Plant Project #51

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Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

venda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br

O BRASIL NA VITRINE

Na COP30, o País quer provar que pode ser potência agrícola e climática

UMA PECUÁRIA QUE

INSPIRA O MUNDO

Novos episódios da websérie

Top Sustainable Livestock mostram a força da produção sustentável

SANGUE NOVO COM OLHAR MODERNO, OS JOVENS TRANSFORMAM OS NEGÓCIOS NO CAMPO

O AGRO EM ÓRBITA DO ESPAÇO, UMA NOVA REVOLUÇÃO CHEGA ÀS FAZENDAS BRASILEIRAS

NATUREZA VIVA MASP REVELA A PROFUNDA CONEXÃO ENTRE ARTE E MEIO AMBIENTE

A INVASÃO DOS INSETOS

Extremos do clima criam ambiente perfeito para a explosão de pragas

CMPC E COP30: compromisso por natureza.

Em novembro, os olhos das maiores potências globais se voltam para o Brasil. É a COP30, que acontece em Belém/PA e promove o maior debate climático do planeta.

A CMPC estará presente e compartilhará sua expertise como empresa

12 mil empregos gerados durante as obras do Projeto.

Acompanhe nossas redes sociais para conferir a nossa participação no evento.

COP30

DEFINE O PAPEL DO BRASIL NO FUTURO

SUSTENTÁVEL Editorial

Em novembro, Belém, no Pará, será palco de um dos encontros mais importantes de nosso tempo. A COP30 colocará o Brasil no foco das discussões globais sobre o futuro climático, reunindo líderes, empresas, cientistas e representantes da sociedade civil em torno da questão que definirá o futuro da humanidade: como conciliar desenvolvimento e preservação ambiental.

Para o Brasil, a conferência vai muito além de um evento – é a chance histórica de afirmar-se como uma nação que une produtividade e preservação, capaz de ser ao mesmo tempo potência agrícola e referência global em sustentabilidade. Temos, afinal, condições únicas: uma agricultura tropical de baixa emissão, uma matriz energética majoritariamente renovável, uma biodiversidade sem paralelo e avanços concretos em manejo florestal e recuperação de áreas degradadas.

Nos últimos anos, a sustentabilidade deixou de ser uma opção. Tornou-se, sobretudo, um imperativo econômico. O mercado já precifica riscos climáticos, investidores punem negócios que ignoram padrões ambientais e cadeias globais excluem fornecedores sem rastreabilidade ou compromisso com boas práticas. O capital migra, cada vez mais, para quem alia produção agrícola à responsabilidade socioambiental.

Essa é uma oportunidade sem precedentes para o Brasil transformar suas vantagens naturais em liderança econômica. Direcionar investimentos para inovação tecnológica no campo, infraestrutura sustentável, bioeconomia, energias renováveis e créditos de carbono significa gerar riqueza com responsabilidade e consolidar uma nova narrativa: a de um País capaz de crescer preservando e prosperar contribuindo para o equilíbrio do planeta.

O verdadeiro legado da COP30 não estará nas declarações oficiais nem nos acordos assinados, mas na capacidade de transformar compromissos em ações concretas. O Brasil chega a Belém com credenciais únicas e uma responsabilidade proporcional ao seu potencial.

Se o século 20 foi marcado pela disputa por petróleo, o século 21 será definido pela gestão dos recursos naturais. Nesse cenário, poucos países têm tanto a oferecer quanto o Brasil.

Boa leitura.

pecuariasustentavel.org.br

plantproject.com.br

Diretor Editorial

Amauri Segalla amauri.segalla@datagro.com

Diretor

Luiz Felipe Nastari

Comercial

Carlos Nunes carlos.nunes@plantproject.com.br

Sérgio Siqueira sergio.siqueira@plantproject.com.br João Carlos Fernandes joao.fernandes@plantproject.com.br

Tida Cunha tida.cunha@plantproject.com.br

Arte

Thaís Rodrigues (Direção de Arte) Andrea Vianna (in memorian – Projeto Gráfico)

Colaboradores

Texto: Alexandre Dantas, André Sollitto, Lucas Bresser, Mário Sérgio Venditti, Romualdo Venâncio e Ronaldo Luiz

Design: Bruno Tulini

Produção

Lau Borges

Revisão

Rosi Melo

Eventos

Luiz Felipe Nastari

Administração e Finanças

Cláudia Nastari

Sérgio Nunes publicidade@plantproject.com assinaturas@plantproject.com

Impressão e acabamento: Piffer Print

Crédito foto de Capa: ShutterStock

GLOBAL pág.7

AGRIBUSINESS g pág. 17 F FRONTEIRA r pág. 87 W WORLD FAIR pág. 97 S STARTAGRO pág. 103 M MARKETS pág. 113 rA ARTE pág. 91

Música solidária

Quatro décadas após o primeiro concerto, o Farm Aid volta aos palcos para socorrer agricultores dos EUA

G

GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

GLOBAL

A VOZ DO CAMPO G

O lado cosmopolita do agro

ESTADOS UNIDOS

Farm Aid completa 40 anos unindo música e solidariedade em meio a uma nova crise que assola agricultores americanos

Em meados de setembro, Willie Nelson, Neil Young, Bob Dylan, John Mellencamp e outros dos artistas mais celebrados dos Estados Unidos viajaram a Minneapolis, no estado de Minnesota, para um show beneficente. Eles mesmos arcaram com todas as despesas de transporte e hospedagem e destinaram a renda da venda de ingressos integralmente ao Farm Aid, uma das mais importantes organizações sem fins lucrativos ligadas à agricultura no país. O evento celebrou os 40 anos do Farm Aid, criado originalmente em 1985 como uma iniciativa única, mas que, com o tempo, ganhou força e se tornou permanente.

O primeiro show foi organizado por Willie Nelson para arrecadar fundos e contou com uma linha telefônica exclusiva para receber doações. Após o concerto, o número continuou ativo, passando a receber ligações de fazendeiros em busca de informações, o que levou à realização de novos eventos. Quatro décadas depois, a edição comemorativa ocorre em um momento particularmente difícil para os produtores americanos. “Os agricultores com quem conversamos durante nossa passagem por Minnesota neste verão disseram que a situação é a mesma dos anos 1980”, afirmou Jennifer Fahy, codiretora executiva da Farm Aid, em entrevista ao New York Times

Naquele período, em 1985, a renda agrícola foi a menor desde 1910, e mais de 200 bancos rurais faliram em decorrência da queda no preço das terras e da inadimplência dos produtores. Com o passar dos anos, as prioridades mudaram. Nos anos 2000, por exemplo, a organização concentrou esforços em aproximar os consumidores da cadeia produtiva, estimulando os americanos a conhecerem melhor a origem dos alimentos que consomem.

Agora, o cenário voltou a ser de crise. A linha telefônica voltou a receber chamadas frequentes de agricultores afogados em dívidas. Cada caso tem suas particularidades, mas alguns fatores se repetem. Nos últimos anos, os custos com insumos e maquinário agrícola – ele-

mentos essenciais para o cultivo – dispararam muito acima da inflação, enquanto a renda obtida com algumas das principais culturas do país, como milho, soja, sorgo e algodão, permaneceu estagnada. Mais recentemente, políticas do presidente Donald Trump, sobretudo nas áreas de imigração e comércio, elevaram significativamente o custo da mão de obra e afastaram diversos parceiros comerciais dos produtos americanos.

Embora a visão do Farm Aid – voltada a pequenos e médios agricultores que abastecem as comunidades locais – nem sempre coincida com a dos grandes produtores voltados à exportação, a missão da organização é clara: chamar a atenção dos Estados Unidos e do mundo para os desafios da produção de alimentos. E reforçar que é dever de toda a sociedade exigir políticas que deem suporte aos agricultores, independentemente de sua escala ou posição ideológica.

ESTADOS UNIDOS

O AGRO EM PAUTA

A agricultura e a alimentação respondem por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa – uma participação relevante, que coloca o setor no centro das soluções climáticas. Um levantamento da Sentient Media, que analisou 940 reportagens e artigos publicados em 11 grandes veículos de comunicação dos Estados Unidos, entre eles New York Times, Washington Post, Wall Street Journal e a agência Reuters, mostra como esse debate ainda aparece de forma tímida. Apenas

3,8% das reportagens mencionaram agricultura ou produção de carne, mesmo que o setor tenha papel crucial na transição para modelos mais sustentáveis. Isso reforça a importância de dar protagonismo ao campo, mostrando como novas tecnologias, boas práticas e sistemas produtivos mais eficientes podem reduzir emissões, sem abrir mão da produção de alimentos. Outros segmentos receberam muito mais atenção:

IRLANDA

A VOLTA DO LINHO

No norte da Irlanda, o cultivo de linho já foi um dos pilares da economia agrícola, sustentando uma indústria têxtil vibrante que marcou a identidade da região por décadas. Com a mudança nos hábitos de consumo, porém, a produção entrou em declínio acentuado e quase desapareceu do mapa. Agora, o cenário começa a se inverter. O interesse renovado por roupas e peças feitas de fibras naturais trouxe o linho de volta ao mercado. Mais do que moda, a cultura ganha

espaço também pelo seu potencial de descarbonização. Assim como o cânhamo e outras fibras, o linho exige pouco fertilizante e tem grande capacidade de absorver nutrientes do solo, contribuindo para práticas agrícolas mais sustentáveis. Pequenas comunidades rurais já voltaram a incluir o linho em seus sistemas de rotação de culturas. O movimento tem se mostrado positivo não só para diversificar a renda, mas também para reduzir o impacto ambiental da produção agrícola.

VATICANO

DO

ALTAR À TERRA

O papa Francisco (1936-2025) fez da ecologia uma de suas principais bandeiras, defendendo reiteradamente a responsabilidade dos fiéis no cuidado com a natureza. Para dar continuidade a esse legado, o Vaticano está inaugurando a sua primeira escola vocacional dedicada a práticas sustentáveis. Instalada em uma área de 22 hectares às margens do Lago Albano, próxima ao castelo papal de Castel Gandolfo, a escola oferecerá treinamento em jardinagem sustentável, produção de vinho orgânico e colheita de azeitonas. O projeto se inspira na encíclica Laudato Si’ (Louvado Seja), publicada em 2015, na qual Francisco apresentou o cuidado com o planeta como uma preocupação moral urgente e indissociável da dignidade humana e da justiça social, especialmente para os mais pobres. Além de workshops, a escola reservará vagas para grupos vulneráveis e venderá os produtos cultivados localmente, destinando os recursos obtidos ao próprio projeto, em um modelo que une educação, inclusão social e sustentabilidade.

Soluções desenvolvidas pela DanPower reforçam o potencial das grelhas

vibratórias em projetos de alto desempenho e baixa emissão

DanPower aposta na inovação para melhorar a eficiência na geração de energia. Com soluções próprias de engenharia e um histórico de excelência em projetos, a empresa tem se consolidado como referência ao adotar e aprimorar tecnologias das grelhas vibratórias. A solução vem conquistando espaço no mundo pela robustez, pela capacidade de operar com diferentes tipos de combustíveis e umidades, teor de cinzas e pelo desempenho ambiental superior em relação aos sistemas tradicionais.

A evolução das grelhas para caldeiras acompanha a necessidade de adaptar-se a combustíveis diversos, desde carvão mineral até biomassas complexas. Cada modelo trouxe contribuições relevantes, mas também apresentou limitações que, na prática, representam custos adicionais, maior risco de falhas e interrupções não programadas.

Foi para superar esses obstáculos que a grelha vibratória se consolidou como alternativa de maior confiabilidade. Trata-se de uma tecnologia versátil, indicada tanto para a queima de combustíveis sólidos e combinados com combustíveis líquidos ou gasosos. Sua refrigeração a água, integrada ao próprio sistema de alimentação da caldeira, confere durabilidade e estabilidade operacional. Além disso, dispensa fundidos, o que reduz significativamente os custos de manutenção. Outro diferencial é a capacidade de processar combustíveis com alto teor de umidade – até 60% – sem perda de eficiência. Em comparação ao leito fluidizado, a grelha vibratória consome menos energia, não exige areia como utilidade adicional e dispensa queima suplementar para iniciar o funcionamento, simplificando a operação e reduzindo custos. Essas vantagens não são apenas teóricas, mas estão comprovadas em cases internacionais. Nos Estados Unidos, a Detroit Stoker Company modernizou uma usina de energia renovável em Massachusetts com grelhas Hydrograte, substituindo sistemas convencionais que apresentavam falhas recorrentes. O retrofit resultou em maior estabilidade operacional, redução significativa dos custos de manutenção e melhor controle de emissões, garantindo que resíduos sólidos, altamente úmidos e de difícil queima, fossem

transformados em energia de forma segura e eficiente.

A DANPOWER ACELERA A INOVAÇÃO EM GRELHAS VIBRATÓRIAS

Na Dinamarca, foram desenvolvidas caldeiras a vapor para combustão de palha agrícola e outros combustíveis celulósicos. Utilizando grelhas vibratórias refrigeradas a água, a empresa assegurou confiabilidade de longo prazo, baixos níveis de emissão e custos operacionais reduzidos. O projeto se tornou um exemplo de como a tecnologia pode ser aplicada em larga escala, aliando sustentabilidade e desempenho.

Outro case marcante vem da Tailândia. Na implantação da usina Mahachai Green Power, pioneira no uso de resíduos de coco – cascas, talos, folhas e troncos – como fonte energética. A planta, equipada com caldeira de alta pressão e grelha vibratória especialmente projetada, gera 9,9 MW de eletricidade. Além do impacto ambiental positivo, o projeto trouxe benefícios sociais, criando empregos locais e agregando valor econômico a um resíduo antes descartado.

Além das grelhas vibratórias, a DanPower incorpora soluções exclusivas em seus recuperadores de calor. Nos pré-aquecedores de ar, por exemplo, os tubos lisos convencionais são substituídos por tubos espiralados. Essa configuração aumenta a turbulência dos gases, eleva a temperatura do metal e reduz a condensação. O efeito direto é uma menor incidência de corrosão.

Nos economizadores, a diferença é ainda mais marcante. Em vez das aletas espirais comuns, são utilizados tubos aletados do tipo H-Fin. Esse design assegura alta eficiência na transferência de calor para a água, pois as aletas são totalmente soldadas por alta frequência. Além disso, o arranjo construtivo com tubos alinhados e aletas mais espaçadas facilita a passagem dos gases e reduz o acúmulo de cinzas. O resultado: limpeza mais eficiente pelos sopradores de fuligem e maior confiabilidade na operação.

Ao adotar a grelha vibratória como eixo central de seus projetos e combiná-la com soluções próprias de engenharia, a DanPower demonstra que é possível aliar sustentabilidade, confiabilidade operacional e viabilidade econômica, preparando o setor energético para os desafios de um futuro de baixas emissões.

FRANÇA

INVESTIMENTO NUTRITIVO

Enquanto o mercado de proteínas alternativas perde fôlego em várias partes do mundo, a francesa NXT Food segue na contramão. A startup arrecadou US$ 58 milhões em sua mais recente rodada de investimentos e projeta retorno rápido aos investidores. Fundada em 2019, a empresa só chegou ao mercado em 2022, mas rapidamente consolidou um portfólio de produtos à base de trigo e ervilha, cultiva -

dos por produtores locais. De acordo com o CEO Renaud Saïsset, o segmento na França vem registrando crescimento anual de dois dígitos, movimento oposto ao observado em outros países. Com os novos recursos, a NXT Food pretende triplicar sua unidade de produção em Vitry-en-Artois e ampliar a área de pesquisa e desenvolvimento, reforçando a aposta em inovação para sustentar a expansão.

ÍNDIA

CAMPOS ALAGADOS

Estados do norte da Índia enfrentam inundações severas, descritas por especialistas como as mais intensas em quatro décadas. Em Punjab, onde mais de 35% da população depende da agricultura, os impactos são devastadores: extensas áreas de cultivo foram tomadas pela água, transformando quase dois terços das terras aráveis em imensos lagos. O desastre ocorreu poucas semanas antes da colheita do arroz basmati,

produto tradicional da culinária local e uma das principais fontes de renda dos agricultores. Muitos terão de recomeçar do zero. O governo regional anunciou uma ajuda de cerca de US$ 230 por agricultor afetado, valor considerado insuficiente diante das perdas acumuladas. Para milhares de famílias, a compensação representa apenas um alívio temporário frente a um longo processo de recuperação.

Plant +

ATVOS ACELERA A DESCARBONIZAÇÃO

COM SOLUÇÕES SUSTENTÁVEIS NO CAMPO

Ao apostar em parcerias globais para produção de biochar e amônia verde, a companhia busca zerar suas emissões e consolidar seu protagonismo na transição energética

AAtvos, uma das maiores produtoras de biocombustíveis do Brasil, tem intensificado esforços para reduzir a sua pegada de carbono e tornar a cadeia produtiva de etanol cada vez mais sustentável. A companhia vem investindo em parcerias com empresas globais e em projetos inovadores que unem tecnologia, ganhos ambientais e impacto social, com o objetivo de alcançar a neutralidade em suas emissões e reforçar sua liderança na transição energética.

Um dos destaques dessa estratégia é o projeto de biochar em Caçu, Goiás, onde está localizada a Unidade Rio Claro. Em setembro, a empresa assinou um Memorando de Entendimento para implantar uma fábrica dedicada à produção do insumo, com potencial de investimento de R$ 26,5 milhões. A unidade terá capacidade de gerar mais de 20 mil toneladas do material, utilizado para aumentar a retenção de umidade no solo e reduzir a aplicação de fertilizantes nas operações agrícolas. O início das obras está previsto ainda para este ano, sujeito à aprovação dos órgãos competentes, e a expectativa é que a planta entre em operação até o fim de 2026, criando cerca de 150 postos de trabalho diretos e indiretos. A tecnologia será fornecida pela startup francesa NetZero, vencedora do XPRIZE Carbon Removal. O biochar, que já está em fase de testes nas lavouras de cana da Unidade Rio Claro, é um material altamente poroso, com elevada capacidade de retenção de água e nutrientes, o que contribui para ganhos de produtivida-

de agrícola e aumento da diversidade microbiológica do solo. Sua produção ocorre por meio de pirólise, processo em que resíduos como bagaço e palha da cana passam por queima controlada, com pouco oxigênio e em altas temperaturas, em circuito fechado e totalmente circular. Aplicado no momento do plantio, o biochar também funciona como sequestrador de carbono, armazenando o elemento que, de outra forma, seria liberado na atmosfera durante a decomposição da biomassa ou sua queima para geração de energia.

Outro avanço relevante está em Mineiros, também em Goiás, onde a Atvos estabeleceu parceria com a startup japonesa Tsubame BHB para desenvolver um projeto de produção de amônia aquosa verde. Com investimento superior a R$ 70 milhões, a nova planta terá capacidade de 20 mil toneladas anuais e substituirá fertilizantes nitrogenados de origem fóssil utilizados nas áreas agrícolas de duas operações da empresa. O impacto ambiental esperado é significativo: a redução de cerca de 11 mil toneladas de emissões de CO₂ por ano, reforçando a estratégia de mitigação da pegada de carbono da companhia.

