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3º Encontro – Gênesis 2.18-24

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Apresentação

Apresentação

3º ENCONTRO

ESTUDO BÍBLICO: Gênesis 2.18-24

Sugestão de Preparo do ambiente: (sugestão) Providenciar Bíblias na Tradução de João Ferreira de Almeida (neste caso, mais próxima ao original do que a

Bíblia na Linguagem de Hoje). Ter ao centro, sobre panos coloridos, no chão do círculo ou sobre a mesa do encontro, vela, cruz, flores.

1. Acolhida:

2. Canto: (sugestões) “Vem, Santo Espírito” (O Povo Canta - p. 211) ou “Palavra não foi feita” (O Povo Canta - p. 78). 3. Oração: Deus da vida, nós temos dificuldade em nos relacionarmos igualmente como seres criados à tua imagem: criamos distinções entre homens e mulheres, entre pessoas adultas e crianças, entre ricos e pobres, entre povos, entre as diferentes religiões e confissões religiosas a que pertencemos. Ah, como somos limitados! Carecemos de teu perdão e de teu amor. Ao meditarmos em torno de tua Palavra, sê tu conosco através de teu Santo Espírito, para que tenhamos disposição em romper com conceitos e preconceitos que nos separam e que reforçam a crença na superioridade de uns e na inferioridade de outros/as; permitenos vivermos a liberdade com que fomos criados/as. Por Jesus Cristo, nós oramos.

Amém.

4. Estudo do texto: Gênesis 2.18-24. (Sugestão: Num primeiro momento, pessoas do grupo lêem, espontaneamente, os versículos que compõem o texto. Em seguida, sugere-se ao grupo que feche suas Bíblias e ouça o texto na voz do/a coordenador/ a. Num terceiro momento, solicita-se ao grupo que (apenas) reconte o que guardou na memória, sem o auxílio do texto em si.)

Partilha de impressões (“chuva de idéias”), vivências e sentimentos

Perguntas motivadoras:

a) Como você se sente diante deste texto? b) Como homem e mulher nos são apresentados neste texto? Quais sãos as ações, as falas, os silêncios, os acontecimentos e as iniciativas projetados sobre homem e mulher? Como se relacionam homem e mulher no texto? Que conceitos e preconceitos de sua época o texto revela? c) Como repercute entre nós este texto na atualidade? Você lembra de expressões,

piadas, textos ou frases que aludem a esta passagem bíblica em nossos dias? Que conceitos e preconceitos eles expressam? d) É possível falar de um projeto de Deus para sua criação (pensando também nos versículos 19-20a) a partir deste texto? Qual é este projeto?

Algumas informações sobre o texto, em seu contexto, e sua interpretação ao longo da história da Igreja

Um texto bíblico não pretende ser histórico no sentido de oferecer um relato fidedigno de acontecimentos; tampouco, ele é “a voz de Deus” (embora a gente ouça Deus falar através do texto!). Um texto bíblico é, sobretudo, testemunho de fé de um povo diante da ação de Deus. Nesse sentido, portanto, somos convidados/as a nos aproximarmos do texto de Gênesis 2.18-24. Aliás, tal compreensão permite que indaguemos sobre a época de surgimento do texto, sobre as perguntas que estiveram na sua origem e que conduziram a sua elaboração e, ainda, sobre as vivências, conceitos e preconceitos que foram embutidos no texto a partir do “mundo” das pessoas que o redigiram. Essa é a proposta para este momento: procurarmos por respostas (possíveis)! Gn 2.18-24 está inserido na unidade maior, que compreende Gn 2.4b-3.24. Esta unidade, formada, por sua vez, por pequenos blocos que foram se juntando no decorrer de muitos anos, oferece um testemunho da compreensão de um povo sobre a criação do mundo e as conseqüências do pecado da humanidade. Isso permite caracterizá-la como saga etiológica, isto é, uma “história”, cuja função consiste em explicar sobre a origem e a existência de algo. Sua redação data, provavelmente, do período entre os séculos X e VIII aC, entre o início do reinado e a atuação de alguns profetas. O texto remete à vida do campo como experiência fundante. Alguns elementos do texto conduzem a tal compreensão (ainda mais se comparados à história da criação conforme Gn 1-2.4a): terra e céus (nessa ordem) são criados por Deus (v. 2.4b); o “caos” se expressa na ausência da terra agricultável e de pessoas que a cultivam (2.5); o ser humano é formado do pó da terra (2.7); o jardim que lhe serve de “casa” requer cuidados - “cultivar e guardar” -, semelhante à propriedade agrícola (v. 2.8, 15); os animais estão muito próximos dos seres humanos e também eles são criados do pó da terra (2.19); e, ainda, a (única) profissão sugerida como meio de obter o sustento é a de agricultor/a (3.17-19). Nesta “unidade” (Gn 2.4b - 3.24), dois projetos são contrapostos: um de vida e um de morte. No primeiro projeto, sem entrar ainda no específico do “nosso texto” - Gn 2.18-24 -, o jardim é o espaço da vida harmoniosa para os seres humanos e os animais; as pessoas o cultivam (por causa das suas necessidades)

