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peNúltima palaVra

Uma família para a criança

a adoção Não pode torNar-se uma perVersa reprise do abaNdoNo, porque a criaNça abrigada é um suJeito de direitos e Não um

oBJeto de deseJo

dos adultos.

por Vanessa Kreutz

Novolhar Divulgação

Aadoção tem sofrido um paulatino processo de evolução no Brasil. Aos poucos, adotar vem deixando de ser apenas uma alternativa para casais marcados pela infertilidade para tornar-se um ato que visa garantir a crianças e adolescentes em situação de abandono o direito fundamental à convivência familiar.

A realidade das instituições de abrigo e a evolução da legislação e dos comportamentos sociais contribuíram para a mudança do perfil de pais e filhos adotivos. As adoções de crianças mais velhas e as reiteradas decisões judiciais a favor da adoção por casais homossexuais são exemplos de que a sociedade vem percebendo a importância social do ato de adotar.

A evolução não é uniforme nem indolor. Embora antigos preconceitos tenham sido superados, os desafios ainda são muitos. Hoje, uma das questões mais graves envolvendo a adoção é o crescente número de casos de devolução de crianças adotadas.

Segundo levantamento da revista IstoÉ (edição n° 2188), três de cada dez crianças e adolescentes que estão em abrigos de Santa Catarina foram devolvidos ao menos uma vez pelos pais adotivos.

Um caso ocorrido recentemente em Gaspar (SC) é bastante revelador. Anos depois de terem adotado um casal de irmãos, os pais adotivos resolveram devolver o menino. Ficou evidenciado que a adoção do garoto deu-se somente para cumprir a exigência legal de manter os irmãos na mesma família, pois o intento inicial era adotar apenas a menina.

Comprovou-se que, além de receberem tratamento discriminatório em relação ao filho biológico do casal, os dois irmãos sofriam maus-tratos físicos e psicológicos. O caso levou o Ministério Público a ajuizar uma ação judicial contra os pais adotivos, que perderam o poder familiar sobre os dois irmãos e ainda foram condenados a indenizar as crianças por danos morais.

A maioria das devoluções possui causas comuns: a motivação inadequada que leva as famílias a acolher crianças (por caridade ou para alentar a frustração de não poder ter seus próprios filhos); o preconceito que culpa a herança biológica do adotado pelos problemas de convivência; a visão que desmerece as crianças adotadas e duvida de sua capacidade de ser indivíduos de iguais direitos.

Para evitar que a adoção se transforme numa perversa reprise do abandono, é preciso ficar claro que a criança abrigada é um sujeito de direitos e não um objeto de desejo dos adultos. A função da adoção é levar uma família à criança – e não o contrário.

Nessa perspectiva, parece que o mais importante é conscientizar os pretendentes pais adotivos de que a espera de um filho adotado não se restringe à preparação do ambiente físico ou das necessidades materiais, por mais importantes que eles sejam. O êxito das relações adotivas está essencialmente ligado ao estabelecimento de vínculos afetivos. São as demonstrações de afeto e de amor que permitem que o adotado supere a história pregressa de abandono. Não basta dar um teto se não houver efetiva disposição para amar. N

VANESSA KREUTZ é bacharel em Direito e trabalha no Ministério Público de Santa Catarina, em Florianópolis (SC)