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Aluísio Machado S/A
o sAMBisTA, GAlhoFeiro e ConTesTAdor ConTA suA hisTóriA e deixA A suA MArCA
Se você chegar na quadra do império serrano e procurar por Alcides Aluísio Machado, ninguém conhece. É o próprio quem diz. Da mesma maneira, se o tal é visto sem o seu chapéu, marca registrada de sua figura, também passa desapercebido. E foi justamente para conhecer mais o homenageado do Plumas & Paetês Cultural 2019, sem deixar passar nenhum detalhe importante, que fomos até a sua casa, para uma boa dose de conversa, regada à cantoria.
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Nascido no dia 13 de abril de 1939, em Campos dos Goyta- cazes, no bairro Guarus, como gosta de frisar, Aluísio Machado é o sétimo e último filho do casal Maria Augusto Machado e Alcides Machado. Ele, mineiro e sanfoneiro. Ela, capixaba e lavadeira. Os dois se conheceram no Espírito santo e rumavam ao Rio de Janeiro quando a gravidez chegou a tal ponto que forçou a pausa na viagem. instalados na cidade, Aluísio veio ao mundo num dia em que Dona Maria levava uma trouxa de roupas para as madames da região. A bolsa estourou e ela acabou dando à luz embaixo de uma árvore.
Mas embora seja grande o carinho pela cidade natal do caçula, a família só esperou Aluísio crescer um pouco, cerca de um ano, para seguirem para a então capital federal, em busca de melhores oportunidades de trabalho.
No Rio, ele, que é Alcides em homenagem ao pai e Aluísio por sugestão de sua madrinha, fez morada na região de Madureira e bairros próximos, tais como Campinho, Cavalcanti, Ricardo de Albuquerque e Oswaldo Cruz. seria nessa região, ainda na infância, que começaria a brincar de compor, de modo intuitivo, tendo como sua primeira musa inspiradora uma então namoradinha dos tempos do colégio, para a qual escreveu uma canção em formato de bilhete, intitulada “A Carta”.

Com os estudos não teve muito como avançar: “Filho de pobre, 14 anos, fez o primário? carteira de menor e trabalho”. seu pai, pedreiro, queria lhe ensinar o ofício de servente, mas o menino fugia. Acabou como aprendiz de estofador, numa tapeçaria em Copacabana, profissão que lhe rendeu boas histórias, como a que envolvia uma cliente fogosa, que, anos mais tarde, inspiraria a canção “Artifício”, sobre um amor proibido, escondido.

Filho de sanfoneiro numa casa sem nenhum outro músico, foi através do seu irmão, Milton, que conheceu sua inspiração definitiva, o Império Serrano, num tempo em que os desfiles ainda ocorriam na Presidente vargas, com o cortejo cercado por cordas: “Meu irmão desfilava em ala e era um cara que guardava as fantasias de um ano para outro. tudo bonitinho, no plástico. Como a gente tinha o mesmo porte físico, quando chegava o carnaval, ele botava a fantasia nova, eu ia no armário dele e pegava uma roupa do ano anterior. Eu deixava ele ir, depois ia atrás, mas ficava do lado de fora, porque com fantasia velha não podia desfilar. Quando o diretor de harmonia se afastava, eu passava pro lado de dentro da corda. Foi assim que eu comecei”. O ano era 1954, o desfile “O Guarani de Carlos Gomes” e

Aluísio tinha 14 anos.
Enquanto dava os primeiros passos no samba, mudou de emprego, indo trabalhar em uma loja de tecidos na Gomes Freire, Centro do Rio. seria no percurso trabalho-casa que daria um outro passo importante: “Eu estava na Rua da Constituição, em direção à Praça tiradentes pra pegar a condução, quando escutei um ritmo de tambor, atabaque, num sobrado. Um dia eu subi, cheguei lá, era o teatro Popular Brasileiro, de solano trindade. Ele logo me convidou a participar, mas eu disse que não, que eu só tinha ido assistir. Ele insistiu: não quer experimentar? Eu experimentei e gostei da coisa, aprendi muito ali”. No total, Aluísio ficou cerca de dez anos na Cia, se apresentando por todo o brasil, dançando ritmos como congo, maracatu, frevo, cateretê e caxambu, e só não foi para o exterior porque, na época, era menor de idade. Além disso, dançou nos filmes “Rio, 40 graus”, “Orfeu Negro” e “Meus Amores no Rio”. Enquanto conciliava o trabalho na loja e o teatro de solano trindade (saía do serviço entre 17h e 18h, com o ensaio começando às 19h), Aluísio continuava no império serrano. saiu em ala, na bateria (tocando reco-reco, porque, segundo ele, o instrumento mais fácil), e foi passista, antes de escrever sambas para a escola: “Eu já compunha no império, mas pra entrar pra ala de compositores era difícil, porque, no meu tempo, você tinha que fazer um estágio de dois anos pra poder entrar pra ala. Além disso, você tinha que apresentar uma música, o samba de terreiro, que hoje em dia chamam de samba de quadra, mas quadra é lugar de basquete, vôlei, o nome é samba de terreiro”.
