140 bilhões. Por isso entrar no ramo de PCHs interessa tanto pequenas quanto grandes empresas. A Eletrisa de Blumenau (SC), por exemplo, construiu no município de Água Doce (SC), duas PCHs que geram 6,9 MW. Para cada uma das usinas foi constituída uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), onde havia espaço para pequenos investidores. Neste caso as usinas foram divididas em cotas e, na época da venda, as ações preferenciais estavam em torno

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de R$ 450, acessíveis para qualquer pessoa física. Toda a energia das duas usinas já está vendida. Para o diretor da Eletrisa, Olinto Silveira, o investimento em PCHs está acima das aplicações financeiras correntes, além de ser um negócio mais seguro e estável que o mercado de ações. Outro grupo privado, Engevix Engenharia S.A, vem apostando em hidrelétricas, tanto em PCHs como grandes usinas. As suas três PCHs em operação estão no PROINFA, e mes-

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mo a Usina Hidrelétrica Monjolinho (entre os municípios de Nonoai e Faxinalzinho – RS), que ainda está em construção, pelo fato de ter adiantado o início das obras em um ano e meio, já vendeu a energia deste período. No entanto, apesar da garantia da compra da energia, para Ronaldo Bordinhão, da Desenvix (empresa do Grupo Engevix), as exigências são tão grandes que só com persistência a empresa vai adiante. “É sempre um processo moroso e penoso. E não é só o licenciamento ambiental, que isso tem que ser rígido mesmo. É o excesso de burocracia em todo o processo. E depois do empreendimento em operação, as cobranças muitas vezes são descabidas”. Ele exemplifica com o controle da qualidade da água dos reservatórios das usinas. “Nas nossas usinas

veste em ações educativas, ambientais e sociais para todos os seus empreendimentos. “Já fizemos até escola. Não era nossa obrigação, mas a comunidade era tão carente que não fazia sentido termos um negócio numa cidade onde as pessoas não sabiam nem ler”, comenta Bordinhão. E desafia: “Pergunte aos prefeitos onde as usinas foram instaladas como eram e como estão as cidades hoje.” Para as prefeituras, a questão também é polêmica. Os municípios afetados por grandes usinas, a “recompensa” vem por royalties e demais benfeitorias determinadas em acordo com os empreendedores. Já no caso de PCHs os benefícios em caixa não são assim tão importantes. Continuando no Estado de Santa Catarina, vejamos dois exemplos. A cidade de Anita Ga-

CRÉDITO DE CARBONO As empresas que geram energia de fonte alternativa, como das PCHs e CGHs podem obter créditos de carbono para comercialização através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), conforme estabeleceu o Tratado de Kyoto. As empresas, depois de registrarem as usinas no Conselho Executivo de MDL, obtêm os créditos e os vendem para empresas ou países que não conseguem reduzir a poluição e, compram estes créditos para cumprir as metas de geração de gás. Na prática, os poluidores pagam pelo carbono que outros, em qualquer lugar do mundo, deixaram de emitir. No Brasil já são várias as empresas que optam por esse negócio limpo. A Brascan Energética, por exemplo, já concluiu a terceira comercialização de créditos de carbono com a venda de certificados correspondentes à não emissão de 500 mil toneladas. Isso em função da energia gerada por 11 PCHs já registradas.

nós mantemos sim o padrão exigido, mas toda a poluição anterior à barragem: das cidades que não têm saneamento, do desmatamento sem controle, do uso de agrotóxicos nas lavouras que sempre vai parar nos rios, isso não se leva em conta na medição da poluição. A culpa é sempre do empreendimento. Por isso que defendemos educação de verdade”. Assim, além das obrigações de monitoramento da fauna, qualidade da água, preservação da faixa ciliar (mata em torno dos rios), o Grupo in-

ribaldi, atingida pela Usina Hidrelétrica Barra Grande e o município de Santa Rosa de Lima, que terá ao longo de sua extensão a construção de quatro PCHs. Na primeira, a usina passou a ser um ponto turístico, tanto que no portal de internet da cidade, a principal imagem é da hidrelétrica. Segundo relatório do Tribunal de Contas do Estado, o município não gasta nada com energia elétrica desde 1999 quando já estava em andamento o processo para a instalação de Barra Grande.


cio e nas necessidades básicas públicas, como saúde e educação. “Das quatro usinas aqui projetadas, podemos citar que uma delas agiu de forma responsável, nos procurando desde o início e oferecendo apoio, cumprindo sua responsabilidade social. Seria bom se todos os empreendedores agissem assim. Nos outros casos, nós é que tivemos que ir atrás, saber quem eram. Esses até hoje não estão totalmente regularizadas conforme as reivindicações da população. Somos a favor da geração de energia, mas quem constrói, nem sempre tem compromisso com a região onde a usina é construída”, preocupa-se o prefeito Celso. A usina de Santa Rosa de Lima que o prefeito elogiou a conduta desde o projeto é a a Barra do Rio Chapéu (15MW), que já teve as obras iniciadas e pertence a uma empresa pública, a Eletrosul. O setor público investe pesado na energia hidráulica. A Eletrosul há quatro anos pôde voltar a atuar na geração, já que desde 1998, quando foi cindida e teve o seu parque gerador privatizado, estava voltada apenas para a transmissão e sem possibilidade de expansão. Agora está desenvolvendo projetos para dez PCHs e participa de outras duas usinas, no Consórcio de Jirau, no Rio Madeira e na Usina São Domingos, em Mato Grosso do Sul. Para o gerente do Departamento de Engenharia de Geração, Enio Cezar Campesatto dos Santos, o retorno à geração permitiu o desenvolvimento de uma equipe jovem e dinâmica, que está apostando no mercado, com projetos próprios.

“Nossa meta é alcançar em breve a geração de 977 MW. Além disso, voltamos a investir nas linhas de transmissão, ampliando o sistema em 44% nos últimos anos”, comenta Campesatto. Para ele, toda usina causa impacto, mas a PCH é muito menor que uma grande usina. “Não há formação de lago, é como se o leito do rio estivesse em um período de cheia”, explica. A vida depois da barragem

Um fator que sempre depôs contra as usinas hidrelétricas foi a remoção de famílias atingidas que, via de regra, é um processo traumático. Para o Movimento dos Atingidos por Barragem – MAB, o impacto para as populações é sempre negativo, seja uma grande ou pequena usina. “Em Minas Gerais, por exemplo, tivemos PCHs que expulsaram centenas de famílias. A Usina de Fumaça, da empresa Novelis é um caso desses. Mais de 250 famílias foram tiradas de seus lares para garantir a energia de uma multinacional, que não tem compromisso com o desenvolvimento da economia e do povo brasileiro”, comenta Joceli Andrioli, um dos coordenadores nacionais do MAB. Ele diz que a maior parte da energia consumida no Brasil é para abastecer a exportação, sobretudo minérios e celulose. “No país, 600 consumidores livres gastam 60% da energia produzida enquanto todas as residências do país, de pobres e ricos, não consomem mais que 25%. Além disso, temos falha na transmissão, onde se perde cerca de 16% da energia. O discurso vigente diz que

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Deste ano até 2005, quando entrou em operação a primeira unidade da usina, o município já passara de uma receita orçamentária anual de R$ 5.240.500,03 para R$ 8.097.282,18. Com a usina em funcionamento, a administração municipal passou a receber também participação pela energia vendida. Além disso o empreendimento desenvolveu 26 projetos de ações sociais, de meio ambiente e culturais que beneficiaram este e os demais municípios afetados pela obra (também Cerro Negro, Campo Belo do Sul, Capão Alto e Lages em Santa Catarina, e no Rio Grande do Sul, Pinhal da Serra, Esmeralda, Vacaria e Bom Jesus). No caso de Santa Rosa de Lima, a situação é diferente. “Esses empreendimentos precisam de mão de obra especializada, o que não temos aqui. Então, a geração de empregos locais é mínima”, explica o prefeito Celso Heidemann. A cidade, com pouco mais de 2000 habitantes, vive basicamente da agricultura familiar. Agora se projeta para desenvolver ainda mais o turismo rural, ecológico e de aventura (rafting). A construção das usinas também contribui para a transformação da cidade. Segundo o prefeito, um fato curioso que a cidade vive é o aumento de imóveis para a locação, motivado pelo aumento de 10% na população por conta das obras. “A especulação imobiliária aumentou muito com a chegada das usinas. Vários imóveis foram alugados por preços bem interessantes para os proprietários”. Houve um incremento, segundo o prefeito, também no comér-


