Edição 49#

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Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

venda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br

O TRATOR VIROU TECH

Máquinas agrícolas cada vez mais inteligentes revolucionam o campo

POTÊNCIA RENOVÁVEL

Com produção recorde, biodiesel aponta para um futuro mais verde

A VOZ DA CIÊNCIA QUEM É MARIANGELA HUNGRIA, A BRASILEIRA QUE VENCEU O NOBEL DO AGRO

CANNABIS EM PAUTA JUSTIÇA PODE DESTRAVAR CULTIVO E GERAR IMPACTO NA ECONOMIA E NA SAÚDE A FLORESTA RESPIRA NA COP30, UM PALCO PARA AÇÕES SUSTENTÁVEIS

ARROZ DO CERRADO

Goiás aposta na expansão de grãos de terras altas

O PODER DA INTELIGÊNCIA

A inteligência artificial (IA) deixou de ser uma promessa distante para se tornar onipresente na vida contemporânea. Ela está nos aplicativos de celular, nos sistemas bancários, nos serviços de atendimento ao cliente, nos diagnósticos médicos, nas ferramentas de busca, nos carros que dirigimos – e, cada vez mais, nas lavouras que alimentam o planeta.

Como aconteceu com a internet nas últimas décadas do século 20, a IA inaugura uma nova etapa do desenvolvimento humano, mas, desta vez, ainda mais transformadora. A comparação é inevitável, mas há uma diferença notável: enquanto a rede mundial conectou o mundo e democratizou o acesso à informação, a IA está moldando a forma como pensamos, criamos e tomamos decisões. A IA aprende, antecipa, adapta-se. Por isso, sua inserção nas mais diversas áreas do conhecimento tende a ser ainda mais impactante do que foi a internet.

Nenhum setor está imune a essa revolução. No agronegócio, motor essencial da economia brasileira, a IA já provoca mudanças significativas. Como demonstra a reportagem de capa da atual edição de PLANT PROJECT, a IA se tornou aliada das máquinas agrícolas. Tratores e colheitadeiras agora são capazes de operar com autonomia, reconhecer padrões no solo, ajustar em tempo real a aplicação de insumos e otimizar trajetórias com base em dados climáticos. Os ganhos em produtividade, economia de recursos e sustentabilidade são evidentes.

E há muito mais: sensores inteligentes monitoram a saúde das plantas, drones analisam lavouras com precisão milimétrica, algoritmos preveem pragas e doenças com antecedência. A IA, afinal, fez do campo um laboratório de alta tecnologia a céu aberto. Nesse contexto, o produtor que incorpora os recursos da nova era colhe inegável vantagem competitiva, enquanto o que resiste ao avanço tecnológico perderá relevância.

Não há como deter o curso da história. A IA não é um modismo, mas um instrumento poderoso que, se bem utilizado, pode impulsionar a humanidade a patamares inéditos de conhecimento. A alternativa a ela é a estagnação. Por isso, é preciso dizer com firmeza: a IA chegou – e é muito bem-vinda.

Boa leitura!

Minas Gerais marcou presença no maior evento de cultura agro do mundo: a AdeminasAgência de Desenvolvimento de Minas Gerais repete a parceria de sucesso com a Coocacer Araguari e Batatas Bem Brasil nesta nova edição do GAFFFF. E o resultado não poderia ser outro: um stand com muitas experiências gastronômicas e encontros produtivos. O agro segue firme e forte!

plantproject.com.br

Diretor Editorial

Amauri Segalla amauri.segalla@datagro.com

Diretor

Luiz Felipe Nastari

Comercial

Carlos Nunes carlos.nunes@plantproject.com.br

Sérgio Siqueira sergio.siqueira@plantproject.com.br

João Carlos Fernandes joao.fernandes@plantproject.com.br

Tida Cunha tida.cunha@plantproject.com.br

Arte

Thaís Rodrigues (Direção de Arte) Andrea Vianna (in memorian – Projeto Gráfico)

Colaboradores

Texto: André Sollitto, Evanildo da Silveira, Lucas Bresser, Marco Damiani, Mário Sérgio Venditti, Romualdo Venâncio e Ronaldo Luiz

Design: Bruno Tulini

Produção

Lau Borges

Revisão

Rosi Melo

Eventos

Luiz Felipe Nastari

Administração e Finanças

Cláudia Nastari

Sérgio Nunes

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G GLOBAL pág.8 A AGRIBUSINESS g pág. 21 F FRONTEIRA r pág. 73 W WORLD FAIR pág. 85 S STARTAGRO pág. 91 M MARKETS pág. 114 rA ARTE pág. 79

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Emergência

Produtores

europeus querem soluções para o desafio da crise climática

GGLOBAL

O lado cosmopolita do agro

GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

EUROPA

O CAMPO EM ALERTA

Novo estudo expõe as causas da revolta no setor agrícola europeu e aponta os caminhos exigidos pelos produtores para enfrentar a crise climática, o peso da burocracia e os desafios da produção sustentável

Desde o fim de 2023, a Europa vem sendo palco de uma onda crescente de protestos por parte de produtores rurais. As motivações variam de país para país: na Polônia, Romênia e Bulgária, as manifestações foram impulsionadas pela insatisfação com a entrada de grãos ucranianos no mercado local. Na Holanda, o estopim foi uma mudança nas regras para o uso de nitratos. Em boa parte do continente, contudo, o descontentamento se voltou contra novas exigências ambientais e de sustentabilidade.

Um estudo recente ajuda a lançar luz sobre as origens desse mal-estar e a apontar caminhos possíveis para a formulação de políticas públicas mais equilibradas. Encomendado pela multinacional CropLife e conduzido pelo instituto Ipsos, o relatório Farmers’ Horizon 2025 entrevistou 2 mil produtores de nove países da União Europeia e traça um retrato revelador do turbulento cenário agrícola europeu. Para 82% dos entrevistados, a principal fonte de insatisfação está nas dificuldades financeiras. Eles reivindicam melhor acesso a crédito e subsídios, além de uma distribuição mais equitativa dos lucros ao longo da cadeia de valor – são medidas vistas como essenciais para manter a atividade viável em tempos adversos, marcados pela guerra e pelo aumento dos custos logísticos.

A burocracia excessiva também é um ponto de atenção: 57% dos agricultores ouvidos pedem sua redução. Já um terço dos participantes destaca a necessidade de maior acesso a pesquisa e a ferramentas eficazes, sobretudo insumos para proteção de cultivos e tecnologias digitais. Há também um interesse evidente por soluções inovadoras, como sistemas de automação, imagens de satélite e ferramentas que auxiliam nas tomadas de decisão. O preço, no entanto, ainda representa uma barreira difícil de superar para a maior parte dos produtores.

As mudanças climáticas também figuram entre as principais fontes de preocupação para os produtores rurais. Para 26% dos entrevistados, eventos extremos como secas prolongadas, enchentes, nevascas e ondas de calor estão entre os cinco maiores desafios enfrentados pela agricultura hoje em dia. Além de comprometerem a produtividade, essas ocorrências afetam

diretamente a saúde financeira das propriedades. Nesse cenário, práticas como rotação de culturas, irrigação eficiente, agricultura regenerativa e monitoramento do solo despontam como alternativas viáveis. Para que essas soluções ganhem escala, no entanto, é fundamental que sejam economicamente acessíveis.

Apesar da complexidade do cenário, há sinais de esperança no horizonte. Após a onda de protestos entre 2023 e 2024, cerca de 40% dos agricultores afirmam ter percebido uma melhora na forma como a sociedade enxerga o trabalho no campo. No entanto, apenas 20% consideram que as autoridades responderam de forma adequada às demandas do setor. O relatório também revela que os produtores não são contrários às iniciativas de sustentabilidade: o que desejam, na realidade, é clareza sobre como as mudanças serão implementadas e apoio concreto para colocá-las em prática. A expectativa é que, com acesso facilitado ao crédito e às novas tecnologias, seja possível aumentar a produtividade de forma sustentável. Mas o recado é claro: se nada mudar, os agricultores estão dispostos a voltar às ruas.

