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A arte negra de Wilson Moreira
from Homenagem a Wilson Moreira, compositor e sambista brasileiro, suas letras e melodias à arte negra.
A históriA de vidA e Arte do CArCereiro que CAntou A liberdAde
Dono de sucessos como “Goiabada Cascão” e “Judia de mim”, membro das alas de compositores da mocidade e Portela, fundador do G.R.A.N.e.S Quilombo, Wilson moreira é também autor de um dos hinos pelas Diretas Já, “Senhora liberdade”. Com tanta história pra contar, nos reunimos com nosso homenageado, que nos recebeu com o seu firme aperto de mão – que lhe deu o apelido de alicate – e muita cantoria.
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Nascido pelas mãos de uma parteira, na rua mesquita, em Realengo, em 12 de dezembro de 1936, Wilson moreira Serra morou naquele mesmo bairro até 1992. Filho de Hilda moreira Serra - do lar, lavadeira e que trabalhou em pensão –e de Francisco Moreira Serra - Wilson é o segundo dos seis filhos do casal. Arteiro, gostava muito de brincar na rua: “Joguei bola de gude, soltei pipa, graças a Deus joguei meu futebol. eu era beque central, joguei no time ipiranga de Realengo.


Do samba sua mãe também não era muito fã, foi pela influência de outros parentes maternos que tomou gosto pelo batuque. Oriundos de Minas Gerais, seus tios se fixaram no interior do estado do Rio de Janeiro, nas regiões de Avelar e Paraíba do Sul, para onde ia com dona Hilda, de tempos em tempos, quando ficava com saudades. Com primos calangueiros e violeiros, um tio tocando sanfona de oito baixos e uma tia jongueira, que traziam a herança dos pais tocadores de caxambu, o gosto pela música aflorou. Aos 13 anos, de maneira ainda inocente, compôs sua primeira canção. mas antes de se aventurar em versos e melodias, foi preciso ajudar em casa, já que seu pai, cardíaco, faleceu quando Wilson tinha oito anos. Aos 12, trabalhou numa pensão entregando marmitas, foi engraxate por um tempo e vendeu muita laranja e amendoim na ponte de Realengo. Aos 13, por intermédio de uma vizinha, tornou-se guia de cego, na Aliança dos Cegos, na São Francisco Xavier - um trabalho que durou cerca de um ano, do qual guarda belas recordações de seu Adelino de Jesus: “eu não conhecia direito a cidade, ele sabia tudo, praticamente ele que me guiava. Aprendi muito com esse português” – aos 14 foi trabalhar numa oficina de estamparia: “Eu trabalhei em várias coisas. Minha profissão é bombeiro hidráulico, que aprendi no ginasial. Só não fiz faculdade porque não deu”. enquanto ganhava uns trocados, não deixava de acompanhar o que havia se tornado sua paixão: as escolas de samba. No fim dos anos 40 já assistia aos desfiles das escolas no bairro, como a voz do Orion, três mosqueteiros e unidos de Curitiba: “eu ia lá pra ver aqueles sambistas cantando, a poeira levantando, os sambas de terreiro. Cada enredo bonito, era gente à beça, coisa boa.
A gente ia pra casa e ficava com o samba na mente”. Logo ingressou na unidos da Água Branca, que era próxima de sua casa. Nela, se aventurou na bateria: “Cheguei a pegar um surdo pra tocar, mas era muito grande, demorava muito pra carregar. tocava bem mesmo o tamborim”.

e foi nesta agremiação que teve a oportunidade de conhecer aquela que marcaria para sempre a sua vida: “Numa reunião na Água Branca, um diretor da mocidade apareceu e convidou para que os componentes se juntassem aos da escola, após o nosso desfile no chamado Coletivo. Acabada nossa apresentação em Realengo, pegamos o trem e fomos para a Praça Onze, onde hoje é a estátua do Zumbi, ajudar a mocidade”. O ano era o de 1957, o enredo era “O Baile das Rosas”, era a estreia da mocidade fora do seu local de origem, ainda pelo segundo grupo. Wilson moreira estava como expectador, mas logo seu envolvimento seria maior. e ele, que se considera um dos fundadores da mocidade (por acompanha-la desde o seu primeiro desfile oficial), teve, em 1962, a honra de ter um samba seu (em parceria com Arsênio e Jurandir) cantado na avenida, levando a escola a um honroso 5º lugar entre as grandes do carnaval. O enredo era “Brasil no Campo Cultural”. No ano seguinte, repetiu o feito com o seu primeiro parceiro de música, ivan Pereira (mais conhecido como “Da volta”), num enredo que cantava o lugar de origem dos seus parentes que o influenciaram na música, “As Minas Gerais”.