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falta energia. Falta para o modelo consumista mundial. Infelizmente nosso país não discute a energia como um meio de desenvolvimento social”, opina o dirigente do MAB. O movimento social é contra a construção de todo o tipo de hidrelétrica e entende que todos os rios devem ser preservados. A produção de energia para assegurar o crescimento do país, na visão do MAB, viria de fontes diversificadas de acordo com o potencial de cada região, que pode ser solar, eólica, ou mesmo hídrica desde que sem impactos. Para o movimento, que existe nacionalmente desde 1991 e está presente em 15 estados, os empreendimentos e governos vêem as questões ambiental e social como custo de produção. “O que prevalece é a decisão política, não a técnica. Veja agora as usinas do Rio Madeira. Não foi apresentado nenhum plano de reassentamento, relocação, indenização, mas a energia deverá ser vendida em leilão breve”, diz Andrioli. Essa informação de Andrioli é contestada pelos empreendedores. A justificativa é que, para a obtenção da licença prévia é preciso primeiro a apresentação do EIA/RIMA, onde, teoricamente, deve constar os projetos para as populações atingidas. Os estudos têm que ser aprovados pelos órgãos ambientais reguladores e pela ANEEL. Depois da licença prévia, acontece o leilão de energia e então o vencedor precisa fazer o Projeto Básico Ambiental para obter a licença de instalação. Por conta deste “rito burocrático” é que os empreendedores têm uma visão diferente do MAB. “A construção de usinas hidrelétricas foi a maior e melhor reforma agrária feita no Brasil”, diz Ronaldo Bordinhão, da Engevix. “Ao fazer uma usina, famílias que muitas vezes viviam em situações de miséria, optam por um assentamento coletivo ou individual, ganham uma casa decente, têm acompanhamento permanente pelo empreendimento. Tivemos até casos de famílias que não estavam incluídas na lista dos atingidos e que vinham nos pedir, por favor, para

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JÚLIO PAVESE

De sua casa, com a neta Eduarda, o agricultor Marino Guzatto contempla a nova propriedade que construiu depois da usina. incluí-los”, relata Bordinhão. Para muitas famílias, que sempre viveram do que produziam na lavoura, enfrentando as intempéries e muitas outras dificuldades, de fato, quando conseguem uma nova terra, a condição de vida muda para a melhor. “Essa é a regra”, comenta Júlio Alberto Pavese, sociólogo, ex-funcionário da Eletrosul, atualmente na Tractebel Energia e que atua com as populações atingidas no Brasil há décadas. Segundo ele, não havia decisões unilaterais. “Governo, empresa, MAB e outros envolvidos participavam de uma comissão para a discussão e resolução de todos os problemas relativos aos atingidos”, explica Pavese. Segundo ele, este trabalho social da Eletrosul foi considerado exemplo mundial. “Rrealizamos, em Florianópolis, um seminário internacional de remanejamento involuntário de populações. Veio gente da China conhecer a nossa experiência”, lembra. Dos reassentamentos coletivos e individuais, assegura Pavese, mais de 70% dos agricultores permanecem nas terras. “No início alguns desistiram, outros trocaram por carta de crédito. E há também um fenômeno interessante: a globalização impôs padrões. Os filhos não ficam mais nas propriedades, a agricultura é mecanizada, não exige tanto esforço”, explica o sociólogo. Um exemplo desta “reforma agrária” das hidrelétricas é o agricultor

Marino Guzatto, de Campo Erê/SC. Há 19 anos ele saiu de sua propriedade, numa “terra de morro”, para a construção da usina hidrelétrica de Ita. Foi com a família para uma nova terra, segundo ele, melhor, pois é “terra plana”. Atualmente planta trigo, milho, soja, feijão e tem algumas vacas para produção de leite”. Dos três filhos, uma mora na cidade e os outros dois continuam com ele. “O rapaz está no colégio agrícola e a mais nova já se formou e ainda está com a gente”, conta ele, que complementa: “Quando viemos para cá era tudo deserto, não tinha nada, mas a terra era melhor. Nós achávamos que iríamos sofrer muito saindo de nossa terra, não conhecíamos ninguém aqui. Mas hoje está tudo bom, trabalho junto com um cunhado. Tomara que venham outras usinas”, comenta. A situação é a mesma da família Lopes, mas estes não quiseram continuar em área rural. Com o dinheiro recebido pela indenização por conta da construção da Usina Hidrelétrica Monjolinho, o casal Francisco e Maria comprou uma casa em Faxinalzinho e diz estar muito feliz vivendo com a família. “Sempre moramos como agregados. A gente vivia dois, três anos em um lugar, depois mudava. Quando plantávamos um pé de fruto, na hora de colher estávamos saindo. Agora tudo que eu planto é meu”, diz Francisco que, ao lado da casa, com-


O longo caminho para a construção de uma usina

A Usina Hidrelétrica de Barra Grande, na divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, é um exemplo de empreendimento que passou por praticamente todos os problemas apontados pelo diretor da Aneel. A Usina tem uma potência instalada de 708 Mw, o suficiente para abastecer a demanda de 30% do Estado de Santa Catarina. Mas para virar realidade não foi fácil. Da emissão da portaria 352, de 18/09/1995 do DNAEE, que autorizou a empresa Engemix S.A a elaborar estudos de viabilidade da Usina, até a entrada em operação comercial da terceira unidade, foram quase onze anos. Depois do estudo de viabilidade, a licença prévia para a implantação da usina aconteceu em janeiro de 1998 mas o Relatório de Impacto Ambiental do empreendimento só foi disponibilizado pelo Ibama para os municípios atingidos nos dois estados um ano depois. No ano seguin-

te aconteceram audiências públicas nos municípios de Anita Garibaldi (SC) e Vacaria (RS) e em dezembro de 1999, o Ibama emitiu a licença prévia 59/99 enquanto a Aneel aprovou os estudos de viabilidade apresentados pela Engemix. No ano 2000 foi constituído o Consórcio, depois da realização de um leilão feito pela Aneel e em 2001, firmado o contrato de concessão de geração. A partir daí é que começaram as obras – e também os problemas. As obras já estavam em adiantado estágio quando o Ibama encontrou distorções entre os dados contidos no Estudo de Impacto Ambiental apresentado em 1998 pela Engemix e contratado pelo Governo Federal e o Inventário Florestal contratado pela Energética Barra Grande SA (Baesa). O EIA não citava a presença de quatro mil hectares de florestas primárias de Mata Atlântica, vegetação nativa e de preservação permanente. Em setembro de 2004 ONGs ambientais ingressaram na justiça para impedir a remoção da vegetação onde seria o reservatório da usina. Paralelo a isso, o Movimento de Atingidos por Barragens impediu a continuação das obras com manifestações públicas. Em dezembro de 2004 a obra continuou depois da assinatura em Lages de um

acordo social entre o Ibama, a Baesa e o MAB e do Ministério Público Federal. Até a entrada em operação da última das três unidades, em maio de 2006, a construção da Usina de Barra Grande foi uma sucessão de disputas jurídicas: sete ações judiciais em tribunais superiores e muitas outras em primeira instância. Para os empreendedores, a Usina de Barra Grande trouxe importantes experiências. Conforme publicação da BAESA, datada de 2007, a história desta obra “serviu para aumentar o rigor da análise dos futuros processos de licenciamento ambiental de hidrelétricas, e também o rigor na elaboração dos estudos de impacto ambiental submetidos aos órgãos licenciadores. Barra Grande servirá também de lição aos futuros empreendedores, para que aumentem o rigor de seus estudos de viabilidade e margens de segurança.” Afinal, após uma década, os custos com a usina ultrapassaram o que se previu antecipadamente – chegou a aproximados R$ 1,5 bilhão. Hoje o resultado de todo o trabalho de diálogo social realizado nas comunidades e no constante acompanhamento das ações de impacto do empreendimento, são comunidades satisfeitas e com qualidade de vida melhor do que antes.

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prou também um terreno onde planta o que gosta. “Aqui o lugar é quieto, não tem barulho e a casa é maior. Se não fosse a usina, hoje ainda estaríamos trabalhando e vivendo em alguma propriedade alheia”.


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2º Fórum Nacional da RTS será em dezembro Brasília sediará, entre os dias 1º e 3 de dezembro, o 2º Fórum Nacional da RTS. O objetivo é reunir as 630 instituições da Rede, além daquelas que se associarem ao longo de 2008. Com caráter consultivo e propositivo, o Fórum orientará o planejamento do biênio 2009-2010. A abertura está marcada para a noite do dia 1º/12 (segunda). No dia 2/12, serão realizados encontros regionais. O objetivo é debater o papel das Tecnologias Sociais para o desenvolvimento das cinco grandes regiões do país, de acordo com suas respectivas peculiaridades e potencialidades. Também estão previstos momentos de partilha de experiências, tendo em vista aumentar a interação entre as instituições associadas à RTS. O dia 3/12 será destinado à discussão por eixos temáticos, incluindo a articulação de Tecnologias Sociais à geração de trabalho e renda nos seguintes temas: Segurança Alimentar e Agroecologia; Energias Renováveis; Cidades Sustentáveis; Água e Agroextrativismo. O 1° Fórum Nacional da RTS reuniu 285 participantes de todo o país, entre os dias 5 e 8 de dezembro de 2006, em Salvador/BA. Com o tema “Tecnologia Social, uma nova cultura de participação para o desenvolvimento sustentável”, o Fórum foi um momento histórico para a Rede, quando as instituições associadas se reuniram pela primeira vez.