e o preservam (para a sobrevivência da própria natureza). No segundo projeto, acontece a quebra das relações harmoniosas entre os seres humanos e, ainda, entre estes e os animais; além disso, os seres humanos são expulsos do jardim, e a terra, que estava na sua origem e que representava potencialmente sua possibilidade de vida, agora representa o seu fim (“tu és pó e ao pó tornarás” 3.19). A serpente, símbolo da idolatria, expressa o poder do Estado; dentro da lógica do Estado, não há relação de parceria, mas de dominadores e dominados/ as. O segundo projeto revela o distanciamento dos seres humanos de Deus. Nesta lógica, o texto de Gn 2.18-24 se insere dentro do projeto de vida como expressão da vontade divina! Foi realmente assim que ele nos pareceu no primeiro momento, quando dialogamos sobre ele? Olhemos mais de perto Gn 2.18-24, tendo em mente o diálogo estabelecido inicialmente entre o grupo e comparando a tradição aí registrada com outra, na mesma unidade (Gn 2.7), e, ainda, com aquela que se encontra formulada em Gn 1.27, cuja origem reporta ao século VI aC. Conforme Gn 1.27, “Deus criou os seres humanos (adam) à sua imagem (...); homem e mulher os criou”. Aqui parafraseio Milton Schwantes (p. 33): “Imagem (de Deus) não é nem o masculino e nem o feminino e muito menos o indivíduo. Reside na relação destas diferenças que representam mulher e homem. A mediação da imagem de Deus é, pois, coletiva”. Nesta tradição, não há menção a uma hierarquia entre os sexos (masculino e feminino), pelo contrário, justamente por estarem em relação entre si e com Deus é atribuída aos seres humanos a imagem de Deus. Segundo Gn 2.7, Deus criou os seres humanos (adam, isto é, homem e mulher, e não somente o homem - masculino - como consta em várias traduções) do pó da terra (não poderia ser diferente dentro do mundo do/a agricultor/a, como foi dito anteriormente). A partir do v. 18, entra em cena outra tradição, diferente da de Gn 1 (distantes entre si inclusive pela época de surgimento) e diferente da de Gn 2.7, que perfaz com o “nosso texto” uma unidade. Neste sentido, já fizemos menção anteriormente a diversos pequenos blocos que teriam constituído essa “unidade” - Gn 2.4b-3.24. Em Gn 2.18ss, homem e mulher são criados separadamente e a mulher não é formada do pó da terra (diferentemente do homem e dos animais), mas da costela do homem! Ela existe porque ele existiu primeiro! Ela não é parceira do homem, como nas duas outras tradições, mas “auxiliadora”. Nesta tradição, o homem dá nome aos animais (ele recebe poder criativo para tal) e ele fala (Gn 2.23); a mulher é passiva - silenciada! Estes elementos revelam, sem dúvida, o mundo patriarcal no qual o texto teve origem; mas, cuidado, não revelam, certamente, a vontade divina! Se em nossos dias, ainda, homens e mulheres (em geral) não

