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PENÚLTIMA PALAVRA

É preciso abrir os olhos

por Catarina Volkart Pinto

Ainda hoje em dia, muitas pessoas vivem à margem da sociedade, excluídas não só pela falta de dinheiro, mas também por causa de sua cor, o que ocorre com os negros espalhados por todo o Brasil.

Entre a população negra há aqueles que são vinculados a alguma comunidade quilombola. Os quilombolas muito contribuíram para a formação cultural plural do Brasil e possuem íntima ligação com a terra que ocupam, pois foi nesses locais que estabeleceram seu modo de viver ao deixar a escravidão.

Atualmente, há cerca de 2.500 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Palmares em todo o Brasil. Estão nas mais variadas regiões, inclusive em cidades de tradição tipicamente germânica, como, por exemplo, os Quilombos Paredão e Macaco Branco, localizados em Taquara (RS) e Portão (RS). No entanto, são desconhecidos, inclusive perante grande parte da própria população local. Parecem ser invisíveis, tal como os “ninguéns” de Eduardo Galeano: “Aqueles que não fazem arte, mas artesanato; que não têm cultura, mas têm folclore; que não têm nome, mas têm número (...); os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata” (em tradução livre).

Essa invisibilidade social faz com que também não sejam notícia as violações de direitos que sofrem diariamente. Conforme recente relatório da Anistia Internacional, as comunidades quilombolas continuam enfrentando graves ameaças a seus direitos huma-

QUILOMBOLAS: Hoje há 2.500 comunidades certificadas no Brasil, mas que parecem invisíveis

Foto: Alberto Banal nos, geralmente em decorrência de litígios vinculados à terra.

Ainda que a escravidão fosse abolida em 1888, somente com a Constituição Federal de 1988 foi reconhecida a propriedade das terras onde havia quilombos. Todavia, na prática, pouquíssimas comunidades quilombolas tiveram seu processo de titulação da propriedade concluído. Apesar de ser um processo lento, pois envolve várias etapas (identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação da propriedade em nome da comunidade quilombola), não pode levar décadas para ser concluído. Essa demora em delimitar e titular corretamente as terras tem resultado no aumento de conflitos e mortes, deixando as comunidades mais fragilizadas e vulneráveis a ameaças e violências praticadas por pistoleiros e fazendeiros.

Além da dificuldade burocrática para concluir os processos de titulação de terras, tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação contrária ao decreto que regulamenta todo o processo em relação às terras quilombolas. E no Congresso Nacional está em análise uma proposta de alteração da Constituição que pretende restringir o direito à terra das comunidades indígenas e quilombolas, o que pode levar a um agravamento ainda maior dos conflitos.

Todavia, diante de um quadro nada animador, enquanto sociedade plural, que quer ser justa, solidária, sem preconceitos e fundada no reconhecimento da dignidade de todas as pessoas, devemos abrir nossos olhos para enxergar o povo quilombola, estendendo-lhe nossas mãos e reconhecendo a terra como seu direito fundamental, pois a terra, para um quilombola, é a própria vida. N

CATARINA VOLKART PINTO é Juíza Federal Substituta da 2a Vara Federal de Novo Hamburgo (RS)