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rEflEXãO
Sentido de vida a partir de Finados
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1 CORÍNTIOS 15.19
por Patrícia Bauer
Um provérbio popular acerca da morte diz: “A única certeza da vida é que vamos morrer”. Crescemos com essa perspectiva. Então por que a morte inquieta?
A vida comunitária é marcada por ritos. O Batismo é entendido como um presente que recebemos de Deus para ser vivido diariamente. Na Confirmação, espera-se o comprometimento com a vivência do Batismo. Na bênção matrimonial, celebra-se a alegria do amor. Depois vêm as bodas, que celebram os anos. Em meio a todos esses ritos, acontecem sepultamentos. Sepultamos sonhos, esperanças e pessoas que nos são queridas. Por que é tão difícil?
Ao sepultarmos planos, outros virão. Esperanças sempre ressurgem. No luto pela morte, porém, é mais difícil perceber que especialmente ali Deus nos carrega e sustenta. Como Igreja Evangélica de Confissão Luterana cremos no testemunho de 1 Coríntios 15.19: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os seres humanos”. Portanto ressurreição é parte inerente de nossa fé. Confiamos que o morrer em Cristo é lucro. O que dói na morte é a ausência, a saudade, que a poesia diz ser a prova de que as vivências foram verdadeiras, valeram a pena.
É preciso salientar que sofrer não representa, de maneira nenhuma, ausência de fé. Afinal, também Jesus sofreu a morte de seu amigo, de solidão, ao chamar discípulos para orar e esses dormirem, pelo sentimento de abandono na cruz, mas foi fiel até o fim, o que nos ensina que a fé oferece força e coragem para enfrentar os desafios e confessar: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses 4.13).
O livro bíblico de Eclesiastes ensina que há tempo para todos os propósitos. Nem o riso tampouco o choro duram uma vida inteira. Contudo o tempo mais difícil é o tempo de morrer. Por ocasião dos sepultamentos, somos lembrados de que em Cristo a vida vence a morte, porém, na dor da separação, muitas vezes, palavras não consolam. Por isso a importância de acompanhar as pessoas enlutadas, o que ainda não é realidade em muitos contextos. As famílias têm, em geral, acompanhamento espiritual nas enfermidades, na despedida e dificilmente na continuidade, pois, embora o culto com oração memorial seja de extrema importância, não é suficiente para que pessoas enlutadas se sintam amparadas até novamente perceber que a vida não se limita à saudade.
O calendário oficial dedica um dia para lembrar as pessoas falecidas: Finados. Na tradição luterana, celebramos o Dia de Finados com a observação de que não prestamos culto aos mortos, pois confiamos na graça de Deus. Esse costuma ser um dia de visita a túmulos de entes queridos, de levar flores, inclusive celebrar cultos, lembrando pessoas que faleceram e pedindo que Deus fortaleça aquelas que convivem com a ausência.
No Dia de Finados, reiteramos nossa fé: “cremos na ressurreição do
ALL SOULS’ DAY, obra de Jakub Schikaneder (1855-1924) / Wikimedia Commons
corpo e na vida eterna”, confessada no Credo Apostólico. Lutero preferia o último domingo do ano eclesiástico, o Domingo da Eternidade, para lembrar pessoas falecidas, culturalmente uma data menos valorizada.
Finados desperta lembranças, saudades e utopias. E se tivesse sido diferente? Mas, acima de tudo, deve despertar fé, alegria e confiança: fé no Deus que consola e anima; alegria que é fruto da fé, independente do estado emocional; confiança porque Jesus prometeu que prepararia nossa morada, e ele cumpre todas as suas promessas.
Várias passagens bíblicas mencionam o nascer nu e morrer sem nada poder levar. Por isso é tão importante viver intensamente cada dia, valorizando a vida, como e com quem vivemos. Deus nos cria, mantém e um dia nos tomará de volta. Ele envia para nossas vidas pessoas que se tornam verdadeiros presentes ao possibilitar sentir o amor. Nós também somos enviados para que outras pessoas se sintam amadas a partir de nós. É uma relação de cuidado que nos faz tão bem, que corremos o risco de esquecer que essas pessoas não nos pertencem. Pertencemos a Deus, por isso, nas palavras do hino 221, do hinário Hinos do Povo de Deus, podemos cantar: “Por me guiares, não preciso ver, nem mesmo sempre tudo entender”. N
PATRÍCIA BAUER é teóloga, pastora vice-sinodal do Sínodo Brasil Central e ministra da IECLB em Goiânia (GO)
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