experimentam uma relação de igualdade, de parceria, não poderia ser diferente há dez ou oito séculos antes de Cristo! Se nos contentarmos em apontar somente estes elementos do texto, no entanto, vamos “perder” aspectos significativamente novos dentro desta tradição redacional. Segundo Milton Schwantes, a partir dos termos hebraicos - língua original do texto -, a mulher como “auxiliadora” (Gn 2.20) “seria ‘como’ e estaria ‘diante’ do homem. (...) Ora, a mulher que é ‘como’ (igualdade) e está ‘diante’ (diferença) a rigor já não é mais ‘auxiliadora’, nas categorias patriarcais”. É como se de dentro do próprio texto, da pena de quem escreve, houvesse uma tentativa de romper/quebrar com a relação hierárquica entre homem e mulher vivenciada no ambiente de surgimento do texto! Por fim, Gn 2.24 também sugere uma novidade: não é a mulher que acompanha o homem, quando se casam, mas o homem deixa sua família e se junta à família da esposa. Este certamente não é um indicativo de uma relação hierárquica, como no caso de Gn 3.16, onde um dos “castigos” imputados sobre a mulher é ser dominada pelo homem, visto ser o homem aquele que sai da casa paterna/materna e precisa se adaptar ao “mundo” da mulher/esposa. Antes de fazermos menção, brevemente, acerca de algumas interpretações do texto de Gn 2.18-24 ao longo da história da Igreja, "recolho" alguns indícios apontados até aqui: • Não é possível ler e entender um texto bíblico “ao pé da letra”. • Texto bíblico não é relato histórico e nem foi ditado por Deus; é testemunho de fé. • Um texto bíblico expressa o contexto do seu surgimento, com os conceitos e preconceitos da época; ele não é, portanto, "neutro" e nem nós o lemos com neutralidade. • O texto de Gn 2.18-24 é uma saga etiológica que, em sua época de redação, dá testemunho de compreensão de um povo sobre a criação do mundo, entre outras coisas. • O texto de Gn 2.18-24 revela um contexto patriarcal, onde o homem é descrito em oposição à mulher: ativo x passiva, criado do pó da terra, seu bem máximo x criada da costela do homem, fala x é silenciada. Ao mesmo tempo, permite vislumbrar uma nova relação entre homem e mulher, na medida em que a mulher é como/idônea/com a mesma capacidade que o homem e ele a acompanha, quando da união de ambos. Neste sentido, se comparado a Gn 3, ele integra o projeto de vida de Deus. Esse texto foi amplamente explorado, em diferentes épocas e contextos, ao longo da história da Igreja. Sua interpretação, no entanto, geralmente serviu para conferir legitimidade de mando ao homem - em casa e nos espaços comunitário-

sociais. Menciono apenas alguns exemplos: Vamos encontrá-lo ainda no Novo Testamento, na Segunda Epístola de Paulo a Timóteo (2.11ss), quando às mulheres está sendo tolhida sua participação em público, no âmbito da comunidade. Nesta carta, homem e mulher são identificados como Adão e Eva (nomes próprios) e não entendidos em seu significado hebraico: adam = seres humanos e ev = vida. Entre as outras duas tradições possíveis que falam da criação dos seres humanos, anteriormente mencionadas, justamente esta é invocada para dizer que “primeiro foi formado Adão, depois Eva” (1Tm 2.13), com evidente intenção de restabelecer a antiga ordem patriarcal de atuação de ambos os sexos, superada em Jesus Cristo. Entre o final do século XVI até meados do século XVIII, milhares de mulheres foram assassinadas, especialmente na Europa, num período que ficou conhecido como “caça às bruxas”. Em tempos de Inquisição, o Tribunal Eclesiástico condenava as mulheres por desconhecimento e temor da sua sexualidade. Elas eram acusadas, a partir de Gn 3, de serem coniventes com o demônio; além disso, segundo o Manual de Caça às Bruxas (Malleus Maleficarum), escrito em 1848, se alegava que “Eva nasceu de uma costela torta de Adão, portanto nenhuma mulher pode ser reta”. Martim Lutero, por sua vez, a partir de Gn 1 e Gn 2.18, afirmou a igualdade de homens e mulheres perante Deus e a sociedade. Apesar disso, manteve-se fruto de sua época ao sugerir a obediência da esposa/mulher ao marido/homem, no âmbito do casamento. Ao elaborar um “Manual da bênção matrimonial para os pastores pouco letrados”, Martim Lutero fala da “cruz” que Deus colocou sobre o matrimônio a partir de Gn 3.16, segundo ele, também a da mulher ser submissa ao seu marido e tê-lo por seu senhor. Bem recentemente, em termos de história da Igreja, a teologia feminista reivindica também a experiência das mulheres na interpretação bíblico-teológica. Como diz Rosemary Ruether, “(...) o uso da experiência das mulheres na teologia feminista explode como uma força crítica, revelando que a teologia clássica, incluindo suas tradições codificadas, baseia-se na experiência masculina, e não na experiência universal”. Neste sentido, ela tem possibilitado novas reflexões e re-visões de textos com ampla tradição de interpretação.