Amante do samba, antes de qualquer coisa, aceitaria o convite para ser mestre-sala da imperatriz Leopoldinense, em 1963, quando a escola ainda desfilava no segundo grupo. A ideia partiu de Maurílio da Penha Aparecida e silva, o Bidi, compositor do samba daquele ano, “As três capitais”, que também era fundador do grupo Originais do samba: “ele gostava de me ver dançar. E a imperatriz não era essa que você vê hoje, mas uma escola pequenininha. Pra você ver, o ensaio era no Morro do Alemão, no terreno da casa do Zé Katimba, não tinha nem quadra. Houve uma briga lá com o mestre-sala e o meu compadre me chamou pra eu dançar. Aí saí um ano só”. seria ainda nos anos 1960 que o sambista entraria para a disputada ala dos poetas da serrinha. Desta vez, a musa do seu samba seria vera Lúcia Couto dos santos, segunda colocada no Miss Brasil e terceira no Miss Beleza internacional, em 1964, a mesma que inspirou João Roberto Kelly a fazer a marchinha “Mulata Bossa Nova”: “ela marcou uma visita ao império, que ela gostava muito. Como ninguém pensou em homenageá-la, então eu fiz, sozinho, um boi-com-abóbora, uma água com açúcar. Cantei lá no dia e assim abriram-se as portas pra eu entrar pra ala de compositores”.
O sucesso como compositor no império serrano demoraria um pouco mais a chegar, uma vez que seu ídolo, silas de Oliveira, ganharia todas as disputas de samba de enredo nos anos seguintes, até o final da década. Ao mesmo tempo, com o início de carreira de Aluísio na noite, impulsionada pelo jornalista do Última Hora, Roy Sugar, os horários passaram a conflitar, levando o compositor a ser expulso da ala pelo presidente irani Ferreira: “os compositores tinham que assinar ponto. Quando eu chegava já estava quase no fim do ensaio”. Após a sua saída do império, no início dos anos 1970, por intermédio de um colunista do jornal O dia, o sambista foi apresentado a Martinho da vila, que o aceitou na ala de compositores da vila isabel. Lá, mesmo conseguindo chegar à final da disputa em uma das ocasiões, também não obteve vitória: “eles não me deixavam ganhar, eram muito bairristas. Não é igual agora que ganha gente de tudo que é lugar. E eu como era de fora, fiz vários sambas que, eu sei, tenho autocrítica, podia ganhar”.
Aluísio teria sua primeira composição gravada em 1972, “Gente”, por Miriam Batucada, mas sua carreira começou a deslanchar mesmo em 1974, quando venceu o concurso do programa “A Grande Chance”, de Flávio Cavalcanti, na tv tupi, com a música “Aí Então...”. O produtor do programa, Arthur Faria, o apresentou ao Renato Barros do “Renato e seus Blue Caps”, que produziu o primeiro LP de Aluísio Machado, em 1975, pela CBs, intitulado “Apesar dos Pesares”. O nome não poderia ser mais emblemático: “o cara era de rock, colocou na minha gravação oboé, 16 violinos, Raul de Barros no trombone..., mas eu querendo gravar, fiquei quieto. Poxa, fiquei feliz, mas eu não sou Emílio santiago. Eu sou mais compositor do que cantor, eu interpreto o que eu canto”.
Neste meio tempo, durante a ditadura militar, seria chamado a prestar esclarecimentos no 1º Batalhão de Polícia do Exército, como subversivo, acusado de cantar músicas de protesto nas “Noitadas de samba” do teatro Opinião. Contestador por natureza, Aluísio abusou das metáforas para manter sua rebeldia, como fez em mais uma de suas canções, “Minha filosofia”: “essa é uma música de protesto, mas pensam que é romântica”.
Nos anos seguintes, seria gravado por grandes nomes como Beth Carvalho e Alcione, em 1981, mesmo ano em que retornaria ao Império Serrano, afinal, “um filho do verde-esperança não foge à luta, vem lutar”. A escola passava por uma de suas maiores crises, seria rebaixada e passaria por novas eleições. O vencedor do pleito, Jamil salomão Maruff, o Jamil Cheiroso, tratou de reunir todos os imperianos afastados, trazendo da vila isabel tanto Aluísio Machado quanto Beto sem Braço: “ele mandou um diretor lá no Bola Preta, onde eu cantava, pra me chamar pro império. Quando chegamos, ficamos de calça curta porque todo mundo já tinha sua parceria. Por sugestão do próprio Jamil, nós formamos uma dupla”. A parceria seria não só a campeã, como o império serrano, mantido na primeira divisão, também: “quando o portão se abriu pra gente entrar na Passarela, o povo já estava cantando”.