Além dessas iniciativas, a empresa também vem testando tratores e colhedoras movidos a etanol em parceria com diferentes fabricantes, em linha com sua meta de reduzir o consumo de diesel nas operações agrícolas. Com essas frentes, a Atvos reafirma seu compromisso em liderar a transição energética no Brasil e no mundo.

ZIMBÁBUE

A ASCENSÃO DO MIRTILO

Maior produtor de tabaco da África, o Zimbábue tem se beneficiado do crescimento do consumo na China, seu principal parceiro comercial. Em 2024, o setor atingiu a marca histórica de US$ 1,3 bilhão em vendas, consolidando o tabaco como a principal cultura de exportação do país. Agora, porém, especialistas veem espaço para uma nova aposta: o mirtilo. Embora o mercado ainda seja pequeno, avaliado em pouco mais de US$ 30 milhões, produtores

locais já iniciaram o cultivo da fruta. A grande virada veio com a decisão da China de autorizar a importação de mirtilos zimbabuanos sem tarifas, medida que pode abrir caminho para um salto na produção. A expectativa é que a fruta conquiste espaço nos próximos anos e ajude a diversificar a base agrícola do país, hoje fortemente dependente do tabaco, oferecendo uma alternativa promissora para impulsionar a fragilizada economia nacional.

SÍRIA

OS PERIGOS DA SECA

Após mais de 14 anos de guerra civil, a Síria começa lentamente a se reconstruir. Mas uma nova ameaça coloca em risco esse frágil processo: a seca que atinge não apenas o país, mas também boa parte do Oriente Médio. A falta de chuvas, que vem se agravando nas últimas décadas, agora secou rios e lagos, devastou plantações e levou ao corte no fornecimento de água encanada em várias

cidades. O impacto é ainda maior porque anos de conflito impediram os agricultores de cuidar de suas terras, acumulando perdas que se somam à atual crise climática. Com os recursos do governo voltados prioritariamente para a reconstrução do país, a agricultura ficou em segundo plano, o que torna ainda mais difícil enfrentar os efeitos da estiagem e garantir segurança alimentar à população.

Exemplo para o mundo

Na COP30, o Brasil terá a chance de mostrar que pode conciliar sua força agrícola com a proteção da Amazônia

AGRIBUSINESS

Empresas e líderes que fazem diferença

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Empresas e líderes que fazem diferença

A AMAZÔNIA GUIA O FUTURO

NA COP30, O BRASIL TERÁ DE PROVAR QUE PODE SER POTÊNCIA AGRÍCOLA E CLIMÁTICA AO MESMO TEMPO, CONCILIANDO PRODUÇÃO, PRESERVAÇÃO E LIDERANÇA GLOBAL

Apoio

Em novembro, Belém do Pará será o centro do mundo – do que já existe e do que ainda pode ser. Pela primeira vez, a Amazônia sediará uma Conferência das Partes da ONU sobre mudanças climáticas, a COP30, reunindo líderes, cientistas, empresários e representantes da sociedade civil para decidir os rumos da transição climática global. Mais do que simbólica, a escolha do Brasil como anfitrião coloca no palco um país que é, ao mesmo tempo, potência agrícola e guardião da maior floresta tropical do planeta. O encontro deve girar em torno de dois eixos inseparáveis: proteger o meio ambiente, em especial a Amazônia, e repensar o papel do agronegócio no enfrentamento da crise climática.

Os desafios são urgentes. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), 2024 marcou um ponto histórico: pela primeira vez, a temperatura média global ficou mais de 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais durante um ano completo, ultrapassando o limite estabelecido pelo Acordo de Paris. O dado reforça uma tendência alarmante: os dez anos mais quentes da história ocorreram desde 2015. Até então, esse patamar havia sido alcançado apenas em períodos curtos, mas nunca de forma contínua ao longo de 12 meses. A Organização Meteorológica Mundial estima em 70% a chance de que a média dos próximos cinco anos também supere esse nível. Isso, contudo, não significa que a meta do Acordo de Paris esteja oficialmente rompida, já que a média de longo prazo segue entre 1,34 °C e 1,41 °C, a depender do método de cálculo. Mesmo assim, estudos recentes sugerem que o planeta já entrou em uma fase de duas décadas em que a temperatura global deverá permanecer de forma consistente maior do que

O encontro vai girar em torno de dois eixos: a proteção do meio ambiente e o papel do agro no enfrentamento da crise climática

Um exemplo dessa interseção entre desenvolReportagem

1,5 °C acima dos níveis pré-industriais.

“Estamos nesse patamar há praticamente três anos e cada décimo de grau acima disso tem impactos em cascata no sistema climático, afetando chuvas, secas, ondas de calor e extremos em todo o planeta”, diz Marina Hirota, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e integrante do comitê científico ad hoc da COP30, que assessora os líderes da conferência. Para a especialista, a presidência brasileira terá a responsabilidade de recolocar a meta de 1,5 ºC no centro das negociações, mas com uma mudança fundamental: não basta zerar emissões líquidas, será preciso começar a remover CO₂ da atmosfera, em escala, usando tanto soluções tecnológicas quanto soluções baseadas na natureza. Esse diagnóstico tem implicações diretas para o agro. Segundo os dados mais recentes do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), em 2022, o País emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas desses gases, uma redução de 8% em relação a 2021. Apesar da queda, o valor ainda representa a terceira maior emissão anual desde 2005, ficando atrás apenas de 2019 e 2021. As mudanças no uso da terra, principalmente o desmatamento, foram responsáveis por 48% das emissões, seguidas pela agropecuária, com 27% do total. Ao mesmo tempo, o Brasil possui um dos setores agrícolas mais eficientes do mundo, que alimenta 10% da população global e representará quase 30% do PIB nacional em 2025, segundo estimativas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Esalq/USP (Cepea). A equação que se apresenta é clara: o futuro climático e o futuro do agronegócio caminham juntos.

Reportagem de Capa

Marina Hirota, professora da UFSC : não basta zerar as emissões, será preciso começar a remover o dióxido de carbono da atmosfera

vimento socioeconômico e sustentabilidade vem do Pará, onde a Agropalma, maior produtora de óleo de palma sustentável das Américas, conduz o programa Somar de responsabilidade socioambiental. A iniciativa já impactou mais de 10 mil pessoas em 34 comunidades locais, combinando geração de renda, capacitação profissional, empoderamento feminino, infraestrutura, educação ambiental e saúde. A proposta é ambiciosa: garantir que a floresta permaneça em pé ao mesmo tempo que se criam oportunidades concretas para populações vulneráveis. Para a empresa, cada família atendida e cada jovem engajado representam não apenas estatísticas, mas histórias reais de transformação, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e com a agenda da COP30.

Para Gustavo Castoldi, diretor da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) do Instituto Federal Goiano (IFG), o

Práticas como I ntegração Lavoura- P ecuáriaFloresta ( ILPF ) , plantio direto e recuperação de pastagens são cada vez mais cruciais

Brasil está diante da oportunidade de se apresentar como líder global em descarbonização, aproveitando vantagens naturais e tecnológicas. “O principal desafio do Brasil é consolidar-se como um dos países que mais podem contribuir para a descarbonização global, graças a sua diversidade, abundância de recursos naturais e agricultura eficiente”, afirma. “Temas como desmatamento zero, bioeconomia, transição energética e descarbonização do agro devem ser prioridade, sempre pautados na qualidade de vida das pessoas.” Mas ele alerta que não basta alinhar metas: “Será fundamental discutir um modelo integrado de desenvolvimento, que concilie proteção ambiental, prosperidade econômica e justiça social – e que envolva contribuições efetivas de todos os países”, afirma.

Nesse sentido, práticas como Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), plantio direto, recuperação de pastagens degradadas e agricultura regenerativa aparecem como soluções de duplo ganho: aumentam a eficiência produtiva e sequestram carbono no solo, reduzindo a pressão sobre novos desmatamentos. “O sucesso de tais práticas resulta em maior sequestro de carbono no solo, aumenta a eficiência produtiva e reduz diretamente a pressão por novos desmatamentos”, diz Castoldi.

Um exemplo recente desse movimento é o Projeto Reflora, financiado pela CMPC em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e a Embrapii. A iniciativa, com investimento superior a R$ 7,5 milhões e duração prevista de três anos, visa resgatar o DNA de árvores nativas do Rio Grande do Sul atingidas pelas enchentes de 2024 e replantá-las em seus locais de origem, por meio de clones genéticos. A meta é plantar 6 mil mudas de 30 espécies diferentes em mais de 70 municípios gaúchos onde a companhia atua, incluindo Guaíba, Barra do Ribeiro, Tapes, Rio Pardo, Butiá, Eldorado do Sul e Santa Maria. A metodologia já foi aplicada em Brumadinho (MG), após o rompimento da barragem em 2019, e agora reforça a conexão entre ciência, agro e conservação.

© Divulgação

A conferência em Belém também deve marcar o lançamento oficial do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (Tropical Forest Forever Facility – TFFF), proposto pelo governo brasileiro ainda na COP28. O objetivo é captar até US$ 125 bilhões para garantir pagamentos permanentes a países que mantêm suas florestas em pé. Diferente de mecanismos tradicionais, o TFFF pretende mobilizar 80% dos recursos junto ao mercado financeiro, criando um fluxo estável e previsível de financiamento. Se sair do papel, pode ser um divisor de águas para conectar conservação a desenvolvimento, gerando novas fontes de financiamento para projetos agrícolas de baixo carbono e cadeias produtivas sustentáveis.

Segundo Thaise Emilio, professora do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pesquisadora do Centro de Pesquisa da Biodiversidade e Mudan-

ças do Clima (CBioClima), o TFFF preenche uma lacuna deixada por mecanismos tradicionais, como o REDD+. “Normalmente, o REDD+ financia áreas sob alto risco de desmatamento, enquanto regiões historicamente bem preservadas acabam recebendo pouco apoio, justamente por terem baixa pressão de conversão”, diz. “O problema é que essas áreas, como muitas terras indígenas, por exemplo, mesmo sem risco imediato, são fundamentais para a estabilidade climática e para a biodiversidade.”

O fundo Florestas Tropicais para Sempre pode valorizar e proteger também esses territórios, reconhecendo sua importância para manter serviços ecossistêmicos vitais. Um exemplo é a própria Amazônia: a floresta funciona como uma “bomba de chuva”, reciclando e transportando umidade que sustenta a agricultura em regiões como o Centro-Oeste e o Sudeste. “Ou seja, conservar florestas tropicais não é apenas

O AGRO BRASILEIRO JÁ É UM DOS MAIS EFICIENTES DO MUNDO

proteger biodiversidade: é garantir água para irrigação, estabilidade na produção agrícola e segurança energética em todo o País”, diz Thaise.

Patrícia Feliciano, líder de Sustentabilidade da consultoria Accenture na América Latina, avalia que o setor agropecuário chega à COP30 em condição de mostrar avanços e rebater estigmas. “O agronegócio brasileiro muitas vezes foi visto como vilão por operar em fronteiras agrícolas e pressionar o desmatamento, mas o setor evoluiu”, afirma. Segundo a consultora, nas últimas décadas o agro brasileiro incorporou tecnologias que permitem crescer sem abrir novas áreas. “O Código Florestal exige áreas de preservação dentro das propriedades. Práticas como plantio

direto e agricultura de precisão reduzem emissões, e a rastreabilidade das cadeias ajuda a assegurar produção livre de desmatamento”, diz. Esse último ponto deve estar no centro das discussões. O Regulamento Antidesmatamento da União Europeia (EUDR, na sigla em inglês), que passa a vigorar em dezembro de 2025, exigirá comprovação de origem para soja, carne, café, cacau, madeira e borracha importados. Isso pressiona diretamente o agro brasileiro a implementar sistemas de rastreabilidade robustos, capazes de integrar geolocalização por talhão, Cadastro Ambiental Rural (CAR), Guia de Trânsito Animal (GTA), satélites e auditorias independentes. “Quem se antecipa reduz o risco

Os cientistas afirmam que muitas terras indígenas são vitais para a estabilidade climática e para a biodiversidade

de exclusão de mercados e ganha poder de negociação. Transformar conformidade em prática de gestão é o que pode diferenciar o agro brasileiro”, diz Patrícia Feliciano.

A COP30, portanto, se apresenta também como um palco de oportunidades. Para Castoldi, da Embrapii, um resultado transformador da conferência seria garantir metas globais claras de redução de emissões combinadas com mecanismos de financiamento dos serviços ecossistêmicos. Na prática, isso poderia abrir caminho para maior acesso do agro a crédito verde, reconhecimento internacional de sistemas sustentáveis já aplicados e valorização de produtos brasileiros em mercados exigentes. Marina Hirota, da UFSC, acrescenta que o verdadeiro salto será dado se a conferência conseguir aproximar ciência, setor produtivo e governos em torno de propostas comuns. “Transformador seria sentar na mesma mesa cientistas, pessoas do agronegócio, governo e iniciativa privada, e sair não só com metas, mas com implementação em escala”, afirma a especialista. Para o agronegócio, isso se traduz em três caminhos principais. O primeiro eixo passa pela redução das emissões diretas ligadas à atividade agropecuária e pela ampliação de práticas de baixo carbono já consolidadas no Brasil. Programas como o Plano ABC+ (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), do Ministério da Agricultura e Pecuária, têm metas de ampliar o uso de sistemas integrados de produção, como ILPF, plantio direto e recuperação de pastagens degradadas. Essas práticas aumentam a produtividade, sequestram carbono no solo e evitam a expansão sobre novas áreas de vegetação nativa. Ao mesmo tempo, o avanço de mecanismos de mercado – como a precificação de carbono, os créditos de carbono certificados e selos de sustentabilidade – cria a possibilidade de transformar essas iniciativas em receita. Em um cenário de COP30, o desafio será mostrar ao mundo que o Brasil não só produz em larga escala, mas também com responsabilidade climática, gerando valor adicional aos seus produtos. O segundo caminho é o posicionamento competitivo do agro brasileiro no comércio

Gustavo Castoldi, da Embrapii: "Temas como desmatamento zero e transição energética devem ser tratados como prioridade"

global. A União Europeia já implementa regulações como EUDR, que exige cadeias de fornecimento livres de desmatamento. Outros mercados, como Estados Unidos e Reino Unido, devem seguir linha semelhante. Para o Brasil, isso significa investir em rastreabilidade completa da produção, desde a fazenda até o consumidor final, com uso de tecnologia de satélites, blockchain e sistemas de certificação. Essa pressão pode parecer restritiva, mas também abre uma oportunidade: transformar a conformidade em diferencial competitivo. Um setor que conseguir provar transparência e sustentabilidade tende a ocupar um espaço estratégico nas negociações

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comerciais e a consolidar a imagem do Brasil como potência agroambiental.

Por fim, a COP30 pode acelerar um ciclo de inovação e atração de investimentos em práticas sustentáveis no agro. A bioeconomia da Amazônia é um dos pontos que devem estar em evidência, com grande potencial para gerar renda local e preservar a floresta em pé. Além disso, há avanços concretos em biometano como fonte energética renovável a partir de resíduos da agroindústria, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis e as emissões de metano. A adoção de inteligência artificial e análise de dados geoespaciais já está transformando o monitoramento ambiental e a gestão de riscos, permitindo identificar áreas de desmatamento ilegal e otimizar o uso de insumos na lavoura. “Há espaço para inovar”, diz Patrícia Feliciano, da Accenture. “Se o setor sair na frente, ampliará o

Entidades setoriais que representam o campo têm se posicionado proativamente. Em documento divulgado em agosto, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) defendeu que os produtores nacionais sejam reconhecidos como parte da solução climática, e não apenas como emissores. A Abag enfatiza o compromisso em alinhar produtividade à preservação ambiental e ao desenvolvimento social. “Mais do que nunca, é de fundamental importância que a cadeia produtiva do agro reafirme seu papel relevante no cenário global das mudanças climáticas”, afirma o documento. Para isso, Reportagem

acesso a mercados e melhorará a competitividade.” A COP30, ao estabelecer compromissos internacionais e mecanismos de financiamento climático, pode canalizar recursos para escalar essas soluções, posicionando o agronegócio brasileiro como polo de inovação sustentável.

a entidade destaca três eixos: adaptação e mitigação – com práticas inovadoras como ILPF, plantio direto e recuperação de pastagens –, financiamento climático, visto como “vital para o setor”, e mercado de carbono, em que o Brasil pode se consolidar como exportador de créditos íntegros. “O agronegócio brasileiro se posiciona como protagonista com alto potencial”, resume a Abag, ao defender a construção de uma agricultura resiliente, competitiva e alinhada à agenda global de baixo carbono.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) também chega à COP30 com a mensagem de que os produtores rurais devem ser reconhecidos como agentes centrais na implementação de soluções climáticas, lembrando que é no campo que grande parte das práticas de mitigação e adaptação acontece. Em documento divulgado no dia 24 de setembro, em Brasília (DF),

O agronegócio descobriu que preservar o meio ambiente é positivo para os negócios

Patrícia Feliciano, da A ccenture: "A rastreabilidade de toda a cadeia assegura a produção livre de desmatamento"

a CNA pede atenção especial às especificidades da agricultura tropical, destacando que os compromissos globais não podem repetir modelos pensados para realidades temperadas. A Confederação reforça que a agenda climática precisa ser acompanhada de mecanismos de financiamento acessíveis, previsíveis e adequados à realidade produtiva brasileira, permitindo que pequenos, médios e grandes produtores tenham condições de investir em tecnologias de baixo carbono, manejo sustentável e recuperação de áreas. Além disso, a entidade ressalta que a Amazônia deve ser vista não apenas sob a óptica da conservação, mas como um espaço vivo, habitado e produtivo: “A Amazônia é a casa de 30 milhões de brasileiros. É necessário reconhecer que agricultura e segurança alimentar são pilares inseparáveis da agenda climática”.

Em meio aos debates qualificados, uma

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Reportagem de Capa

Thaise Emilio, da Unesp: "Conservar florestas tropicais é garantir água para irrigação e segurança energética em todo o País"

sombra bem menos técnica e científica paira sobre os potenciais resultados da COP30. Em Belém, as instabilidades geopolíticas globais e os crescentes embates econômicos também mostrarão seu peso. A guerra na Ucrânia, a crise no Oriente Médio e as tensões comerciais entre Estados Unidos e China afetam diretamente cadeias globais de alimentos e energia, tornando a transição para uma economia de baixo carbono ainda mais complexa. Países exportadores de commodities, como o Brasil, passam a ocupar um papel ao mesmo tempo estratégico e delicado nesse cenário, já que precisam garantir segurança alimentar sem renunciar à agenda climática. Esse equilíbrio deverá estar presente nas negociações de Belém, com pressões tanto de países em desenvolvimento, que buscam recursos para financiar a adaptação, quanto de economias centrais, que demandam compromissos mais

rígidos de redução de emissões.