CORRIDA CONTRA O TEMPO

Novos dados divulgados pela União Europeia indicam que o bloco deve alcançar uma redução de 54% nas emissões de gases de efeito estufa até 2030 – ou apenas um ponto percentual abaixo da meta oficial, de 55%. A projeção é vista como positiva, especialmente diante das pressões recentes de alguns países para frear as iniciativas ambientais. O esforço concentrado nos últimos dois anos tem rendido avanços expressivos, sobretudo no setor de energia. Em 2024, 24% da energia consumida na UE teve origem em fontes

renováveis, como a solar. A maioria dos países já se comprometeu a chegar a 2030 com pelo menos 42,5% da matriz energética composta por fontes limpas. No entanto, os setores de transporte e agricultura seguem como os principais entraves à descarbonização. O desafio, segundo críticos, é transformar os compromissos em iniciativas públicas eficazes e garantir que a preservação do clima global não se resuma a um discurso político vazio. Confira a seguir os principais dados do estudo:

Redução de emissões até 2030: Projeção de 54%, a apenas 1 ponto percentual da meta original de 55%

Energia renovável no consumo total (2024): 24% da energia consumida veio de fontes limpas, mas os países se comprometeram a atingir 42,5% até 2030

Impacto estimado dos carros elétricos: 20 milhões de toneladas de CO₂ devem ser evitadas até o fim de 2025

Meta para 2040: Reduzir em até 90% as emissões totais do bloco

*Fonte: National Climate and Energy Plans

Plant +

VELOS

LEVA CÉREBRO DIGITAL AO CAMPO

Com a solução REX, agtech cria sistema de telemetria que transforma máquinas agrícolas em equipamentos inteligentes, capazes de monitorar operações em tempo real e transformar dados em informações que facilitam o trabalho do produtor

Ocampo nunca foi tão conectado – e, ao mesmo tempo, tão rico na produção de dados. Com o avanço da agricultura digital, impulsionada por tecnologias como internet das coisas, machine learning e computação em nuvem, passou a ser possível medir praticamente tudo, do consumo de combustível à performance de cada máquina em operação dentro das porteiras. O desafio, no entanto, está menos na geração de informações e mais em como transformá-las em decisões úteis para a rotina das fazendas. “O nosso papel é justamente capturar esses dados e traduzi-los de forma simples para produtores que muitas vezes não têm familiaridade com esse tipo de tecnologia”, afirma Gilberto Girardi, CEO e fundador da Velos.

Na Velos, a resposta para esse desafio atende pelo nome de REX, uma solução de telemetria desenvolvida pela empresa que atua como um “cérebro” embarcado nos equipamentos agrícolas. Instalado em tratores, pulverizadores, colheitadeiras e implementos, o REX transforma máquinas comuns em equipamentos inteligentes, capazes de coletar, interpretar e transmitir dados operacionais em tempo real, mesmo em regiões com baixa conectividade.

Na prática, o sistema permite monitorar, minuto a minuto, tudo o que acontece no campo: se a máquina está ligada, em movimento, parada ou apenas funcionando sem produzir. A plataforma identifica automaticamente a atividade realizada, acompanha o deslocamento da frota, mapeia as áreas trabalhadas, captura o consumo de combustível e avalia a eficiência de cada operador. “Organizamos os dados e enviamos diariamente relatórios de desempenho para os gestores das propriedades”, afirma Girardi.

A plataforma permite, por exemplo, uma atuação rápida quando algo foge do padrão, como equipamento ocioso por tempo excessivo, desvio de rota ou pressão inadequada na pul-

verização. Nesses casos, o sistema emite alertas instantâneos, possibilitando correções em tempo real e evitando prejuízos. Em resumo: o REX torna visível o que antes passava despercebido. “É uma ferramenta que descomplica o trabalho no campo”, reforça Girardi.

O impacto no desempenho dos produtores é significativo. Os dados coletados ajudam a planejar melhor as operações, reduzir desperdícios, otimizar o uso de recursos e aumentar a produtividade – e sem exigir do produtor um conhecimento técnico avançado. Girardi destaca ainda que tecnologia embarcada no REX é compatível com qualquer tipo de máquina. Isso é especialmente importante para pequenos e médios produtores, que muitas vezes operam frotas diversas e não contam com estrutura de TI para integrar diferentes sistemas. “Nosso foco não é ser disruptivo, é ser inclusivo”, afirma o executivo.

Além disso, a solução permite a gestão centralizada de diversas fazendas ou unidades operacionais em um único painel, tornando-se ideal para grupos agrícolas, cooperativas e consultorias. Nesse sentido, a plataforma oferece dashboards com indicadores de desempenho segmentados por máquina, operador, talhão ou fazenda, o que facilita a padronização de processos e a comparação entre diferentes operações.

Para garantir a acessibilidade mesmo em áreas remotas, o REX armazena os dados localmente e os envia para a nuvem assim que houver conexão disponível. Isso evita perdas de informação e assegura a rastreabilidade completa das operações. “O sistema funciona mesmo em locais com baixa conectividade, porque sabemos que essa é a realidade de boa parte do agro brasileiro”, diz o fundador. Ao transformar máquinas em aliadas inteligentes, a Velos ajuda a promover uma agricultura cada vez mais eficaz.

REINO UNIDO

INSEGURANÇA NAS FAZENDAS

Agricultores britânicos vivem um clima de apreensão diante da crescente onda de crimes em áreas rurais. Um estudo da seguradora NFU Mutual revela que os roubos no campo aumentaram 168% em 2024 em comparação com o ano anterior. O valor total de bens levados – incluindo maquinário agrícola, tratores e animais – saltou de 800 mil para mais de 2,1 milhões de libras. Segundo o relatório, o perfil dos criminosos mudou: eles se tornaram mais organizados e violentos. Há

desde quadrilhas locais até grupos estruturados que furtam gado e ovelhas de alto valor para revenda em outros países, como na Irlanda do Norte. O impacto vai além dos prejuízos imediatos. As apólices de seguro dispararam, e agora os pequenos produtores buscam alternativas próprias para garantir a segurança. Câmeras, sistemas de vigilância e rastreamento individual de animais passaram a ser ferramentas indispensáveis no novo cenário de insegurança no campo.

ESTADOS UNIDOS

AGRO FORÇA RECUO DE TRUMP

Após intensificar as operações contra imigrantes ilegais em fazendas, o Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE) foi obrigado a recuar. As ações estavam afetando diretamente setores-chave da economia americana, como a agricultura. Documentos obtidos pelo jornal The New York Times revelam que executivos de alto escalão da agência decidiram flexibilizar as buscas em

pressão direta do presidente Donald Trump, que atendeu a pedidos de empresários desses segmentos. A justificativa dos empregadores foi clara: a política de tolerância zero à imigração irregular estava afastando trabalhadores qualificados e gerando lacunas difíceis de preencher. Em muitos desses setores, a mão de obra depende fortemente de imigrantes, mesmo aqueles que não estão com a docu-

Plant +

N AGREE ACELERA CRÉDITO RURAL COM TECNOLOGIA E OLHAR PERSONALIZADO

Agfintech ultrapassa R$ 800 milhões transacionados e lança plataforma digital que promete reduzir burocracias e encurtar o caminho entre produtores e instituições financeiras

o papel de executivas bancárias com mais de 15 anos de experiência no setor financeiro, Thays Moura e Rayssa de Melo viveram de perto as dificuldades enfrentadas por produtores rurais na hora de buscar recursos. Muitas vezes, o excesso de burocracia e a desconexão entre as informações que o banco solicitava e a realidade no campo representavam entraves insuperáveis para a efetivação do negócio. Foi a partir dessa vivência que elas decidiram criar em 2022, com investimento-anjo do fundo Bela Juju Ventures, a Agree, agfintech que nasceu justamente com a missão de conectar os agricultores às instituições que detêm os recursos capazes de impulsionar as atividades do agro. “Surgimos com o propósito de aproximar essas duas pontas”, diz Thays. “O nosso objetivo é facilitar o acesso ao crédito rural que o produtor precisa anualmente”, acrescenta Rayssa.

A proposta inovadora da Agree rendeu frutos. Nos primeiros dois anos de atividade, a empresa atingiu a marca de R$ 800 milhões transacionados, tendo um aumento de 150% no ano de 2024 em relação ao desempenho do ano anterior.

Os recursos liberados passaram por mais de 15 instituições financeiras – e significaram, ressalte-se, empréstimo liberado na conta do produtor. Chama a atenção também o fato de a empresa ter alcançado a marca mesmo em um cenário agrícola desafiador, de margens apertadas, juros elevados e aumento do número de recuperações judiciais no agro.

As sementes plantadas ao longo da trajetória da Agree levam agora ao próximo passo da empresa: o lançamento de uma plataforma digital própria voltada para simplificar e acelerar ainda mais as operações realizadas entre produtores e instituições financeiras. Entre outros atributos, a ferramenta oferece agilidade no envio de informações para os bancos.

Trata-se, de fato, de uma transformação na gestão do crédito rural. “O nosso compromisso é buscar a redução das tarefas manuais repetitivas que os agricultores têm ao enviar informações para cada banco, reduzindo erros com possíveis falhas humanas”, diz Thays. Além disso, conforme aponta Rayssa, a plataforma utiliza inteligência artificial para cruzar dados e elaborar uma análise de risco personalizada. No caso da Agree, a tecnologia também se traduz em ganho real de eficiência. Com a nova plataforma, o tempo médio da entrega dos documentos, elaboração e análise do cadastro do produtor rural, que antes podia levar até dez dias, a depender da complexidade e do tamanho do cliente, caiu para poucas horas. A agilidade não compromete a qualidade da análise. Pelo contrário: a ferramenta entrega aos parceiros financeiros informações mais estruturadas, completas e aderentes ao perfil de risco exigido por cada instituição.

