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DESAFIOS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL PRIVADA
José Manuel Souto Gonçalves
[ Peço ao moderador que me conceda um minuto extra para um aparte: o Congresso mal começou e eu já dou por bem empregue ter vindo. Ontem, no jantar, tive a sorte de ficar numa mesa com oito camaradas jornalistas. Ao longo do repasto falou-se muito, trocouse ideias, contou-se histórias, disse-se piadas, partilhou-se experiências… sentime como se estivesse numa Redação, senti-me verdadeiramente jornalista. Acreditem que, para quem trabalhou 15 anos na rádio local do Faial, na área da informação, sozinho, aquela foi uma sensação muito gratificante. Para a organização o maior elogio: foi muito feliz a hora da decisão de realizar este Congresso. Espero ouvir, no domingo, na sessão de encerramento, o anúncio da data do próximo. ]
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Espero conseguir demonstrá-lo nos próximos 10 minutos.
A identificação dos «Desafios da Comunicação Social privada» está feita
Quem leu e ouviu o que já se disse, nos últimos dias, na antecâmara desta reunião, fica ciente da situação.
O único detalhe a modificar, para não ser eufemístico, seria substituir desafios por problemas, pois a realidade está mais próxima destes do que daqueles..
É justo realçar – e gostava de dizê-lo com ênfase – a hora feliz em que foi decidida a realização do 1.º Congresso dos Jornalistas dos Açores. Tarde é o que nunca chega! Está de parabéns a organização. Vou focar-me na realidade local e, de forma particular, no que classifico de imprensa “localíssima”.
O tema da liberdade de imprensa talvez não corresponda ao que esperariam ver tratado neste painel.
Achei, no entanto, que não seria despropositado trazer o assunto à colação.
Em concreto, refiro-me à imprensa suportada por microempresas, em meios tão pequenos como o Faial, de onde venho.
A palavra não está nos dicionários, mas é eloquente, no propósito com que a emprego.
Há 30 anos, 20 por cento da população do Faial assinava o centenário O Telégrafo, da Horta.
Hoje, na mesma Horta, as assinaturas, em conjunto, do diário Incentivo e do semanário Tribuna das Ilhas – os dois títulos que resistem – não ultrapassam cinco por cento.
E não se pode mexer no preço da assinatura, disse-me o administrador de um destes jornais.
Antes de vir para cá, tive a preocupação de fazer uma ronda pelos jornalistas e administradores da imprensa e rádio locais, pois não quis trazer apenas a minha opinião
Um deles, resumiu a conversa do seguinte modo:
Ainda existimos porque persiste um sentimento de orgulho, que nos salva do anátema de ficarmos na História como a geração que deixou a sua terra sem jornais.
Esta fragilidade da imprensa “localíssima”, a que poderíamos chamar drama, tem um fundamento subjacente às dificuldades económico-financeiras, a que se referia o meu interlocutor.
Tal fundamento foi bem identificado pelo diretor do Tribuna das Ilhas, há um ano, numa conferência, na Horta.
Costa Pereira contou que fez um inquérito, como professor de Humanidades da Escola Secundária Manuel de Arriaga, a 40 alunos das suas turmas.
Concluiu que, em três meses, apenas uma dezena lera um livro, sem que desses dez todos tenham completado a leitura. Nenhum tinha lido jornais!
«É com pena e alguma angústia – disse ele–, que reconheço que já perdemos a geração atual e talvez a tenhamos perdido, porque já não havíamos conseguido atrair, a geração dos seus pais.»
Usando a frieza das estatísticas, embora sem base científica, encontrei um exemplo flagrante, demonstrativo de que a imprensa “localíssima” não é atrativa para os jovens.
Pela rádio local do Faial, nas últimas três décadas, passaram jornalistas, radialistas e colaboradores que, depois, entraram para os quadros das estações públicas de rádio e televisão.
Pelas minhas contas, a Antena Nove deixou-os partir a uma média de um elemento em cada três anos. Qualquer corpo ficaria exangue com tamanha sangria, com a agravante de não ter havido mãos que a pudessem estancar. Sem leitores, nem redatores, com administradores que encontram no orgulho a razão para sobreviver, não sobram motivos para manter a porta aberta.
Ao longo do tempo, soam-nos aos ouvidos, em momentos de algum empolgamento, elogios à imprensa regional e local, pelo seu papel, dizem, insubstituível.
Dificilmente encontro nesses arrebatamentos um compromisso sincero e, já agora, sério, com o que, em última análise, é a promoção das garantias de uma imprensa livre. Agora, vejamos se é possível desempenhar essa missão – informar com liberdade –tantas vezes exaltada.
Mas, Costa Pereira foi mais longe nesta análise e, infelizmente, não nos isentou de responsabilidades num cenário tão desolador:
Em jeito de desabafo, digo-vos que tenho sérias dúvidas, para não dizer certezas, sobre se um jornal bem feito será capaz de prevalecer num ambiente onde o antijornalismo e pseudojornalistas nascem debaixo dos pés.