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COMO AS TECNOLOGIAS SOCIAIS PODEM SER PLURAIS, SOMANDO CONHECIMENTO E PRÁTICAS A importância no quadro contemporâneo do movimento em torno da Tecnologia Social (TS) - enquanto contribuição que é, hoje, autenticamente brasileira - reside em sermos capazes de fomentar institucionalmente, incentivar financeiramente os sujeitos sociais e elaborar cientificamente as práticas de pluralismo tecnológico. O pluralismo

Ricardo T. Neder* se define por ser oposto às tecnociências dominantes nos sistemas de inovação empresariais das grandes corporações, governo e empresas. A Tecnologia Social tem uma definição positiva de um conjunto de práticas e conhecimentos que opera com princípios que abrem as barreiras socioeconômicas, culturais e busca aumentar a inclusão dos saberes e conhecimentos entre grupos sociais, empresas e países. Um bom exemplo é a agroecologia que teve crescimento exponencial no Brasil. Ela representa grande potencial para produção de alimentos e somase à conservação da biodiversidade. Trata-se de uma inovação baseada na prática, sistematização e teorias que usam o princípio de enriquecimento de saberes somado aos conhecimentos científicos. Este pluralismo tecnológico inexiste na agricultura


sentido de uma “tecnologia-como-péno-chão” é característico das ações de intervenção de movimentos socioeconômicos, entre outros, da economia solidária, empreendimentos autogeridos e a auto-gestão de associações e cooperativas. As duas vertentes são altamente convergentes no Brasil. Ambas trabalham sob a inspiração da tecnologia como inovação sociotécnica gerada pelos sujeitos sociais específicos no seu território sociocultural. Duas abordagens do sim, pois toda experiência de Tecnologia Social nasce no circuito social e econômico das economias de vizinhança, onde moram as pessoas envolvidas. A literatura especializada vem destacando esta vertente.

INCLUIR

para extensão com conhecimentos sociotécnicos dos mercados sociais e culturais. Os mercados são instituições sociais não sendo fácil nem mágico resolver o aumento da produtividade à custa do esgotamento dos solos ou da exclusão de milhões de produtores(as). Por isso, a propriedade intelectual na Tecnologia Social está subordinada à sua eficiência de instrumento público para transmissão dos processos de aprendizagem comum e de uma ciência prudente cujos resultados devem ser protegidos, mas não capturados ou patenteados. Caso oposto é o das patentes de sementes transgênicas, que é a tecnologia do não. INOVAÇÃO SOCIOTÉCNICA

Na sua origem, a Tecnologia Social é uma tentativa de internalizar, nas comunidades, soluções práticas para as pessoas no seu dia-a-dia. Esse

REDES SOCIAIS + REDES TÉCNICAS = REDES SOCIOTÉCNICAS

Noutra vertente da Tecnologia Social, está a troca de saberes e conhecimentos. A TS precisa dos conhecimentos científicos e tecnológicos das universidades e escolas técnicas. A questão, portanto, é: como se processa a interação do saber-fazer popular com o técnico & científico? O movimento pela TS tem outro modelo ao tradicional de difusão tecnológica que opera como se a tecnologia fosse uma “solução-semcabeça” que pode servir para qualquer situação. Isto gera a aplicação de tecnologias a um projeto prático que acaba por disseminar resultados que são manipulados por outros projetos políticos. Fazem dos sujeitos sociais náufragos à deriva de projetos

*Professor no Centro de Desenvolvimento Sustentável – Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Observatório do Movimento pela Tecnologia Social (rtneder@unb.br)

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baseada em organismos geneticamente modificados (OGMs). As OGMs são uma tecnologia do não. As pesquisas sociotécnicas no Brasil falam em pluralismo tecnológico em dois sentidos. Todas as inovações sociais e técnicas baseadas em saberes populares e conhecimentos científicos são construções de múltiplos sujeitos, portanto, plurais. Este fato é pouco percebido pela comunidade científica brasileira, embora intuitivamente praticado pelos pesquisadores quando vão a campo e extraem saberes centenários e mesmo, milenares, registrado pelos povos na Caatinga, na Floresta Amazônica, nos grotões da Serra dos Gerais e nas montanhas da Mata Atlântica, nos Manguezais e Pampas. Os projetos sociotécnicos são plurais em países como o Brasil e Índia, vastas porções da China e da África. Eles demandam políticas de pessoal


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que nada têm de comunitários ou de prática social no seu futuro. O filósofo da tecnologia contemporâneo Andrew Feenberg chama isso de desvios de implementação. Minas e fontes hidrelétricas, rodovias e complexos industriais apresentam esse tipo de comportamento em seus autores. São tecnologias do não. Podemos notar a partir das situações acima, que ambas as vertentes do “sujeito-que-inova”, e da “tecnologia-sem-cabeça” se confundem nas palavras, nos atos e nas práticas da Tecnologia Social e da economia solidária, no Brasil. Daí a importância das redes sociais produzirem uma interação ou construção com as redes técnicas apropriada. Qual o modelo apropriado de redes sociotécnicas? Certamente o movimento pela TS está buscando superar o modelo gerencial no qual os quadros gestores dos empreendimentos colocam-se numa situação de neutralidade tecnológica. A abordagem gerencial na administração das inovações sociotécnicas atua como um agente exterminador das iniciativas e formas de associação e cooperação de saberes e conhecimentos entre base social e pessoal de nível médio e técnico, agentes multiplicadores, professores, lideranças políticas. O importante é aprofundar o interacionismo na pedagogia das redes sociotécnicas. Esta parece ser a base da pesquisa e extensão para uma pedagogia tecnológica do movimento de TS na universidade. É uma tarefa atual, elaborar a pedagogia econômica e cultural adequada para a Tecnologia Social em seu ambiente inovador que são os mercados identificados com as incubadoras tecnológicas de cooperativas populares. Hoje a economia solidária reúne, num vasto movimento, 1,2 milhão de integrantes no país.

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2a Conferência Internacional das Tecnologias Socias A 2a Conferência Internacional de Tecnologias Sociais será aberta na noite de 3/12 em Brasília, logo após o 2º Fórum Nacional da RTS. O objetivo do evento é estabelecer parâmetros para a viabilização das Tecnologias Sociais, integrando diferentes experiências internacionais e aprofundando a discussão conceitual sobre o tema. Estarão presentes gestores de instituições públicas e privadas, empresários, lideranças comunitárias, empreendedores sociais, representantes governamentais e de organizações de pesquisa. Para isso, estão previstas palestras e mesas-redondas, além de painéis onde serão apresentadas experiências nacionais e internacionais no campo das Tecnologias Sociais. No dia 4/12, serão discutidos os seguintes temas: o papel das redes para a sustentabilidade do desenvolvimento; a experiência da RTS; a Rede de Pesquisa Latinoamericana sobre Tecnologia Social; da tecnologia apropriada à Tecnologia Social; Tecnologia Social, sustentabilidade e cidadania. Para a manhã de 5/12, estão previstos painéis de experiências,

1º Forum Nacional da RTS

nacionais e internacionais, onde a TS contribui para desenvolvimento rural e urbano. A parte da tarde será dedicada à construção de uma agenda de mobilização global em função das Tecnologias Sociais. A I Conferência Internacional e Mostra de Tecnologia Social foi realizada de 17 a 19 de novembro de 2004, em São Paulo (SP), pela Fundação Banco do Brasil, Petrobras, Ministério da Ciência e Tecnologia, Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica (Abipti). Estiveram reunidas cerca de 400 pessoas, em mesas-redondas e outras atividades, para discutir conceitos e apresentar propostas de operacionalização da Rede de Tecnologia Social (RTS), que viria a se formar no ano seguinte. Na oportunidade, foi lançado o livro “Tecnologia Social: uma estratégia para o desenvolvimento" e realizada uma Mostra de Tecnologia Social.

Outras Informações Secretaria Executiva da RTS Telefone: (61) 3340-9816 Endereço eletrônico:secex@rts.org.br Portal: rts.org.br


Concurso traz debate sobre Tecnologias Sociais para salas de aula

Os participantes deverão propor formas para apresentar o conceito de tecnologia social aos estudantes e justificar a proposta. Além disso, o concorrente deverá indicar como pretende envolver escola e comunidade no debate. Cinqüenta finalistas, dez de cada região do país, serão selecionados para concorrer à premiação. Os critérios para a seleção desta etapa são: clareza da apresentação, reaplicabilidade e originalidade da proposta. Na etapa final do concurso, um professor de cada região do Brasil será selecionado e os cinco

professores vencedores ganharão uma viagem ao Fórum Social Mundial - o FSM Amazônico, que acontecerá de 27 de janeiro a 1º de fevereiro de 2009, em Belém (PA). As inscrições, que seguem até 31 de outubro, podem ser realizadas no endereço eletrônico www.revistaforum.com.br/ts/ inscreva-se. Cada professor inscrito vai ganhar uma assinatura da revista Fórum, válida até fevereiro de 2009.

