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reFleXão

Hoje muito se fala do jovem que esquece do mundo ao seu redor e vive num mundo virtual. É verdade, mas isso, muitas vezes, é desculpa para não tentar algo novo. O jovem não vive só “dentro do computador”. Ele convive e interage com as pessoas de sua família, de sua escola, mesmo que de uma forma diferente do que nós, “antigos jovens”. Podemos ter a certeza de que hoje Jesus diz: “Nem só de internet vive o ser humano”. Todos precisamos de espaço para desenvolver-nos, relacionar-nos, crescer, especialmente na fé.

A questão é: para ser esse espaço, a igreja está disposta a abrir mão de seus velhos padrões de ação e comportamento? Está disposta a renovar a liturgia, a pregação, a programação? Porque, para o jovem de hoje, isso é uma necessidade básica. A comunidade precisa estar aberta ao novo, tornando-se o espaço onde o jovem pode crescer na fé em Jesus Cristo, expressar essa fé da forma que lhe é própria. Estou disposto a ser “judeu com os judeus e gentio com os gentios” (1 Coríntios 9), ou seja, tornar-me jovem com os jovens e adolescente com os adolescentes? Sou capaz de ser um deles sem deixar de ser testemunha de Cristo? Pois é isso que faz a diferença: conseguir unir a proximidade necessária da distância saudável para que minhas palavras e atitudes ainda contem como testemunho da salvação e do amor em Jesus Cristo.

Obviamente, essa é uma mudança drástica. Tanto pessoal como comunitariamente, precisamos com urgência aprender a falar a língua dos jovens, pois a tradição não mais os “segura” na igreja. Basta olhar para nossos fichários de membros e ver que muitos nem sequer se inscrevem no Ensino Confirmatório, que é uma excelente oportunidade de evangelização. Pais que desejam “ser modernos” deixam a critério dos filhos decidirem se querem ou não fazer o curso. Será que são capazes de deixar a mesma escolha para a entrada na escola? Para a faculdade? Para o trabalho? Tão modernos... mas não sabem que os filhos precisam que algumas decisões sejam tomadas em seu lugar, para seu bem. De qualquer forma, o mundo mudou. Os jovens precisam ser cativados, buscados, convencidos pelo evangelho.

Como IECLB, temos uma herança extraordinária de trabalho com jovens. A Juventude Evangélica tem passado por transformações, mas permanece. E nada pode substituir o encontro, a comunhão, o sentimento de “pertença” a um grupo e, por conseguinte, uma comunidade. E para que esse seja um grupo possível, viável nas comunidades, é necessário que lutemos contra a relativização da fé, da verdade, do caminho.

Não precisamos ter medo e ficar contornando os jovens com mensagens cheias de vento. O jovem de hoje precisa de honestidade e de ouvir diretamente o que interessa. Ele está acostumado a textos curtos, conversas rápidas. A Palavra anunciada precisa ser franca e direta. O jovem deve tomar a decisão de aderir ao grupo pela fé no Senhor, percebendo que esse grupo é espaço para alegria, amizade, mas, antes de tudo, espaço para Deus trabalhar em seu viver. Ele certamente tem uma opinião a respeito desse Deus e está disposto a ampliar essa opinião para a verdade das Escrituras. Onde está o jovem? Alguns ainda estão na igreja. Outros virão, pois cada vez mais buscaremos ser “Comunidade Jovem – Igreja Viva”. N

TIAGO SACHT JASKE é teólogo e ministro da IECLB na Paróquia Litoral Norte em Capão da Canoa (RS)

Divulgação Novolhar

Presente de Deus

pela graça de deus, sou o que sou.

1 Coríntios 15.10

por Cleide Olsson Schneider

Quem de nós já não se perguntou se está no lugar certo e se está sendo uma pessoa correta, boa, justa e amável! O meio em que vivemos

hoje, seja na cidade grande ou pequena, parece estar sempre nos colocando à prova sobre quem somos e o que somos. O borbulhar de teologias nos questiona sobre nosso modo de viver, ser e crer. O que realmente precisamos para ser pessoas aceitáveis diante de Deus?

