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1º Congresso dos Jornalistas dos Açores (Re) Pensar o Jornalismo Açoriano

Sidónio Bettencourt

Quarenta anos depois do “1º Encontro de Jornalistas Açorianos” a Comissão Organizadora deste congresso merece uma palavra de apreço e gratidão, por todo o esforço, empenho, dedicação, pelo conceito e estratégia desenvolvidos, e pelos resultados palpáveis que, decerto, advirão.

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Não, não estamos no tempo em que as cartas chegavam de quinze em quinze dias, na mala do correio, trazida em “Dia de São Vapor”, pelo Lima ou pelo Carvalho Araújo; sem ligações aéreas diárias com o exterior; sem televisão, internet, telemóveis, fax, redes sociais; sem Universidade, sem comunicações e acessibilidades; muito longe dos desafios da globalização, dos corredores da sociedade da informação; longe da revolução tecnológica, da comunicação interactiva, da instantaneidade da comunicação; da informação digital.

Este é o mundo das telecomunicações e da sociedade da informação, das notícias falsas; da pulverização e manipulação nas redes sociais, da pressão do mercado, da instabilidade social e da tecnologia, da formação contínua, da precaridade profissional. Os desafios são constantes. Complexas e divergentes as decisões.

Há quarenta anos atrás pugnávamos pela afirmação; profissionalização e reconhecimento da classe, pela liberdade de expressão, pela capacidade mobilizadora e interventiva, bebendo da História da imprensa açoriana, todo o prestígio incentivador, pelas causas que o advento da autonomia políticoadministrativo nos trouxera no raiar de Abril. Mais local e mais universal. Mais mobilidade e interactividade.

Foi o próprio Presidente da República, Gen. Ramalho Eanes, quem assumiu em mensagem enviada ao Encontro: “Os jornalistas açorianos assumem posição central na informação sobre a Autonomia da sua Região.

Tivemos o cuidado de juntar alguns daqueles, que ao longo de uma vida, enriqueceram as páginas dos imensos títulos da imprensa açoriana na boa tradição de seduzir reclamando, como foi o desafio concretizado em 1924 por José Bruno Carreiro, biógrafo de Antero de Quental e Director do Correio dos Açores, ao trazer ao arquipélago a “Missão de Intelectuais” “homens, preciosos agentes de propaganda das nossas ilhas“, dando assim seguimento às quatro grandes “ Questões Açorianas” levantadas entre 1891 e 1894, por Montalverne de Sequeira.

1. O Monopólio do Álcool, Ponta Delgada, 1891

2. A Emigração dos Açores, Ponta Delgada, 1891

3.De como temos sido burlados, Ponta Delgada,1892

4.Autonomia, Administrativa dos Açores, Ponta Delgada,1894

Um pouco mais tarde e de modo próprio, Raúl Brandão, o Pai das “ Ilhas Desconhecidas”. Visitar e promover os Açores como nunca até então.

Personalidades do universo local, tais como, Armando Amaral, Silva Júnior, Ruy Guilherme de Morais, Luciano Mota Vieira, Jorge Nascimento Cabral, Ermelindo Ávila e Gustavo Moura, entre tantos outros, que já não estão entre nós, e que se cruzaram a ”nossa” “Missão de Intelectuais” que, entretanto, no jornalismo português, criava raízes e reconhecimento junto dos “Poderes de Lisboa”: Horácio César, Fernando Lima, António Valdemar, Lopes de Araújo, Padre António Rego, Mário Bettencourt Resendes, e Mário Mesquita, que hoje e, em boa hora, recordamos e homenageamos.

Permitam-me nesse contexto, um testemunho pessoal. Um dia, ao cair da noite, chego a casa com uma chamada de Mário Mesquita, coisa rara e única. Sob a sua orientação gostaria muito que ajudasse a coordenar um livro de estudos e testemunhos sobre o escritor e jornalista, Manuel Ferreira. Pediu-me que também escrevesse sobre Ele.

“Dez anos decorridos após o desaparecimento de Manuel Ferreira, é ocasião de lembrar e a sua personalidade singular e o seu papel na literatura e na imprensa açorina”.

Mário Mesquita, queria muito deixar este livro sobre Manuel Ferreira, e chegou a alvitrar títulos como meras hipóteses de trabalho: “ Um Escritor Camiliano na Imprensa Açoriana” ou “O Regionalista Temível na Imprensa Açoriana”. Apenas, sugestões, para ajudar a pensar num título condizente.

Cumpri com o prometido mas já não cheguei a tempo. Estranhei que não tivesse acusado a recepção do meu artigo: “Manuel Ferreira – o Açoriano Eterno”.

Uns dias depois, a seco, no telemóvel das notícias: “Morreu Mário Mesquita”.

A morte abrupta, repentina, inesperada, de Mário Mesquita, deixou-me, deixounos, num vazio imenso. Revejo o que lhe tinha escrito uns dias antes:

“ Caro Amigo, Mário Mesquita. Tarde é o que nunca chega e eu chego em cima data limite do prazo. As minhas desculpas… Aqui lhe deixo o meu olhar impressionista sobre Manuel Ferreira com a gratidão de tão honroso convite”.