[ Não se escandalizem, porque estou a falar das redes sociais! ]
Pior do que um mau jornalista, é um mau leitor. Se não temos estes, aqueles grassam e pululam. É isto que ocorre nas redes.
Vou contar-vos algumas estórias que mostram que, provavelmente, há mais uma razão do que o orgulho para manter viva a imprensa “localíssima”.
Essa razão será a teimosia…
Começo pela situação em que, depois de se fazer um título, ao fim da tarde, na Redação, se dar de caras, na manhã seguinte, ao comprar o pão, com o primo, a irmã, o pai, a comadre, o vizinho, a amiga ou o colega do visado.
Se se elogiou, sai-se da padaria com um sorriso de orelha a orelha; se se criticou, deixamos de ver o sorriso nos lábios dos outros, ou perdemos três ou quatro assinantes!
Trabalhei na RDP-Açores, no Faial. Já nessa altura as reivindicações em torno das melhorias do Aeroporto da Horta estavam na ordem do dia.
Os jornais locais encetaram uma campanha incessante pela escala da TAP. A propósito de um relatório de uma entidade cujo nome já não me lembro, noticiei que o Aeroporto estava incluído na lista dos mais perigosos do país.
Horta e o Incentivo, que surgira de novo.
O centenário Telégrafo e o semanário Incentivo fundiram-se, prevalecendo o título mais antigo.
Eu próprio e meu irmão decidimos mexer no velho diário, que passara a pertencernos.
Entre outras medidas, erradicámos os pseudónimos, que eram como um enxame naquelas páginas.
Apareceu-me um dia na Redação, bracejando desabridamente, um leitor que me acusou de estar a dar cabo do jornal, argumentando que o Telégrafo não era meu, mas dos faialenses.
A propósito da ligação fortíssima dos assinantes ao jornal, lembro-me de meu avô, que escrevia mal e lia ainda pior, assinar O Telégrafo por causa dos títulos, que, a custo, conseguia decifrar.
A proximidade da imprensa “localíssima” é a sua índole. Contudo, esta característica tem-se perdido.
Dependentes dos despachos das centrais de comunicação – salvas exceções notáveis –, os jornalistas perderam grande parte da sua faceta de historiadores do quotidiano
[ Um parêntesis: até há quem publique estes despachos com os erros que vêm da origem.].
Quando fui almoçar, cruzei-me com diretor d’O Telégrafo, o Professor Ruben Rodrigues, que me zurziu, forte e feio, sobre a inconveniência da notícia. Para ele, acima de tudo, estava o «interesse da terra».
Em determinada altura, o mercado não suportava O Telégrafo, o Correio da
Raramente se lê, nas cada vez mais raras reportagens da imprensa “localíssima”, a descrição do ambiente, as notas pitorescas, os nomes dos presentes, enfim, um texto que explore, com veia inspiradora, o acontecimento banal, mas interessante do ponto de vista da roda de leitores envolvidos nesta proximidade. Era isto que tornava o assinante indefetível, quase adepto do jornal, como aquele que me acusou de dar cabo do Telégrafo.
Hoje é mais GACS’s, gabinetes de comunicação, assessores de imprensa e, até, jornais que servem de tirocínio para candidatos a funções políticas. A verdade, porém, é que sem ovos não se faz omeletes!
Tornou-se impossível, hoje, no Faial, realizar a cobertura de eventos com este tipo de abordagem perante a simultaneidade de ocorrências que se verifica.
O período áureo da vida intelectual e cultural faialense, que muitos fixam a meados do século XX, parece estar de regresso. Todavia, a imprensa não lhe corresponde.
Com uma Redação composta por dois ou três elementos, como é que se pode atender telefones, responder a mensagens, fazer publicidade e faturá-la, escrever e paginar, dobrar o jornal, entregá-lo se o distribuidor falhar?
Neste campo de vicissitudes, difícil de palmilhar, o golpe de misericórdia virá de quem menos se espera e de uma maneira que nem ao Diabo lembraria.
O gabinete de comunicação do Município da Horta montou o seguinte estratagema: Um jornalista liga a pedir determinada informação e, enquanto aguarda a resposta, que demora, vê surgir nas redes sociais uma nota com os dados solicitados. Mais: o exclusivo, por exemplo, do anúncio dos artistas da Semana do Mar, que capta muitos “gostos” no Facebook, pertence à página da Câmara nesta rede social.
Depois, os órgãos de Comunicação Social recebem convite para uma conferência de imprensa onde lhe são apresentadas banalidades!
Tão mau, ou pior, do que isto, é, no entanto, ouvir, dentro da própria imprensa, que é preciso ter cuidado com o que se escreve, porque as entidades oficiais «podem não achar piada».

Camaradas jornalistas e demais congressistas:
Se o Raul Solnado soubesse destas manobras, diria, como na rábula da Guerra de 1908: não matam, mas desmoralizam muito!
There is no glaze left on the donuts
Being passed out by the faceless staff
And the tremors are the rimshots of God