A surpresa está no que o apóstolo Paulo escreveu: “Pela graça de Deus, sou o que sou” (1 Coríntios 15.10). Viver, ser e crer é graça de Deus para cada pessoa, assim como ela é. Há pessoas diferentes com dons diferentes. Cada pessoa é única e especial para Deus; Ele a conhece e sabe de suas capacidades e limitações. Mas, se é assim, então não precisamos mudar em nada. Não há nada que possamos fazer para ser melhores?

Sentimentos e valores os mais diversos fazem parte de nossa rotina diária. Alguns desses sentimentos, como desprezo, raiva, preconceitos, inveja, egoísmo, circundam-nos e nos influenciam algumas vezes. Esses nos afastam de Deus e nos impossibilitam viver de forma amorosa com as pessoas que encontramos em nosso dia a dia. Saber que Deus nos ama incondicionalmente é o que deve mover nossa vida em nosso cotidiano.

Nossa vida é presente de Deus. Ele nos oferece a vida para que tenhamos vida em abundância: cheia de amor, de comunhão, de fé e de esperança. Foi por isso que fomos criados por Deus: para viver uma vida em abundância. É nossa tarefa buscá-la.

Graça de Deus significa amor, cuidado, consolo, amparo, perdão, aceitação incondicional. Deus nos oferece tudo isso, antes mesmo de nós pedirmos, antes mesmo de nós merecermos. Nossa salvação é garantida por Deus, revelado em Jesus Cristo, por intermédio de sua vida, morte e ressurreição.

É pela graça que somos salvos; é o amor de Deus, através da ação do Espírito Santo, que nos anima, desafia, convida para ser testemunhas desse amor no mundo. A misericórdia de Deus para conosco não se esgota, e ela nos anima a orientar toda a nossa vida por ela e não permite que fiquemos apáticos ou indiferentes diante daquilo que ocorre ao nosso redor.

Por isso hoje é graça de Deus existirmos a cada dia e estarmos prontos para amar e servir a Deus e ao próximo em palavras e ações. Somos pessoas capacitadas por Deus a viver de forma responsável em nossa profissão, com coragem para preservar e promover vida a exemplo de Cristo. Hoje, por graça de Deus, somos capazes de rejeitar o que pode prejudicar a nossa própria vida e de outras pessoas, de toda a criação.

Hoje, porque experimentamos o amor incondicional de Deus, podemos olhar além de nossas necessidades e perceber onde são necessários consolo, cuidado, paciência e amparo. Além disso, Deus perdoa nosso egoísmo e individualismo, conduznos a uma mudança de postura em relação à vida. “Pela graça de Deus, sou o que sou”, diz o apóstolo como motivação para que possamos servir e amar, pois “antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci” (Jeremias 1.5). N

CLEIDE OLSSON SCHNEIDER é teóloga e ministra da IECLB na Comunidade Evangélica da Feitoria, São Leopoldo (RS)

Testemunho de fé e amor aos pobres

Na américa latiNa, a bÍblia está seNdo redescoberta ... mulheres e homeNs empobrecidos se Fazem suJeitos de leitura. os empobrecidos são os NoVos ageNtes, os NoVos hermeNeutas. a escritura é memória dos pobres.

Milton Schwantes (1946-2012)

por Roberto Zwetsch

Falar sobre uma pessoa querida é sempre um desafio difícil. Mas há que tentar, sobretudo quando se trata de um irmão maior. Milton Schwantes é uma dessas pessoas sobre quem há muito o que dizer e testemunhar. Ele foi pastor, professor de teologia, marido, pai, companheiro de lutas e sonhos. Foi um lutador incansável. Um renovador do estudo da Bíblia em toda a América Latina.

Quem o conheceu nas comunidades por onde passou, quem com ele estudou ou participou dos inúmeros cursos de leitura bíblica em todo o Brasil ou por diversos países da América Latina, e mesmo nos encontros pela Europa, saberá avaliar a importância e a grandeza de sua contribuição à igreja de Jesus e ao povo pobre de Deus durante seu abençoado ministério.

