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Memórias do Cárcere

O próprio Wilson moreira lembra que, quando Zezé motta gravou “Senhora liberdade” um dos presos, que ouvia a gravação em seu radinho de pilha, achou que a música era de algum parceiro de crime, pelo conteúdo da letra. Quando o radialista informou o nome de Wilson, após a execução da faixa, o interno correu ao seu encontro e lhe abraçou, dizendo que também sabia compor “e tinha cada coisa bonita...” conta. Após algum tempo, quando já estava de saída, o ex-detento recebeu do compositor famoso a dica de onde levar suas canções: “Ali no largo da Carioca, de vez em quando vai o Agepê, o Nazinho da ilha, o Bezerra da Silva, vai lá. Aí um dia nos encontramos no centro da cidade e ele me mostrou o lP de Bezerra da Silva, que tinha gravado uma de suas músicas”.

trabalho no complexo penitenciário renderam-lhe inúmeras histórias, muitas engraçadas e outras tristes. muitas ele fez questão de esquecer, mas algumas ficaram na lembrança, entre elas os versos que o cárcere lhe inspirou a compor: enquanto Wilson moreira cresceu em Realengo, ubiratan passou a infância no bairro vizinho, Padre miguel, praticando a paixão compartilhada pelo amigo famoso: o futebol. Com os amigos André (que se tornaria o célebre mestre de Bateria), Wandyr (o vô macumba, atual presidente da escola) e tiãozinho (compositor), fundaram o time independente Futebol Clube, que logo virou bloco carnavalesco, embrião do que se tornaria a escola de samba mocidade.

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Uma amizade nascida no árduo ambiente de trabalho. Dois compositores e agentes penitenciários. uma dupla de componentes da mocidade que só foram se conhecer anos depois, dentro do complexo presidiário em que trabalhavam. Para conhecer um pouco mais desses amigos de ofício e poesia, fomos ao encontro de ubiratan Rodrigues vieira atrás das lembranças dos tempos áureos de sua convivência com o homenageado do prêmio Plumas & Paetês Cultural 2018.

De família humilde, ubiratan conseguiu conciliar sua paixão pelo futebol e pelo carnaval até os 20 anos de idade, quando passou no concurso para agente de segurança penitenciária da Polícia Civil, indo trabalhar no presídio de Bangu (antes da construção dos famosos complexos presidiários do bairro) onde conheceu Wilson moreira. Os tempos árduos de

Bira da mocidade, como gosta de ser chamado, relembra com carinho e admiração a amizade com o homenageado do Plumas de 2018. Ao falar destas memórias, relata que várias composições do amigo Wilson moreira foram feitas dentro do presídio. “O ambiente era pesado. Não sei como conseguia compor lindas canções. Algumas com relação direta com o dia a dia dos presos como ‘Senhora liberdade’, bordão conhecido pelos detentos quando chegava o alvará de soltura; ‘Goiabada Cascão’, era constantemente a sobremesa lá dentro. ‘mamão com Açúcar’ foi a primeira a ser apresentada no ambiente de trabalho e custou uma suspensão de 60 dias ao Wilson. era amigo de todos, dava conselhos e escutava os presos. ‘Gotas do Sereno’, música que marcou minha vida, a minha alma, entre outros grandes sucessos, e que, até hoje, é cantada por grandes interpretes da música popular brasileira”.

Com o passar dos anos – e as merecidas aposentadorias -, ubiratan e Wilson foram, pouco a pouco, perdendo o contato, mas Bira continuou acompanhando o amigo pelas mídias enquanto compunha mais alguns sambas como terapia - registrou apenas um deles, com o título “musa do Samba”, guardado a sete chaves na Biblioteca Nacional. Quando soube que alguns artistas organizaram um show beneficente para ajudar o cantor, vítima de um AvC, Bira não teve dúvida, comprou vários ingressos e camisas para ajudar o ex-companheiro de labuta.

Hoje, ao falar dessa amizade que a distância não apagou, se emociona. e ao imaginar o seu reencontro com o velho amigo, após 40 anos, no palco do Plumas & Paetês Cultural, os olhos ficam cheios de lágrimas: “Será emoção pura.

Acredito que Deus preparou este momento para mim. estive perto do outro lado da vida por duas ou até mais vezes, ficava imaginando o que estava por vir, me perguntando se ainda tinha alguma missão a ser cumprida nesta terra, mas não conseguia ter respostas. Hoje eu sei. Deus não me levou porque eu precisava reencontrá-lo, homenagear meu amigo e irmão”. Quatro décadas depois, essa emoção, aprisionada, vai ganhar sua liberdade.

AnDRé

Por: Alex de oliveira

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