No caso específico dos Estados Unidos, as incertezas sobre a condução da política ambiental podem influenciar de forma decisiva o ritmo das negociações. O país é um dos maiores emissores do mundo e desempenha papel central no financiamento climático global, mas enfrenta oscilações a cada ciclo eleitoral. Se por um lado a Lei de Redução da Inflação (IRA) consolidou investimentos bilionários em energias limpas, por outro, há o risco de retrocessos caso a agenda ambiental siga sendo deixada de lado em Washington. Um dos principais entraves envolve o Banco Mundial, responsável por estruturar o TFFF. Como os americanos concentram mais de 30% do poder de voto, as tensões diplomáticas entre Brasília e Washington podem afetar o ritmo de implementação. “O Banco Mundial é parceiro fundamental desde o início e agrega muita confiança dos investidores, mas agora é uma questão política dentro da instituição”, diz André Aquino, assessor especial do Ministério do Meio Ambiente. Para a COP30, isso significa que a diplomacia brasileira precisará navegar em um ambiente de indefinição, buscando costurar compromissos robustos mesmo diante da hesitação dos Estados Unidos, o que pode abrir espaço para o Brasil se projetar como liderança mais estável na construção de consensos.

O pano de fundo desse debate é a própria Amazônia, cuja preservação se tornou tanto uma urgência global quanto uma condição para o futuro do agro brasileiro. A floresta armazena carbono e regula chuvas que irrigam o Centro-Oeste e o Sudeste, sustentando a produção agrícola. Sem floresta, não há agro. E sem agro sustentável, não há legitimidade internacional para o Brasil liderar a agenda climática. Belém, em 2025, será mais do que sede de um evento diplomático. Será o palco onde o Brasil precisará provar, para si e para o mundo, que é capaz de alinhar produtividade, conservação e inovação. Se conseguir, abrirá um caminho em que a agricultura tropical será parte central da solução climática global.

Somos a mudança que queremos ver no mundo

E estamos certos de que o futuro que desejamos nós fazemos hoje, juntos.

COM O SOMAR, IMPULSIONAMOS O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL DAS COMUNIDADES PARAENSES ONDE ATUAMOS

Mais de 10 mil pessoas de 34 comunidades nos municípios de Tailândia, Moju, Acará e Tomé-Açú – em apenas dois anos, esse foi o alcance do nosso Programa de Responsabilidade Socioambiental, o SOMAR, que promove soluções para as demandas da região através do diálogo e da colaboração entre a Agropalma, os moradores e organizações parceiras. Como uma empresa paraense, que atua na Amazônia e tem operações em Belém, cidade-sede da COP30, fazemos questão de reafirmar esse compromisso e, assim, demonstrar que é possível criar valor sem destruir.

Lorena Bianca da Silva Souza e Elaine Cristina Martins da Silva Moradoras do distrito de Cairari, em Moju (PA), e sobrinhas de Domingos Otávio Furtado de Lima, agricultor parceiro da Agropalma desde 2002

O que estamos fazendo?

• Apoio à implementação do Plano ABC+ por meio de oficinas e consultorias para os Grupos Gestores Estaduais (GGEs) de estados da Amazônia Legal.

• Organização de eventos para fortalecer a governança e a articulação institucional, além da promoção de diálogos sobre o aprimoramento da transparência e da sustentabilidade no território.

• Realização de diagnósticos no território Madeira-Mamoré para direcionar as ações do projeto e seminários sobre pecuária sustentável.

Saiba mais

Recuperação de áreas degradadas e adoção de práticas sustentáveis de produção

Implementado pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, em parceria como o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), o projeto Transparência e Sustentabilidade em Cadeias Produtivas na Amazônia (ProTS) é uma ação estratégica que visa apoiar produtores e produtoras rurais na recuperação de áreas degradadas e adoção de práticas sustentáveis de produção.

Atuação multi-nível para o desenvolvimento de capacidades locais

Em nível nacional, o ProTS fortalece políticas públicas para cadeias agropecuárias sustentáveis e transparentes. Na região de atuação, o território Madeira-Mamoré, em Rondônia, fortalece capacidades de produtores e produtoras, especialmente da agricultura familiar, na adoção de práticas sustentáveis de produção, como sistemas integrados e agroflorestais, com foco nas cadeias da pecuária de corte e leite.

SUSTENTABILIDADE SEM FRONTEIRAS

AO APOSTAR NA EFICIÊNCIA PRODUTIVA E AMBIENTAL, A AGROPECUÁRIA 3I IMPLANTOU A ECONOMIA

CIRCULAR NA BASE DA PRODUÇÃO DE CARNE BOVINA, CARIMBOU SEU PASSAPORTE PARA GANHAR O MUNDO E GARANTIU A PARTICIPAÇÃO NO SEGUNDO EPISÓDIO DA WEBSÉRIE TOP SUSTAINABLE LIVESTOCK

Por Romualdo Venâncio, de Colina (SP)
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AAgropecuária 3i é destaque entre as principais empresas brasileiras de produção intensiva de carne bovina. Com duas unidades próprias, a Fazenda Maravilha, no município de Colina (SP), e a Fazenda Maravilha do Araguaia, em Aruanã (GO), mais as áreas arrendadas, a companhia estima fechar 2025 com o abate de 134 mil animais. A maior parte desse gado vai para o exigente mercado chinês, via exportações do frigorífico. Estão em andamento ainda negociações diretas com outros compradores, inclusive no Oriente Médio, terra natal de seu fundador, o imigrante libanês Riad Ali Sammour. O avanço sobre as fronteiras do comércio internacional é consequência do comprometimento com a gestão e a qualidade da operação pecuária, baseada na terminação dos animais em confinamento e de forma intensiva a pasto. E das certificações conquistadas pela estruturação de um sistema sustentável, inclusive com economia circular, cujo reconhecimento vem abrindo portas no comércio global.

A história da Agropecuária 3i será destaque no segundo episódio da websérie Top Sustainable Livestock, iniciativa dedicada a demonstrar como a pecuária pode unir produtividade, rentabilidade e responsabilidade socioambiental. Por meio de exemplos concretos já aplicados no País, a série revela caminhos reais para transformar o setor em um modelo de produção sustentável, provando que preservar e prosperar podem caminhar lado a lado. Ela será veiculada no Canal Terraviva, do Grupo Bandeirantes, e é realizada por PLANT PROJECT em parceria com a Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável, com apoio dos projetos SAFe e ProTS, implementados pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH em parceria com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), IDH Transforming Markets, MSD Saúde Animal e ApexBrasil.

A família Sammour entrou oficialmente na atividade do gado de corte em 2011, mas a jornada para chegar até aquele momento começou bem antes, em 1972, quando Riad Ali Sammour decidiu começar seu próprio negócio. Até então, era sócio

Além do bom desempenho no confinamento, padrão genético do gado prioriza a qualidade da carne que vai para o consumidor final

A dam S ammour: "A batemos 137 mil animais por ano, a pecuária é nosso carro-chefe"

de seu pai em uma cerealista. Seguiu no mesmo caminho, inicialmente comercializando arroz, até poder investir na sua cerealista, em Bebedouro, a cerca de 30 quilômetros de Colina. Essa estruturação foi fundamental para fincar os pés na agricultura também do lado de dentro da porteira.

Na década de 1980, o empresário decidiu apostar na citricultura, segmento em alta que já o atraía. “Foi possível crescer muito naquela época, pois a indústria, após realizar a estimativa de produção dos pomares, já antecipava o pagamento, e em dólar”, conta o sócio-diretor da Agropecuária 3i, Adam Sammour, o filho caçula de Riad Sammour. “Com o dinheiro na mão, meu pai tinha fluxo de caixa para trabalhar lá na frente.” Assim foi surgindo o Grupo Bandeirantes, guarda-chuva sob o qual está a Agropecuária 3i.

A garantia do capital de giro da produção de laranja alimentou a ampliação de terras, pela compra de pequenas propriedades, e permitiu a diversificação de atividades nos anos 1990. Por sugestão de um amigo, Riad Sammour investiu

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também no plantio de cana, abastecendo usinas da região. Esse trajeto avançou bem até 2011, quando o cancro cítrico se alastrou pelos laranjais paulistas e frustrou os planos da família. De 2010 para 2011, a presença da doença cresceu 125% em São Paulo, conforme dados do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), índice recorde nos 13 anos de acompanhamento do problema pela entidade. “Foi devastador. Tínhamos muitos pomares começando a produzir”, recorda Adam Sammour. “Resolvemos erradicar toda a plantação de laranja e ficar apenas com os canaviais.” O trágico episódio foi também um estímulo para a pecuária entrar de vez nos negócios da família. O confinamento iniciado em 2007, com apenas 70 cabeças, ganhou mais importância e outras dimensões. Após a eliminação dos pomares de laranja, foi construída a primeira linha da estrutura de confinamento que se vê hoje. O novo negócio ficou sob responsabilidade de Adam e de seus dois irmãos, Mohamad

Sammour e Riad Ali Sammour Júnior. Vem da sociedade entre os três o nome Agropecuária 3i. Hoje, a pecuária é o carro-chefe do grupo, e está baseada no confinamento, principalmente, e em áreas com recria e Terminação Intensiva a Pasto (TIP). A unidade de Colina tem capacidade estática para 22 mil cabeças, com três giros por ano. Em Aruanã, o confinamento abriga 12 mil animais, a área de TIP comporta mais 12 mil e ainda há o setor de recria a pasto para 6 mil cabeças. A empresa tem mais dois confinamentos arrendados, um em São Carlos (SP) e outro em Abadia de Goiás (GO), ambos com potencial para 5 mil animais. Fechando a estrutura pecuária, há duas áreas de arrendamento para recria em Goiás, uma em Matrinchã e outra em Nova Crixás, para 5,5 mil cabeças cada.

De 2007 até o momento, houve diversas transformações e muito aprimoramento para chegar à excelência. Segundo Adam Sammour,

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parte dessa evolução deve-se à contribuição de dois profissionais que incentivaram o crescimento mais acelerado. Um deles é Victor Campanelli, CEO do Grupo Campanelli, que ganhou notoriedade pelo uso de soluções tecnológicas de alto nível para comandar um dos maiores confinamentos de gado de corte de São Paulo. Não por acaso, houve a adoção de sistemas e plataformas de gestão bem avançados, além da contratação de consultorias especializadas para cada setor da empresa. Outro destacado é o do presidente da Friboi (JBS), Renato Costa. “Crescemos com uma base bem feita e com duas pessoas que me apoiaram muito”, afirma o executivo da Agropecuária 3i.

Tão crucial quanto a contribuição externa foi o comprometimento com a expansão do lado de dentro. Um dos responsáveis por conduzir essa jornada é o gerente de Pecuária, José Anchieta, que está no controle da rotina de produção desde sua chegada, em 2019, garantindo que todo o planejamento e toda a estratégia se concretizem na prática. “No ano anterior à minha entrada, o abate total foi de 9,5 mil animais. Agora, só a unidade de Colina tem capacidade estática de 22 mil cabeças, e deve chegar a 24 mil ainda em 2025”, diz Anchieta. Para além da quantidade do gado, o avanço abrangeu a qualidade, condição alcançada a partir de vários fatores. A começar pela seleção dos animais, na grande maioria da raça Nelore ou anelorados. “Buscamos um bovino com padrão genético elevado, que além de apresentar um bom desempenho no confinamento ofereça uma carne que atenda os critérios de satisfação do consumidor final”, afirma Anchieta. Até 75% do rebanho sai de Goiás, o restante tem origem em São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Paraná. Os animais chegam no confinamento pesando entre 12 e 14 arrobas e, após um período de 90 a 120 dias, alcançam peso final de até 21 arrobas. O primor na seleção, no manejo e na terminação do gado garante condições para que a Agropecuária 3i participe de projetos mais rigorosos quanto à qualidade da carne. É o caso da linha premium 1953 da Friboi, baseada em animais precoces com padrão racial mais

A utilização de resíduos líquidos e sólidos do confinamento como biofertilizantes deu origem ao sistema de economia circular

J osé A nchieta é o responsável por colocar em prática todo o planejamento da pecuária

europeu. São novilhas F1, resultantes do cruzamento entre Nelore e Angus. Essa carne se diferencia pela textura e pelo sabor, são cortes com mais maciez e marmoreio. Por ano, cerca de 12 mil animais são destinados a esse projeto. Trata-se de uma parcela ainda pequena, se comparada ao todo e às pretensões da empresa para esse nicho de mercado.

Após o filtro para obter os melhores exemplares para qualquer área da produção, feito com base na rastreabilidade, é fundamental assegurar que o gado tenha o melhor atendimento quanto à alimentação e ao bem-estar. No caso da dieta, além do rigor na compra dos ingredientes, a empresa conta com o apoio de nutricionistas que elaboram uma alimentação balanceada, equilibrada. A nutrição adequada contribui ainda para a sustentabilidade da atividade, tanto por evitar desperdí-

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A amarração da eficiência produtiva com as práticas sustentáveis tem aberto novos caminhos no mercado internacional

UM NOVO GRUPO

A empresa fundada por Riad Ali Sammour como Grupo Bandeirantes, que depois deu origem à Agropecuária 3i, está mudando de nome. A família decidiu criar o Grupo RAS, que são as iniciais do fundador. Com isso, a parte agrícola passa a ser chamada de RAS Band, o complexo pecuário é o RAS 3i e toda a área de comércio internacional será administrada pela RAS Trade. “As margens estão cada vez mais apertadas na agropecuária, por isso resolvemos abrir o leque a partir de oportunidades que estão surgindo”, diz o sócio-diretor da RAS 3i, Adam Sammour, que prefere ainda manter sigilo sobre os novos negócios que podem surgir em breve.

cios quanto pelas condições dos dejetos, aproveitados na produção agrícola.

Os dejetos líquidos são levados por uma estrutura hidráulica até um conjunto de represas, ou caixas de decantação. Conforme esse material orgânico passa de uma caixa para outra, a parte mais densa vai ficando para trás. A partir da terceira caixa, esses resíduos já estão em condições de abastecer os três pivôs centrais que fazem a fertirrigação das lavouras de cana e milho. “Além de resolvermos um problema ambiental, que seria encontrar outro destino correto para esse resíduo, temos um produto muito rico, principalmente em fósforo, nitrogênio e potássio, os três principais nutrientes que a planta necessita para seu desenvolvimento”, explica Anchieta.

Uma das estruturas é exclusiva para receber a água limpa, armazenada para utilização no período das secas, por meio da irrigação. Cerca de 99% da

água de chuva que cai no confinamento é direcionada para essa estrutura, que tem capacidade de armazenamento de 62 milhões de litros. Já os dejetos sólidos raspados na saída de cada lote do confinamento são levados para o pátio de compostagem. Após o processamento, que dura entre 30 e 40 dias, e já transformado em adubo, esse material também é aplicado nas lavouras, e com precisão de volume e até de nutrientes. Há rastreabilidade nessa compostagem. Cada leira desse insumo tem uma identificação, relacionada ao lote de animais que o originou, e é reservada para um talhão específico da cana ou de outra cultura. A precisão no manejo dessa compostagem abrange o durante e o depois. A análise do solo onde está aquele determinado talhão revela se há deficiência de algum nutriente, indicando a necessidade de enriquecer o material orgânico. Esse equilíbrio é feito ainda no pátio de compos-

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tagem, para garantir o melhor resultado quando o adubo for aplicado no campo. Tal manejo tem proporcionado uma economia significativa no uso de fertilizantes químicos, além de beneficiar toda a parte biológica do solo. “Ocorre um melhor desenvolvimento de bactérias, fungos e protozoários que enriquecem a flora microbiota do terreno, o que favorece o desenvolvimento das plantas”, diz Anchieta.

A preocupação com a preservação dos recursos naturais e da qualidade das terras impactou não só as lavouras, mas alimentou também a relação com o mercado externo. “O pessoal vem de fora e fica impressionado, porque se tem uma coisa que a gente sabe fazer é cuidar bem”, afirma Adam. “O esterco do gado nutri as lavouras de cana, que retorna para os animais como silagem, bagaço e até palha. Virou um sistema de economia circular dentro de

casa.” Todos esses processos fortalecem ainda mais a já favorável condição para exportação, como a habilitação de exportar para União Europeia e China. E a já avançada negociação para vender ao Oriente Médio.

Para a international trade da Agropecuária 3i, Ellen Pedroso, negociar com o mercado externo tem sido mais do que uma abertura de portas, é uma adequação interna de processos para atender tanto os requisitos exigidos pelos importadores quanto tudo o que a empresa já buscava para conquistar as certificações. “Isso representa adequações de estrutura física e de processos internos”, diz a executiva. “Fechar essas negociações nos mostra que não se trata apenas de uma venda, mas de uma conexão e uma abertura para mostrar ao mundo que o Brasil tem capacidade de produzir com qualidade, seriedade e responsabilidade.”

O VALOR DA TERRA TAMBÉM É CULTIVADO

QUANDO O MANEJO DO SOLO E DO GADO SÃO SUSTENTÁVEIS, CADA HECTARE DESTINADO À PECUÁRIA

PASSA A VALER MAIS, SEJA QUAL FOR O TAMANHO DA PROPRIEDADE. FOI ESSA EQUAÇÃO QUE GARANTIU A

PARTICIPAÇÃO DO SÍTIO SÃO GABRIEL II NO TERCEIRO EPISÓDIO DA WEBSÉRIE TOP SUSTAINABLE LIVESTOCK

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Eliane de Souza Machado é pecuarista e produz bezerros no município de Juruena, região norte de Mato Grosso. Seu rebanho tem cerca de 80 matrizes da raça Nelore criadas em 78 hectares de sua propriedade, o Sítio São Gabriel II. Ao todo, são 86 hectares, somada a área de preservação. Há cinco anos, essa operação pecuária vem passando por um processo de transformação, uma verdadeira imersão em um círculo virtuoso. As mudanças envolvem recuperação e aprimoramento do solo e das pastagens, passam pelo melhor cuidado com o gado e chegam ao reflorestamento, processo feito para recuperar a vegetação em torno das nascentes e garantir disponibilidade de água para os animais. Segundo a produtora, o valor de suas terras já cresceu 30%. E a qualidade dos bezerros, todos rastreados, aumentou seu prestígio junto ao mercado. Tudo isso começou com informação e conhecimento.

A jornada de renovação do Sítio São Gabriel II será destaque no terceiro episódio da websérie Top Sustainable Livestock, iniciativa dedicada a demonstrar como a pecuária pode unir produtividade, rentabilidade e responsabilidade socioambiental. Por meio de exemplos concretos já aplicados no País, a série revela caminhos reais para transformar o setor em um modelo de produção sustentável, provando que preservar e prosperar podem caminhar lado a lado. Ela será veiculada no Canal Terraviva, do Grupo Bandeirantes, e é realizada por PLANT PROJECT em parceria com a Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável, com apoio dos projetos SAFe e ProTS, implementados pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH em parceria com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), IDH, MSD Saúde Animal e ApexBrasil.

Nascida em Campo Mourão (PR), Eliane vem de uma família que sempre trabalhou com a roça, com a produção agrícola, seja em terras paranaenses, seja em outros estados, como São Paulo e Mato Grosso. Mas a chegada ao Centro-Oeste se deu por uma recomendação médica. O irmão caçula da pecuarista sofria de bronquite asmática,

e o clima frio do Paraná era um agravante da doença. A família foi orientada a buscar uma região mais quente. “Os médicos disseram a minha mãe, que se não mudássemos, poderíamos até perder meu irmão. Foi aí que resolvemos vir para o Mato Grosso”, diz Eliane.