*Os textos da Seção Incluir foram elaborados por Larissa Barros, Michelle Lopes, Ricardo Neder, Vinícius Carvalho, equipe da Revista Fórum e gerência de Outras Informações comunicação da Fundação Banco Sítio:revistaforum.com.br/ts Portal: fundacaobancodobrasil.org.br do Brasil.

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INCLUIR

E

stá no ar o concurso "Aprender e Ensinar Tecnologia Social", uma iniciativa da Fundação Banco do Brasil e Revista Fórum. O objetivo é estimular a discussão, entre professores/as e estudantes, sobre ações que utilizam Tecnologias Sociais em projetos de desenvolvimento local. “O debate pode proporcionar maior aproximação da realidade com a sala de aula, fazendo com que o professor leve, para estudantes e sua comunidade, soluções sociais ou até provocações e elaborações para formulação de alternativas aos problemas que são enfrentados no dia-a-dia”, avalia Claiton Mello, gerente de Comunicação e Mobilização Social da Fundação Banco do Brasil. As reflexões e ações ligadas às Tecnologias Sociais também podem contribuir na forma de como se pensa o processo educativo, acredita Renato Rovai, editor da Revista Fórum: “Existem muitas propostas de ação pedagógica que são Tecnologias Sociais e que poderiam ser amplamente difundidas e reaplicadas. Isso colaboraria para que o país desse o salto de qualidade que precisa na área de educação”. Para participar do concurso, é preciso ser professor da rede pública de ensino (federal, estadual ou municipal) ou de um espaço não-formal de educação ação educacional, organizada e sistemática, que ocorra fora do sistema formal de ensino. No concurso, é necessário que o/a professor/a trabalhe com o ensino fundamental, independente da idade dos estudantes.


ISO 26000 ganha status formal

Clovis Scherer

Depois de três anos e meio de debates, a norma técnica virou real possibilidade depende agora de algumas aprovações

você sabia?

PRIMEIRO PLANO . ANO 3 . NO 11 . OUTUBRO 2008

Em dezembro uma nova versão da norma ISO 26000 deve estar disponível, inclusive para o público em geral. Basta acessar o site da ISO (www.iso.org)

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O caminho até o Chile foi longo para o Grupo de Trabalho ao qual a ISO atribuiu a tarefa de redigir a sua futura norma sobre Responsabilidade Social. O início do trajeto foi em Salvador, Bahia, em 2005, e percorreu outras quatro cidades em diferentes partes do mundo antes da reunião de Santiago. Mas só com as resoluções tomadas na capital chilena, depois de três anos e meio de debates, se pode dizer que a ISO 26000 tem uma real possibilidade de ser adotada como norma internacional. Em Santiago de Chile o Grupo de Trabalho (WG, na sigla em inglês) resolveu que o texto atual, depois de incorporadas as conclusões da Plenária, passará a ser um Committee

Draft (CD). Até então, pelas regras que governam os processos de normalização da ISO, o documento estava na sua fase de minuta de trabalho, ou seja, um texto em elaboração pelos especialistas que compõem o WG. Ao passar para CD, o texto ganha uma espécie de status formal de norma técnica e poderá avançar para outros três estágios finais (DIS, FDIS e, finalmente IS) se passar pelo crivo e voto de aprovação dos organismos nacionais de normalização, a exemplo da brasileira ABNT. Se o calendário previsto se concretizar, a norma será publicada em 2010. O passo dado é crítico no processo, pois assinala que as partes envolvidas estão de acordo com o conteúdo do texto, ainda que possam haver mudanças até o texto final. Em Viena, a Plenária realizada em novembro de 2007 teve à beira de aprovar a passagem para o estágio CD, mas uma parte substancial dos especialistas forçaram a manutenção no estágio prévio ao considerar que não havia consenso. Desde então, após serem examinadas duas versões do mesmo texto, este foi substancialmente aperfeiçoado. Em Santiago, a Plenária reuniu quase 400 participantes, entre especialistas e observadores. Na agenda de debates havia cinco tópicos-chave, cujo tratamento afetaria a norma como um todo, ao lado de dezenas de questões relevantes para partes específicas do documento.


O primeiro tópico era o da definição de normas internacionais de comportamento e o princípio de que organizações devem respeitar tais normas. A redação destas duas pequenas partes do documento têm implicações muito amplas, pois significam que na insuficiência de leis e normas nacionais, as organizações devem procurar nas normas internacionais a referência para guiar sua conduta – claro que se procuram de alguma forma serem socialmente responsáveis. Além de significar uma “elevação do patamar” de comportamento em muitos países, havia preocupações quanto à implicação de uma norma ISO para a legislação internacional. Cabe lembrar que em muitos países, a lei internacional não deriva apenas do que é legislado, mas também do que é costume ou do que se extrai do que é geralmente aceito. Este assunto se interliga ao da possível utilização da ISO 26000 nos processos do Tratado de Barreiras Técnicas. Desde seu princípio, ficou claro para os envolvidos na elaboração da norma que esta não visa a utilização como barreira comercial. Mas esta decisão poderia, ao contrário da intenção dos seus formuladores, servir para barrar produtos e serviços gerados em condições que desrespeitem os princípios de responsabilidade social. O resultado foi reforçar o

texto quanto a isto, no próprio texto. Antes da Plenária, pensava-se que a forma como a ISO fará referência a iniciativas e ferramentas de responsabilidade social, seria um dos pontos de grande polêmica. Na verdade isto não se verificou e foi fácil a decisão de criar um anexo aonde os leitores irão encontrar informações sobre tais iniciativas e ferramentas, de caráter internacional. A idéia é ajudar aos leitores, sem com isto respaldar quaisquer iniciativas, já que não se pode avaliar se estas são positivas ou servem apenas de fachada para comportamentos inadequados. A ISO não deve guiar a conduta dos Estados, sujeitos ao processo político de cada país. Mas, assim como para todas as demais, as organizações governamentais poderão se guiar pelas orientações da ISO 26000. Esta conclusão foi difícil de chegar, pois havia desconfianças tanto dos que não queriam nenhuma relação entre a norma e os governos, quanto dos que queriam ver a ISO 26000 definindo certos princípios de responsabilidade social também para Governos. Outro ponto de discussão foi sobre a possibilidade de uma organização deixar de abordar alguma área temática da responsabilidade social. Seria possível, por exemplo, a uma organização dizer que o meio ambiente

*Clóvis Scherer, do DIEESE, expert da categoria trabalhadores – Brazil ISO/TMB/Working Group Social Responsibility

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AGENDA GLOBAL PRIMEIRO PLANO . ANO 3 . NO 11 . OUTUBRO 2008

6ª Plenária do Working Group ISO 26000 ocorreu de 01 a 05 de setembro

não é relevante para suas práticas em termos de responsabilidade social? Na plenária ficou mais claro que não, que um conjunto de seis “core subjects” são relevantes neste contexto, evitando assim o que em inglês se diz que é o “picking and choosing” – escolher apenas aquilo que convém à organização e deixar de lado o que é realmente crítico. Por fim, o tema que talvez seja o mais complexo nos dias atuais, que é o da responsabilidade social na cadeia produtiva, na cadeia de valor e na esfera de influência das organizações. Uma das idéias mais interessantes neste debate é o de que, quando uma organização tem influência sobre outras, é sua responsabilidade exercê-la respeitando princípios e orientações delineadas na lei e em normas internacionais. Esta parte da norma ficou mais bem definida e será ainda mais fortalecida quando for publicada a nova versão. Houve fortes pressões de alguns governos, como os dos Estados Unidos e do Canadá, de setores do empresariado e de delegações inteiras, como a chinesa, que ameaçavam fazer ruir os esforços de redação. Mas a esmagadora maioria, desta vez, se formou e aprovou o avanço para outro estágio. O texto vai se consolidando como uma referência internacional, tanto pela qualidade técnica das contribuições que recebe, como por envolver grupos de seis segmentos sociais relevantes: empresas, trabalhadores, ONGs, governos, consumidores e pesquisadores. Nesta trajetória não apenas fez-se uso do conhecimento e da experiência, mas sobretudo da busca de um consenso negociado entre os diversos interesses em jogo, que é o que constitui a natureza própria do gera padrões de convívio e de responsabilidade social.