Milton foi um inspirador de caminhos de renovação bíblica, de uma leitura que tinha como ponto de projetos que jamais se prenderam à sua pessoa, embora recebessem de sua extraordinária capacidade de trabalho aquele incentivo que tanta diferença faz nos meios acadêmicos ou em nossas igrejas.

Milton nasceu de uma família de agricultores em Tapera, interior do Rio Grande do Sul, em 26/04/1946. Era o mais novo de quatro irmãos. Quando do falecimento de seu pai, ainda na infância, foi com sua mãe para São Leopoldo, onde dona Eugênia trabalhou por muitos anos como cozinheira no Instituto PréTeológico, escola de humanidades da IECLB que preparava para a Faculdade de Teologia.

partida a prática comunitária de fé e serviço, a luta dos pequenos por terra, pão e dignidade, a esperança de uma sociedade nova, em que mulheres e crianças sejam respeitadas e os pobres possam desenvolver toda a sua potencialidade humana.

A citação acima aparece num texto escrito por ele em 1988 quando do primeiro número da RIBLA, revista que ele fundou com colegas da hermenêutica bíblica de libertação como José Comblin, Carlos Mesters, Ana Flora Anderson, Gilberto Gorgulho, do Brasil, mas também Elsa Tamez, Pablo Richard, Jorge Pixley, da América Central. Desde cedo em seus estudos teológicos, Milton desenvolveu uma aguçada sensibilidade ecumênica, e suas andanças como biblista comprovam isso.

Uma de suas principais virtudes como amigo, mestre e colega de trabalho foi saber trabalhar em equipe. Ele incentivava, inspirava, coordenava e levava em frente

Anderson Oliveira Lima

o proF. milton schWantes em seu espaço preFerido: a sala de aula.

definitivo. Sobretudo o fato de que como igreja cristã, se não soubermos nos situar entre os desfavorecidos e angustiados, pouco entenderemos da mensagem profética ou do evangelho de Jesus. Isso Milton procurou realizar como pastor em Cunha Porã (SC) ou em Guarulhos (SP), onde criou pequenos grupos comunitários que se reuniam nas garagens das casas de pessoas que desejavam partilhar a fé e uma leitura bíblica transformadora.

Quando Milton já estava em coma no hospital, Lori e eu fomos visitá-lo. Junto com

Seus irmãos mais velhos, Norberto e Édio, decidiram pelo pastorado, caminho que o mais jovem também escolheu. Arlindo decidiu pelo magistério.

Brilhante já desde os estudos secundaristas, seu desempenho no curso de Teologia, concluído em 1970, habilitou-o para o doutorado, que realizou entre 1971-1974 em Heidelberg, sob a orientação do Dr. Hans Walter Wolff. Sua tese “O direito dos pobres” já adiantava o foco de sua leitura bíblica e o caminho de interpretação que seguiria ao longo da vida. Milton foi coerente até o fim, procurando sempre encontrar por debaixo dos textos a pequena brasa que ainda fumega para acender a esposa Rosi conversamos e oramos a fé do povo simples e, seguidamen- com ele. Ela disse que era importante te, desprezado na sociedade, mas falar com ele, pois – de alguma forma também nas igrejas. No prefácio da – ele sentia o que lhe transmitíamos. tese, ele escreveu que a obra decisiva Nós esperávamos seu restabelecide Gustavo Gutiérrez – Teología de mento, seu espírito era forte, mas a la liberación – apontou para a im- fraqueza do corpo o venceu. Ao nos portância das afirmações bíblicas despedirmos, li para ele um poema de sobre a pobreza para um testemunho Dom Pedro Casaldáliga, que fala de Jecristão. Dessa perspectiva depende a sus como o libertador total de nossas autenticidade da pregação da men- vidas, contradição e paz, vivente em sagem evangélica. Essas palavras Deus e no pão repartido, incapaz de foram um mote de sua vida como ser reduzido ao que fazemos dele ou cristão e teólogo. da fé que recebemos. Foi um preito

De sua experiência continuare- de gratidão pelo testemunho de uma mos a aprender por muito tempo. vida de fé, esperança e amor. N Seus livros agora poderão ser lidos e relidos à luz de seu testemunho ROBERTO ZWETSCH é teólogo e professor da Faculdades EST em São Leopoldo (RS)