O ingresso na pecuária também se deu de forma indireta. Eliane morava em Juína e, após se casar, avançou mais 150 quilômetros com o marido rumo ao norte do estado. Chegaram a Juruena para empreender no segmento de festas e eventos, e o negócio cresceu além de suas expectativas. “A gente trabalhava muito e conseguiu formar um capital, ter uma boa reserva. Então, sugeri ao meu marido que comprássemos uma chácara, um sítio, para descansarmos”, afirma a pecuarista. Assim veio a primeira propriedade.

O casal seguiu tocando o negócio de festas e comprando mais terras, ainda que em pequenas áreas, até um ponto em que não era mais possível manter um pé em cada canoa. Optaram pela

agropecuária. “Meu marido ainda atende alguma coisa nos eventos, mas eu mergulhei de cabeça”, diz Eliane. Nesse processo, novos desafios surgiram. Investir na aquisição das propriedades não garantia o conhecimento necessário para a manutenção do solo, da vegetação (sobretudo a pastagem) e do gado. “A gente precisava de um direcionamento para trabalhar com pouca terra, mas produzir o suficiente para se manter e ter lucratividade”, diz produtora.

A resposta para tal dilema veio com o Programa de Produção Sustentável de Bezerros, desenvolvido pela IDH. O objetivo é exatamente mudar a dinâmica de produção e comercialização da cadeia pecuária, melhorando resultados do segmento de cria nos aspectos econômico, ambiental e social. Tudo isso a partir da oferta de um pacote de assistência técnica e gerencial, incluindo a rastreabilidade, por meio de um protocolo gerenciado pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA). A inciativa, implementada em Mato Grosso a partir

O retorno de plantas, flores e frutos apareceu com o plantio de 7 mil mudas e o correto manejo para rescuperar nascentes

E liane M achado destaca a relevância do apoio técnico para investir em sustentabilidade

de 2019, já chegou também ao Pará. Nesse programa, a IDH tem como parceiros Carrefour, Mars Pert Care, Marfrig, Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), Nutron/Cargill e Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat). Mais de 1,2 mil produtores já receberam o apoio e a meta da instituição é aumentar esse número até 2026. De acordo com a diretora-executiva da IDH, Manuela Santos, por falta de orientação muitos produtores acabam não alcançando a melhor renda que poderiam ter dentro de suas terras e nem estão, necessariamente, em conformidade com aspectos socioambientais. “Por meio do programa e de orientações, como fazer reforma de pastagens, os pecuaristas conseguem aumentar sua renda e produzir muito mais usando menos espaço”, diz a executiva. “Isso abre um potencial gigantesco para promover a preservação florestal dentro dessas propriedades.”

Eliane é categórica ao comentar a importância de estar entre esses produtores: “Eu não teria perce-

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D esde o ano passado, a pecuarista não teve problemas com a disponibilidade de água

bido a necessidade das mudanças que fizemos e nem teria condições de fazê-las se não fosse o programa”. Além da falta de orientação técnica, o custo financeiro é outro grande impeditivo. O quadro fica mais preocupante se o pecuarista colocar seu dinheiro na terra sem a devida preparação. “Se não fizer análise de solo, não corrigir o solo, vai desperdiçar hora de trator, semente e outros insumos”, afirma. A produtora acrescenta ainda que, se não houver recursos para manejar a área toda, vale cuidar do que for possível para ter um espaço pronto para trabalhar bem por seis ou sete anos. As mudanças realizadas no Sítio São Gabriel II ocorreram dessa forma.

O sítio foi comprado por Eliane já com os problemas de degradação, tanto das áreas de pastagem como do entorno das nascentes. O primeiro diagnóstico feito já no Programa de Produção Sustentável de Bezerros mostrou os detalhes da desafiadora realidade. “Normalmente, o impacto é grande quando fazemos a entrega do primeiro diagnóstico, até porque, em muitos casos, a maioria dos produtores nunca teve uma assistência técnica”, diz a coordenadora local do programa, Maysa Siqueira. Mas é a partir desse “susto” que passam a enxergar com mais clareza qual é o tamanho da propriedade e tudo o que existe ali, e como podem trabalhar corretamente. “É uma revelação de desafios e oportunidades. Passam a entender, por exemplo, como a melhoria de uma pastagem pode mudar no rendimento do produto lá no final do processo”, diz Maysa. Como o custo seria muito alto para mexer em tudo de uma vez, a recuperação do Sítio São Gabriel II começou pela divisão dos piquetes. A partir daí, houve o reaproveitamento das áreas onde foi possível e a manutenção do que estava em degradação. Após essa definição, entraram as análises de solo, para entender qual era a correção necessária. Essa organização também favoreceu o trato com o gado, por meio do pastejo rotacionado. Os animais ficam três dias em um piquete, e não só se alimentam da pastagem que está ali como deixam material orgânico que contribui com a recuperação e o desenvolvimento do solo. O sistema produtivo como um todo vai se beneficiando, uma melhoria favorece a outra.

O piqueteamento ainda contribui para todo o manejo reprodutivo do rebanho, baseado em monta

natural, sem definição de estação de monta ou inseminação artificial. “Eu não moro no sítio e esse processo exige um acompanhamento mais próximo do gado, há todo um protocolo a ser seguido. Então prefiro trabalhar com touros”, diz Eliane. Cada reprodutor fica com um grupo de aproximadamente 30 matrizes, e é guiado pelo cio das vacas. O índice de sucesso na reprodução gira em torno de 90% de prenhezes. Outro efeito positivo da nova fase na gestão do sítio está no descarte de fêmeas, que ficou mais criterioso.

Com um grupo de matrizes melhores e a escolha de touros superiores, foi natural obter resultados mais positivos com os bezerros. Da forma como sistema produtivo e reprodutivo vem sendo administrado do Sítio São Gabriel II, é possível ter um novo lote de bezerros disponível para o mercado a cada três meses. Esses animais desmamam com seis ou sete meses e pesando entre 220 e 230 quilos, e são negociados com pecuaristas da região. “Meus bezerros são muito saudáveis, tem qualidade e chegam com facilidade ao peso necessário para o abate”, diz Eliane,

explicando por que sempre há compradores interessados em seus animais.

Outro atrativo dos bezerros é a rastreabilidade. Entre um e dois meses de vida, os animais já recebem o brinco de identificação. E as vacas são todas numeradas, garantindo maior controle do rebanho. “A rastreabilidade é um dos benefícios mais importantes dentro do programa, principalmente para a conscientização dos produtores”, diz Maysa. “Isso contribui para que continuem trabalhando de maneira mais organizada para que o produto final tenha realmente uma identificação.” O rastreamento na cadeia como um todo, desde os bezerros até o varejo, assegura a transparência para o mercado e para os consumidores, dentro e fora do País.

Se é para estar em conformidade com o mercado, também é preciso atender às exigências legais do ponto de vista ambiental, como estar inscrito e regularizado no Cadastro Ambiental Rural (CAR). “Hoje, não é possível nem abater os animais no frigorífico se tiver algum problema com o CAR”, diz Eliane. “Se eu não preservar a

beirada dos rios, automaticamente meu CAR não é liberado.” Essa é uma das melhorias do Sítio São Gabriel II que salta aos olhos. Desde o início da implementação do Programa de Produção Sustentável de Bezerros na propriedade, foram plantadas 7 mil mudas de diferentes espécies para a recuperação das nascentes.

Antes desse processo, a situação era bem complicada. “A gente não tinha reserva, não tinha cerca, não tinha nada”, lembra Eliane. “O gado fluía de lado a lado da passagem da água, entrava ali, pisoteava, e quando chegava a época da seca estava tudo assoreado e tínhamos problemas com o fornecimento de água.” Após o plantio das mudas, toda a área de rios foi cercada para evitar a passagem dos animais. A natureza logo respondeu, a vegetação natural na beira dos afluentes começou a crescer e os problemas com o fornecimento de água diminuíram. Tanto que, desde o ano passado, a produtora não enfrentou mais complicações com disponibilidade de água.

Também foi estruturado um espaço para que os animais possam entrar, beber água e sair, sem

as práticas sustentáveis dentro das propriedades contribuem para a preservação ambiental ao redor das áreas de produção

M aysa S iqueira: " P rodutores se surpreendem com o primeiro diagnóstico de suas terras"

prejudicar a vegetação ao redor. O próximo passo é levar essa água até as áreas de cocho. “Havia muita coisa para fazer. Além da formação das Áreas de Preservação Permanente (APP), tivemos reforma de curral, implantação de cerca, e tudo isso tem um custo.”, diz Eliane. Mesmo sem essa etapa, todo o reflorestamento na margem das nascentes já gerou uma grande valorização para a propriedade, e não só na cotação das terras.

O Sítio São Gabriel II ganhou mais relevância em relação ao fornecimento de bezerros, tanto pela rastreabilidade quanto pela preservação ambiental. Cresceu o conceito quanto ao uso correto da terra, ao aproveitamento de cada hectare sem desperdícios e sem detrimento dos recursos naturais. “A exigência ambiental aumentou muito. Hoje, você pode até vender um bezerro com facilidade, mas lá na frente vão querer saber qual é a origem dele”, afirma Eliane. Mas essa já não é uma preocupação para a produtora. “Minhas terras estão todas de acordo com as exigências legais, o CAR está em dia, tenho toda a área de preservação ambiental necessária. Está tudo certinho.”

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O GRÃO VALE MAIS COM TECNOLOGIA

SOLUÇÕES DIGITAIS REDUZEM PERDAS

NA PÓS-COLHEITA E AUMENTAM A RENTABILIDADE DOS PRODUTORES

OBrasil segue ampliando sua posição como potência agrícola global, colhendo safras recordes ano após ano. Mas, por trás dos números grandiosos, o setor ainda convive com um gargalo que impacta diretamente a rentabilidade: as perdas pós-colheita. Falhas no armazenamento e, sobretudo, a dificuldade de controlar a umidade dos grãos respondem por boa parte desse desperdício. O desafio abriu espaço para um mercado em expansão, o de tecnologias de precisão que permitem reduzir perdas, aumentar a previsibilidade e assegurar qualidade no produto entregue. Sistemas digitais de monitoramento em tempo real e medidores automáticos de umidade já estão transformando a rotina de propriedades rurais.

Foi a busca por eficiência que levou a Agrícola Romero, no interior do Paraná, a testar, durante a última safra de milho, o Sistema 999DRY, desenvolvido pela Motomco, empresa de origem canadense e líder no mercado brasileiro de medidores de umidade de grãos. O equipamento promete automatizar o controle do processo de secagem, garantindo maior precisão e rastreabilidade. Os resultados surpreenderam: em pouco mais de dois meses de uso, entre junho e agosto de 2025, a propriedade obteve uma economia

direta de R$ 40,6 mil, somando redução de custos de mão de obra e menor consumo de lenha. O secador, com capacidade de 100 toneladas por hora, operou durante 764 horas, processando mais de 500 mil sacas de milho em condições desafiadoras, com índices de umidade variando entre 30% no início da safra e 17% no final.

Antes, o monitoramento era manual, com coleta de amostras a cada 30 minutos, exigindo cerca de oito horas diárias de dedicação exclusiva. Com a automação, esse custo foi eliminado, resultando em uma economia de R$ 5,5 mil no período. Outro ganho veio do consumo de energia: o 999DRY proporcionou um aumento médio de 8% na eficiência da queima de lenha, representando 251 m³ a menos de combustível consumido. A economia não foi apenas financeira, mas também operacional, com redução do desgaste do equipamento e menor emissão de poluentes.

O sistema realizou 33.840 medições automáticas de umidade ao longo da safra, identificando 388 ciclos de secagem, com duração média de 1h27min cada um. Para o produtor Leonardo Romero, a diferença foi imediata: “Com o monitoramento, passamos a ter leituras de umidade a cada minuto. Isso tornou o processo muito mais

dinâmico, preciso e seguro. Não dependemos mais apenas da coleta manual e a equipe pôde se concentrar em atividades estratégicas”.

A meta da propriedade era armazenar o milho com umidade de 16%, ligeiramente acima do padrão comercial de 14%, como forma de ampliar a flexibilidade sem risco de deterioração precoce. O sistema se mostrou eficaz nesse ponto: 85,7% das leituras ficaram dentro ou acima do intervalo ideal, evitando secagem excessiva e desperdício de energia. O 999DRY foi projetado para ser modular e adaptável a diferentes estruturas – secadores, silos, moegas e expedições. Além de medir continuamente a umidade, também monitora temperatura e densidade dos grãos na entrada e saída do processo, gerando um histórico preciso de cada carga. Esses dados alimentam o SGU (Sistema de Gestão de Unidades), software da Motomco que consolida as informações em dashboards, planilhas e relatórios. Com isso, o gestor passa a ter uma visão em tempo real do desempenho da operação, facilitando decisões rápidas e melhorando o planejamento. Segundo o engenheiro agrônomo Roney Smolareck, da Motomco, a experiência na Agrícola Romero reforça a viabilidade econômica da solução: “O estudo comprova que o 999DRY

alia redução de custos diretos à melhoria na gestão dos recursos. A operação se torna mais ágil e confiável, mesmo em cenários de grande volume e variação de umidade”. A gerente de Marketing da empresa, Manoella Rodrigues da Silva Del Sant, acrescenta que o diferencial do sistema está no controle em tempo real: “Ele coleta amostras automaticamente, durante todo o fluxo, com medições a cada minuto. Isso permite decisões mais inteligentes e ágeis em todas as etapas do processo”.

Com capacidade estática de 160 mil sacas distribuídas em quatro silos, a Agrícola Romero precisou administrar um fluxo três vezes maior que sua capacidade de armazenagem durante a safra. Nesse contexto, o sistema de monitoramento contínuo se mostrou decisivo para evitar gargalos, garantir qualidade e assegurar a rentabilidade da produção.

A experiência reforça um ponto central: se o Brasil já se destaca pela produtividade no campo, o próximo passo está em agregar valor por meio da tecnologia na pós-colheita. Reduzir perdas, garantir qualidade e oferecer rastreabilidade são caminhos para transformar safras recordes em ganhos ainda mais consistentes.

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Onde todo mundo vê um empreendedor, a ApexBrasi l vê um exportador.

Carreira

SANGUE JOVEM IRRIGA O AGRO BRASILEIRO

FUTURAS GERAÇÕES DE PROFISSIONAIS E

SUCESSORES COMEÇAM A SE INTERESSAR MAIS PELA VIDA NAS FAZENDAS, LEVANDO UMA VISÃO MODERNA DE ADMINISTRAR OS NEGÓCIOS DA FAMÍLIA

Uma nova brisa sopra sobre o agronegócio brasileiro. Ela vem da juventude que assume funções cada vez mais relevantes, trazendo energia renovada, ideias inovadoras e uma visão de futuro alinhada às práticas ESG (ambientais, sociais e de governança) aplicadas dentro da porteira. Isso não significa que as gerações anteriores estejam em retirada – a experiência acumulada no campo continua insubstituível. Mas o olhar fresco dos jovens simboliza renovação, traduzida na aposta em tecnologia, na disposição para experimentar novas formas de gestão e na capacidade de tomar decisões mais abertas e modernas.

Um número crescente de homens e mulheres, herdeiros ou não, compõe esse perfil rejuvenescido da administração rural. Eles também vêm rompendo com a antiga mentalidade de reter conhecimento, que por muito tempo afastou a nova geração do campo. “Muitos pais não mostravam o lado positivo da lida rural e tampouco se perguntavam: ‘Quem vai cuidar da minha fazenda no futuro?’”, diz a engenheira agrônoma Silvana Novais, gerente da Mulher, do Jovem e da Inovação da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg) e uma das coordenadoras do CNA Jovem, programa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em parceria com o Senar, criado para identificar e desenvolver novas lideranças no setor.

Ela conta que a pandemia de Covid-19, em março de 2020, ajudou a quebrar a resistência dos mais velhos, que sentiram a necessidade de ter os filhos por perto e os reaproximaram das fazendas. “Muitos passaram a encarar as atividades rurais como profissão e não voltaram para as cidades”, diz. Foi exatamente o que

aconteceu com Isabela Lopes Cardoso, 25 anos. Herdeira de uma família de agricultores e criadores de gado de corte e leite, ela não imaginava seguir a trajetória dos bisavós, avós, tios e de sua mãe, Sonia, na fazenda Analina, em Capitão Enéas (MG). “Queria algo diferente para minha vida”, relembra. “Pensava em estudar gastronomia, inspirada em minha avó, que era uma cozinheira de mão-cheia.” Mas, atendendo a um conselho da mãe, decidiu cursar administração em Belo Horizonte e depois trabalhou por quatro anos em um banco.

As lembranças dos dias vividos na fazenda limitavam-se ao lado afetivo, quando alimentava os filhotes de carneiros na mamadeira. O interesse pelo agronegócio desabrochou de tanto conviver com pessoas ligados ao setor. Passou nas fileiras do CNA Jovem, capacitou-se e hoje tem uma agenda repleta. Durante a semana, responde pelas áreas de Marketing e Eventos da Tecnutri, empresa da família especializada em nutrição animal localizada em Montes Claros (MG). Aos sábados e domingos, marca ponto na Analina para acompanhar de perto a criação e a engorda de 600 cabeças de gado. Isabela considera a irrigação de “sangue novo” fundamental no agronegócio. “Ou os mais velhos aceitam a presença dos jovens ou a atividade acaba”, diz. “A minha geração está trazendo mais informações, novas tecnologias de suplementação e soluções para melhorar as pastagens. Antes, esperava-se quatro anos para o abate. Esse tempo caiu para dois anos e meio.”

A catarinense Andrieli Ely, 25 anos, mora em Santa Terezinha do Progresso, cidadezinha de 2.500 habitantes no extremo oeste de Santa Catarina. Filha de produtores rurais, ela atua na bovinocultura de leite, embora a família tenha

histórico na avicultura de corte por 22 anos. “Cresci dentro de um aviário”, diz. Era tão apaixonada pelas atividades da propriedade que aprendeu a dirigir trator aos 8 anos. Incentivada pelos pais, a partir dos 10 anos passou a receber uma mesada interessante: frações da produção. “Comecei com 0,5% e hoje toco as meias 50/50 na propriedade.”

Andrieli cogitou prestar vestibular para Veterinária, mas foi tomada por uma inquietação: “Eu precisaria sair da propriedade, deixando para trás meus pais com negócios ultrapassados”, diz. “Estávamos há dois anos sem recria

de bezerras, um péssimo sinal para a leiteria.” A solução, então, foi estudar Administração de Empresas à distância, conciliando com o curso de auxiliar de veterinária. “Foquei esforços em recria de novilhas. Tratava-se de um grande desafio, porque a fazenda não tinha estrutura, espaço e nem rotina para isso.”