O samba, “Bum bum paticumbum prugurundum”, sucesso até hoje – e toque de celular do compositor –, guarda alguns segredos, tais como uma homenagem a silas de Oliveira: “ele era um cara que, antes de fazer a letra do samba-enredo, fazia uma introdução. Então eu pensei: vou fazer desse jeito também porque é bonito”.

Além disso, a letra do samba gerou uma divergência sobre a estrofe final da composição: “o Beto não queria de jeito nenhum que colocasse o verso ‘super escolas de samba s/A...’, porque a gente estava fazendo em cima da Beija-Flor, que vinha com aquelas alegorias grandes e a gente com aqueles carrinhos de pipoca”, mas a rebeldia de Aluísio venceu mais uma vez.
De lá pra cá foram 13 vitórias em disputas de samba enredo no império serrano. Além do célebre “Bum bum”, estão: “Mãe baiana, mãe”, de 1983, “Eu quero”, de 1986, “Com a boca no mundo, quem não se comunica se trumbica”, de 1987, “Jorge Amado, axé Brasil”, de 1989, “império serrano, um ato de amor”, de 1993, “Verás que um filho teu não foge à luta”, de 1996, “Aclamação e coroação do imperador da Pedra do Reino: Ariano suassuna”, de 2002, “E onde houver trevas que se faça a luz”, de 2003, “O império do divino”, de 2006, “ser diferente é normal: o império serrano faz a diferença no carnaval”, de 2007, “A benção, vinícius”, de 2011, e “silas canta serrinha”, de 2016.
Destaca-se entre estes carnavais o de 1989, ano em que iniciou sua segunda grande parceria musical: “o Beto um dia falou ‘tem um cara tocando cavaco - não era nem banjo ainda - e como eu não toco, nem você, chama ele’... aí entrou o Arlindo Cruz pro império, com a minha anuência. E esse foi o primeiro samba que ganhamos juntos”. Além disso, um mês antes do desfile, o mestre-sala do império serrano seria assassinado, levando Aluísio a tomar uma decisão corajosa, rendendo uma de suas maiores emoções na Avenida, dançando ao lado da sua filha, a porta-bandeira Andrea Machado: “Como eu tinha o mesmo porte físico, era mestre-sala nos ensaios, na ausência dos oficiais, e o Império ficou apavorado... então falei ‘eu danço’. Aí entrei no lugar”. Além de Andrea, filha da também porta-bandeira Celina dos santos, do salgueiro, Aluísio tem outros cinco filhos, dez netos e oito bisnetos, dentre eles, tatiana, que dançou pela União da ilha, e o neto Matheus Machado, atual mestre-sala da Lins imperial.
Ao longo destes quase 80 anos de vida, recebeu muitas homenagens e prêmios por sua carreira na música e fora dela. É dono de seis Estandartes de Ouro, foi Cidadão samba, em 2014, mesmo ano em que recebeu do tribunal marítimo o diploma de bronze pelos 17 anos de serviços prestados. teve sua vida contada no DvD “O famoso Aluísio Machado”, na biografia “Aluísio Machado: sambista de fato, rebelde por direito”, de 2015, e foi tema de enredo do então bloco Coroado de Jacarepaguá, campeão em 2014. Desapegado, doou boa parte de seus troféus: “na minha parede não tinha mais lugar, dei tudo para o Museu do samba. Estou com 79 anos agora, daqui a pouco, meu tempo de validade passa... deixei num bom lugar”.
Gravado por artistas como Zeca Pagodinho, Martinho da vila, Neguinho da Beija-Flor e Dominguinhos do Estácio, em parcerias com Davi Correa, serginho Meriti, Acyr Marques, Nei Lopes, entre outros, Aluísio Machado não para, continua fazendo shows e afirma que a sua melhor música ainda não compôs. Defensor ferrenho do ritmo, afirma que o samba corresponde a 80 ou 90% de um desfile: “Se você tem um bom samba, o jurado fica cego, esquece alegoria, esquece a fantasia...”. Ativo, faz academia e nas ho- ras vagas gosta de assistir History Channel e namorar. Oposição da atual administração do império serrano, já não disputa samba na sua escola desde antes de a agremiação decidir adaptar a canção “O que é, o que é?”, de Gonzaguinha, para este carnaval. Em 2019, assina o samba da G.R.E.s. Unidos da Barra da tijuca, pelo Grupo E, com o enredo “Eu não sei se você é, mas eu sei que eu sou, Barra da tijuca, meu amor!”.
Legítimo representante da malandragem, poeta do mais alto gabarito, dono de um samba no pé inconfundível, Aluísio Machado traduz em qualquer bate papo o caráter contestador e galhofeiro de sua arte. E se, ao final da entrevista, na hora da foto, trata logo de buscar seu panamá pra colocar na cabeça, nós do Plumas & Paetês Cultural, lhe dedicamos mais uma de suas justas homenagens recebidas, tirando o nosso chapéu.