Cafés certificados: informação na prateleira

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Comunicação socioambiental e a crescente demanda por cafés Rainforest Alliance

Os meios de comunicação têm apresentado nos últimos tempos as questões ambientais e sociais com muita intensidade. Isso é reflexo das cobranças que partem da sociedade em busca de melhores condições de vida e produção. Necessariamente, algumas dessas respostas envolvem mudança de paradigma de consumo. Neste contexto, a certificação socioambiental ganha destaque como um dos possíveis instrumentos para essa mudança. Se antes o consumidor buscava um produto mais barato, equivocadamente considerado de melhor custo-benefício, hoje ele busca saber mais também sobre a origem dos produtos que está consumindo. A agricultura, ao fornecer a base alimentar, tem papel fundamental neste contexto. Ela pode cumprir ou não o seu papel, dependendo do sistema de produção empregado. Este, por sua vez, depende da cobrança da sociedade por produtos sustentáveis já que sociedade consome aquilo que considera conveniente para seu prazer, saúde, padrão so-

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Eduardo Trevisan Gonçalves e Rodrigo Cascales*

cial, e crenças. Em um processo de aprendizado, os meios de comunicação passaram a defender os valores sócioambientais forçando as empresas a adotarem essa postura nos seus produtos. Já o consumidor, com o poder da escolha e informação, começa a ter oportunidade de buscar os produtos que realmente respeitam o ambiente e a sociedade. A certificação socioambiental tem sido uma ferramenta que facilita a escolha dos produtores já que passa uma mensagem de como aquele produto foi produzido, isto é, respeitando normas sociais e ambientais. Como conceito, a certificação é um mecanismo que tem por objetivo identificar determinada qualidade do produto ou do processo de produção e enviar ao consumidor uma mensagem sobre sua qualidade e/ou característica. Esta mensagem deve ser atestada por um organismo independente, denominado certificador. Ele é o responsável por verificar a qualidade ou característi-

ca declarada pelo produtor. Alguns pré-supostos podem ser considerados no momento da escolha de qual certificação traz real sustentabilidade à produção. A certificação deve ter caráter voluntário. As avaliações (auditorias) devem ser independentes, sem conflitos de interesse entre certificadores e empresas, ou seja, a empresa (ou profissional) que prestou consultoria a determinado empreendimento, por exemplo, não deve fazer a auditoria do mesmo. Outro exemplo, são as empresas que se autocertificam, ou seja, criam suas próprias normas e atestam ao consumidor que as cumprem. Isto transgride uma outra característica de confiabilidade, a transparência quanto à definição de Normas e Padrões e participação de partes interessadas. A boa certificação também deve ter benefícios econômicos, garantindo a rastreabilidade do produto (caminho do produto final até o consumidor). O poder do consumidor é importante, principalmente quando ele


O diretor do Café Ituano, empresa localizada num dos maiores pólos comerciais do Brasil, entre as cidades de São Paulo, Campinas e Sorocaba, Augusto Gazzola Chierighini diz que percebe uma crescente preocupação com as boas práticas ambientais e sociais. “Iniciamos há três anos e hoje vemos que temos cada vez mais companhia. A certificação nos permitiu entrar em contato com redes varejistas em todo o país”, diz, e complementa: “Passamos de um status regional para um status nacional”. Com uma área de 12.500 metros quadrados, a empresa tem localização que permite atender com agilidade o Brasil e o exterior. Gazzola Chierighini Alimentos, empresa situada na cidade de Itu interior de São Paulo, foi fundada em 1956 e mantém sua tradição em torrefação e moagem de café, oferecendo os tipos de café Tradicional, Superior e Gourmet. A empresa tem capital 100% nacional e investe em sofisticados equipamentos na área de torrefação e em seus laboratórios próprios consegue manter a qualidade de todos o seu mix de produtos.

sumidor - é que a venda de café com o selo Rainforest Alliance cresceu em média 93% no período de 2003 a 2007, no mundo. O Brasil, no seu papel de segundo maior consumidor de café, tem um potencial enorme neste mercado sustentável e pode trazer grandes benefícios sócio-ambientais ao país. Algumas marcas já estão disponíveis em supermercados nacionais. O pequeno produtor também pode e deve entrar neste contexto. Muitos já se uniram e abriram mão de interesses individuais para conseguirem com isso, maior poder de negociação e maiores volumes de café comercializável. Apareceram frente ao mercado e ganharam novas oportunidades. A mídia já percebeu que a sustentabilidade é o único caminho possível, além de um grande negócio. O produtor tem agora uma grande oportunidade, pois produzir um café certificado pode ir ao encontro de consumidores dispostos a construírem este caminho.

REDE DE AGRICULTURA SUSTENTÁVEL E A RAINFOREST ALLIANCE Em 1998, através de uma coalizão de organizações não governamentais sem finalidade de lucro de oito países (Brasil, Honduras, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Equador, Colômbia e Estados Unidos), nasce a Certificação Socioambiental, um conceito que pretende aliar a conservação ambiental à produção de commodities agrícolas cultivadas nos trópicos. Conhecida originalmente pelo selo ECO OK, em meados do ano de 2001 mudou de nome, utilizando o selo Rainforest Alliance, o mesmo nome da entidade norte americana que lidera os processos de auditoria. As oito entidades envolvidas com a certificação socioambiental formam a Rede de Agricultura Sustentável (RAS), que é responsável pela normalização de todo o sistema de auditoria e normas empregadas por cada um dos sócios. Cada sócio representa a Rede em seu país e é responsável pela condução de auditorias localmente. No Brasil, o Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) é o responsável pela certifcação da RAS. *Engenheiros Agrônomos, programa de consumo responsável da Imaflora.

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consegue ganhar força em torno de um ideal. Este, atual e perene, é o da sustentabilidade. Ele é bom para o consumidor, bom para o planeta, bom para a sociedade. É um jogo de ganha-ganha, um capitalismo ambiental. Grandes empresas e fazendas já perceberam essa tendência e estão fazendo a sua parte. Para citar um exemplo, a rede de restaurantes do McDonalds no Reino Unido comercializa, em todas as suas lojas, cafés com o selo sócioambiental (socioambiental) Rainforest Alliance. Em oito meses, a partir deste lançamento, as vendas de todos os produtos cresceram 15%. Especificamente, a renda com café subiu 23%. Deste resultado, outras lojas na Europa também passaram a vender café certificado. Na Austrália, o McDonalds já divulgou que irá comercializar em todas as lojas, a partir de 2009, estes cafés. Outro dado interessante - como conseqüência do marketing sócioambiental (socioambiental), além da adoção destes valores pelo con-

AMBIENTE

Conscientização crescente


MARIA NAKANO

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Betinho e a luta Uma trajetória cheia de bons exemplos. Exemplo de cidadania, de cuidados com os outros e de batalhas pelas reformas de base. Ele elaborou estudos sobre a estrutura social brasileira para a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), da Organização das Nações Unidas (ONU), foi perseguido pelo regime pós 64, ficou na clandestinidade. Exilado, morou no Chile, onde atuou como assessor do presidente Allende, deposto em 1973 pelo general Augusto Pinochet com apoio da CIA. Ainda no exílio, participou da criação do Centro de Estudos Latino-americanos, que produzia análises sobre a América Latina veiculadas em diversas publicações e até em audiovisuais. Era uma espécie de pré-Ibase, como gostava de dizer, comparando com o instituto que fundaria com os companheiros de exílio Carlos Afonso e Marcos Arruda, dois anos depois de voltar ao Brasil, em 1979. Conheça mais: www.ibase.br/betinho_especial São onze anos sem Betinho. Ele morreu aos 61 anos em sua casa, no bairro de Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, em 9 de agosto de 1997, um sábado à noite, cercado por amigos, amigas e parentes.

BE TI NH O

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ENSAIO

“O QUE NOS FALTA É A CAPACIDADE DE TRADUZIR EM PROPOSTA AQUILO QUE ILUMINA A NOSSA INTELIGÊNCIA E MOBILIZA NOSSOS CORAÇÕES: A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO MUNDO."

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BETINHO, 1993


PRIMEIRO PLANO . ANO 3 . NO 11 . OUTUBRO 2008

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ENSAIO

“QUEREMOS UM PAÍS DEMOCRÁTICO, ONDE A POLÍTICA SE REALIZE ATRAVÉS DA ÉTICA E ONDE A ÉTICA SEJA UMA FORMA SUPERIOR DE REALIZAÇÃO DA POLÍTICA.”

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BETINHO, 1997


ENTREVISTA ENTREV REVISTA ENTREVISTA PRIMEIRO PLANO . ANO 3 . NO 11 . OUTUBRO 2008

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Metas possíveis em escala mundial O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é a rede global de desenvolvimento da Organização das Nações Unidas, presente em 166 países. Seu mandato central é o combate à pobreza. Em 2000, líderes mundiais assumiram o compromisso de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que incluem reduzir a pobreza extrema pela metade até 2015. No PNUD Brasil, há um enfoque especial para encontrar e compartilhar soluções em três áreas principais: Governança Democrática, Redução da Pobreza e Energia e Meio Ambiente . Em todas as suas atividades, o PNUD encoraja a proteção dos direitos humanos e a igualdade de gênero. Aqui no país, o PNUD está desde 1964. Para aprofundar mais o tema, segue a entrevista com Ana Rosa Monteiro Soares, oficial de Avaliação e Monitoramento do PNUD e ponto focal para os trabalhos em prol dos ODMs no Brasil. Ela é especialista em Desenvolvimento Internacional, com experiência em gestão de projetos de cooperação técnica na América Latina, África, e Europa. É doutoranda da Universidade Estadual de Nova Iorque, mestre em Administração Pública e Políticas Públicas e Bacharel em Ciência Política.