Valeu a pena. Em 2018, ela ganhou uma premiação no Clube da Bezerra, evento com o intuito de incentivar a sucessão familiar no agronegócio leiteiro. Foi a virada de chave para os pais se convencerem de que a produção de leite era o melhor investimento a ser feito na

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Gustavo, 27 anos, tem MBA em Agronegócio pela USP, e Luiza, 23, é responsável por 100 cabeças de gado leiteiro: um número crescente de homens e mulheres compõe o perfil rejuvenescido da administração rural

propriedade. No ano seguinte, a família montou uma estrutura para sala de ordenha, reprodução, recria de bezerras e inseminação artificial. Dessa forma, no ano passado Andrieli abandonou a avicultura, dedicando-se 100% à bovinocultura de leite. “Essa decisão foi uma consequência das escolhas de tempos atrás. Afinal, ganhei meu espaço na propriedade graças às mimosas. Tenho até uma tatuagem

de vaca na perna”, brinca. Para a jovem fazendeira, nenhuma propriedade prospera sem a visão de futuro trazida pela juventude, sempre respeitando as raízes dos antigos. “O conflito de gerações não é fácil”, diz. “O incentivo do meu pai não significa que ele concorde com todas as minhas ideias. Ele é de uma vivência sofrida e sistemática, eu sou de uma geração que quer tudo para ontem. Por

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isso, é importante encontrar o equilíbrio.”

O bom senso nas decisões também é uma preocupação da mineira Luiza Lima Gaio, 23 anos, que sempre viveu atrelada ao campo. Na infância, passava os fins de semana na fazenda do avô e sua paixão pelos animais a motivou a cursar Veterinária, graduação concluída no ano passado. Se os primos, crescidos, afastaram-se da fazenda, Luiza achou que a decisão mais sábia seria a de não abandonar as origens. Ela não se arrependeu. Os laços com a zona rural eram fortes demais e a profissão estreitou a relação. “Cuido de 100 cabeças de gado leiteiro da Fazenda Morro da Mandioca, em Oliveira (MG), e implementei técnicas de genética que melhoraram a saúde dos animais e estimularam a produção de leite”, afirma. “Os mais antigos relutam na adoção de recursos avançados. Mesmo assim, a perspectiva é positiva para impor uma mentalidade diferente.”

O casal Igor Rodrigues Fernandes, 31 anos, e Thaís Milani Lage, 28, não só fincou os pés em uma propriedade em Santo Antônio do Amparo (MG) como deixou para trás carreiras promissoras. Ele, um engenheiro de produção de uma multinacional da cidade de Contagem; ela, uma jornalista em Belo Horizonte. “Estamos contrariando o estigma de que o agronegócio é reservado aos latifundiários”, diz Fernandes. Os dois cultivam café em 10 hectares de uma área total de 35, seguindo os passos do avô de Thaís, Pedro Lage, cafeicultor desde os anos 1970. Eles fizeram uma imersão no mundo dos cafezais, aprenderam tudo sobre a classificação dos grãos e criaram uma marca de café especial, “O Casal do Café”, como são conhecidos na região. “Não existe uma lavoura de café especial”, diz Fernandes. “O que torna o grão diferenciado são fatores como colheita, processamento da pós-colheita e a torra. É um longo processo

FORÇA FEMININA

PROGRAMAS DA NESTLÉ AMPLIAM O PROTAGONISMO DAS MULHERES NO AGRO

Algumas iniciativas fortalecem os vínculos entre empresas e produtores rurais. Um exemplo é a Nestlé, que criou, em 2019, o programa “Força da moça do campo” a fim de incentivar o empoderamento feminino na produção leiteira por meio da capacitação em diversos temas, como gestão de colaboradoras, gestão técnica e financeira, sustentabilidade e desenvolvimento pessoal.

De acordo com a companhia, mais de mil pessoas já foram impactadas nos últimos seis anos. Entre elas, as irmãs Maria Eugênia Jacinto Fleury e Marília Fleury Curado, que fazem parte dos 11 milhões de mulheres inseridas no

agronegócio do País, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “As mulheres sempre estiveram no agro”, diz Silvana Novais, da Faemg. “A diferença é que agora elas se posicionam, criam conexões e redes de apoio, encabeçam a gestão das propriedades e promovem rodas de conversa nos sindicatos dos produtores rurais.”

Elas também participam do programa Nature por Ninho, voltado para a utilização de tecnologias de monitoramento animal, com foco em saúde, eficiência e bem-estar dos rebanhos. A Nestlé afirma que 72 fazendas parceiras adotam o colar de monitoramento de comportamento de 10 mil vacas.

Carreira

Isabela, 25 anos, ao lado da mãe: herdeira de uma família de agricultores e produtores de gado, ela não imaginava seguir a trajetória da família, mas foi o agronegócio que acabou despertando a sua verdadeira paixão

antes, durante e depois do cultivo.”

Os jovens não estão apenas na linha de frente das propriedades. Das porteiras para fora, muitos profissionais fazem brotar novas soluções, como Gustavo Vannucchi Ungari, nascido em Campinas (SP), há 27 anos. Sua sólida formação inclui o curso de Engenharia de Biossistemas na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), no campus de Pirassununga da Universidade de São Paulo (USP), e MBA em Agronegócio também pela USP. “Trabalhei na organização internacional sem fins lucrativos Enactus, em projetos de consulto-

ria voltados à cultura da cana-de-açúcar, e na empresa Raízen, no hub de inovações para produtores de pequena escala, ajudando-os a reduzir riscos com plantações economicamente viáveis”, diz.

A experiência acumulada lhe valeu um convite para ingressar na companhia de energia renovável Bioenergética Aroeira, alocado na Central Energética Tupaciguara (MG), que realiza a cogeração de energia a partir do bagaço de cana. Os conhecimentos de Ungari extrapolaram fronteiras. Em 2022, ele viajou para a Costa Rica, ao lado de mais dois brasileiros, a convite

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Manoela, 30 anos, sócia da empresa Yfagro, que presta assessoria aos profissionais do campo em conflitos fundiários e crédito rural: " D ou assistência aos produtores rurais, algo que o meu pai nunca teve"

da agência NextGen, para acompanhar e apoiar a imersão de 20 jovens na agricultura sustentável, com a missão de elaborar ações específicas em plantações de banana e café. “Tivemos contato direto com os produtores locais, identificamos desafios e oportunidades e apontamos soluções”, diz.

A quase 3 mil quilômetros de distância de Ungari, em Rio Branco (AC), Manoela Souza Silva, 30 anos, é filha de pais assentados na cidade de Capixaba, no início dos anos 2000. Com o tempo, ela percebeu que teria de deixar a zona rural para conhecer um futuro melhor.

Mudou-se para Rio Branco, terminou o Ensino Médio e ingressou na Universidade Federal do Acre, para cursar Engenharia Agronômica. Desenvolveu especial interesse por cacau e café e trabalhou em lavouras de milho, mandioca e feijão. “O principal entrave para quem se interessa pelo agronegócio é conseguir o primeiro emprego no setor”, afirma.

O talento foi acompanhado pelo suor da labuta diária. Em 2023, tornou-se sócia da empresa Yfagro, que presta assessoria aos profissionais do campo em questões como conflitos fundiários, regularização ambiental e

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crédito rural. “Dou assistência aos produtores rurais, algo que meu pai nunca teve”, diz. Uma das receitas ensinadas por Manoela aos clientes é produzir com sustentabilidade. A agenda ESG é o pilar do agronegócio moderno, principalmente na Região Norte, onde é permitido produzir em 20% das terras, deixando os outros 80% do bioma Amazônia preservados, segundo o Código Florestal Brasileiro”, afirma.

O consultor Marco Ripoli, diretor da PH Advisory Group, aplaude a chegada de homens e mulheres jovens no campo. “O nível de tecnologia evoluiu muito, principalmente na última década e isso ajuda a reter os jovens – cada vez mais conectados – na propriedade rural, revertendo o quadro de êxodo rural nas décadas de 1970 e 1980”, diz. Ripoli destaca que a revolução digital ajudou a modificar o pensamento das novas gerações, porque hoje elas encontram todas as

condições e o conforto para se capacitar à distância – e próximos das famílias.

Em compensação, Ripoli alerta que a sucessão familiar no agro segue a passos lentos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente 30% das propriedades chegam à segunda geração, número que despenca para 5% quando se fala em terceira geração. Ainda assim, a faixa etária dos agricultores brasileiros é de 46 anos, inferior às médias de Estados Unidos (58 anos), Europa (62) e Japão (68). “Apesar de todas as dificuldades, o Brasil mostra-se mais capaz de manter o jovem no campo”, acredita. “O produtor aceita mais facilmente investir nas inovações tecnológicas requisitadas pelos jovens se tiver, é claro, fôlego financeiro para isso e se o filho estiver montado no cavalo. Ou seja, tocando os negócios ao lado do pai.”

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O ATAQUE DAS PRAGAS

MUDANÇAS CLIMÁTICAS ACELERAM A PROLIFERAÇÃO DE INSETOS, FUNGOS E BACTÉRIAS QUE COMPROMETEM LAVOURAS E AMEAÇAM A SEGURANÇA ALIMENTAR EM ESCALA GLOBAL

As mudanças climáticas estão alterando de forma acelerada a dinâmica da agricultura mundial. O aumento das temperaturas e as alterações nos regimes de chuva modificam o comportamento de insetos e patógenos, ampliando a incidência de pragas e doenças em lavouras. Segundo estudo publicado na revista Nature Climate Change, insetos estão se adaptando a novas condições e expandindo sua presença em áreas antes pouco exploradas. Já a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) estima que até 40% da produção global de alimentos se perde anualmente em decorrência de pragas – e a tendência é que esse número cresça com o aquecimento global.

Cientistas da Universidade de Exeter, no Reino Unido, acrescentam que fungos e bactérias estão acelerando sua capacidade de adaptação, o que aumenta os surtos de doenças no campo. A revista Science Advances também alerta para outro efeito preocupante: a concentração crescente de CO₂ na atmosfera enfraquece as defesas naturais das plantas, tornando-as ainda mais vulneráveis. Sem ações urgentes, portanto, os prejuízos podem se ampliar de tal forma que inviabilizem não apenas a produção de grãos como soja, milho e trigo, mas também de cultivos de grande relevância para a segurança alimentar e energética, como hortifrútis, café, algodão e feijão.

Estudos revelaram que insetos estão se adaptando a novas condições de clima e expandindo sua presença pelo mundo

A relação entre o clima e a vida dos insetos é extremamente sensível, conforme observa Jéssica Silva, professora do curso de Engenharia Agronômica do Centro Universitário Facens. “Cada espécie tem condições ideais para seu ciclo de vida”, diz. “Mesmo variações pequenas de temperatura, como meio grau, já são suficientes para prolongar a permanência de uma praga em determinada área. Isso pode fazer com que o pico de presença coincida com fases cruciais de desenvolvimento da cultura, tornando os insetos uma ameaça em momentos em que antes não eram problema.”

Com o aumento da temperatura e a redução das chuvas, insetos conseguem migrar para regiões mais altas e frias. “Pragas já conhecidas no Brasil estão expandindo seu raio de incidência e levando seus impactos a áreas que antes não sofriam com esse problema”, diz Jéssica. A especialista destaca ainda o peso econômico: “Todo método de controle entra no custo da safra e diminui a margem do produtor”. Além do volume, a qualidade das colheitas também é afetada. Insetos comprometem o tamanho, o peso e a aparência dos produtos, levando à desvalorização no mercado e, em casos extremos, tornando-os inviáveis para comercialização. A docente cita o exemplo da Tuta absoluta [traça-do-tomateiro], praga do tomate capaz de causar perdas de produtividade de até 90%. “Em alguns casos, ela chega a inviabilizar o cultivo”, afirma.

A temperatura média do planeta vem subindo de forma acelerada, tornando as últimas décadas as mais quentes já registradas

No feijão e no algodão, doenças se aproveitam do estresse das plantas para se instalar. Adriana Matos, professora do curso de Agronomia da Una Jataí, destaca a presença do mofo-branco, cada vez mais recorrente. “Essas doenças se desenvolvem justamente quando a planta está mais vulnerável”, afirma. Ela chama a atenção também para a ramulária, que ameaça a qualidade e a quantidade da fibra do algodão: “Essa doença surge com força em períodos de noites úmidas por conta do orvalho, especialmente em regiões produtoras. O problema é que começa na parte inferior da planta, onde o fungicida tem dificuldade de alcançar quando a lavoura já está fechada. Isso cria condições ideais para a proliferação”.

Outro desafio para os cotonicultores é o bicudo-do-algodoeiro, que nesta temporada tem causado grandes estragos. A principal razão, segundo Adriana, é a falta de controle das chamadas plantas tigueras, que nascem espontaneamente em beiras de estradas e áreas abandonadas: “Essas plantas funcionam como uma ponte verde para o bicudo. Sem o manejo adequado, o inseto chegou mais cedo e em maior número às lavouras, complicando o controle”, afirma. Para evitar prejuízos, ela recomenda ações preventivas, com atenção redobrada aos primeiros sinais: “É importante conhecer o cultivar plantado, já que alguns são mais suscetíveis. O ideal é aplicar produtos antes mesmo dos sintomas visuais. Caso eles apareçam, deve-se observar se o avanço da doença está controlado”.

Nas lavouras de café, as ameaças se multiplicam. Entre elas estão a broca-do-café, o bicho-

Com o aumento da temperatura e a mudança do regime de chuvas, os insetos conseguem migrar para regiões mais altas e frias

-mineiro, o ácaro-vermelho, a ferrugem do cafeeiro e a mancha-de-phoma. Para Aldir Alves Teixeira, engenheiro agrônomo e CEO da Experimental Agrícola/illycaffè, a broca é uma das mais agressivas. “Ela ataca os frutos em qualquer estágio de maturação e compromete diretamente a classificação e o beneficiamento, com reflexos na qualidade da bebida”, diz. Nesse sentido, o monitoramento é essencial. Teixeira recomenda a amostragem mensal da praga, principalmente até 70 dias antes da colheita. Outro risco é o bicho-mineiro, uma pequena mariposa que deposita ovos nas folhas durante a noite. “A lagarta penetra na folha e se aloja entre as epidermes, alimentando-se e formando as conhecidas minas”, diz o especialista. O problema é favorecido por altas temperaturas e baixa umidade. “O controle deve ser iniciado quando 30% das folhas de cafeeiros jovens

estiverem minadas”, acrescenta.

Entre as pragas e doenças que mais desafiam o produtor brasileiro, a ferrugem asiática da soja é uma das mais severas. Causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, foi identificada no Brasil em 2001 e desde então é alvo de monitoramento e pesquisa em diversos centros. Segundo o Consórcio Antiferrugem da Embrapa, a doença pode reduzir em até 90% a produtividade se não for controlada corretamente. A principal estratégia de combate é o vazio sanitário, período em que fica proibido manter plantas vivas de soja em campo.

Regulamentado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o intervalo varia conforme os estados e dura cerca de 90 dias. O objetivo é quebrar o ciclo do fungo na entressafra, reduzindo sua presença no ambiente e atrasando a ocorrência da doença na safra

seguinte. “Essa medida fitossanitária é uma das mais importantes para o controle da ferrugem”, afirma Edilene Cambraia, diretora do Departamento de Sanidade Vegetal do Mapa. Para Tiago Pereira, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o vazio sanitário interrompe a chamada “ponte verde” entre as safras, essencial para a sobrevivência do fungo. Paulo Roberto de Paula Brandão, chefe do Departamento de Sanidade Vegetal da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), reforça que o cumprimento da medida precisa ser coletivo: “A prática só funciona se todos eliminarem as plantas voluntárias de soja, inclusive em margens de estradas e áreas não cultivadas”.

O manejo integrado inclui cultivares resistentes, rotação de culturas, uso de bioinsumos e aplicação estratégica de fungicidas. Para

Reinaldo Bonnecarrere, diretor de Biológicos

LatAm e Europa da Indigo Agricultura, essas práticas devem ser combinadas. “Não há solução única”, diz. “O manejo integrado é essencial para reduzir a pressão do patógeno e aumentar a eficiência das demais estratégias de controle.”

Outra praga que preocupa é a cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis), vetor de molicutes e viroses que provocam os chamados enfezamentos vermelho e pálido, além do mosaico estriado. Segundo a Embrapa, a praga tem se beneficiado do cultivo quase contínuo do milho ao longo do ano, especialmente na região da Sealba (Sergipe, Alagoas e Bahia), o que mantém populações ativas em todas as estações. Maria Cristina Canale, pesquisadora em Fitopatologia da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), explica que o clima quente e a presença constante de plantas

Ambiente

O clima do planeta está mudando rapidamente e quem não se adaptar agora terá de enfrentar prejuízos no futuro

voluntárias de milho ajudam a perpetuar a cigarrinha. “Esse milho tiguera funciona como ponte verde, garantindo a sobrevivência tanto do inseto quanto dos patógenos”, afirma.

Para Douglas Leme, gerente de Marketing para Milho da Basf, a falta de rotação de culturas e o controle ineficiente nos estágios iniciais agravam o problema. Os prejuízos são elevados: a cigarrinha pode causar perdas de até 70% na produtividade. O manejo inclui eliminar plantas voluntárias, usar sementes certificadas e tolerantes, planejar épocas de plantio em sincronia com outros produtores e monitorar continuamente as lavouras. Roberto Favaretto, agrônomo da Divisão Agrícola da Bayer, lembra que inseticidas de ação rápida devem ser aplicados no início da infestação, combinados ao uso de defensivos biológicos. “O manejo integrado, com múltiplas práticas combinadas, é a única forma de manter o milho produtivo”, diz.

A adaptação a esse cenário exige informação de qualidade e manejo adequado. Para Jéssica Silva, os agricultores precisam acompanhar o zoneamento climático da região, buscar informações em centros técnicos e cooperativas e se preparar para a chegada de novas pragas. Criar condições para a proliferação de inimigos naturais, preservar matas e conservar o solo também são estratégias importantes. Adriana Matos reforça a necessidade do manejo integrado de pragas e doenças. “A rotação de técnicas e produtos é fundamental para evitar resistência”, diz. “As mudanças climáticas fazem as doenças aparecerem mais cedo, e nem sempre temos o clima adequado para aplicar defensivos. Isso exige do produtor uma postura cada vez mais estratégica.”

UM OLHAR PARA O ESPAÇO

SATÉLITES, SENSORES E INTELIGÊNCIA DE DADOS CRIAM ELO CADA VEZ MAIS

FORTE ENTRE TECNOLOGIA ESPACIAL E AGRONEGÓCIO, AMPLIANDO GANHOS DE EFICIÊNCIA NO CAMPO

Por Lucas Bresser

Oagronegócio brasileiro, que há décadas é reconhecido pela capacidade de inovar em produtividade, sustentabilidade, genética e mecanização, consolida agora um movimento de convergência com o setor espacial. Satélites, plataformas de monitoramento e sistemas de inteligência de dados estão cada vez mais presentes nas lavouras, ajudando produtores a lidar com os desafios climáticos, a otimizar recursos e a aumentar a produtividade de forma sustentável. Essa integração responde a uma necessidade concreta: apenas 33,9% da área disponível para agricultura no Brasil tem cobertura 4G ou 5G, segundo dados do IBGE. A ausência de conectividade é um gargalo para a digitalização do campo e abre espaço para soluções que se apoiam no espaço.