Por mais que fosse ritmista na unidos da Água Branca, na mocidade não se aventurou nos instrumentos “eu gostava de tocar meu pandeiro, mas sair na bateria do André (que na época ainda não tinha alcunha de mestre) era muita responsabilidade”. Por isso, inicialmente, desfilou na ala dos boêmios (mas jura que ninguém bebia), numa época em que os próprios integrantes confeccionavam suas fantasias. logo em seguida, formou um trio como passista e fundou quatro alas (lordes, baixareis do samba, boêmios e mocidade unida de Realengo), para finalmente ingressar na ala de compositores: “eu fazia umas músicas, mas não acreditava. e a turma da mocidade (compositores) era muito boa. Até que fiz um samba, que mostrei pro Paulo Brasão (compositor da vila isabel) e ele falou pra mostrar lá no terreiro que dava pé. todo mundo cantou, aí eu acreditei. Cheguei em casa e falei: ‘mamãe, sou compositor’”.
Pelo sucesso como compositor, foi agraciado com uma bolsa de estudos para representar a escola em um curso com o maestro Guerra-Peixe, no museu da imagem e do Som (miS), já que fora o mais votado pela diretoria. Porém, o presidente da ala, na época, foi contra, o que entristeceu Wilson, que acabou fazendo o curso e se afastando da mocidade. Depois de fazer aulas de canto, violão e divisões rítmicas, ingressou em um curso com maria luisa Priolli, patrocinado pela Ordem dos músicos do Brasil (OmB). Foram dois anos estudando música, mas como tinha que sustentar a casa, não conseguiu prosseguir.
Neste meio tempo passou a atuar como cantor, na tv Continental, e lançou seu primeiro disco “Acossante”, em 1967. No ano seguinte, entrou para o conjunto Os Cinco Só (com Zuzuca do Salgueiro, Zito, Jair do Cavaquinho e velha), mas a vida inconstante da música ainda o obrigava a ter outras fontes de renda. Na busca por trabalho, Wilson moreira foi prestando provas para concursos públicos, até passar para guarda de presídio, em Bangu (antes da construção dos famosos complexos presidiários do bairro), onde se aposentou após 35 anos de serviço. Distante da mocidade, foi parar na Portela, em 1968, após comparecer a uma reunião na azul e branca, levado por um amigo, que coincidentemente reencontrou, no trem, vindo da Central do Brasil, indo para madureira. Wilson resolveu ir junto após lembrar uma frase dita por Natal, em uma visita à mocidade, quando o viu cantar: “a hora que você quiser ir pra Portela, as portas estão abertas”.

Na nova casa, sentiu-se muito bem recebido. integrado à ala de compositores, apresentou o samba “O mais Belo Requinte”, muito elogiado, que acabou entrando na primeira faixa do disco lançado pelo seguimento: “Não teve inveja, não teve rebuliço, não teve nada. Peguei o disco e fiquei andando com ele debaixo do braço em Padre miguel”. Na Portela não conseguiu levar samba para a avenida, mas voltou a vencer a disputa no Grêmio Recreativo de Arte Negra escola de Samba Quilombo, que ajudou a fundar, junto do Candeia: ele disse que ia fazer uma escola e perguntou: “tá comigo?”. Respondi: “contigo eu tô, só não vou sair da Portela. No Quilombo eu era diretor de harmonia ao lado do Jorginho Pessanha, do império Serrano”.

Foi no Quilombo que iniciou a sua mais famosa parceria musical, com Nei lopes, apresentado por Délcio Carvalho como “aquele que coloca música até em bula de remédio”. Com Nei compôs sucessos como Goiabada Cascão, Gostoso veneno (sucesso na voz de Alcione) e Senhora liberdade, espécie de hino na campanha das Diretas Já. É também da dupla o disco “A Arte Negra de Wilson moreira e Nei lopes”, um marco na luta em defesa do povo negro e do samba de raiz. em 2017, viveu a alegria de ver as duas escolas de samba do seu coração serem campeãs, juntas: “A mocidade é um negócio que está no meu coração, mas sou portelense desde criança, sempre gostei daquele azul e branco de Oswaldo cruz. A mocidade é onde comecei, onde as pessoas me entenderam, sempre torceram por mim. Até hoje tem um diretor, o Geraldinho, que vai lá em casa. O pai dele tá fazendo um documentário sobre mim”.


Foi ainda na escola do Candeia que sua primeira esposa, Nilcrê, foi porta-bandeira (função que já tinha desempenhado anteriormente na Santa Cruz).
Com ela, que faleceu em 1981, teve dois filhos, Andréa Cristina e André Luiz. Cinco anos depois, com outra mulher, foi pai da vanessa. Dos três, apenas Andréa se envolve com música: “ela é o meu brinco. Com 10 anos já ia pra Portela”. Desde 1996 é casado com Ângela Nenzy, que conheceu também na época do Quilombo, quando foi tirar uma dúvida no miS, onde ela trabalhava, para composição do samba da escola. mas o romance só começou anos depois, quando se reencontraram.
É de autoria de Ângela a única biografia de Wilson Moreira, narrada em quadrinhos, com ilustrações do cartunista Ykenga, lançada em 1997. Sua esposa também dirige o Centro Cultural Solar de Wilson moreira, inaugurado em 2011, na Praça da Bandeira, bairro em que moram há 20 anos. O espaço já abrigou oficinas de instrumentos musicais, culinária, artesanato, reciclagem, espetáculos de teatro, dança e shows. Além disso, serviu de concentração do bloco carnavalesco Amigos de Wilson Alicate, criado em 2013, para homenagear o compositor.
Hoje, após mais de 60 anos de carreira, comemorados em 2017, Wilson moreira acumula inúmeras parcerias de sucesso. Além dos já citados, compôs com Zeca Pagodinho, Candeia, Nelson Cavaquinho, Grande Otelo, Carlos Cachaça, Sérgio Cabral, moacyr luz e muitos outros. Suas canções foram gravadas por artistas como Zezé motta, Clara Nunes, Beth Carvalho, João Nogueira, eliseth Cardoso, Roberto Ribeiro e outros tantos. Já Jamelão, está entre os que quase gravaram uma de suas canções, neste caso, o samba “Fulana de tal”, (composto com seu primeiro parceiro, conhecido como Da volta) e que estará no próximo disco de Wilson moreira, ainda em pré-produção. Com mais de 80 anos de idade, o artista continua cantando, mesmo sob as dificuldades motoras após o AVC sofrido em 1997. Com mais de 400 canções no currículo, muitas delas ainda inéditas, o homenageado do Plumas & Paetês Cultural 2018 segue entoando seus sambas, jongos, lundus e ijexás, sob as bênçãos de seus orixás, exercendo, toda a propriedade de sua arte negra.