Relatórios revelam que os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio podem ser cumpridos até 2015 em alguns países, mas não em todos que aceitaram o desafio da ONU. No Brasil educação e saúde são os grandes desafios

ANA ROSA MONTEIRO SOARES, oficial de Avaliação e Monitoramento do PNUD


Segundo a ONU, para combater a pobreza no mundo seria necessário aproximadamente US$ 50 bilhões de investimento por ano nos países em desenvolvimento, haverá recursos? Estamos passando por um momento bastante complexo com a desaceleração da economia, a alta dos preços dos alimentos e dos combustíveis e as mudanças do clima. Tudo isso ameaça os progressos já alcançados o que torna mais evidente a necessidade de fortalecimento de estratégias em direção ao alcance dos ODMs para garantir da continuidade dos progressos já atingidos e evitar retrocessos. Diante do desafio colocado em 2000, os países ricos prometeram contribuir 0,7% do seu PIB (Produto Interno Bruto) para combater a pobreza. E em 2005, em Gleneagles, no Reino Unido, os G-8 (sete países mais industrializados e desenvolvidos economicamente do

“Para fortalecer os progressos alcançados, países em desenvolvimento vão precisar tratar das questões estrategicamente” Mesmo assim, houve avanços? Tivemos alguns avanços positivos com os novos compromissos assumidos durante esse último encontro de líderes mundiais em Nova Iorque. Cerca de 1.6 bilhão de dólares estão empenhados para seguro alimentação. Temos uma nova iniciativa - “Purchase for Progress” -para comprar colheitas excedentes diretamente dos fazendeiros pobres na África e América Central. Além disso, 3 bilhões de dólares estão comprometidos para o lançamento do Plano de Ação contra a Malária, mais empenhos de quase meio bilhão de dólares para o Fundo Global de Combate a AIDS, Tuberculose e Malária e 2 bilhões em 2009 para os ODM relativos à mortalidade infantil e saúde maternal, chegando à 7 bilhões até 2015. A Campanha global para a Saúde pretende mobilizar uma soma extra de 30 bilhões de dólares até 2015. Serão ainda investidos mais 2.2 bilhões de dólares para prover água e saneamento para 30 milhões de pessoas até 2015 e 4,5 bilhões de dólares para o lan-

çamento da “Turma de 2015: Educação para Todos”, uma parceria múltipla que pretende colocar milhões de crianças na escola até 2010, entre tantas outras iniciativas. De que modo uma possível desaceleração da economia mundial, pode impactar no esforço dos países para alcançar as Metas do Milênio? Ainda não é possível prever com precisão a dimensão e quanto tempo irão durar as crises financeira, energética e de alimentos anunciadas, assim como é difícil estimar o real impacto que tudo isso terá nos esforços dos países em direção aos ODMs. No entanto, sabemos que podemos esperar grandes desafios e em muitos países até retrocessos e interrupções nos avanços e progressos já alcançados. O que fica claro é que para sustentar e fortalecer os progressos alcançados até o momento, países em desenvolvimento vão precisar tratar de maneira mais estratégica e interligada as questões de crescimento, desenvolvimento e sustentabilidade ambiental.

ENTREVISTA

mundo), também prometeram duplicar a ajuda financeira ao continente africano em um total de 50 milhões por ano até 2010. No entanto, nos últimos dois anos a ajuda oficial para o desenvolvimento tem caído e os países mais ricos continuam a descumprir suas promessas. A Dinamarca, Luxemburgo, Países Baixos, Normandia e Suécia foram os únicos que já contribuíram o combinado.

Em quais Objetivos está havendo maior avanços em termos de alcançar as Metas? Em quais há maiores dificuldades? De acordo com o Banco Mundial, a relação atual de pessoas vivendo com menos de um dólar por dia diminuiu em 278 milhões, de 1990 a 2004. Mesmo a despeito de um aumento de população dos países em desenvolvimento de cerca de um bilhão nesse mesmo período. Caminhamos rumo ao cumprimento da meta de reduzir pela metade as pessoas que vivem atualmente em pobreza extrema no mundo. Calcula-se que temos hoje 40 milhões de crianças a mais na escola, o acesso à educação básica em quase todas as regiões do mundo chega à pelo menos 90%. A disparidade de gênero na escola primária e secundária declinou em 60%. Temos hoje cerca de três milhões de crianças a mais sobrevivendo a cada ano, duas milhões de vidas têm sido salvas a cada ano pela sim-

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Qual a avaliação hoje do PNUD sobre a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) em nível mundial? Será possível atingir as Metas até o ano de 2015? O Relatório Global de ODM publicado em setembro de 2008 pela ONU indica que houve considerável progresso em diversas partes do mundo, no entanto o progresso ainda é muito desigual. No ritmo de desenvolvimento atual a maioria dos países não chegará a alcançar todas as metas do milênio dentro do prazo estabelecido de 2015. Mas existem avanços significativos o que nos leva a acreditar que sim, com vontade política e comprometimento real por parte principalmente dos líderes mundiais; e o envolvimento da sociedade civil e do setor privado o alcance dos ODM até 2015 ainda é possível numa escala mundial. Mas como bem indicou o Secretário Gera,l Ban Ki-moon, em 25 de setembro desse ano por ocasião de uma reunião de cúpula sobre os Objetivos em Nova Iorque (High Level Evente on MDGs), o alcance das metas demanda ações articuladas, criativas, decisivas e de longo prazo por parte da comunidade internacional.


ENTREVISTA ENTREV REVISTA ENTREVISTA PRIMEIRO PLANO . ANO 3 . NO 11 . OUTUBRO 2008

ples vacinação, duas milhões a mais de pessoas agora recebem tratamento de AIDS. A proporção de mulheres na política aumentou e a proporção de áreas protegidas também aumentou. De acordo com o Banco Mundial, são cerca de um bilhão de pessoas vivendo em extrema pobreza ainda no mundo. E em especial na grande maioria dos países em desenvolvimento tem havido elevação considerável na desigualdade de renda. Temos ainda mais de 75 milhões de crianças fora da escola, 10 mil mulheres que morrem a cada semana por complicações na gravidez ou no parto e mais de 190 mil mortes de crianças abaixo de cinco anos por semana. São ainda mais de 33 milhões de pessoas infectadas com HIV e mais de um terço da população urbana de países em desenvolvimento vive em assentamentos precários e cerca de metade do mundo em desenvolvimento ainda não tem saneamento básico. O desmatamento sozinho hoje ainda contribui com cerca de um quinto do total de emissão de gás carbônico. Em termos de Brasil, qual a situação atual, o país atingirá todas as Metas previstas? O Brasil tem registrado progressos importantes. O país já alcançou a meta de reduzir pela metade a pobreza, e assumiu o compromisso mais ambicioso de reduzir a um quarto a pobreza extrema. Do mesmo modo, ao invés de reduzir à metade a proporção da população que sofre de fome, o país se comprometeu a eliminar a fome até 2015. Também estamos prestes a universalizar o acesso ao ensino fundamental e a desigualdade de renda no país vem diminuindo, assim como as desigualdades de gênero e raça, principalmente no que diz respeito ao acesso à educação básica. E o que ainda precisa melhorar? Temos grandes desafios no que se refere à qualidade da educação, ao combate à evasão escolar, à participação igualitária da mulher e das diferentes etnias na esfera política e no mercado de

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trabalho. A violência contra a mulher ainda é um sério problema. A taxa de mortalidade na infância e a mortalidade materna vêm apresentando redução significativa, mas ainda abaixo dos níveis aceitáveis e a sub-notificação é uma questão ainda muito preocupante. Com relação ao meio ambiente, tivemos avanços importantes com relação ao aumento do número de áreas ambientais protegidas. Mas a degradação do meio ambiente ainda segue num ritmo preocupante. Algumas melhorias das condições de vida urbana e de saneamento básico foram registradas, mas os problemas ainda são marcantes.

“Resolver o cerne do problema exige de todos ainda muitos esforços, investimento estável e crescente”

situação das Metas nas grandes regiões e qual seria o papel dos governos nos Estados? O progresso em cada meta varia bastante de região para região e torna-se cada vez mais importante acompanhar essa evolução em cada região, estado e até município para poder chegar aonde mais se necessita e mudar de verdade a realidade que não aparece nas grandes médias nacionais. O papel dos governos nos estados é justamente buscar planejar mais de perto para alcançar as metas na esfera local. É buscar a “localização dos ODM”, isto é, pensando planos de gestão e orçamentos com os ODM em mente, traçando metas ligadas à estratégia global dos ODM, porém adaptadas às realidades locais. É de extrema relevância monitorar essas metas para planejar e investir de forma adequada e estrategicamente para prevenir retrocessos e avançar em direção a um progresso sustentado.