É nesse cenário que surgem iniciativas como a da StratoLit, que vem construindo uma rede de monitoramento ambiental hiperlocal alimentada por satélites. A empresa do interior

de São Paulo desenvolveu a solução Sentinel, um sistema robusto que reúne sensores de chuva, vento, radiação solar, temperatura, umidade e pressão, além de permitir a conexão com outros sensores em campo. Todos os dados são transmitidos diretamente a satélites, eliminando a dependência de infraestrutura de telefonia ou wi-fi. Essas informações são processadas na plataforma OuterCloud, em que algoritmos de inteligência artificial e machine learning transformam medições brutas em previsões, alertas e relatórios acionáveis.

Segundo Lucas Fonseca, engenheiro aeroespacial e sócio-fundador da StratoLit, a ideia nasceu da percepção de uma lacuna tecnológica e de negócios. “O Brasil já contava com sistemas de coleta de dados via satélite havia décadas, mas faltavam pontos no solo capazes de enviar e receber informações em tempo real”, diz. “Decidimos desenvolver uma estação nacional, robusta e acessível, que pudesse se integrar a satélites e

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oferecer dados confiáveis ao produtor.” Na prática, o agricultor pode acompanhar, de forma hiperlocal, condições de solo, status de ativos remotos, riscos de incêndio ou estiagens e até variáveis ligadas à cadeia produtiva. “O coração da solução está na análise e integração da informação”, afirma Fonseca. “Usamos dados de satélites, redes públicas e privadas e dos nossos próprios sensores para oferecer respostas simples e acionáveis. O ganho está em transformar complexidade em decisão prática.” Agora, a companhia está em busca de agricultores que queiram liderar projetos-piloto no Brasil.

O movimento não é isolado. Multinacionais do agronegócio também vêm firmando parcerias estratégicas com o setor espacial. Em março, a Syngenta, uma das maiores empresas globais do setor, especializada em sementes, biotecnologia e proteção de cultivos, anunciou a extensão de um acordo com a americana Planet, que opera a maior constelação de satélites de observação da Terra. O

S olução S entinel ( na outra pág. ) e satélite em ação: inovações que ajudam a otimizar recursos

Fonseca, fundador da S trato L it: o agricultor pode acompanhar riscos de incêndios ou estiagens

objetivo é levar a agricultura de precisão a um novo patamar. A iniciativa prevê a integração das imagens diárias de alta resolução da Planet – com detalhamento de até 3 metros – à plataforma digital Cropwise, já amplamente utilizada por agricultores no Brasil e em outros países. Com essa tecnologia, será possível oferecer uma visão mais frequente e precisa das lavouras, inclusive em regiões onde a cobertura de nuvens costuma limitar a análise via satélite.

A novidade reforça as soluções já disponíveis no portfólio da Syngenta, como os índices de variabilidade, a definição de zonas de produtividade, o monitoramento de nematoides (NemaDigital) e a detecção de anomalias. Agora, os produtores terão acesso a informações atualizadas praticamente em tempo real, o que permitirá decisões mais rápidas sobre irrigação, manejo de pragas e doenças, aplicação de insumos e colheita. “Essa colaboração vai ampliar significativamente a nossa caixa de ferramentas digitais para os

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COMO O AGRO SE CONECTA AO ESPAÇO

DA PREVISÃO CLIMÁTICA À GESTÃO DE IRRIGAÇÃO, SATÉLITES, SENSORES E PLATAFORMAS DIGITAIS TRANSFORMAM A AGRICULTURA

ÁREA DE APLICAÇÃO

TECNOLOGIA / SOLUÇÃO

Monitoramento climático e ambiental

Previsão e planejamento de safras

• Sensores meteorológicos no campo (chuva, vento, temperatura, umidade)

• Estações conectadas a satélites com transmissão em tempo real

• Imagens de satélite para cobertura vegetal e riscos ambientais

• Imagens de satélite de alta resolução

• Sistemas de geoprocessamento e cruzamento de dados climáticos, de solo e produtividade

• Algoritmos de inteligência artificial para estimativa de safra e detecção de anomalias

Gestão de irrigação e recursos hídricos Digitalização e conectividade rural

• Dispositivos IoT via satélite para monitoramento de irrigação

• Controle remoto de lâmina de água e consumo de energia

• Alertas automáticos e ajustes inteligentes de irrigação

• Redes sem fio privadas adaptadas para propriedades rurais

• Conectividade por satélite para monitoramento e automação de equipamentos

• Integração de dados em tempo real para decisões e eficiência operacional

• Plataformas digitais que consolidam dados de sensores e satélites

Agricultura de precisão e decisão estratégica

• IA para recomendações de plantio, defensivos e manejo do solo

• Dashboards e alertas customizáveis para suporte à decisão

• Imagens multiespectrais e geoprocessamento para uso da terra

Mapeamento e conservação de terras

• Classificação de vegetação e monitoramento de desmatamento

• Integração de dados históricos e atuais para políticas de conservação

O uso combinado de imagens de satélite e algoritmos de IA permite desenvolver ferramentas para o manejo de grandes áreas

agricultores”, diz Jeremy Groeteke, líder global de Estratégia Digital da Syngenta. “Ao aproveitar os dados de satélite da Planet, conseguimos oferecer insights mais precisos e acionáveis, ajudando os produtores a tomar decisões que aumentam a produtividade e a sustentabilidade.”

Além de apoiar o dia a dia no campo, a parceria abre espaço para novas aplicações em larga escala e pesquisas avançadas em agricultura digital. O uso combinado de imagens de satélite e algoritmos de inteligência artificial permitirá à Syngenta desenvolver ferramentas para o manejo de grandes áreas, além de criar modelos preditivos mais sofisticados, capazes de antecipar cenários de estresse hídrico, surtos de

pragas ou impactos de variações climáticas. Segundo a empresa, a integração com a Planet reforça o compromisso de colocar o agricultor no centro da transformação digital, garantindo não apenas produtividade, mas também maior previsibilidade e segurança na gestão de dados. No setor público, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é uma das protagonistas quando se fala em integração entre agricultura e tecnologias espaciais, trabalhando desde a década de 1980 em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entre as iniciativas pioneiras está o Projeto Canasat, voltado ao mapeamento de áreas de cultivo de cana-de-açúcar a partir de imagens orbitais,

A integração de imagens de satélite com dados de sensores permite reduzir custos de irrigação em até 30%

oferecendo informações estratégicas para políticas públicas e para a indústria sucroenergética. Outro exemplo emblemático é o TerraClass, iniciado em 2008, que monitora a cobertura e o uso da terra em áreas desmatadas da Amazônia Legal e do Cerrado, fornecendo dados cruciais para conservação ambiental e planejamento sustentável.

A Embrapa também desenvolveu ferramentas que combinam geotecnologias e análise preditiva para apoiar a produção agrícola. O GeoSafras, em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), utiliza sensoriamento remoto, GPS e Sistemas de Informações Geográficas para monitorar e prever safras em todo o País, enquanto o Programa de Monitoramento da Agricultura de Precisão cruza dados de satélites, drones e análises de campo para fornecer informações hiperlocalizadas sobre solo, cobertura vegetal e produtividade, resultando em ganhos de eficiência no uso de insumos e irrigação, redução de custos e menor impacto ambiental. O Projeto SATVeg complementa essas iniciativas, integrando imagens de satélites com dados agronômicos para gerar informações sobre cobertura vegetal e estado das culturas, apoiando o planejamento agrícola em larga escala. Além disso, a Embrapa tem investido em plataformas digitais abertas que transformam dados espaciais em ferramentas práticas para o produtor. A Plataforma AgroAPI combina informações de satélites, clima e solo para apoiar startups, cooperativas e empresas do agro na criação de soluções próprias, democratizando o acesso a dados de alta resolução e fomentando inovação em diferentes cadeias produtivas. Com essas iniciativas e parcerias estratégicas com universidades, agtechs e organismos internacionais, a Embrapa consolida-se como elo central entre ciência agrícola e tecnologias espaciais, pavimentando o caminho para um agro mais digital, conectado e sustentável, capaz de responder de forma ágil a desafios climáticos e de mercado.

Para os especialistas ouvidos por PLANT PROJECT, essas iniciativas mostram como a utilização de satélites vai muito além das imagens estáticas. Segundo Lucas Fonseca, da StratoLit, a próxima fronteira está na conectividade rural habilitada por satélites de baixa órbita. “Com a popularização desses sistemas, será possível expandir o uso de sensores em áreas remotas, viabilizar comunicação direta entre dispositivos e oferecer análises quase em tempo real”, afirma. “Isso cria uma oportunidade de negócio mais acessível e escalável, transformando o espaço em parte essencial da tomada de decisão no campo.”

Os ganhos já são visíveis em termos de eficiência. A integração de imagens de satélite com dados de sensores de campo permite, por exemplo, reduzir custos de irrigação em até 30%, de acordo com estudos apresentados em feiras internacionais de agricultura digital. Em culturas como soja e milho, o uso combinado de previsão climática e detecção remota tem potencial de elevar a produtividade em até 10%, ao mesmo tempo que diminui a aplicação de insumos desnecessários.

Outras empresas também contribuem para esse ecossistema. A Hughes do Brasil, por meio de satélites geoestacionários, oferece conectividade em regiões agrícolas isoladas, viabilizando o uso de plataformas digitais no campo. A companhia tem se consolidado como fornecedora de soluções espaciais avançadas para o agronegócio, utilizando satélites de órbita terrestre baixa (LEO), redes privativas LTE e IoT via satélite. “O agronegócio é um setor relevante para o mundo todo, usando recursos diversos e que muitas vezes são escassos, seja água ou um bom solo”, diz Ricardo Amaral, vice-presidente de Vendas e Marketing Enterprise da Hughes do Brasil. “A tecnologia cada vez mais estará voltada a ajudar o ser humano a otimizar o uso desses recursos, com velocidade e praticidade. E, para isso, tecnologias como a de conexão via satélite tendem a cada vez mais aparecer com soluções para o agronegócio.”

Amaral, da H ughes do B rasil: "Os satélites tendem a aparecer como soluções para o agronegócio"

O IoT Sat, solução desenvolvida pela Hughes para atender a operações críticas em regiões remotas, oferece uma combinação de terminais de satélite avançados, cobertura nacional e plataforma de gestão remota. Um exemplo de aplicação prática do sistema vem da parceria com a Soil Tecnologia, com a qual produtores rurais podem ter acesso à telemetria via satélite para pivôs de irrigação. A solução permite a gestão da água com eficiência mesmo em lugares longe de qualquer infraestrutura, com controle do equipamento na palma da mão por um aplicativo de celular, além de relatórios completos com consumo, irrigação precisa com ajuste em tempo real, alertas automáticos em caso de interrupções inesperadas e configurações para evitar gastos desnecessários.

Além do IoT Sat, a Hughes oferece redes privativas LTE ou 5G, personalizadas para atender às exigências dos produtores, especialmente

pequenas e médias propriedades do agro. “Essa tecnologia é essencial para a adoção do Agro 4.0, pois atende a exigências de capacidade, latência, confiabilidade e segurança para aplicações industriais”, diz Amaral. No agronegócio, os benefícios incluem o monitoramento remoto de condições do solo, clima e saúde das plantações, permitindo decisões mais estratégicas e maior produtividade. Além disso, possibilita a automação de equipamentos agrícolas, como tratores e sistemas de irrigação, otimizando o uso de recursos e reduzindo custos operacionais. “O rastreamento de ativos e a gestão logística também são aprimorados, garantindo maior eficiência no transporte e armazenamento de produtos. A comunicação entre equipes se torna mais eficiente, com integração de voz, vídeo e dados em uma plataforma segura e confiável”, diz o executivo da Hughes do Brasil.

Apesar do avanço, os desafios permanecem. O custo de algumas soluções ainda é elevado e a dependência de importação de tecnologia pode limitar a escala. Também existe uma lacuna de capacitação para que pequenos e médios produtores adotem plenamente essas ferramentas. Além disso, a governança dos dados – quem coleta, processa e utiliza as informações – é uma preocupação crescente no setor. Ainda assim, o movimento parece irreversível. Em um país que depende da agricultura para responder à demanda global por alimentos, mas que também enfrenta pressões para reduzir emissões e preservar biomas, a integração entre agronegócio e setor espacial aparece como um caminho promissor. “O futuro do agro está nessa convergência: produzir mais, com menos impacto e com muito mais previsibilidade. E o espaço vai ser parte essencial dessa transformação”, diz Lucas Fonseca. Para Ricardo Amaral, da Hughes do Brasil, a adoção da tecnologia é apenas o começo. “Ela abre um mundo de possibilidades ao impulsionar a adoção de novas ferramentas que impactam diretamente na produtividade e eficiência do agronegócio”, afirma.

D erretimento

Aquecimento do Ártico amplia a janela agrícola do norte europeu e transforma o extremo frio em nova fronteira de cultivo

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FRONTEIRA

As regiões produtoras do mundo

As regiões produtoras do mundo

COLHEITAS SOB O DEGELO

O AQUECIMENTO GLOBAL ESTENDE AS ESTAÇÕES DE CULTIVO E ABRE ESPAÇO PARA NOVAS CULTURAS NOS PAÍSES

ESCANDINAVOS, MAS IMPÕE RISCOS AMBIENTAIS

Alexandre Dantas

oaquecimento acelerado do Ártico vem encurtando invernos e estendendo a temporada de cultivo em latitudes antes inóspitas, redesenhando o mapa agrícola do norte da Europa. Em Svalbard, arquipélago norueguês no limite do círculo polar, as temperaturas já subiram 4 °C em apenas três décadas, com picos próximos de +10 °C no inverno – um salto que transformou a região em um laboratório vivo dos efeitos climáticos. Nos países escandinavos, o prolongamento das estações de crescimento e a suavização dos invernos abrem espaço para novas culturas e tecnologias.

Na Noruega setentrional, estudos mostram o maior avanço no período vegetativo, cerca de cinco dias adicionais por década em áreas costeiras, alterando ritmos ecológicos e o potencial agrícola local. Na Finlândia, medições oficiais apontam uma realidade já consolidada: a estação de crescimento alcança atualmente até 180 dias no arquipélago sudoeste, 140 a 175 dias no sul e centro e de 100 a 140 dias na Lapônia –uma base climática que comprova a tendência de expansão do tempo útil para plantio e colheita.

A comunidade científica acompanha de perto essa transformação. Estudos realizados na Finlândia já indicavam, há mais de uma década, que o prolongamento da estação de crescimento poderia abrir espaço para culturas de inverno e

permitir um aproveitamento mais eficiente da janela térmica. Projeções para a Escandinávia reforçam essa tendência: em cenários intermediários até meados do século, estima-se um acréscimo de quatro a oito semanas na duração do período de cultivo no sul e no oeste da península, além de aumentos menores, mas consistentes, na Finlândia e na Islândia.

Na prática, a transformação se manifesta em três direções. A primeira é a diversificação de culturas: leguminosas de clima mais ameno, como a soja, antes inviáveis em razão do frio intenso, passam a ser objeto de pesquisas voltadas à adaptação e à produtividade em latitudes setentrionais. A segunda é a expansão sustentável: estudos mostram que Finlândia, Suécia e Dinamarca apostam em cadeias produtivas mais resistentes, alinhadas à segurança alimentar e ao uso racional do solo e dos recursos naturais. A terceira é a tecnologia: da Noruega ao alto Ártico, estufas de alta eficiência e projetos de permacultura asseguram a oferta de hortaliças frescas ao longo do ano, reduzindo a dependência de importações.

A viticultura talvez seja o exemplo mais simbólico dos paradoxos da transição climática. No sul da Suécia, vinhedos comerciais que até pouco tempo eram experimentais já produzem milhares de garrafas por ano, um fenômeno impulsionado

P rojeções indicam que a nova faixa de produtividade do norte pode ganhar relevância no abastecimento da Europa

pelo aumento de aproximadamente 2 °C nas últimas três décadas e por uma estação de crescimento que ganhou até 20 dias adicionais. O que antes parecia uma curiosidade acadêmica começa a se transformar em atividade econômica de peso, com produtores locais apostando em variedades resistentes a doenças e adaptadas ao frio. A cena se repete em menor escala na Dinamarca e na Noruega, onde iniciativas semelhantes reforçam a ideia de que a “fronteira fria” do vinho está se deslocando para o norte da Europa.

No plano regulatório, governos da região buscam alinhar o avanço agrícola a compromissos climáticos. A Dinamarca, por exemplo, aprovou uma política agrícola considerada uma das mais abrangentes do mundo, que inclui precificação das emissões pecuárias e incentivos a práticas menos intensivas em carbono e nitrogênio – são medidas que tendem a influenciar escolhas produtivas e tecnológicas no campo.

Mas nada disso elimina os riscos. O prolongamento do período de cultivo também abre portas para pragas e doenças antes contidas pelo frio rigoroso, pressiona ecossistemas boreais sensíveis e pode liberar carbono de turfeiras e solos congelados se a conversão de uso não for cuidadosamente gerida. Pesquisadores alertam que os benefícios agronômicos de curto prazo podem ser superados

por perdas ecológicas e emissões adicionais. No horizonte das próximas décadas, projeções indicam que essa nova faixa produtiva do norte pode ganhar relevância no abastecimento europeu de cereais, laticínios e hortaliças frescas, especialmente se a instabilidade climática em latitudes médias e baixas pressionar colheitas. Mas a mesma instabilidade – ondas de calor, chuvas extremas, degelo e eventos costeiros – pode interromper produções inteiras e tornar safras erráticas, mesmo com a média anual apontando aquecimento. Relatos de Svalbard, a área que mais rapidamente aquece no planeta, lembram que o custo de adaptação em infraestrutura cresce na mesma velocidade da temperatura e que a transição para fontes renováveis no extremo norte ainda enfrenta obstáculos práticos.

A adaptação climática no agro escandinavo caminha, portanto, em um trilho estreito. Há ganhos potenciais, como uma janela térmica mais ampla, novas culturas e maior eficiência sob abrigo. Também há investimentos em tecnologia, como previsões sazonais aplicadas à agricultura, digitalização e energia limpa em estufas. Mas existem riscos que não podem ser desprezados. O Ártico agrícola avança, mas seu futuro permanece incerto.

Natureza viva Masp faz da arte um espelho da crise climática e inaugura nova era com recorde de público e prédio dedicado à ecologia

rAARTE

Um campo para o melhor da cultura

Um campo para o melhor da cultura

QUANDO A ARTE ENCONTRA A NATUREZA

Ano histórico para o Masp combina recordes de público e novo prédio com uma programação inteiramente dedicada à crise climática

Oano de 2025 ficará marcado na história do Masp, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. Além de inaugurar um novo prédio, ao lado do icônico espaço projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992), o museu bateu recorde de público graças à exposição com obras do pintor impressionista francês Claude Monet (1840-1926). E decidiu dedicar toda a sua programação expositiva a um dos temas mais importantes da atualidade: a crise climática. No ciclo Histórias da Ecologia, os curadores mostram como diferentes artistas olharam para a natureza e interpretaram o mundo ao redor.