Thays Moura e Rayssa de Melo, fundadoras da Agree

Apesar do avanço tecnológico que a plataforma traz, a Agree não abre mão do fator humano. “O agro ainda valoriza muito o relacionamento pessoal”, diz Thays. “Não adianta colocar uma plataforma no ar e não dar a atenção e a proximidade que o produtor precisa”, acrescenta Rayssa. A equipe comercial da Agree, composta também por pessoas formadas no mercado financeiro, continua visitando lavouras, validando dados e acompanhando o cliente ao longo do ano todo. “Esse cuidado é parte do nosso DNA”, diz Thays.

A empresa mira, ainda, duas novas frentes de crescimento: a expansão territorial – com a expectativa de atuar em novas regiões à medida que o uso da ferramenta ganhe escala – e o lançamento de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) próprio. A ideia é usar o fundo para assegurar maior agilidade nas transações. Quando um banco demorar na liberação do recurso, a operação poderá ser antecipada com recursos do FIDC e, depois, liquidada com o banco original. “Nosso compromisso é evoluir continuamente para facilitar o acesso ao crédito no campo, com tecnologia e foco nas necessidades dos produtores e parceiros”, conclui Rayssa.

ÁFRICA

TRADIÇÕES AMEAÇADAS

Todos os anos, muçulmanos do Norte da África – incluindo Marrocos, Argélia e Tunísia – celebram o Eid al-Adha, feriado religioso marcado pelo sacrifício de ovelhas em memória a uma passagem do Alcorão. No entanto, essa tradição milenar está sob ameaça devido aos impactos das mudanças climáticas. A seca prolongada tem reduzido drasticamente as áreas de pastagem natural, base da alimentação dos rebanhos criados soltos no campo. Com menos alimento disponível, os custos

de criação dispararam e, com eles, o preço dos animais. Em 2025, uma única ovelha pode custar até US$ 1,2 mil cerca de US$ 75 a mais do que no ano anterior, mesmo considerando pesos semelhantes. O valor é proibitivo em países onde a renda mensal média gira em torno de US$ 270. Para preservar o ritual religioso e atenuar o impacto econômico, autoridades locais anunciaram um plano emergencial de importação de ovelhas de outros países.

SÓ 5% DAS TERRAS RESISTEM

Um novo estudo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) revela o colapso do sistema agroalimentar em Gaza. Segundo o levantamento, apenas 5% das terras aráveis da região permanecem disponíveis para cultivo – trata-se de um sinal inequívoco do impacto devastador da guerra. Os ataques do exército israelense não têm atingido apenas alvos militares, mas também fazendas, estufas e fontes de água, agravando o risco iminente de fome em larga escala. De acordo com a FAO, mais de 80% das áreas cultiváveis foram danificadas, e cerca de 78% delas se tornaram inacessíveis para os agricultores. Atualmente, restam apenas 688 hectares (ou 4,6% do total de terras cultiváveis) disponíveis para uso.

“Este nível de destruição não é apenas uma perda de infraestrutura, mas representa um colapso do sistema agroalimentar de Gaza”, afirmou Beth Bechdol, diretora-geral adjunta da FAO, em entrevista à TV Al Jazeera.

Beckhauser: inovação que transforma a pecuária

beckhauser.com.br

Mais que tronco, mais que brete: becksafe®

Na Beckhauser, somos mais que fabricantes. Somos a força motriz que, a partir da inovação, alia produtividade ao cuidado. Nossos equipamentos vão além de troncos e bretes; eles representam um compromisso com o bem-estar dos animais, dos profissionais e do nosso planeta. E por isso ganharam até um nome próprio: Becksafe.

Inovar é nossa essência. É a vontade de fazer melhor em tudo sempre, promovendo uma pecuária produtiva e sustentável - ou, melhor, regenerativa - que retorna ao mundo o que o mundo nos oferece. O futuro exige cuidado e inovação: por isso afirmamos que é essencial produzir consciente pra seguirmos produzindo.

Descubra como a inovação e o bem-estar integral podem transformar sua produção. Visite nosso site!

FINLÂNDIA

PROTEÍNA DO ETANOL

A startup finlandesa Enifer acaba de fechar uma parceria estratégica com a FS, uma das maiores produtoras de etanol do Brasil, para produzir micoproteína a partir de resíduos industriais. O acordo marca a entrada da Enifer no mercado brasileiro e tem como foco transformar subprodutos da indústria do etanol em uma fonte sustentável de proteína para alimentação animal. A tecnologia desenvolvida pela Enifer permite o cultivo da micoproteína Pekilo a partir de resíduos ricos em açúcares, como os gerados durante a produção de etanol de milho. O projeto-piloto

será implantado em uma das unidades da FS, localizada em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, com possibilidade de expansão futura. A micoproteína pode reduzir a dependência de fontes tradicionais de proteína, como soja e farinha de peixe, contribuindo para cadeias mais sustentáveis. Segundo a FS, a iniciativa está alinhada com a estratégia da empresa de adotar soluções de economia circular. Já para a Enifer, a colaboração representa um passo importante na internacionalização da tecnologia e na ampliação de sua atuação global.

G

AR QUE VIRA ÁGUA

Criada para enfrentar a escassez de água em regiões atingidas por secas constantes, a startup francesa Kumulus Water desenvolveu uma tecnologia capaz de extrair água potável do ar. A proposta chamou a atenção de investidores e rendeu à empresa 3,1 milhões de euros em uma rodada de captação semente. Participaram do aporte o banco público francês Bpifrance, family offices da França e da África, além da Spadel, uma das principais marcas de água engarrafada da Europa. Os dispositivos da Kumulus funcionam com um sistema de captação e condensação atmosférica.

O ar entra por uma abertura traseira, é filtrado para remoção de poluentes e impurezas, condensado internamente e convertido em água. Em seguida, o líquido passa por um processo de filtragem com pedras naturais antes de ser armazenado em um tanque. Cada unidade é capaz de produzir entre 20 e 30 litros de água por dia e pode operar conectada à rede elétrica ou por meio de energia solar. Com os novos recursos, a Kumulus pretende desenvolver versões maiores dos equipamentos, voltadas ao uso comunitário em escolas, vilarejos e acampamentos humanitários.

Superpoderosas

Nova geração de máquinas agrícolas revoluciona a produção com tecnologia cada vez mais sofisticada

AGRIBUSINESS

Empresas e líderes que fazem diferença

Empresas e líderes que fazem diferença

NAS MÁQUINAS AGRÍCOLAS, A FORÇA DA INOVAÇÃO

EQUIPAMENTOS INTELIGENTES, CONECTADOS E SUSTENTÁVEIS

REDESENHAM O FUTURO DA ATIVIDADE RURAL E TRANSFORMAM

O PRODUTOR EM GESTOR DE DADOS NO CAMPO

As máquinas que trabalham no campo ganham autonomia progressiva, executando manobras sem intervenção humana

O som dos motores marca presença na paisagem rural brasileira, mas o que realmente move o campo atualmente é uma força ainda mais transformadora: a inovação. A imagem tradicional do trator robusto, operado com esforço físico, deu lugar a um cenário dominado por máquinas cada vez mais inteligentes, conectadas e autônomas. Equipamentos agrícolas modernos vêm embarcados com sensores, inteligência artificial e sistemas de telemetria que não apenas automatizam tarefas, mas também redesenham o papel do produtor rural, hoje em dia um gestor de dados capaz de tomar decisões em tempo real com base em variáveis cada vez mais complexas. O Brasil já ocupa a quarta posição no mercado global de tratores e colheitadeiras, atrás apenas de potências como Estados Unidos, China e Índia. Nesse contexto, a inovação embarcada nas máquinas não é apenas uma resposta à demanda por maior produtividade – ela se tornou, na verdade, a principal engrenagem do avanço no campo. Mais do que colocar máquinas na lavoura, o desafio agora é transformar o que elas são capazes de fazer. Os números mostram que, de fato, uma revolução está em curso. Um estudo realizado recentemente pelo Sebrae constatou que 84% dos agricultores brasileiros utilizam algum tipo de tecnologia digital em suas propriedades. Esse movimento acompanha o desempenho do setor de máquinas agrícolas, que cresceu 23% no acumulado do ano até maio em comparação com o mesmo período de 2024, segundo levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). O avanço é impulsionado pela pressão crescente por eficiência, pelo fortalecimento de linhas de crédito que facilitam a renovação da

frota e, num aspecto ainda mais importante, pela consolidação da agricultura de precisão. “A agricultura de precisão se consolidou como uma das principais ferramentas para garantir sustentabilidade e eficiência na produção”, diz Lucas Zanetti, gerente de Marketing de Produto da Massey Ferguson, marca do grupo AGCO

A modernização se dá em múltiplas frentes. As máquinas ganham autonomia progressiva, executando manobras e ajustando parâmetros sem intervenção humana. Tratores equipados com sensores adaptam a velocidade ao tipo de solo. Pulverizadores conectados leem as condições climáticas em tempo real e aplicam defensivos apenas nas janelas ideais. “A automação já não é promessa: é realidade”, diz Zanetti. “E a inteligência artificial potencializa essa mudança.”