No fim - de-semana seguinte enviou-me um esboço/guião da estrutura do livro e um prazo relativamente curto para enviar material:

Foi a última vez que conversei ao telefone com Mário Mesquita. Ele por causa de Manuel Ferreira e, eu, para falar do meu reconhecimento pela sua obra notável, exemplar, superior. Para lembrar o pai, Higino Mesquita, com quem passei grandes momentos à conversa junto à Palmeira do Largo de Camões, junto à tal Farmácia Moderna…sempre na busca de um mexerico de bastidor quando o seu filho Mário era o brilhante e interventivo director do Diário de Noticias de Lisboao editorialista de Portugal – e, também, para falar destas coisas corriqueiras do do Ser-se Avô nos nossos dias.

Dias antes da apresentação no Teatro Micaelense, o correio trazia-me enviado pela editora, o livro mais recente sobre a sua obra ”A Liberdade por Princípio, Estudos Testemunhos em homenagem a Mário Mesquita” com uma tocante dedicatória:” Para o Sidónio Bettencourt com a amizade e o apreço profissional do Mário Mesquita”.

Em 1989, brindou-me no Diário de Lisboa, que então dirigia, com um texto de reconhecimento e incentivo, sobre o meu modesto contributo ao jornalismo radiofónico, com a reportagem “ Vestígios Açorianos no Desterro Brasileiro”. Não tendo sido académico e muito menos seu aluno, bebi tudo que escrevia, quer nos jornais, nos livros, nas revistas da especialidade como a “ Comunicação e Linguagens” da Universidade Nova de Lisboa; quer sobre os Açores e toda a temática sobre a História e em particular nas relações com os E.U.A.

Tenho à cabeceira o “Mini-Dicionário da Autonomia dos Açores” que passa por conceitos tão detalhados como “Açorianidade, Autonomia, Nacionalismo, Continente, Iberismo, a Base das Lajes, Franklin Roosevelt e os Açores, os Estrangeiros, Separatismo, os Intelectuais, a Opinião Pública, a Consciência Regional” e tantos outros de plena actualidade… tamanho do seu Exemplo, e da sua Obra.

A sua dimensão é imensa, inovadora e multidisciplinar, de grande qualidade académica, jornalística, literária. Um pensamento de luta e de lucidez. Um grande intelectual que prestigia a sua terra, os Açores; a sua Ilha, São Miguel, e Portugal. Mário Mesquita é um Ilhéu, muito à frente, do seu País.

Naquele dia ao telefone uma última frase em jeito de despedida: “ Olhe Mário, a sua neta, é toda, o seu avô. Nunca me engano nas feições”. Ele sorriu… Sorriu Para Sempre!

Relembro, em Manuel Ferreira, que Mário Mesquita, tanto queria justamente homenagear a sua grande capacidade de observação e a pesquisa factual / documental, coabitando de mãos dadas à luz da história e do desenvolvimento; jornalismo interventivo e cidadania proactiva.

Como que a apelar a uma consciência de classe e colectiva, Manuel Ferreira, relembra em preciosa Separata, o 25 de Abril de 1964, - há quase 60 anosem jantar de aniversário, “esquecidos” como Manuel António de Vasconcelos, natural do Pilar da Bretanha, 1º jornalista açoriano e fundador em 18 de Abril de 1835, do Açoriano Oriental, mais antigo e prestigiado, jornal português.

Diz ele: “Foi o memorável o encontro da Imprensa nesse dia” e… “resultou num verdadeiro apelo à confraternização entre todos os que escrevem e sem os problemas do Espírito, reconhecendose as vantagens de encontros mais frequentes, com um regulamento familiar - sopa e um prato de dois dedos de conversa…”

Mário Mesquita Foi para Ficar, cada vez, mais Presente. O Tempo vai dizer-nos do

Este congresso que gora se inicia, também com jantar, sopa e dois dedos de conversa, trás ainda os mesmos e outros, novos, desafios, que a sociedade está em permanente mutação: do ensino ao mercado laboral, da comunicação social privada e pública, ao poder do jornalismo de investigação; da desinformação na era dos novos Media, até à interrogação inquietante de “ Como será jornalismo do futuro?”

Grandes temas para um debate que precisa de ter sempre em conta que não há jornalismo, sem jornalistas, sem respeito e investimento nos grandes géneros como a Grande Reportagem; sem público, sem leitores, sem ouvintes, sem telespectadores; sem causas, sem paixão, sem ética e sem missão.

Mais e melhores meios, mais tecnologia, só obrigam o jornalista, a ser mais rigoroso, mais exigente, mais humilde, mais próximo e mais digno.

Que assim seja ou, como escreveu, há muitos anos atrás Mário Mesquita, então, ”o mais jovem colaborador do jornal mais velho do país “,no Açoriano Oriental, em forma de poema:

ANSEIO…

“Fugir, Correr, Voar… Cantar…

E, longe do mundo, Respirando fundo, Mesmo, atormentado

Pela saudade, Ao menos, gritar: - LIBERDADE!

Sidónio Bettencourt

Ribeira Grande, Arquipélago, Centro de Artes Contemporâneas, 28 de Abril de 2023 preferirem. E a investigação é uma carga de trabalhos, porque não há meios e a proximidade um busílis.

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