A principal mostra é justamente aquela que dá nome ao ciclo.

Histórias da Ecologia começou em setembro e ficará em cartaz até 1º de fevereiro de 2026, ocupando todos os cinco andares expositivos do novo prédio do Masp. São mais de 200 obras de artistas de 28 países, como Colômbia, Islândia, Japão, Nova Zelândia, Peru e Turquia. A exposição é dividida em cinco núcleos temáticos, que seguem uma linha do tempo da ecologia: Teia da Vida; Geografias do Tempo; Vir-a-ser; Territórios, Migrações e Fronteiras; e Habitar o Clima

De acordo com o museu, a própria escolha da palavra “ecologia”, em vez de “natureza”, tem um significado. “Ao contrário de concepções que isolam a natureza como entidade exterior à sociedade, a ecologia é compreendida como trama relacional, um campo de forças em constante

O museu bateu recorde de público graças à exposição com obras do pintor impressionista francês Claude Monet

No ciclo H istórias da E cologia, os curadores mostram como diferentes artistas olharam para a natureza e interpretaram o mundo

transformação”, escrevem os curadores na apresentação da mostra. “Histórias da Ecologia transita entre diferentes saberes: o geológico, o biográfico, o ancestral, o espiritual, o comunitário, o local, o planetário. Essas interseções ampliam a visão sobre o que está em jogo na atual crise climática – não como um evento isolado, mas enraizado em estruturas coloniais e patriarcais que condicionam os modos de habitar o planeta”, afirma Isabella Rjeille, que assina a curadoria junto com André Mesquita. Outras exposições relacionadas ao tema foram realizadas pelo Masp desde o início do ano. Entre abril e agosto, a mostra Frutas Milagrosas retratou a relação da artista mexicana Hulda Guzmán com a paisagem impressionista, destacando sua contribuição ao gênero ao mesclar a paisagem com características arquitetônicas, realismo mágico e muralismo mexicano. Guzmán já havia produzido obras para outras exposições no Masp, mas esta foi sua primeira individual na América do Sul.

Entre maio e agosto, foi a vez de A Ecologia de Monet, que se tornou a mais visitada da história do museu ao ultrapassar a marca de 410 mil pessoas. Ela superou Tarsila Popular, de 2019, que recebeu 402 mil visitantes, e Monet – O Mestre do Impressionismo, vista por 401 mil pessoas em

1997. Os curadores reuniram 32 obras do pintor francês que revelam sua relação, por vezes contemplativa e, por vezes, crítica com a natureza. A maior parte dos trabalhos nunca havia sido exibida no hemisfério sul e cobre toda a trajetória do artista. A seleção incluía telas produzidas em seu jardim, na casa em que viveu por mais de 40 anos em Giverny, e também paisagens que registravam os efeitos da modernização e das transformações ambientais.

Até o final de outubro, o prédio principal do Masp exibe Reencontrar a Árvore, de Frans Krajcberg (1921-2017), pioneiro na integração entre arte e meio ambiente. O artista, de origem judaica e nascido na Polônia, tinha uma relação especial com a natureza. Perdeu a família na Segunda Guerra Mundial, chegou ao Brasil – onde se naturalizou em 1957 – e, na década de 1970, passou a viver no litoral sul da Bahia, no seu Sítio Natura, em Nova Viçosa, em meio à Mata Atlântica. Em esculturas e pinturas, algumas tridimensionais, outras bidimensionais, explorou a relação entre arte e natureza. Em vários de seus trabalhos, muitos expostos no Masp, usou resquícios de troncos, cipós, raízes e madeira como matéria-prima e inspiração. Para além da produção artística, tornou-se um ativista que lutava pela preser -

Escultura do artista polonês Frans Krajcberg: pioneiro na profunda integração entre arte e o meio ambiente

vação do meio ambiente. Uma viagem à Amazônia, em 1978, resultou na publicação do Manifesto do Rio Negro, que propunha uma nova relação entre arte e natureza.

Há ainda uma nova exposição que estreou recentemente. Trata-se de Abel Rodríguez (Mogaje Guihu): A Árvore da Vida e da Abundância, primeira mostra individual do artista colombiano após seu falecimento. Rodríguez (1941–2025) tornou-se conhecido pela contribuição única à representação e organização dos saberes ancestrais sobre a flora e a fauna da Amazônia colombiana. “Meu conhecimento não é biológico. Ele é materialmente, espiritualmen-

te e sentimentalmente conectado à floresta, à energia dela”, afirmou o artista em 2024. Essa visão é retratada em quatro núcleos expositivos: Árvores Mitológicas, com desenhos baseados nas narrativas Nonuya-Muinane sobre a criação do mundo; Desenhos Botânicos, com aquarelas que traçam um paralelo entre o desenho ocidental e os sistemas classificatórios indígenas; Ciclos, sobre as diversas etapas da natureza; e Natureza Integrada, com as últimas obras produzidas pelo colombiano. Em 2025, o Masp não apenas quebrou recordes como também transformou a arte em um espelho urgente da crise climática.

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Memórias à mesa Festival em Tiradentes reúne chefs premiados e transforma a cidade histórica em um palco com diferentes sabores

WORLD FAIR

A grande feira mundial do estilo e do consumo

As regiões produtoras do mundo

QUANDO A MESA ENCONTRA A HISTÓRIA

Festival Cultura e Gastronomia de Tiradentes une chefs renomados, vinhos de inverno e patrimônio barroco em uma experiência única

Por André Sollitto

As ruas de pedra de Tiradentes têm muita história. A cidade é um marco da busca pelo ouro em Minas Gerais, terra do inconfidente Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), e uma das principais referências do movimento barroco brasileiro. Lá, edifícios do século 18 continuam abertos aos turistas que lotam as dezenas de pousadas, interessados em ver de perto como era a vida em outros tempos. Hoje, Tiradentes é também um importante polo gastronômico, que uma vez por ano recebe alguns dos principais chefs brasileiros, de Minas e de outros estados, em uma celebração à boa comida. Todos os anos, nos dois últimos fins de semana de agosto, a cidade sedia o Festival Cultura e Gastronomia de Tiradentes, criado em 1998 e já incorporado ao calendário oficial. O evento é realizado pela plataforma Fartura, iniciativa que promove a gastronomia brasileira por meio de festivais e também de conteúdos como livros e filmes, amparados por pesquisas. Embora a edição de Tiradentes seja a mais famosa, há várias outras. Recentemente, o Fartura promoveu um encontro em Belo Horizonte e, em outubro, seguirá para Nova Lima, também em Minas Gerais.

A proposta do festival é espalhar a boa comida pela cidade. Alguns dos principais restaurantes locais, como o Tragaluz, comandado pelo chef Felipe Rameh, e o Angatu, de Rodolfo Mayer, realizam jantares especiais, conhecidos como Festins. Na praça da rodoviária e no Santíssimo Resort, estabelecimentos de Minas, São Paulo, Rio de

A festa lotada, igreja histórica e paisagens de tirar o fôlego: lugar para comer bem e desfrutar da beleza do turismo

Janeiro e Santa Catarina montam barracas para servir seus principais quitutes. O Bar do Zezé, importante reduto da boemia de Belo Horizonte, levou sua receita de torresmo frito na hora, servido em pedaços generosos que chamavam a atenção de quem passava. O restaurante Padre Toledo, da própria cidade, participou com sabores tradicionais mineiros, como arroz de galinha com taioba e moela ao molho de vinho. Já o Gourmeco, também de Tiradentes, apresentou seu prato Cerrado com referências à praia – camarões enrolados em espaguete e fritos, acompanhados de geleia de pimenta agridoce com pequi –, além de um canoli feito com a massa do Chico Doceiro, casa de doces que se tornou patrimônio local. Há ainda feiras de produtos artesanais, que vão de cachaças a peças de artesanato. Toda a cidade é tomada pelo clima do festival, e até as pousadas se envolvem, oferecendo pacotes especiais para quem deseja aproveitar os dias de festa. Mais do que provar boa comida, o festival é uma oportunidade de ver de perto alguns dos principais chefs do País e aprender suas receitas mais famosas. Paulo Machado, especialista na cozinha pantaneira, preparou seu tradicional macarrão de comitiva, prato criado para alimentar os peões que atravessavam o Pantanal com o gado. A mineira Ju

Lima, churrasqueira que se tornou sucesso nas redes sociais, cozinhou seu arroz caldoso de fraldinha, receita que viralizou no TikTok e no Instagram. “Para mim, é a chance de ver de perto as pessoas que me acompanham”, diz. O chef Onildo Rocha, responsável pelos premiados Notiê e Abaru, em São Paulo, também participou, assim como a chef Janaína Torres, do Bar da Dona Onça, eleita a melhor do mundo em 2024.

Neste ano, pela primeira vez, a programação se estendeu a uma vinícola da região, a recém-inaugurada Trindade, em Bichinho, ao lado de Tiradentes. Embora os vinhedos ainda sejam jovens e não produzam uvas, o espaço já recebe visitantes e oferece rótulos de outros produtores locais, como a Casa Geraldo e a Estrada Real. É também um sinal de que o vinho mineiro ganha força. A produção vitivinícola da região é recente e só foi possível graças à técnica da dupla poda, ou poda invertida, que “engana” o ciclo da videira e faz com que ela dê frutos no inverno, período de menor precipitação.

Assim, criou-se um movimento relevante de vinhos de inverno, impulsionado pela variedade tinta Syrah e pelas brancas Chardonnay e Sauvignon Blanc. Os rótulos já aparecem em publicações especializadas,

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Gastronomia

Torresmo frito na hora do B ar do Z ezé, um reduto da boemia local: pedaços generosos que chamam a atenção dos visitantes

como o guia Descorchados, um dos mais prestigiados da América do Sul. Nas praças da cidade, muitos visitantes trocaram a cerveja pelo vinho, prova incontestável de que a bebida se tornou mais popular do que nunca.

Para além da gastronomia, o festival é também uma oportunidade de conhecer os pontos turísticos da cidade histórica. A Igreja Matriz de Santo Antônio é um deles. Construída no início do século 18, é o prédio mais antigo de Tiradentes e tornou-se símbolo da arquitetura barroca. Fica aberta durante o dia, mas ganha ainda mais encanto nas noites de fim de semana, quando há um espetáculo de luzes narrado pelo ator Paulo Goulart (19332014), seguido por um concerto no órgão histórico trazido ao Brasil em 1788.

O programa muda regularmente e alterna peças sacras e seculares. Outro passeio imperdível é a Maria Fumaça que liga São João del Rei a Tiradentes, a mais antiga em funcio-

namento no País. O trajeto dura cerca de 40 minutos e inclui a visita ao Museu Ferroviário e à rotunda, que inverte a direção da locomotiva e atrai turistas mesmo entre os que não embarcam na viagem. No centro histórico, há ainda o Museu de Sant’Ana, instalado em uma antiga prisão, e as igrejas de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e de São Francisco de Paula, entre muitos outros atrativos.

Embora o festival seja uma oportunidade única de mergulhar na gastronomia tiradentina, não é preciso esperar agosto do próximo ano para desfrutar da boa mesa local. A maioria dos restaurantes que participa do Fartura funciona o ano inteiro. É o caso do Tragaluz e do Angatu, que atraem visitantes por seus menus sofisticados, mas também de casas tradicionais como o La Villa Trattoria, já listado entre os melhores do Brasil, e o Estalagem do Sabor, que há quatro décadas serve pratos típicos da culinária mineira.

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Campo conectado

Sensores biodegradáveis desenvolvidos no Brasil unem tecnologia e sustentabilidade na produção agrícola

SSTARTAGRO

As inovações para o futuro da produção

As inovações para o futuro da produção

PLANTA DIGITAL

SENSORES BIODEGRADÁVEIS CRIADOS NO BRASIL

MONITORAM EM TEMPO REAL A SAÚDE DAS

LAVOURAS E AUMENTAM A PRODUTIVIDADE

Aagricultura mundial enfrenta um desafio sem precedentes: alimentar uma população em constante crescimento – que deve alcançar 9,8 bilhões de pessoas até 2050 e ultrapassar os 11,2 bilhões até o final do século – sem comprometer ainda mais o meio ambiente. Nesse cenário, uma tecnologia desenvolvida no Brasil vem despertando a atenção da comunidade científica internacional: sensores vestíveis biodegradáveis para plantas. Trata-se de dispositivos aplicados diretamente em folhas, caules ou frutos, capazes de monitorar em tempo real a saúde das lavouras e traduzir em dados precisos aquilo que antes dependia apenas da observação humana.

A inovação é resultado do trabalho de pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com cientistas da Universidade Federal de Viçosa (UFV). “A ideia de desenvolver sensores vestíveis sustentáveis surgiu diante da crescente demanda global por alimentos, que continuará por décadas, impulsionada pelo aumento populacional”, diz o pesquisador Paulo Pereira, do IFSC-USP, um dos coordenadores do projeto. “A produtividade agrícola precisa crescer de 100 a 110% até 2050 para evitar um cenário de insegurança alimentar.”

Segundo ele, a urgência é evidente. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que 40% da produção global se perde a cada ano em função de doenças emergentes em plantas e estresses ambientais ligados às mudanças climáticas. “Isso representa prejuízos de mais de 220 bilhões de dólares anuais, comprometendo a nutrição e a segurança alimentar em todo o mundo”, afirma. “E o problema tende a se agravar se a agricultura não se modernizar com soluções tecnológicas de baixo impacto ambiental.”

Os dispositivos são compostos por dois elementos principais: o sensor e um suporte transparente, flexível e extensível, projetado para não interferir no crescimento natural das plantas. Essa estrutura permite que sejam fixados diretamente em folhas, caules e frutos, garantindo monitoramento contínuo sem causar danos. A escolha dos materiais é um dos grandes

Os novos dispositivos desenvolvidos no País traduzem em dados precisos aquilo que antes dependia apenas da observação humana

diferenciais. Em vez de plásticos convencionais, os sensores utilizam componentes de base biológica, como poliácido lático (PLA) e acetato de celulose, obtidos de fontes renováveis, biodegradáveis, atóxicos, leves, acessíveis e abundantes. Assim, além de sustentáveis, evitam a geração de resíduos nocivos e podem se decompor naturalmente após o uso, sem necessidade de descarte industrial.

A fabricação também é inovadora. Os pesquisadores aplicam métodos físicos e químicos de baixo impacto, incluindo a serigrafia – técnica semelhante à usada em estampagem de camisetas –, o que reduz o consumo energético e torna o processo escalável para produção em larga escala. “Os dispositivos são produzidos diretamente em suportes com morfologias controladas, composições programáveis e padrões projetáveis, reduzindo o consumo de energia e a geração de resíduos durante a preparação”, diz Pereira. A equipe desenvolveu inclusive uma linha de protótipos com diferentes níveis de sensibilidade e durabilidade,

adaptáveis a cultivos variados, como soja, milho, café e hortaliças.

Tradicionalmente, o acompanhamento da saúde das plantas depende de drones, câmeras, espectroscopia e análises laboratoriais. Essas ferramentas, embora úteis, apresentam limitações como baixa resolução temporal e espacial, medições descontínuas e menor sensibilidade. Os sensores vestíveis eliminam essas restrições. Eles coletam dados constantes sobre temperatura, umidade, níveis de nutrientes, pH, presença de pesticidas e sinais precoces de estresse hídrico e doenças. “O uso desses sensores possibilita a detecção contínua e não destrutiva da vitalidade das plantas, atendendo às necessidades da prática agrícola de rotina”, afirma o pesquisador.

A grande vantagem está na precisão. Enquanto um drone pode capturar imagens diárias, o sensor fornece leituras minuto a minuto. Isso significa que uma alteração mínima na absorção de água, na temperatura foliar ou no teor de clorofila pode ser

registrada instantaneamente, permitindo intervenções rápidas e localizadas. Em tempos de estiagens prolongadas e calor recorde, essa capacidade pode fazer a diferença entre uma safra lucrativa e um prejuízo milionário.

No campo, o impacto é direto. Os sensores indicam o momento exato de irrigar, aplicar fertilizantes ou adotar medidas preventivas contra pragas, otimizando recursos e reduzindo custos. Essa precisão permite diminuir o uso de água, energia e insumos químicos, fatores cruciais em tempos de crise climática. Além disso, o cruzamento dos dados coletados com modelos de inteligência artificial (IA) e internet das coisas (IoT) pode antecipar surtos de doenças e prever variações de produtividade com base em microclimas locais. “A integração com IA, IoT, computação em nuvem e sistemas autônomos abre caminho para uma agricultura mais sustentável”, diz Pereira.

O projeto, iniciado em 2021, é um exemplo de

como o investimento em ciência e pesquisa pode gerar soluções com potencial global. O Brasil, que já se destaca como potência agrícola, pode também se tornar referência em tecnologias sustentáveis aplicadas ao campo. “Temos biodiversidade, capital humano e capacidade científica para liderar uma nova revolução verde baseada em conhecimento e inovação”, afirma o pesquisador.

A equipe brasileira estuda agora formas de integrar os sensores a plataformas digitais acessíveis a pequenos e médios produtores, o que permitiria ampliar o alcance da tecnologia. Segundo estimativas iniciais, o custo de produção em larga escala será baixo o suficiente para viabilizar o uso comercial em propriedades familiares, hoje responsáveis por cerca de 70% dos alimentos consumidos no país. Além de auxiliar o produtor individual, os sensores vestíveis podem ter papel estratégico para governos e cooperativas, ao permitir o monitoramento remoto de regiões inteiras, identificando

A tecnologia pode servir de ferramenta para a certificação ambiental e a comprovação de boas práticas agrícolas

focos de doenças ou falhas de manejo antes que os prejuízos se tornem irreversíveis.

A tecnologia também pode servir de ferramenta para certificação ambiental, rastreabilidade de produtos e comprovação de boas práticas agrícolas, agregando valor aos alimentos exportados. Ao fornecer dados detalhados sobre o ciclo produtivo e as condições ambientais, os sensores podem transformar a maneira como o Brasil e o mundo monitoram as cadeias alimentares. Essa integração de informações em tempo real, somada à capacidade de prever riscos, tem potencial de redefinir a relação entre produção e sustentabilidade.

O impacto da descoberta foi reconhecido pelo Fórum Econômico Mundial, que destacou a tecnologia como uma das dez principais inovações emergentes de 2023. A expectativa é que, nos próximos anos, ela se torne parte de um ecossistema mais amplo de “agricultura sensível”, em que as lavouras respondem,

literalmente, por meio de sinais físicos e elétricos captados pelos sensores. “Estamos chegando a um ponto em que as plantas poderão se comunicar conosco por meio dos dados”, diz Pereira. “Elas vão indicar quando estão com sede, sob estresse ou vulneráveis a pragas, e nós poderemos agir com precisão cirúrgica.”