A evolução tecnológica também avança na eficiência energética. Um exemplo é o MF 8S, da Massey Ferguson, que combina telemetria com um motor de baixo consumo. O conjunto com a plantadeira Momentum permite semear com precisão milimétrica, otimizando insumos e evitando sobreposições. Por sua vez, o sistema Apply Granular reduz em até 50% a aplicação de fertilizantes, com ganhos ambientais e econômicos.

Marcas como a Fendt têm reforçado essa abordagem com soluções voltadas à descarbonização. A Fendt apresentou recentemente o trator 728 Vario Gen7, equipado com o motor AGCO Power Core75, que opera com combustíveis alternativos como HVO, etanol e biogás. “A descarbonização não é apenas uma tendência, mas um imperativo do mercado”, afirma Fernando Silva, coordenador comercial da AGCO Power. A eficiência energética também se estende à colheitadeira Ideal 25, projetada para operar a

Pulverizador MF 500 R da Massey Ferguson: a agricultura de precisão traz sustentabilidade para o campo

O AGRO BRASILEIRO SE TORNOU UM POLO DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

1.900 rpm com menor consumo de combustível e longos intervalos entre manutenções. Mais do que motores potentes, as máquinas trazem inteligência embarcada. A Ideal 25 integra sistemas como o AirSense, que evita superaquecimento, e o AutoTurn, que realiza manobras automaticamente. Segundo a marca, essas tecnologias aumentam a produtividade e reduzem a fadiga do operador.

A inovação é uma característica das diversas marcas do grupo AGCO. A Valtra, por exemplo, lançou a Série S6, com tratores de até 425 cv voltados a operações pesadas como cana e grãos. A barra de pulverização de 42 metros da linha R, feita com aço, alumínio e fibra de carbono, reduz peso e custos de manutenção. E a marca aposta no consórcio como alternativa de financiamento – a modalidade cresceu 30% em cinco anos, com 800 contemplações apenas nos últimos dois.

O agro brasileiro se tornou, de fato, um polo de inovação tecnológica. Em Horizontina (RS), a fábrica da John Deere, considerada um dos berços da mecanização agrícola no País, passou por uma ampla transformação para atender à nova era da agricultura digital. Após um período de desaquecimento em 2024, que incluiu suspensão temporária da produção, a unidade foi revitalizada com a instalação de uma rede privada 5G, iniciativa que colocou a planta entre as mais modernas da companhia no mundo. A conectividade permitiu integrar dados em

tempo real à linha de produção e ampliar a automação industrial.

Com cerca de 1,5 mil funcionários, a fábrica retomou operações em três turnos e voltou a produzir modelos estratégicos como as plantadeiras Série 1200 e 3100, voltadas à agricultura de precisão. “Esse mercado é cíclico”, diz Sandro Bertagnolli, gerente operacional da unidade. “Quando retoma, retoma com força.” O otimismo com o setor agrícola também se refletiu no lançamento da colheitadeira S7, equipada com tecnologias preditivas de velocidade, que ajustam automaticamente o deslocamento da máquina antes mesmo do corte, e com sistemas inteligentes que configuram os parâmetros operacionais com base na cultura, no solo e na localização geográfica. O resultado é um salto de até 10% na qualidade dos grãos e redução equivalente nas perdas.

Enquanto algumas fabricantes investem em máquinas de alta potência, empresas como Mahindra e Agritech têm ampliado seu protagonismo com foco na agricultura familiar. Em pequenas propriedades, especialmente aquelas com até 20 hectares, a demanda é por soluções simples, robustas e de manutenção acessível, características que têm guiado os lançamentos das duas empresas.

Na Agrishow 2025, a Mahindra apresentou uma linha voltada ao pequeno e médio produtor, incluindo o trator OJA 3140, de 40 cv, projetado

para atender culturas hortícolas, e a retroescavadeira VX90. A empresa também mostrou uma plantadora de batatas e reforçou a oferta de tratores na faixa de 25 a 110 cv, com destaque para o modelo 8110, fabricado no Brasil. A proposta da marca indiana é combinar economia de combustível, robustez e facilidade de operação com as realidades do campo brasileiro. “Queremos oferecer soluções adaptadas ao pequeno produtor”, afirma Jak Torretta, presidente da Mahindra no Brasil.

A Agritech, tradicional fabricante nacional com foco na agricultura familiar, lançou os microtratores AF14 e AF14 S. Compactos e versáteis, os modelos têm 14 cv de potência, câmbio com nove marchas e a possibilidade de operação como motores estacionários para

bombas, geradores ou picadeiras. O modelo AF14 S traz ainda uma enxada rotativa acoplada. Ambos se apresentam como alternativa acessível para agricultores que buscam mecanização inicial. “É uma porta de entrada para o pequeno agricultor na mecanização de qualidade”, diz Cesar Roberto Guimarães de Oliveira, gerente de Vendas e Marketing da Agritech. A atenção às necessidades do pequeno produtor também tem impulsionado inovações no segmento de equipamentos portáteis e de aplicação localizada, área em que a Jacto tem se destacado. Durante a Hortitec 2025, realizada em Holambra (SP), a empresa apresentou uma série de lançamentos voltados à horticultura e fruticultura, com foco em conforto, eficiência e tecnologia de dados. Um dos destaques foi o

© Divulgação

Reportagem de Capa

AS MARCAS TRAZEM MOTORES POTENTES E TECNOLOGIA EMBARCADA

pulverizador a bateria SB-20D, que se diferencia pela redução de até 30% da carga sobre os ombros, graças a um sistema de cintas e base acolchoadas.

A marca também lançou o DJB-S, primeiro pulverizador costal com geração de mapas e relatórios de aplicação georreferenciados via smartphone, uma inovação voltada à rastreabilidade e ao controle preciso do uso de insumos em pequenas áreas. Completando a linha, o SB-18P, com dupla bateria de lítio-íon, oferece maior autonomia e vazão, ideal para longas jornadas no campo. Além dos pulverizadores, a Jacto

reforçou sua linha de equipamentos de poda com tesouras de alta durabilidade, machados com cabo de fibra de vidro e acessórios projetados para garantir aos produtores conforto no uso contínuo do equipamento.

Na esteira do avanço tecnológico, a conectividade tornou-se a ferramenta que integra todas as soluções voltadas para o campo, das mais simples às mais complexas. Para máquinas cada vez mais inteligentes e autônomas, operar desconectado é praticamente inviável. É nesse contexto que a CNH Industrial deu um passo

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Colheitadeira ideal da Fendt: projetada para operar com menor consumo de combustível e longo intervalo entre manutenções

estratégico ao firmar parceria com a Starlink, da SpaceX, gigante que pertence ao bilionário Elon Musk, levando internet via satélite às máquinas das marcas Case IH, New Holland e Steyr. Com cobertura em áreas remotas e baixa latência, a conexão garante comunicação em tempo real entre máquinas e plataformas digitais como o FieldOps, permitindo gestão agronômica à distância, atualizações remotas e integração com sistemas de prescrição. Um exemplo prático está na pulverização inteligente: imagens de drones processadas pelo sistema FieldXplorer viram mapas de aplicação que são transmitidos quase instantaneamente às máquinas que estão em operação no campo, permitindo respostas rápidas ao aparecimento de plantas daninhas e

otimizando o uso de insumos.

A revolução tecnológica no campo brasileiro não é mais uma aposta de futuro, mas uma realidade que se consolida a cada safra, transformando profundamente o modo de produzir. A mecanização, aliada à inteligência artificial e à conectividade, torna possível enfrentar os grandes desafios da agricultura: aumentar a produtividade sem ampliar a área plantada, reduzir o impacto ambiental das atividades no campo, lidar com eventos climáticos extremos e manter a competitividade global. Tudo isso enquanto o trator segue seu curso pela lavoura – agora não mais como símbolo de força bruta, mas de uma agricultura cada vez mais conectada, eficiente e inteligente.

Tecnologia

PAPO RETO ENTRE AS MÁQUINAS

O SISTEMA ISOBUS APRIMORA O DIÁLOGO

ENTRE TRATORES E IMPLEMENTOS DE MARCAS DIFERENTES E PROPORCIONA GANHOS QUE VÃO DO DESEMPENHO OPERACIONAL À GESTÃO DAS FAZENDAS

Por Romualdo Venâncio

padronizando a conexão entre equipamentos de diferentes fabricantes. Quem viveu aquele momento certamente vibrou com tal versatilidade ao conectar seus dispositivos eletrônicos, uma praticidade que evoluiu para a transferência de dados e até de energia, incluindo o carregamento de baterias. Agora, cenário semelhante vem sendo construído no segmento de máquinas agrícolas com o protocolo universal ISOBUS, que possibilita o “diálogo” entre tratores e implementos de montadoras distintas, por meio da transferência de dados entre sistemas e softwares.