Qual a conclusão que se pode chegar? Observando as médias nacionais, tudo indica que o país alcançará, se não todas as metas, boa parte delas no prazo esperado. No entanto, é importante frisar que médias podem mascarar grandes desigualdades num país como o Brasil. Desagregando dados por estados e municípios é possível verificar variações que preocupam. O grande desafio passa ser então que as diferentes metas do milênio sejam atingidas em todas as regiões do país e pelos diferentes grupos sociais.

E como os governos municipais podem contribuir? Municípios também têm a responsabilidade de se planejar estrategicamente, e do mesmo modo que os estados, os municípios podem e devem se organizar em torno de uma plataforma simples, porém ainda abrangente. Acima de tudo, é nessa esfera municipal que se torna mais importante ainda também mobilizar, sensibilizar e capacitar governantes, gestores públicos, empresários e sociedade civil para trabalharem pelos Objetivos, seja fiscalizando, supervisionando ou monitorando. Para ajudar os municípios e a sociedade civil nesse trabalho o PNUD-Brasil em parceria com o UNICEF, o Ministério do Planejamento e o Observatório Regional Base de Indicadores de Sustentabilidade do Paraná (ORBIS) estarão lançando até o final deste ano o Portal ODM, que fará o acompanhamento de indicadores para todos os municípios do país.

O Brasil é um país muito grande e diferenciado em termos econômicos e sociais, qual a

Combater a pobreza e a miséria exige o engajamento de toda a sociedade, como as


Atingir metas quantitativas é muito importante: as Metas do Milênio trazem avanços de qualidade também? Melhorou a qualidade da educação? Diminuiu a discriminação racial? As Metas do Milênio trazem avanços de qualidade sim. O foco do monitoramento pode parecer estar muito na esfera quantitativa, mas a busca final é por qualidade de vida, por respeito aos direitos humanos e desenvolvimento humano sustentável. E especificamente falando, dos temas já citados, acredito que os ODMs contribuíram de forma significativa para os temas. Ainda estamos longe de uma ampla consciência de respeito a direitos humanos e valorização de diversidades étnicas, raciais e outras, mas acho que temos avançado. A qualidade da educação em alguns poucos lugares do mundo melhorou, mas o grande esforço ainda tem sido pela universalização do acesso. O governo tem se mostrado comprometido com di-

versas ações, assim como a sociedade civil, mas de fato a problemática ainda merece maior atenção por ser uma questão que tem que ser combatida por diversas frentes. Para se resolver o cerne do problema exige-se de todos ainda muitos esforços, e investimento estável e crescente nessa área e também nas outras referentes aos ODM para se verificar resultados positivos com mais rapidez e sustentados para a qualidade da educação no país. A questão racial parece não ser claramente ou explicitamente reforçada pelos indicadores oficiais dos ODM, mas os Objetivos reforçam sim a importância do tema, pois esse é um aspecto indispensável para o alcance de algumas das metas mais importantes. É visível que não só no Brasil, mas em grande parte do mundo em desenvolvimento a cara da pobreza ainda é negra, mulher e criança. O Brasil tem buscado traçar medidas específicas e políticas públicas de apoio à diversidade e o respeito racial.

ENTREVISTA

empresas e sociedade civil podem ajudar? As empresas e a sociedade civil podem ajudar incentivando o comprometimento de todos e a divisão dessa responsabilidade de alcançar todos objetivos até 2015 ou o quanto antes, mas de uma maneira verdadeiramente abrangente. As empresas privadas têm papel fundamental como fonte importante de geração de emprego e renda contribuindo para o melhoramento das condições humanas. Mas as empresas podem ser ainda especialmente estratégicas comprometendo-se com ações de responsabilidade social corporativa de trabalhos em prol dos ODMs, dentro de uma plataforma de desenvolvimento sustentável e de respeito aos direitos humanos. A sociedade civil como um todo tem um papel crítico no aspecto da sustentabilidade das ações, ajudando a cobrar dos governantes ações estratégicas e coordenadas para que os objetivos sejam alcançados.

As Nações Unidas divulgaram no final de setembro, em Nova Iorque (EUA), os dez vencedores de um prêmio internacional para empresas que se destacam na luta por atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). A terceira edição da premiação, chamada World Business and Development Awards (Prêmio Empresas Globais e Desenvolvimento), recebeu 104 inscrições de instituições de 44 países — o maior número já registrado. O prêmio, organizado pela ICC (Câmera do Comércio Internacional, na sigla em inglês), pelo IBLF (International Business Leaders Forum) e pelo PNUD, visa chamar atenção para a importância de parcerias entre governos e empresas no alcance dos Objetivos do Milênio. Entre os vencedores desta edição está um projeto brasileiro que dá descontos na conta de luz para quem recicla lixo. A iniciativa foi implantada pela empresa de energia elétrica Endesa, uma multinacional espanhola dona de quatro subsidiárias no Brasil, que juntas atendem a 5,1 milhões de clientes. A empresa implantou o projeto por meio da Ampla (distribuidora de energia elétrica que atua

em 66 municípios cariocas) e da Coelce (que distribui energia elétrica a todo o Estado do Ceará). No Ceará, onde o programa chama-se Ecoelce, o cliente cadastra-se em um ponto de coleta de recicláveis e recebe um cartão eletrônico. Depois, volta ao posto com o lixo, que é então pesado. O valor do desconto, calculado de acordo com o tipo e o peso dos resíduos — um quilo de garrafa pet, por exemplo, vale R$ 0,30 —, é creditado no cartão. No Rio o processo é semelhante, mas o número de postos de coleta é menor. OUTROS PREMIADOS - A terceira edição do World Business and Development Awards também premiou projetos das empresas 3K&A (em Gana), Diageo (Nigéria), Haygrove (Gâmbia), Olam Nigeria (Nigéria), Safaricom (Quênia), Sistema Ser (Argentina), Smart Communications (Filipinas), Syngenta (projeto implantado em vários países) e ZMQ Software Systems (Índia). Os organizadores deram ainda um destaque especial a iniciativas de três outras empresas: Map Internacional (por um projeto em Uganda), Yara (Moçambique e Tanzânia) e Ericsson (Quênia, Nigéria e África do Sul).

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PROJETOS PREMIADOS


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MEU MUNDO

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le já fez de tudo. Como escritor, se envolveu em todos os setores que a atividade pode abordar: teatro, cinema, literatura, televisão. Para Mario Alberto Campos de Morais Prata, escrever é uma profissão séria como outra qualquer, mas não deixa de ser um grande prazer. Até integrar por nove vezes a lista dos "mais vendidos" e, muitas vezes, liderá-la, Mario Prata passou por algumas provações. O caminho começou em Uberaba (Minas Gerais), onde nasceu. Ele viveu a infância e juventude em Lins (interior de São Paulo), e lá descobriu os prazeres da literatura. "Eu sempre gostei de escrever mas, naquela época – anos 50, 60 – não imaginava que isso pudesse ser uma profissão. Não tive uma formação para ser escritor, acho que fui educado para ser gerente do Banco do Brasil". Seguindo o destino, aos 20 anos, Mario Prata foi gerenciar uma agência em São Paulo e preparar-se para o "futuro garantido" que a função lhe ofereceria. Mas o amor pela escrita não foi abandonado. Desde os 14 anos, ele colaborou com a Gazeta de Lins, onde foi colunista social, redator e editor. Enquanto estava no banco, cursava economia na Universidade de São Paulo (USP). A literatura já estava ficando de lado quando, em 1969, os estudantes ocuparam a faculdade. "Mas não sabíamos o que fazer lá dentro, aí fiquei numa máquina de escrever, criando meu primeiro livro – "O morto que morreu de rir" – que, aliás, é muito ruim, e o Centro Acadêmico publicou". Empolgado, saía vendendo sua obra em bares e, nas negociações, foi conhecendo pessoas ligadas ao teatro. No ano seguinte, mais maduro, escreveu sua primeira peça, "Cordão Umbilical", que fez sucesso imediato. "Se não tivesse dado certo, eu estaria hoje, provavelmente aposentado no Banco do Brasil ou seria Ministro da Fazenda do Fernando Henrique", brinca, viajando com as possibilidades do destino. Polivalente Daí pra frente, Prata não sabe mais dar a receita. "Depois você vai juntando um pouco de talento com muita sorte e vai indo. As coisas foram dando certo até chegarem onde