O texto de Gn 2.18-24 em nossos dias

Espaço de diálogo: como a leitura e a interpretação deste texto podem “fazer novos os sistemas de pensar” (OPC - 211) e nos motivar para relações renovadas entre toda a criação de Deus e, especialmente, entre homens e mulheres? 5. Canto: (sugestões) “Momento Novo” (O Povo Canta - p. 44) ou “Jesus Cristo, esperança do mundo” (O Povo Canta - p. 32).

6. Oração: Dar-se as mãos. Formular preces espontâneas. Encerrar com a oração que Jesus nos ensinou: Pai Nosso... 7. Bênção e envio: Que o sopro de vida do Deus criador restabeleça, sempre de novo, as relações entre as pessoas e entre toda sua criação e nos permita vivermos à sua imagem e semelhança na coletividade; que Jesus Cristo nos impulsione para rompermos com conceitos e preconceitos que nos impedem de vivermos como irmãs e irmãos, nem mais nem menos do que o/a outro/a, cada qual servindo conforme os dons recebidos; que o Espírito Santo escute nossas dores e alimente em nós a chama do amor e a coragem de mudar. Que assim nos abençoe o Deus da vida! Amém. Vamos em paz e sirvamos a Deus, com alegria!

Pa. Scheila dos Santos Dreher Pastoral Popular Luterana

Referências bibliográficas: • DREHER, Scheila dos Santos; SCHLABITZ, Claire; OST, Maria Helena. Bem me quero Bem te quero. Construindo Relações de paz. 2001 a 2010 - Década para Superar a Violência. São Leopoldo:

PPL/CEBI, 2005. p. 11-26. • KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras. Malleus Maleficarum. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1991. • LUTERO, Martinho. Da Vida Matrimonial. Tradução: Ilson Kayser. In: LUTERO, Martinho. Obras

Selecionadas. Ética: Fundamentos - Oração - Sexualidade - Educação - Economia. São Leopoldo:

Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1995, p. 149-159. (Obras Selecionadas, 5). • LUTERO, Martinho. Manual da bênção matrimonial para pastores pouco letrados. Tradução: Walter

O. Schlupp. In: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Ética: Fundamentos - Oração - Sexualidade - Educação - Economia. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1995, p. 283-286. (Obras

Selecionadas, 5). • REIMER, Ivone Richter. O Belo, as Feras e o Novo Tempo. São Leopoldo: CEBI/Vozes, 2000. p. 15-27. • RUETHER, Rosemary R.. Sexismo e Religião. Rumo a uma Teologia Feminista. São Leopoldo:

Sinodal/EST, 1993, 239 p. • SCHWANTES, Milton. Projetos de Esperança. Meditações sobre Gênesis 1-11. Petrópolis: Vozes/

CEDI/Sinodal, 1989. p. 1-36; 73-84. (Coleção Deus conosco).

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