Dessa forma, o operador pode controlar o conjunto de máquinas a partir de um único

nave espacial”, diz o pesquisador da Embrapa Instrumentação, Ricardo Inamasu. Segundo o especialista, até mesmo a decisão dos investimentos em maquinário é beneficiada, pois o agricultor não precisa ser frotista de uma só marca nem lidar com uma “Torre de Babel”, com equipamentos de diferentes fabricantes e que não se entendem.

Esse desafio de comunicação levou ao surgimento da tecnologia ISOBUS, regulamentada pela Norma ISO 11783, publicada em 2007 e estabelecida pela Agricultural Industry Electronics Foundation (AEF), entidade global sediada na Alemanha que conta com membros de vários países, inclusive do Brasil. A iniciativa

Com o sistema ISOBUS , o operador pode controlar o conjunto de máquinas a partir de um único painel digital

protocolo ISOBUS em língua portuguesa foi publicada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) em 2012.

A solução é inspirada no sistema CAN bus (Controller Area Network), um padrão de comunicação entre veículos que permitiu substituir uma grande quantidade de fios individuais por um único par de fios para transmitir mensagens entre todos os dispositivos interligados. Além de otimizar a transmissão de dados, a mudança diminuiu o peso dos veículos e reduziu custos. No caso do ISOBUS e das máquinas agrícolas, abre-se ainda mais caminho para a aplicação da IoT, a inteligência das coisas.

Guilherme Rodrigues, da Kuhn: "Hoje em dia, os jovens estão na hype de trabalhar com a engenharia na agricultura"

Mais do que uma linguagem universal entre máquinas, o ISOBUS é visto como um passaporte definitivo para a agricultura digital e de precisão. “Isso porque possibilita a utilização de tecnologias relacionadas a essas duas áreas”, afirma o gerente de Marketing e Produtos para América Latina da Fendt, Elizeu dos Santos. Estima-se que, no Brasil, 20% das máquinas agrícolas já utilizem esse protocolo, parcela que tende a crescer. A Fendt, marca do grupo AGCO, já traz todos seus equipamentos dotados de ISOBUS. “Do ponto de vista de negócio, também é benéfico, pois oferecemos equipamentos que podem trabalhar com outras marcas. O agricultor tem mais liberdade”, avalia o executivo. Na opinião de Santos, a consolidação dessa plataforma é inevitável. “O mundo vai para um caminho no qual é praticamente impossível fazer tudo sozinho”, diz, acrescentando que o Brasil evolui em sintonia com o que ocorre globalmente.

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Elizeu dos santos, da Fendt:

"O ISOBUS possibilita o uso de tecnologias para a agricultura digital e de precisão"

O especialista de Marketing e Produto da PTx Trimble, Bruno Sartori, reforça essa ideia, dizendo já não haver delay entre o lançamento das novidades em outros países e por aqui. “Antes, existia a ideia de recebermos tecnologia que já era ultrapassada lá fora. Hoje é diferente, a democratização das soluções é muito mais rápida”, afirma.

Entre as vantagens do protocolo ISOBUS está o melhor aproveitamento da telemetria, que viabiliza a visualização e o processamento das informações em tempo real e permite acompanhar o desempenho dos equipamentos de qualquer lugar, além de gerenciar a manutenção preventiva, entre outras ações.

Nesse ponto, a mudança de mentalidade do agricultor quanto ao uso da tecnologia faz muita diferença. “A telemetria não é um dedo-duro, mas uma ferramenta para mostrar se a máquina está entregando o que se espera, para dizer se o agricultor consegue extrair o máximo de seus equipamentos”, diz o especialista de Produto de Plantio e Semeadoras da Kuhn, Fabricio Crestani. Esse avanço depende, no entanto, de uma conectividade mais abrangente e da maior disponibilidade de sinal de internet pelo País. Com isso, a vantagem será bem maior, sobretudo para grandes extensões. “Pensando em um talhão de longa distância, a exemplo de Mato

© Divulgação

Ainda que o protocolo ISOBUS em si não tenha dependência direta da internet, a conexão é essencial para a telemetria

Grosso, você nem vê o maquinário trabalhando. Muitas vezes, sabe onde está por causa da poeira que levanta”, diz Inamasu, da Embrapa.

Ainda que o protocolo ISOBUS em si não tenha dependência direta da internet, a conexão é essencial para a telemetria. Crestani é otimista quanto à abrangência da cobertura de sinal de banda larga, apesar da ampla extensão territorial do Brasil e de ainda haver muitas áreas isoladas, principalmente na Região Norte. “Têm aumentado os investimentos no segmento e as parcerias para fornecer conexão”, afirma o executivo da Kuhn, empresa que é membro fundadora do Competence Center ISOBUS (CCI).

O CCI foi criado em 2009, por diversos

fabricantes, com o intuito desenvolver soluções inovadoras dedicadas ao protocolo ISOBUS, especificamente para o controle de equipamentos, como terminais e joysticks, além de softwares para automatizar funções via GPS, atendendo as demandas tecnológicas para a agricultura de precisão e o registro de trabalho.

Dispositivos como as antenas de GPS, essenciais para o processo de geolocalização e de automação, ganharam espaço também no processo de evolução do ISOBUS. “Temos pelo menos seis produtos que atendem as normas ISOBUS”, afirma o diretor de Engenharia para Agricultura na divisão de Autonomy & Positioning da Hexagon, Adriano Naspolini. As

Fabricio Crestani, especialista de produto de plantio: "A telemetria mostra se a máquina está entregando o que se espera"

antenas de GPS são destaque entre os itens citados pelo executivo.

Segundo Naspolini, a Hexagon é uma das empresas que integram a iniciativa do conceito ISOBUS junto à AEF. “Temos muito engajamento em relação à tecnologia, inclusive com dois membros que participam diretamente das reuniões”, diz, destacando que a entidade já trabalha de forma intensa nos próximos temas relacionados ao uso desse protocolo. “O grupo está envolvido em definir quais são os limites da aplicação da autonomia nos veículos. Há um grau de dificuldade em relação à engenharia que uma empresa sozinha não seria capaz de resolver”, acrescenta. O desenvolvimento passa ainda pela integração das inteligências.

A Fendt e o Grupo AGCO têm estreita relação com a AEF, tanto que seus representantes acompanham de perto a entidade para entender a direção dos passos futuros. Santos lembra que algumas discussões em andamento podem, por exemplo, levar à automação total do maquinário. Outra pauta é o aumento da velocidade na comunicação. “Essa maior agilidade pode ser decisiva, por exemplo, no caso da necessidade de uma parada imediata da máquina, por causa de uma pedra ou um buraco”, afirma. Daí o avanço para o High Speed ISOBUS (HSI), conceito apresentado em 2022 que se encontra em estágio avançado de desenvolvimento, sendo inclusive implantado em sistemas agrícolas de última geração.

Um desafio considerável para o máximo aproveitamento dessa revolução tecnológica está na preparação da mão de obra, ou seja, na capacitação de quem vai lidar com tantas novidades. Sartori chama a atenção para a necessidade do equilíbrio entre o patamar tecnológico do maquinário da fazenda, o nível da complexidade dos processos e o potencial dos operadores. “É preciso investir bastante em treinamento”, diz o executivo da PTx Trimble. Se essa relação for tratada com a devida atenção, o desafio tende a se transformar em oportunidade – a começar pelo

melhor desempenho, com resultados superiores na mesma área, o que se traduz em sustentabilidade da fazenda.

Outro ponto favorável é a relação entre o avanço tecnológico e as gerações de agricultores, conforme aponta o analista de Engenharia de Produtos da Kuhn, Guilherme Rodrigues e Silva: “Antigamente, o que mais se via era o agricultor operando suas máquinas, enquanto os filhos buscavam faculdades de engenharia para se tornarem desenvolvedores de tecnologia, com o intuito de estar um passo à frente. Hoje, esses jovens estão na hype de trabalhar com a engenharia na agricultura”.

O avanço do ISOBUS pode ainda ampliar o mercado para novos profissionais e pequenas empresas. A existência de um padrão de comunicação aumenta as chances de uma fábrica menor de implementos, com pouca gente, colocar seus produtos em um cenário no qual grande parte está buscando a automatização. “Se uma nova startup decide fazer uma plantadeira com ferro dobrado, que é comum hoje, terá muito mais chances de conquistar mercado se tiver esse protocolo”, diz Naspolini. “Mesmo que compre a tecnologia de outra empresa.” Um ponto comum na opinião dos especialistas é o vasto horizonte para a expansão do ISOBUS, com saltos significativos nos próximos anos. E a quase obrigatoriedade de os profissionais do campo embarcarem nessa transição.

Para o movimento ganhar mais força e velocidade, é preciso concentrar os esforços. O pesquisador da Embrapa Instrumentação aposta na construção de um centro nacional de inteligência sobre o ISOBUS como solução. “Seria importante a criação de um mutirão, um grupo que formasse um centro de pesquisa, junto com a academia e com investimento de empresas”, diz Inamasu. Segundo o especialista, esse passo conduziria à integração da gestão agronômica à operacional. Agilidade é uma variável importante nessa equação, porque a era da informação não pode esperar.