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chegou, cada um tem um tipo de trajetória", ensina. A dele é gloriosa e plurilateral. Como jornalista, trabalhou em diversos jornais e revistas. Na literatura, não se restringiu a nenhuma faixa etária e lançou publicações para todas as idades. Escreveu também para cinema, teatro e televisão. Foi repórter, cronista, colaborador, resenhista de literatura, contista, articulista e pôde desfrutar do reconhecimento de seu trabalho ao receber vários prêmios. Em seu currículo também está a função de assessor do Secretário da Cultura (Fernando Morais), no governo Orestes Quércia. "Apesar de ganhar pouco e trabalhar muito, foram dois anos em que pudemos fazer muita coisa pelo cinema, teatro e música", afirma. Para conseguir verba para os projetos que preparavam, Mario Prata tinha uma técnica de persuasão. "Eu sabia quanto custava o metro quadrado do metrô, então eu falava: ‘governador, são apenas 10 centímetros de metrô’, ele nunca negou nada para nós, e os 10 cm, financiavam seis meses de teatro paulista", justifica. Já fora do governo, Prata foi para Portugal a convite de uma namorada. O relacionamento durou 16 dias, mas ele permaneceu no país por dois anos. "Logo me convidaram para fazer o projeto de um filme por oito meses. Quando acabou, pintou uma minissérie para a televisão. Três meses antes de completar dois anos, eu ainda tinha o contrato do apartamento e aproveitei esse tempo para escrever o livro "Schifaizfavoire, dicionário de português" (Editora Globo). A partir de 92, Prata dedicou-se inteiramente aos romances e publicou um por ano. Em 93, lançou "James Lins, o playboy que não deu certo" (Placar Editorial); na seqüência, "Filho é bom, mas dura muito" (Maltese Editora); depois veio "Mas será o Benedito?" (Editora Globo); em 97, o sucesso de "O diário de um magro" (Editora Globo) e "100 crônicas" (Editora do Estadão); em 98, "Minhas vidas passadas (a limpo)" (Editora Globo); em 1999 estourou com "Minhas mulheres e meus homens" (editora Objetiva); em 2000 fez uma das mais importantes experiências em literatura e Intenet de que se tem notícia, escrevendo o romance policial "Os anjos de Badaró" (Editora Objetiva) intei-

ramente on-line; uma média de 4000 pessoas assistiam diariamente o autor escrevendo; em 2001 publica o livro de crônicas "Minhas tudo" (Editora Objetiva); em 2002 "Palmeiras, um caso de amor" (Editora Objetiva); e “Buscando o seu Mindinho” (Editora Objetiva); em 2004, “Diário de Magro II” (Editora Objetiva); 2006, “Paris, 98!” (Editora Objetiva). Em 2007 assinou contrato com a Editora Planeta, e lançou “Purgatório”. Em 2008, pela mesma

SEM RODEIOS


Mario Prata P rata

Editora, “Cem Melhores Crônicas – que, na verdade são 129”. Ainda pela Planeta, “Sete de Paus”, em 2009. Durante 11 anos (de 93 a 2004) foi cronista no Caderno2 do Estadão. Neste mesmo período escreveu crônicas para as semanais IstoÉ e Época. Como roteirista de cinema ganhou 2 Kikitos no Festival de Gramado. Um com “Bésame Mucho”, em parceria com Francisco Ramalho Junior (1987) e outro com “O Testamento do Sr. Napumoceno”, filme luso-francês. Entre literatura, teatro e cinema, já recebeu 18 prêmios nacionais e estrangeiros. Como é ser escritor? Para Mario Prata, a curiosidade da maioria das pessoas é injustificada. "É uma profissão como outra qualquer, também tenho minhas responsabilidades. Não existe esse negócio que muitos têm na cabeça, de que o escritor é um ser que tem umas musas para inspirar. Eu falo de escritor como profissão, porque não existe inspiração, existe um negócio chamado talento e isso você aperta e sai, claro que às vezes sai pior, às vezes sai melhor, como um médico que vai costurar um corte e às vezes faz bem, outras, não’", argumenta, dizendo que tem até um projeto ousado de criar uma faculdade de escritores no Brasil, a exemplo do que já acontece em alguns países. De acordo com ele, com experiência é possível ensinar muitas técnicas, além de cultura geral. "Acham que escritor é só quem escreve romance. Nessa faculdade, formaríamos escritores para escrever também prospectos de geladeiras, manuais de eletroeletrônicos, bulas de remédio, essas coisas que nós não entendemos porque são elaboradas por técnicos, tinha que ser por um escritor", alfineta. Apesar dos autores fazerem o gênero anônimo e evitarem o assédio, para Mario Prata, é difícil. Sempre aparecendo na mídia, escrevendo para o Estadão e a Isto É e lançando um livro por ano, ele acaba tendo um contato muito próximo com o público. "Recebo cerca de 40 e-mails por dia e respondo todos. Têm pessoas que confundem, querem estender o papo, acham que estão íntimas, aí eu tenho que cortar, mas não posso me desligar dos fãs", explica.

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DIRETO E PRÁTICO. ESSA É A PRIMEIRA PERCEPÇÃO NUMA CONVERSA COM MARIO ALBERTO CAMPOS DE MORAIS PRATA, OU


SOLUÇÕES

Selo verde: evolução digital A busca pela produção de componentes de baixo consumo, atóxicos, recicláveis, entre outras características que diminuam os danos ao meio ambiente, tem como principal alvo os data centers. De acordo com a consultoria Gartner Group, eles consomem cerca de 1% da energia gerada no planeta. Enquanto metade é direcionada aos servidores, o restante é utilizado nos sistemas de ar condicionado que controlam a temperatura dos ambientes onde estão instalados. Para aprimorar esses servidores, surgiu o selo verde “The Green Grid”. Adotado por companhias como HP, IBM, Orolix, entre outras, o selo representa uma nova geração de data centers que seguem padrões de desenvolvimento e processos destinados a otimizar sua eficiência energética. O provedor de acesso gratuito à internet Orolix investiu 115 mil dólares na racionalização de seus recursos tecnológicos. Conhecidas como “computação verde”, as ações voltadas a sustentabilidade da tecnologia da informação geraram economia de 15 mil dólares anuais através da redução de 19.272 kwatts/ano em consumo energético.

Legenda oculta na propaganda A empresa Danone lançou duas novas campanhas publicitárias do produto Activia em televisão com a função Closed Caption ou legenda oculta. Esse sistema de transmissão via sinal de televisão permite que as pessoas com deficiência auditiva acompanhem a programação nos aparelhos equipados com a tecnologia. Ao inserir a função Closed Caption, a Danone demonstra o comprometimento com todos os consumidores brasileiros comunicando democraticamente as novidades. “Respeito pelas pessoas sempre esteve incorporado à filosofia do nosso trabalho. O sistema Closed Caption é uma importante ferramenta de acessibilidade e inclusão social”, explica Leonardo Lima, gerente de marketing da Danone. Dados do IBGE apontam que no Brasil há mais de 5 milhões de pessoas com deficiências relacionadas à audição. A função Closed Caption é também importante para auxiliar crianças em fase de alfabetização e estrangeiros que têm dificuldades no idioma português.

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Ecobag para levar aparelhos auditivos A onda contra as sacolas plásticas pegou. O Centro Auditivo Telex aderiu à campanha e lançou a Ecobag como um presente para os clientes que comprarem aparelhos auditivos. Cada uma custou à empresa R$ 5,40. Produzidas por costureiras de Santa Cruz, na zona oeste do Rio de Janeiro, as Ecobags são feitas com 100% de algodão natural e vêm estampadas com a frase "Natureza. Cuide do que a vida tem de melhor", propondo uma reflexão sobre o consumo consciente. "As Ecobags são confeccionadas em um material que leva apenas dois anos para se decompor, causando um impacto ambiental bem menor do que as sacolas plásticas a que estamos habituados. Além de úteis e ecologicamente corretas, também são importante canal de divulgação de nossa marca", conclui Joana Borges, gerente de marketing e produtos da Telex.

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Expansão da coleta de pilhas As empresas interessadas em realizar a coleta de pilhas e baterias usadas podem ter o Papa-Pilhas. Desenvolvido pelo Banco Real, o programa obteve adesão de cerca de 200 instituições, entre elas TIM, Gerdau, 3M, Votorantim e Johnson & Johnson. Outras 300 companhias já estão cadastradas e serão as próximas a receberem os displays. “Hoje o Programa Real de Reciclagem de Pilhas e Baterias tem mais de 1.800 pontos de coleta em todo o Brasil. Até dezembro deste ano, a expectativa é atingirmos 3.170. Nossa missão é minimizar o impacto causado pelo descarte inadequado desses materiais no meio ambiente”, afirma Victor Hugo Kamphorst, consultor socioambiental do Banco Real. Os displays coletores são esvaziados mensalmente pela ADS Logística, que transporta o material diretamente para a Suzaquim, única empresa licenciada no Brasil para realizar o trabalho de reciclagem. O programa foi lançado em dezembro de 2006 e, até 31 de julho de 2008, recolheu 101,5 toneladas de pilhas e baterias. www.bancoreal.com.br/papapilhas.




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