Mais do que uma inovação tecnológica, os sensores vestíveis representam uma mudança de paradigma: a possibilidade de produzir mais alimentos sem ampliar a degradação ambiental. O projeto mostra que o conhecimento científico, quando aliado à sustentabilidade, é capaz de transformar profundamente a agricultura e o modo como a humanidade se relaciona com a natureza. “Ao unir ciência, inovação e responsabilidade ambiental, mostramos que é possível construir uma agricultura de precisão com a sustentabilidade no centro da produção de alimentos”, conclui o pesquisador.

A VOZ DOS MUNICÍPIOS

Organizado pela DATAGRO, o 1º Congresso

Prefeitos do Agro, realizado em Sorriso (MT), reforçou o papel dos municípios no fortalecimento do agronegócio brasileiro

P or r onaldo l uiz

oministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, participou, no dia 12 de setembro, em Sorriso (MT), da abertura do 1º Congresso Prefeitos do Agro, ao lado do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços , Geraldo Alckmin. Organizado pela DATAGRO, o evento buscou reforçar o papel dos municípios no fortalecimento do agronegócio brasileiro.

Durante a abertura, o vice-presidente Geraldo Alckmin destacou a força produtiva de Mato Grosso, responsável por um terço da produção agrícola do Brasil. Ele ressaltou que o estado é líder na soja, responde por 60% do algodão nacional e se consolidou também como campeão na produção de milho – culturas que contribuem para outros setores da economia, com a produção de etanol, biodiesel, DDG e bioeletricidade.

Na oportunidade, Alckmin lembrou a importância da agroindústria tanto para o desenvolvimento municipal quanto nacional, destacando as oportunidades criadas pela Nova Indústria Brasil (NIB) em campos como biocombustíveis e energia limpa. “Se nós somos muito competitivos no agro, vamos agregar valor a esse agro para avançar mais”, afirmou.

Para o vice-presidente, a atuação dos prefeitos e dos municípios é essencial na promoção do desenvolvimento, da criação de empregos e atração de investimentos. “Queremos todos os prefeitos envolvidos nesse desenvolvimento do agro, da agroindústria e dos serviços, para o Brasil crescer ainda mais”, disse. “Nós vamos ter uma avenida aí pela frente, com o Brasil dando um exemplo para o mundo”, acrescentou. “Quem tem 30% de etanol anidro na gasolina? Ninguém tem. Quem tem 85% da frota flex? Ninguém tem. E nós acabamos de lançar o carro sustentável, que emite menos de 83 gramas de CO₂ por quilômetro rodado e é um carro 80% reciclável”, completou.

Em sua fala, o ministro Carlos Fávaro ressaltou que o Brasil vive um momento histórico, com

a maior safra de todos os tempos: 350 milhões de toneladas de grãos, somadas a uma produção nacional que alcança 1,2 bilhão de toneladas de alimentos, incluindo cana-de-açúcar, proteínas animais, frutas, hortifrútis e celulose.

Fávaro atribuiu os bons resultados à perseverança dos produtores, ao apoio do governo e a três Planos Safra consecutivos que bateram recordes. O ministro também destacou os avanços na abertura de mercados internacionais, que, desde o início do atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já alcançaram 435 novos destinos para produtos agropecuários brasileiros. “O Brasil tem apetite para crescer, tem vontade de continuar gerando oportunidades. A agropecuária brasileira mostra resiliência, diversificação e capacidade de enfrentar os desafios internacionais com firmeza”, declarou o ministro.

Fávaro anunciou ainda a instalação de um escritório da ApexBrasil em Cuiabá (MT), em parceria com a Famato, para aproximar produtores e empresas dos compradores internacionais.

A programação do Congresso contou com palestras e painéis técnicos sobre políticas públicas, inovação tecnológica, logística, bioenergia, sustentabilidade no campo e cenários futuros para grãos, proteínas e biocombustíveis.

Participaram da abertura cerca de 20 prefeitos das regiões Norte e Médio-Norte, entre eles, os de Lucas do Rio Verde, Vera, Santa Carmem, União do Sul, Ipiranga do Norte, Campos de Júlio, Tabaporã, Santo Antônio do Leste e Santa Rita do Trivelato.

O evento também reuniu lideranças femininas para compartilharem projetos e experiências que reforçam a força das mulheres no desenvolvimento do setor. Com palestras sobre empreendedorismo e o papel da mulher na transformação do agro brasileiro, o encontro buscou valorizar iniciativas que unem desenvolvimento econômico e social, mostrando como a atuação feminina fortalece comunidades e abre caminhos para novas oportunidades no campo.

O FUTURO É VERDE

Em sua 5ª edição, o Fórum Pecuária Brasil destaca a expansão sustentável da bovinocultura nacional

P or r onaldo l uiz

oWorld Trade Center São Paulo sediou, em 17 de setembro, a 5ª edição do Fórum Pecuária Brasil, organizado pela DATAGRO. O encontro reuniu mais de 600 participantes entre produtores, representantes da indústria frigorífica, fornecedores de insumos e agentes financeiros, e se consolidou como o principal evento da cadeia pecuária no País. Neste ano, ganhou ainda mais relevância ao se tornar o evento oficial de conteúdo da Beef Week, semana inspirada na tradicional Sugar Week de Nova York.

A abertura destacou os avanços recentes da pecuária brasileira, que vive um ciclo de transformação marcado por profissionalização, inovação tecnológica e visão empresarial. Pesquisa, genética, nutrição, sanidade e manejo de pastagens têm impulsionado a produção, ao lado da adoção crescente de ferramentas digitais que encurtam o ciclo de abate, aumentam a rentabilidade e elevam a qualidade da carne de forma sustentável. “A pecuária brasileira tem mostrado capacidade de inovação e eficiência como nenhuma outra”, afirmou o presidente da DATAGRO, Plinio Nastari.

Ele ressaltou ainda a integração da bovinocultura com a agricultura e a produção de biocombustíveis, citando como exemplo o uso do DDG, resíduo do milho destinado à fabricação de etanol, na alimentação do rebanho. “Estamos falando de uma jornada de agregação de valor à produção, que combina eficiência e sustentabilidade”, disse Nastari.

Dirigentes das principais entidades representativas da pecuária brasileira também participaram da solenidade de abertura e deram o tom do debate. O presidente da Associação Brasileira de Angus e Ultrablack, José Paulo Cairoli, lembrou que a diversidade genética é um dos maiores diferenciais do Brasil: “A oferta de raças europeias e zebuínas nos garante flexibilidade, qualidade e competitividade”.

Já o presidente da Associação Nacional dos Confinadores (Assocon), Maurício Velloso,

destacou a pressão da demanda global. “O consumo de carne cresce em todo o mundo, mas a oferta de bezerros recuou nos últimos anos. Isso se configura em um fator construtivo de preços para o pecuarista, em especial para quem atua no elo da cria.” Na mesma linha, o diretor de Relações Internacionais da ABCZ, Bento Mineiro, enfatizou a crescente modernização do setor. “A tecnologia está presente em todas as etapas da produção, e o produtor brasileiro tem se mostrado ágil em adotar ferramentas que aumentam eficiência e sustentabilidade.”

No encerramento, o secretário executivo da Agricultura de São Paulo, Alberto Amorim, destacou a expansão da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) como modelo de sustentabilidade. “A bovinocultura não pode ser vista como vilã. As pastagens têm enorme potencial de sequestro de carbono, e isso precisa ser mais bem valorizado”, afirmou.

As exportações também estiveram no centro das discussões. O presidente da Abiec, Roberto Perosa, afirmou que, mesmo com o chamado “tarifaço Trump”, o setor deve registrar alta de 12% em volume e 16% em receita neste ano. “O mercado americano é, de fato, rentável e impacta nos resultados das exportadoras, mas o Brasil tem capilaridade e vem redirecionando embarques para outros destinos”, disse Perosa.

Executivos de frigoríficos lembraram ainda que a carne brasileira chega hoje a mais de 150 países, mas o consumo interno responde por 70% da produção nacional. Pedro Bordon, CEO do frigorífico Estrela, citou oportunidades no Sudeste Asiático. “Países como Indonésia, Malásia, Singapura e Filipinas têm enorme potencial para a carne brasileira.” Já a executiva comercial do grupo Ramax, Mariana Inocente, destacou Oriente Médio e África. “São regiões que demandam tanto itens de volume, como miúdos e cortes básicos, quanto carnes premium.” Para o diretor de Exportação da Marfrig, Alisson Navarro, cer-

tificações específicas, como a Halal, também abrem espaço para melhor remuneração.

Outro ponto de destaque foi o crescimento do mercado futuro. “Até agosto deste ano, já foram negociados duas vezes mais contratos futuros de boi gordo, cerca de 178 mil, em relação ao mesmo período de 2024”, afirmou Marielle Brugnari Solzki, executiva da B3. “São papéis em ascensão que atraem perfis variados de investidores e aumentam a liquidez.” O especialista André Crivelli, da Terra Investimentos, complementou: “A pecuária cresce, mas junto vem a volatilidade. Quem não fizer hedge terá problemas”.

As projeções da DATAGRO indicam um recuo de 9,3% no abate de bovinos em 2026, para 37,1 milhões de cabeças, reflexo da retenção de fêmeas. Para o analista Guilherme Jank, trata-

-se de um movimento típico da virada de ciclo. “Quando há retenção de matrizes, sinaliza-se que a oferta futura estará mais restrita.” Segundo ele, a produção de carne deve cair 6,8% no período, enquanto o consumo doméstico tende a diminuir 9,4%.

Encerrando a semana, o Palácio Tangará, em São Paulo, recebeu a primeira edição do Beef Dinner, inspirado no Sugar Dinner de Nova York. O evento reuniu cerca de 500 convidados e homenageou José Batista Sobrinho, fundador da JBS, e o pecuarista Antônio Campanelli. Para João Otávio Figueiredo, head de Pecuária da DATAGRO, o jantar simboliza a força do setor: “O reconhecimento a lideranças que ajudaram a moldar a pecuária mostra como o Brasil constrói sua trajetória com base em trabalho, inovação e visão de longo prazo”.

DATAGRO Markets

OS 50 ANOS DO PROÁLCOOL

Em 2025, comemoramos os 50 anos do Proálcool, criado pelo Decreto nº 76.593, de 14 de novembro de 1975.

O impulso para a criação do programa veio do setor privado, por iniciativa de dois grandes pioneiros, Lamartine Navarro Jr. e Cicero Junqueira Franco, colegas do curso de Engenharia no Mackenzie de São Paulo. Lamartine era um jovem empresário bem-sucedido que ocupava o cargo de vice-presidente executivo do Grupo Ultra, que dentre suas empresas incluía a Oxiteno, petroquímica que usava nafta como principal insumo. A primeira crise do petróleo, em 1973, trouxe sérias consequências para a economia brasileira, obrigando o contingenciamento do fornecimento de vários derivados, incluindo a nafta. Sofrendo a falta de matéria-prima, numa consulta à biblioteca do Instituto de Engenharia em São Paulo, o engenheiro Lamartine teve acesso aos trabalhos de Eduardo Sabino de Oliveira que relatavam a exitosa iniciativa de Salvador Lyra, na Usina Serra Grande, de Alagoas, ao criar o USGA, mistura de etanol, éter etílico e óleo de rícino,

que teve grande sucesso na Região Nordeste entre os anos de 1927 e início dos anos 1930. Lendo esse relato, consultou seu amigo e colega Cicero sobre a viabilidade de se estimular as usinas de açúcar para a produção em larga escala de etanol. Segundo Lamartine, substituindo gasolina por etanol, além de aliviar a pressão causada à economia e à segurança energética, haveria a possibilidade de liberação de correntes similares, como a nafta, para aliviar a pressão sobre o abastecimento de nafta. Cicero, que naquela época já trabalhava na Usina Vale do Rosário, em Morro Agudo, São Paulo, respondeu-lhe que para isso seria preciso que o preço do etanol fosse para os produtores equivalente ao do açúcar, naquela época administrado pelo governo através do Instituto do Açúcar e do Álcool –nascia, assim, o conceito de paridade de preços entre o açúcar e o etanol. Juntos escreveram estudo seminal intitulado “Fotossíntese como fonte energética”, que submeteram à apreciação de Shigeaki Ueki, ministro de Minas e Energia (de março 1974 a março 1979) do governo Ernesto Geisel,

que já havia discutido esse tema com o então governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins (1975-79), outro entusiasta do etanol. O estudo foi encaminhado ao presidente Ernesto Geisel, que, tendo anteriormente ocupado o cargo de presidente da Petrobras, era grande conhecedor de temas relacionados ao petróleo e seus derivados, e assim foi criado o Programa Nacional do Álcool. O seu objetivo era incentivar a produção do álcool oriundo da cana-de-açúcar, da mandioca ou de qualquer outro insumo através da expansão da oferta de matérias-primas, com especial ênfase no aumento da produção agrícola, da modernização e ampliação das destilarias existentes e da instalação de novas unidades produtoras, anexas a usinas ou autônomas, e de unidades armazenadoras. O objetivo era propiciar maior segurança energética, visto que 81% da demanda interna de petróleo e derivados era importada, e essa importação afetava de forma dramática a balança comercial. Nem de longe se imaginava à época os benefícios à saúde e ao meio ambiente que dele adviriam.

Passados 50 anos do Proálcool, muita superação, muitos desafios, e grandes conquistas foram alcançadas.

Com o Proálcool, foi determinada a mistura obrigatória de 12% de etanol anidro à gasolina, e já a partir de janeiro de 1978 o Brasil passou a contar com mistura de etanol na gasolina de 20%, sendo o primeiro País no mundo a atingir a meta de mistura de etanol em níveis intermediários.

Com a mistura, foi possível de forma pioneira eliminar o uso do venenoso chumbo tetraetila, utilizado por décadas como elevador da octanagem na gasolina. Ao longo do tempo, a mistura foi gradualmente elevada, chegando aos atuais 30% de mistura implementados a partir de agosto de 2025. Desenvolveu-se o motor a etanol, através de estudos pioneiros chefiados pelo engenheiro Ernesto Urbano Stumpf, no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, São Paulo. Surgia assim a engenharia automotiva nacional, que hoje consolida o Brasil como um dos seis polos mundiais de desenvolvimento automotivo em todo o mundo, junto com EUA, Europa, Japão, Coreia do Sul e China.

Ao longo do tempo, descobriu-se que o etanol poderia substituir os componentes mais caros da gasolina, os chamados compostos aromáticos conhecidos como BTX (benzeno, tolueno e xileno), que também são altamente cancerígenos. Que a combustão do etanol gera acetaldeídos, primos do vinagre, ao invés dos muito mais tóxicos formaldeídos gerados pela gasolina. Que o etanol praticamente não gera material particulado fino,

aliviando sobremaneira os índices de particulados na atmosfera, relevante elemento para a determinação da qualidade do ar em grandes centros. Que os hidrocarbonetos emitidos por motores usando etanol são menos reativos do que os gerados pela gasolina, contribuindo para reduzir a formação de smog fotoquímico. Todos esses benefícios ao meio ambiente e à saúde ajudaram a reduzir os níveis de morbidade e mortalidade associados a problemas pulmonares e câncer, absenteísmo no trabalho e internações hospitalares. Os estudos de impacto à saúde foram realizados de forma pioneira pelo médico professor György Miklós Böhm, presidente da Fundação Faculdade de Medicina de São Paulo e fundador do Laboratório de Pesquisa Atmosférica Experimental (LPAE), e seu então assistente professor Paulo Hilário Saldiva.

Ao longo desses 50 anos, descobriu-se que o etanol substituiu mais de 1 bilhão de toneladas de CO2 na atmosfera, substituiu mais de 4 bilhões de barris de gasolina num Brasil que conta com reservas de petróleo e derivados de 10,9 bilhões de barris, incluindo o pré-sal. E que economizou mais de US$ 740 bilhões em importações de gasolina, incluindo os juros da dívida externa evitada, um marco extremamente importante considerando que as reservas internacionais de divisas de US$ 353 bilhões são consideradas como a âncora da economia brasileira.

Superação pela definição da especificação do etanol que viabilizou a sua utilização em tecnologias modernas, que passaram a incorporar a injeção eletrônica direta. Pelo desenvolvimento

de engenharia automotiva, que permitiu elevar a taxa de compressão dos motores, viabilizando motores menores, mais potentes e com menores emissões. Pela criação do densímetro termocompensado pelo engenheiro Luiz Antônio Ribeiro Pinto, que encontramos em quase todos os pontos de abastecimento, que viabilizou o controle de teor alcoólico do etanol até a ponta do consumo final.

Superação do debate para incluir o etanol no mix dos combustíveis no período em que os preços de todos os combustíveis eram controlados. Superação do debate que chegou a incluir a hipótese, durante a década de 1990, de eliminação do uso do etanol puro (hidratado) como combustível.

A superação do desafio de enfrentar a liberação de preços e da comercialização de combustíveis antes tuteladas pelo governo, entre 1997 e 1999.

O desafio do crescimento em novas áreas de expansão agrícola, pioneiras, onde a cana-de-açúcar ainda não havia chegado, mas trazendo enorme transformação e desenvolvimento para o interior.

O desafio de desenvolver tecnologias nas áreas agrícola e industrial para aumentar a produtividade agroindustrial, que passou de meros 2.100 para mais de 7 mil litros de etanol hidratado equivalente por hectare. Desafio vencido de tornar o etanol competitivo com a gasolina em condições de livre mercado, sem subsídios, através da curva de aprendizagem.

E hoje, passados 50 anos, vemos o setor pronto para novos saltos e avanços no futuro, tendo como suporte legislações e regulações modernas como o RenovaBio, o Mover, o Paten, e a Lei

Combustível do Futuro.

Cinquenta anos de Proálcool que projetam o etanol como energia limpa de implementação imediata viável em várias partes do mundo, replicável, escalável, acessível em preço para o consumidor, com benefícios comprovados à saúde e ao meio ambiente, e que permite às montadoras de veículos alcançarem os mais rigorosos limites de emissão considerando o critério mais avançado de Avaliação do Ciclo de Vida.

Passados 50 anos, o etanol está mais vivo do que nunca com a integração entre a cana e o milho para sua produção.

Com a integração de cadeias produtivas de cana, milho, soja e pecuária que tem alavancado a produção conjunta de açúcar, grãos, e proteína animal pelo uso de coprodutos como o bagaço, o farelo de soja e de milho, conhecido como DDG/DDGS.

Não é mais possível analisar os biocombustíveis dissociados do sucesso na produção e exportação de proteínas vegetal e animal, seja ela bovina, suína, avícola e de ovos.

Com a oportunidade de novos mercados para combustível sustentável de aviação, substituição

de bunker no transporte marítimo, de substituição de etileno na produção de bioplásticos, e em breve a sua reforma para extração de hidrogênio próximo aos pontos de consumo.

Passados 50 anos de Proálcool, e 100 anos do USGA na Usina Serra Grande, a lição que fica é que com dedicação e espírito público, pensando sempre no que é melhor para o bem comum, é possível transformar um País e o destino de seu desenvolvimento.

Mais do que energia limpa impulsionadora da produção de alimento, os biocombustíveis se consolidam como um projeto integrado de desenvolvimento econômico, social e ambiental. É isso que todos os seus pioneiros projetaram e a todos eles devemos dedicar nossa grande homenagem e reconhecimento.

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