O AVANÇO DO ISOBUS PODE AMPLIAR O MERCADO PARA NOVOS PROFISSIONAIS”

Ricardo Inamasu, da Embrapa: "Se o agricultor tiver seis implementos, a cabine do trator vai parecer uma nave espacial"

O AGRO NA VITRINE GLOBAL

O BRASIL CHEGA À COP30 COM EXEMPLOS CONCRETOS DE PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL, TECNOLOGIAS DE MONITORAMENTO AMBIENTAL E PRÁTICAS

REGENERATIVAS QUE CONCILIAM DESENVOLVIMENTO E PRESERVAÇÃO DA AMAZÔNIA

Apoio

Amaior vitrine global de soluções sustentáveis está aberta para o agronegócio brasileiro. Na COP30, que será realizada em novembro em Belém, empresas nacionais terão a oportunidade de se conectar com líderes de governo, executivos de grandes grupos internacionais e formadores de opinião que influenciam os principais mercados consumidores do mundo. É um momento crucial para firmar parcerias e atrair investimentos em cadeias produtivas de baixo carbono.

Um estudo da consultoria Fundamento, intitulado “Na Trilha da COP: Uma visão corporativa dos desafios climáticos”, mostra que 72% dos 518 executivos consultados acreditam que a conferência aumentará o protagonismo do Brasil em soluções verdes. Entre os entrevistados, 60% planejam participar do evento como ouvintes ou expositores de seus próprios casos de sustentabilidade.

A delegação brasileira estará munida de bons exemplos. “Vamos mostrar sustentabilidade na pecuária, tecnologias para recuperação de pastagens, cultivo de grãos com menor emissão de carbono, agroenergia, fruticultura sustentável e a cadeia do café”, afirma Bruno Lucchi, diretor técnico da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

Para Marcos Da-Ré, diretor do Centro de Economia Verde da Fundação Certi (Centro de Referência de Tecnologias Inovadoras), o encontro da ONU será um divisor de águas na atualização das demandas globais por soluções produtivas sustentáveis, especialmente na produção de alimentos. “Essa é uma oportunidade única de os produtores brasileiros estarem frente a frente com tomadores de decisões do mundo inteiro”, diz ele. “Quem perder essa oportunidade está perdendo uma chance de se alinhar ao contexto que vai ser a tendência do futuro.”

Um dos principais nomes brasileiros em termos de proteção da floresta é a Agropalma, empresa referência mundial na produção sustentável de soluções com óleo de palma. Com sede no município de Tailândia (PA), a companhia não apenas mantém 64 mil hectares de reserva florestal preservada como também investe em tecnologias de monitoramento climático e prevenção de incêndios que estão transformando a gestão ambiental na Amazônia.

Em parceria com a Climatempo, maior empresa de meteorologia e consultoria climática da América Latina, a Agropalma implementou o sistema SMAC (Sistema de Monitoramento e Alerta

Para 72% dos executivos brasileiros, a conferência aumentará o protagonismo do País em soluções verdes

Climatempo). A plataforma fornece previsões climáticas em tempo real e alertas precisos sobre eventos extremos, como queimadas – uma inovação que faz a diferença na proteção da floresta. “Diferentemente de outras plataformas públicas, o SMAC direciona e fornece informações específicas sobre queimadas nas nossas áreas agrícolas e de reserva”, diz Anderlon Andrade, coordenador técnico em Agricultura de Precisão da Agropalma.

O sistema já conta com 16 pontos de monitoramento no estado do Pará, sendo oito dentro da propriedade da empresa e outros oito em municípios estratégicos como Acará, Baião, Cametá, Igarapé-Miri, Mocajuba, Moju, Tailândia e Tomé-A-

çu. Cada estação cobre um raio de até 10 quilômetros e envia, automaticamente, alertas sobre focos de calor detectados via satélite, que são respondidos por brigadistas treinados e equipados com caminhões-pipa, tratores de esteira, bombas costais e câmeras de vigilância. “Manter o compromisso com a sustentabilidade é uma das prioridades da Agropalma, e isso inclui contribuir com a Amazônia de pé. Por isso, identificar de forma rápida um incêndio, esteja ele dentro dos nossos limites ou não, e combatê-lo é uma parte importante dos nossos esforços”, afirma Caio Rodrigues, engenheiro ambiental da empresa.

A tecnologia da Climatempo se mostra ainda mais crucial durante o verão amazônico, entre

Uma parceria entre a Agropalma e a Climatempo fornece previsões climáticas em tempo real, o que ajuda a proteger a floresta

julho e novembro, quando as temperaturas sobem e as chuvas diminuem, criando o ambiente ideal para queimadas. Segundo Eliana Gatti, executiva da Climatempo Infra, “o agronegócio não olha apenas as informações momentâneas, mas sim o longo prazo”, o que torna a personalização dos dados uma ferramenta essencial. Além dos benefícios ambientais, o sistema impacta diretamente a produtividade e o planejamento agrícola. “A produção do óleo está diretamente relacionada ao clima”, diz Andrade. “Antes da implementação desse projeto, as informações eram imprecisas, baseadas somente em dados do passado utilizados para tentar prever o comportamento

futuro do clima. A SMAC nos fornece informações a respeito do futuro com base na análise do passado, mas com foco nos dados meteorológicos fornecidos por satélites.”

A Agropalma também compartilha os dados do SMAC com pequenos produtores (374 agricultores familiares e 63 integrados) que participam do seu Programa de Agricultura Familiar e Integrada. O objetivo é capacitá-los a proteger suas áreas contra incêndios e melhorar o planejamento do cultivo. As iniciativas fazem parte da estratégia de desenvolvimento social da companhia, que visa gerar impacto ambiental positivo e fortalecer a segurança alimentar e produtiva das comunidades locais.

A Cop30 é uma chance de ouro para o agro do Brasil mostrar ao mundo que produz exemplos concretos de sustentabilidade

O Brasil se tornou palco de iniciativas importantes de preservação. A 3Tentos, comercializadora de grãos e insumos, levará à COP o seu Selo Carbono, programa que já beneficiou mais de 400 propriedades no Rio Grande do Sul. O projeto promove práticas regenerativas e reduziu a pegada de carbono da soja para abaixo das médias nacional e global. Também é notável a rede ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta), que já cobre 17,4 milhões de hectares no Brasil. “A integração agrega valor à produção e dispensa desmatamento, basta recuperar áreas degradadas”, diz Francisco Matturro, presidente da rede que reúne gigantes como Bradesco, John Deere, Suzano e Minerva Foods.

No terreno internacional, corporações ligadas diretamente ao agro, e também companhias especializadas em logística, infraestrutura, mobilidade e finanças já confirmaram presença no evento. Entre elas, Bayer, Siemens, Toyota, Mapfre e Microsoft, cujos planos serão apresentados pelo fundador Bill Gates. Em um movimento de aproximação com a população do Pará, o chefe de Sustentabilidade da PepsiCo, Jim Andrew, organizou um encontro pessoal

com lideranças indígenas para troca de informações sobre práticas sustentáveis.

Do lado brasileiro, a maior estrutura para a representação comercial do agronegócio na COP30 está sendo montada pela Embrapa. A estatal irá estabelecer uma AgriZone, “a casa da agricultura brasileira”, para apresentação de soluções sustentáveis em sua sede Amazônia Oriental, de 3 mil hectares, a menos de 2 quilômetros da área de reuniões da Conferência da ONU. “Vamos mostrar desde a produção sustentável de culturas regionais até soluções das grandes empresas”, diz o chefe da Embrapa em Belém, Walkymário Lemos. “Abrimos um edital para os produtores interessados em apresentar suas práticas de sustentabilidade participarem dos painéis que iremos promover na COP”, acrescenta.

A presença brasileira na COP30 é uma chance de ouro para mostrar ao mundo que o agronegócio do País produz exemplos concretos de sustentabilidade, inovação e regeneração ambiental. Com tecnologia, parcerias estratégicas e envolvimento comunitário, é possível manter a floresta em pé e gerar desenvolvimento.

9.749 pessoas em 33 comunidades com 1 certeza:

o futuro que desejamos nós fazemos hoje, juntos

Guiados pelo compromisso com o planeta e as pessoas, buscamos no diálogo e na colaboração com a população as soluções para promover o desenvolvimento socioeconômico das comunidades do nosso entorno com a preservação da floresta e da biodiversidade na Amazônia. Assim nasceu o SOMAR, nosso programa de responsabilidade socioambiental.

Implementado em 2023 em parceria com a Earthworm Foundation e o apoio do Instituto Peabiru como uma evolução das nossas estratégias de gestão socioambiental na região, o SOMAR já propiciou importantes melhorias nas áreas de educação, infraestrutura, meio ambiente, saúde e bem-estar. E assim seguirá avançando – e provando, como acreditamos, que é possível criar valor sem destruir.

