3 minute read

ESPIRITUALIDADE

Compaixão com paixão

QUEM É O MEU PRÓXIMO? O MEU PRÓXIMO SÃO SEMPRE AQUELAS PESSOAS DAS QUAIS DEUS ME FAZ SER O PRÓXIMO DELAS. ESTA É A LIÇÃO DA PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO.

por Roger Marcel Wanke

Certa vez, Jesus é confrontado com uma pergunta fantástica: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (Lucas 10.25-37). Essa é uma das perguntas mais importantes da vida. Saber sua resposta é mais salutar ainda. Quem faz essa pergunta a Jesus é nada mais nada menos do que um intérprete da Lei, uma pessoa que conhecia as Escrituras e pela lógica deveria saber a resposta.

Jesus percebe que por trás dessa pergunta havia uma pegadinha e, por isso, responde com outra pergunta: “O que está escrito na Lei e como você interpreta?”. Ambos concordam que o mandamento do amor a Deus e ao próximo é o que define a vida de quem crê em Deus. Jesus então lhe diz: “Faze isso e viverás!” Mas como não havia conseguido aplicar sua pegadinha, o mestre da Lei interroga Jesus mais uma vez, tentando justificar-se: “Mas, afinal de contas, quem é o meu próximo?”.

Jesus passa, então, a contar-lhe uma das parábolas mais impressionantes da Bíblia: Certo dia, um homem, provavelmente um judeu, desce de Jerusalém até Jericó, um caminho deserto, cheio de precipícios, que em apenas 25 quilômetros baixava cerca de mil metros até chegar ao vale do rio Jordão. Era um caminho perigoso!

Nesse percurso, ele é assaltado por ladrões, que, além de lhe roubar o que tinha, machucaram-no, deixando-o na estrada, quase morto. Muitas pessoas passavam por ali, pois era o único caminho que levava a Jericó. Curiosamente, Jesus cita duas pessoas que passaram por aquele lugar, mas que não se importaram com o homem jogado na estrada. O primeiro era um sacerdote e o outro um levita. Eram pessoas religiosas, que conheciam a Lei, o mandamento de amor a Deus e ao próximo. Mas por causa dessa mesma lei não se podiam contaminar ao ter contato com o homem jogado na estrada.

Jesus cria aqui um clima de suspense. Quem será o próximo a passar pelo caminho e ver o homem na estrada? Talvez o mestre da Lei estivesse esperando Jesus dizer que alguém como ele passaria por ali. Mas então a surpresa! Jesus não cita um mestre da Lei, mas sim um samaritano, que seguia seu caminho bem tranquilo. Não sabemos, pelo texto, de onde ele vem nem para onde vai. Mas, ao se aproximar do homem quase morto, jogado na estrada há um bom tem-

O Bom Samaritano, obra de Vincent Willem van Gogh (1890)

po, esse samaritano faz de tudo para cuidar dele. De sua mochila ele tira óleo e vinho, que eram considerados remédios na época, e passa-os nos ferimentos. Ele o leva a uma hospedaria, montado em seu jumento, deixa-o aos cuidados do hospedeiro e ainda paga todas as despesas necessárias.

Esse texto é fantástico, pois Jesus inverte toda a lógica. Ele não cita nenhum “bom judeu” que fosse capaz de ajudar aquele homem indefeso. Antes cita um samaritano, um povo mestiço, estrangeiro, com quem os judeus haviam rompido relacionamento há muitos anos. Judeus e samaritanos não se entendiam. Mas é um samaritano que Jesus usa em sua parábola para ser o modelo de compaixão. Aquele do qual a gente menos espera ajuda quem não tem mais nada a esperar.

Esse texto desmascara completamente a tendência egoísta que temos. Enquanto o mestre da Lei está interessado em saber quem é seu próximo, Jesus inverte a lógica, quebra o paradigma. Jesus pergunta de quem nós somos o próximo. Para Jesus está claro que amor ao próximo não é uma questão de afinidade ou amizade. O meu próximo são sempre as pessoas que Deus me faz ser o próximo delas.

O mestre da Lei não tem como dar outra resposta a Jesus, embora se negue a pronunciar o nome samaritano. Mesmo assim, faz uso da melhor palavra que alguém poderia usar ao se referir ao samaritano. Esse foi misericordioso, teve compaixão. Mesmo contra todas as evidências e contra todos os preconceitos, Jesus desafia o mestre da Lei: “Vai e procede tu de igual modo!”. Isso vale também para nós! Porém nossa espiritualidade, infelizmente às vezes, parece ser esquizofrênica. Nós sabemos o que fazer, mas não o fazemos. N

ROGER MARCEL WANKE é teólogo e professor de Teologia na Faculdade Luterana de Teologia (FLT) em São Bento do Sul (SC)