Alan e Antonio Gabriel, netos da dona Lucineia, da comunidade Cipoteuá (PA)

UMA VIDA DEDICADA À CIÊNCIA

Quem é Mariangela Hungria, vencedora do World Food Prize, o “Nobel da Agricultura”, por seu trabalho de 30 anos nas pesquisas de novas técnicas para combater a fome mundial

Escrito em 1926 pelo microbiologista americano Paul Henry de Kruif, o livro Caçadores de Micróbios transformou-se em peça obrigatória na estante de uma geração de futuros médicos e cientistas. Entre eles, estava uma criança brasileira de 8 anos, que, fascinada com as histórias de pesquisadores dedicados ao combate de doenças infecciosas, resolveu trilhar o mesmo caminho.

Dona Edina, a avó que presenteou a menina Mariangela Hungria da Cunha com o clássico, era professora de Ciência, mas mal podia imaginar que seria responsável pelo impulso decisivo para definir a trajetória profissional da neta. Felizmente, ela teve tempo de acompanhar muitas conquistas de Mariangela antes de morrer, há 20 anos.

Nascida em São Paulo há 67 anos e criada na cidade paulista de Itapetininga, Mariangela Hungria tornou-se uma celebridade da comunidade científica mundial e já perdeu a conta dos prêmios que recebeu ligados à sustentabilidade

na agricultura, como o Frederico de Menezes Veiga, concedido a quem se destaca no campo da pesquisa agropecuária, e o Prêmio Mulheres e Ciência, promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A principal honraria, porém, foi anunciada em 13 de maio. A pesquisadora da Embrapa Soja conquistou o World Food Prize (WFP), o Prêmio Mundial da Alimentação, considerado o “Nobel da Agricultura”. “É areia demais para o meu caminhãozinho”, brinca a cientista. “Nunca imaginei alcançar um degrau tão alto, ainda mais em um país sem tantos recursos para pesquisas e com tantas dificuldades para manter as equipes.”

Ela prossegue: “A premiação celebra o empenho da ciência brasileira por uma agricultura mais sustentável. Chegamos até aqui graças ao trabalho contínuo de meio século de pesquisas.”

O reconhecimento na edição 2025 do WFP é fruto, de fato, do incansável trabalho de 30 anos de Mariangela no desenvolvimento de insumos

biológicos para a agricultura, no sentido de melhorar a qualidade, quantidade e disponibilidade de alimentos no mundo.

Ela soube da premiação em fevereiro, quando recebeu uma ligação de Mashal Husain, presidente da Fundação World Food Prize. No início da conversa, achou que estava sendo convidada para uma palestra e ficou feliz com a distinção. “Quando estou contente, falo pelos cotovelos e demorou para cair a ficha do real motivo do contato”, diz. Entre uma respiração e outra, a interlocutora achou a brecha. “Calma, você terá a chance de falar à vontade, não em uma palestra, mas na solenidade de entrega do prêmio que você acaba de ganhar.”

Quando entendeu exatamente do que se tratava, Mariangela começou a chorar e, a pedido de Husain, prometeu manter a informação em segredo até o anúncio oficial. Agora, ela já prepara o emocionado discurso que fará na cerimônia em Des Moines, capital do estado de Iowa, nos Estados Unidos, em 23 de outubro. Em posse da premiação de US$ 500 mil e da escultura criada pelo designer Saul Bass, a cientista prestará homenagem às mulheres que, muitas vezes, têm papéis invisíveis em suas pesquisas voltadas à agricultura.

Graduada em Engenharia Agronômica na Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo), com mestrado em Solos e Nutrição de Plantas, doutorado em Ciência do Solo e pós-doutorado em três universidades (Universidade Cornell, Universidade da Califórnia em Davis e Universidade de Sevilha), Mariangela ingressou na

Mariangela foi classificada entre os 100 mil cientistas mais influentes do mundo segundo estudo da Universidade Stanford ( EUA )

Embrapa em 1982 e, nove anos depois, passou a atuar na Embrapa Soja, em Londrina (PR).

Os títulos vieram um atrás do outro e seriam suficientes para ornamentar uma parede inteira de diplomas e certificados, expressando a relevância do trabalho da pesquisadora. Ela é comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico e integrante da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Brasileira de Ciência Agronômica e da Academia Mundial de Ciências. No ambiente acadêmico, é professora e orientadora da pós-graduação em Microbiologia e em Biotecnologia na Universidade Estadual de Londrina. Além disso, sua experiência também é requisitada pela Sociedade Brasileira de Ciência do Solo e Sociedade Brasileira de Microbiologia.

Com a autoridade de quem foi classificada entre os 100 mil cientistas mais influentes do mundo – segundo o estudo da Universidade Stanford (EUA), em 2020 –, Mariangela também já participou por dez anos do comitê coordenador do projeto N2Africa, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates para projetos de fixação biológica do nitrogênio em solos africanos.

Tanta vivência e o respeito que desperta no meio científico global ajudam a pesquisadora a transitar em um cenário polarizado. “Vivo em um ambiente muito polêmico, partidário mesmo. Desde o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) até o superagronegócio, é tudo extremo. Mas há uma linha comum que une esses setores: hoje, todos buscam a sustentabilidade”, afirma.

A sustentabilidade na produção de alimentos permeia as pesquisas bem-sucedidas de

Mariangela Hungria, que desenvolveu sistemas de fixação de nitrogênio no solo no cultivo da soja. De acordo com a Embrapa, a técnica fez o Brasil economizar entre US$ 25 bilhões e US$ 40 bilhões por ano na compra de fertilizantes e insumos, além de aumentar a produtividade das lavouras. O meio ambiente também agradece. No ano passado, por exemplo, 230 milhões de toneladas de CO₂ deixaram de ser emitidas na atmosfera graças à redução no uso de fertilizantes. “Atualmente, a solução é empregada em 40 milhões de hectares cultivados no País”, comemora.

O resultado das pesquisas ainda não conseguiu modificar uma triste realidade enfrentada pelo País. “Atualmente, 30% do que o Brasil produz é perdido ou desperdiçado. Estamos entre os dez países que mais desperdiçam alimentos no mundo”, lamenta. A fome é um dado que martiriza a pesquisadora. “Apesar da

contribuição do terceiro setor, o Brasil tem muitas limitações nesse sentido e um longo caminho a percorrer. Como imaginar que alguém consiga trabalhar sem ter um pãozinho para comer de manhã?”

A cientista destaca que a produção de alimentos para reduzir os impactos da fome no mundo deve acontecer de maneira sustentável. Mas faz questão de ressaltar: “Não sou inimiga número um dos fertilizantes, porém sempre defendi a utilização de microrganismos naturais para nutrir as plantas e melhorar a saúde do solo, mesmo quando me diziam que isso não me levaria a nada. Nunca aceitei o argumento de que a adoção dos fertilizantes químicos era o caminho mais simples. O WFP é a vitória da resistência”, diz.

A persistência adotada na pesquisa com o nitrogênio é um traço que mais chama atenção na personalidade contestadora de Mariangela,

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Quando não trabalha, a pesquisadora fica mais tempo em casa assistindo a filmes infantis na companhia das filhas

NO PÓDIO

OUTROS TRÊS BRASILEIROS TAMBÉM GANHARAM O "NOBEL DA AGRICULTURA"

O World Food Prize é apontado como o “Nobel da Agricultura” e foi idealizado em 1986 pelo ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1970, o engenheiro agrônomo americano Norman Ernest Borlaug. A ideia era dar o merecido reconhecimento aos trabalhos científicos que buscavam melhorar a distribuição de alimentos no mundo. Borlaug é chamado de “pai da Revolução Verde”, alusão ao conjunto de práticas e tecnologias agrícolas – adotadas a partir dos anos 1940 – que levou ao aumento da produção de grãos e alimentos em escala global, a fim de superar a escassez provocada depois da Segunda Guerra Mundial. Com pesquisas sobre insumos biológicos, Mariangela Hungria é a primeira mulher brasileira agraciada com o “Prêmio Nobel da Agricultura”. Mas três conterrâneos também já receberam essa honraria. Em 2006, os agrônomos Edson Lobato e Alysson Paolinelli foram homenageados, juntamente com o cientista americano Andrew Colin McClung, por suas intervenções na transformação na região do Cerrado brasileiro. Cinco anos depois, o presidente Lula faturou a honraria ao lado do ex-presidente ganense John Agyekum Kufuor pela atuação no combate à fome.

que não se permite aceitar “verdades absolutas” goela abaixo. Essa forma de agir lhe trouxe algumas dores de cabeça na vida, como as reprimendas nos tempos em que estudou em colégio de freiras na juventude. “Todas as minhas notas eram 100, menos a de comportamento. Eu não era indisciplinada, mas questionadora e, por isso, constantemente frequentava a sala da diretora”, lembra, com bom humor. Uma das visitas à diretoria se deu porque a futura pesquisadora ousou perguntar, em plena aula de catecismo, como a baleia poderia ter comido Jonas, segundo a história bíblica, se esse tipo de mamífero só se alimenta de peixes pequenos. A leitura certamente ajudou a moldar seu temperamento. Com o mesmo apetite com que devorou na infância Caçadores de Micróbios, que direcionou sua vida profissional, Mariangela acumulou outros livros de cabeceira. Apaixo-

nada por Monteiro Lobato, ela guarda com carinho um exemplar de Reinações de Narizinho e se diz indignada com o revisionismo proposto nas obras do escritor.

Fora da Embrapa Soja, a pesquisadora fica mais tempo em casa, em Londrina, assistindo a filmes infantis na companhia da filha especial, Marcela – a outra filha, Ana Carolina, mora em São Paulo –, e do cachorro Frederico. “Também adoro cuidar das minhas plantas. Tenho de tudo, menos soja”, diverte-se. Nem sempre é fácil dividir a agenda entre família, profissão e atividades extras. A convite de Helena Nader, presidente da Associação Brasileira de Ciências, Mariangela organizou o livro Segurança Alimentar e Nutricional: O Papel da Ciência Brasileira no Combate à Fome, lançado em janeiro passado e que reúne artigos de 40 cientistas brasileiros. As quatro décadas vividas em meio às pesquisas

também renderam farto material para escrever livros que descrevem a metodologia de seus estudos e publicar mais de 500 artigos.

Ultimamente, Mariangela está um pouco afastada de sua principal paixão: os laboratórios. Isso porque o crescimento na profissão até chegar a gerente de pesquisa da Embrapa Soja tem lá suas desvantagens, como assumir funções mais burocráticas, que ocupam boa parte do seu expediente. “Não pego mais na massa como antes, mas aos poucos quero voltar às minhas raízes e retornar aos laboratórios, mexer com minhas bactérias”, diz. E, quem sabe, encontrar novas soluções sustentáveis para caçar – e ajudar a abater – a fome no Brasil, com o mesmo ímpeto dos caçadores de micróbios. De quebra, enriquecer o vasto banco de dados das pesquisas do Embrapa, um dos maiores do mundo. Certamente, com as bênçãos de vovó Edina.

CRESCIMENTO FORA DA PORTEIRA

COM RECORDE DE 28,2 MILHÕES DE TRABALHADORES, AGRO BRASILEIRO VÊ AUMENTO DO EMPREGO IMPULSIONADO POR AGROINDÚSTRIA E

AGROSSERVIÇOS, ENQUANTO A OCUPAÇÃO NO CAMPO ENCOLHE

Em 2024, o número de pessoas que trabalhavam em posições ligadas ao campo atingiu o recorde histórico de 28,2 milhões, representando 26,02% do total de ocupações do País, conforme dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Engana-se, no entanto, quem visualiza todo esse contingente apenas nas plantações, estábulos, granjas ou açudes. Na verdade, o aumento de 1% no número de empregados na comparação com 2023, equivalente a 278 mil novas vagas, foi impulsionado principalmente pelo crescimento na agroindústria, nos agrosserviços e na produção de insumos, enquanto o segmento primário registrou redução na população ocupada. Ou seja: atualmente, é o trabalho fora da porteira que impulsiona o aumento da mão de obra no agronegócio.

A agroindústria foi responsável por um crescimento expressivo de 5,2% na ocupação, incorporando 231,76 mil novos trabalhadores. Dentro desse segmento, destacaram-se as atividades de abate de animais, que cresceram 7,2% (43.760 novos postos), a produção de massas e outros alimentos, com alta de 10,4% (40.617 vagas), a fabricação de móveis de madeira, com incremento de 6,6% (32.167 novos empregos), e a moagem e produção de produtos amiláceos, que registrou avanço de 14,6% (22.588 novos trabalhadores).

O crescimento da agroindústria não apenas contribuiu para o recorde de empregos no setor, mas também impactou positivamente os agrosserviços, gerando maior demanda por transporte, comercialização e serviços financeiros especializados. Nesse segmento, o aumento no emprego foi de 3,4%, adicionando 337,65 mil trabalhadores. Isso reflete a crescente sofisticação do agronegócio brasileiro, que demanda

A FORÇA DA AGROINDÚSTRIA

QUANTO CRESCEU O EMPREGO NO AGRO

BRASILEIRO POR SETOR

EM 2024

GERAL:

+ 1% (278 mil novas vagas)

PRIMÁRIO:

- 3,7% (302 mil vagas a menos)

INSUMOS:

+ 3,6% (10,97 mil novas vagas)

AGROINDÚSTRIA:

+ 5,2% na ocupação (231,76 mil novas vagas)

AGROSSERVIÇOS:

+ 3,4% (337,65 mil novas vagas)

Fonte: Cepea-Esalq/USP/CNA

cada vez mais serviços especializados para lidar com a expansão da produção agropecuária e a complexidade das operações industriais.

Embora com menor participação, o setor de insumos também registrou crescimento no número de trabalhadores, com aumento de 3,6% na população ocupada, totalizando 10,97 mil novas posições. Esse avanço, no entanto, foi puxado exclusivamente pela indústria de rações, que subiu 14,6% (18,04 mil novos empregos), enquanto outros subsetores viram redução.

Ao mesmo tempo que a agroindústria e os agrosserviços apresentaram crescimento robusto, o segmento primário do agronegócio viu uma redução de 3,7% na população ocupada, o que corresponde a 302 mil trabalhadores a menos. Essa queda foi impulsionada pela redução no número de pessoas atuando na agricultura (-3,1%, ou 167 mil empregos a menos) e na pecuária (-4,7%, ou 135 mil postos a menos).

Segundo Nicole Rennó, professora e pesquisadora do Cepea-Esalq/USP, o movimento é reflexo de um processo histórico de migração de culturas, mecanização e automação no campo, que tem aumentado a produtividade e reduzido a necessidade de mão de obra menos qualificada. “Mesmo com menos gente, o que vemos em termos de produção é recorde atrás de recorde sendo gerado pela agricultura e pecuária no Brasil”, diz.

A pesquisadora destaca ainda que, embora o número total de trabalhadores no campo esteja diminuindo, há aumento na demanda por profissionais mais qualificados. “O número de pessoas com ensino superior trabalhando na agropecuária tem crescido de forma muito acelerada, bem acima da média do mercado de trabalho brasileiro, o que indica uma mudança estrutural na qualificação exigida pelo setor”, afirma Rennó.

Entre os subsetores que mais cresceram, a indústria de processamento de alimentos teve desempenho de destaque, especialmente os fabricantes de massas, biscoitos e pães. De

acordo com Claudio Zanão, presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias, Pães e Bolos Industrializados (Abimapi), a modernização e a inovação em produtos têm gerado novas oportunidades de emprego. “A qualificação da mão de obra é um dos principais desafios da indústria, mas também uma grande oportunidade”, afirma. “A demanda por profissionais com conhecimentos técnicos em automação e controle de qualidade está em alta.”

Segundo Zanão, as projeções de médio prazo são boas. “O setor de biscoitos, massas, pães e bolos industrializados gera milhares de empregos diretos e indiretos ao longo de toda a cadeia produtiva”, afirma. “As perspectivas de médio prazo são positivas, impulsionadas pelo avanço da tecnologia, inovação em produtos e novos formatos de consumo.”

Segundo o executivo, a indústria tem observado um movimento contínuo de modernização, o que pode resultar tanto na criação de novas vagas, especialmente em áreas ligadas a automação e controle de qualidade, quanto na requalificação de profissionais para atender as demandas do mercado.

Os desafios, no entanto, também existem, especialmente aqueles relacionados aos custos de produção elevados e às mudanças no poder de compra do consumidor. “As empresas buscam eficiência operacional sem comprometer a qualidade e a acessibilidade dos produtos”, diz Zanão. “Isso nos permite manter uma visão otimista para o emprego na indústria, com oportunidades de crescimento ligadas à inovação e ao desenvolvimento sustentável.”

No subsetor de fabricação de móveis de madeira, que também registrou aumento expressivo no número de empregos, as perspectivas para os próximos meses também são positivas, embora não se descartem flutuações. “A expectativa no médio prazo é de continuidade nas contratações, embora de forma mais cautelosa, devido às incertezas macroeconômicas”, afirma Irineu Munhoz,

presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel). “Fatores como a alta carga tributária e fiscal, a inflação e a alta taxa de juros podem afetar a confiança do consumidor, o que, por consequência, influencia tanto o ritmo de produção quanto a geração de novos empregos.”

Assim como em outros segmentos, o setor moveleiro enfrenta desafios para encontrar, capacitar e reter profissionais, especialmente em áreas que exigem formação técnica e especializada, como processos produtivos e de automação. “A modernização das fábricas e o uso de novas tecnologias, ferramentas de gestão e práticas sustentáveis demandam atualização constante de competências, o que exige investimentos e retenção de mão de obra” afirma Munhoz. “Além disso, muitas empresas de médio e pequeno porte dependem de iniciativas regionais e parcerias com instituições de ensino profissionalizante para formar equipes qualificadas, o que pode variar conforme a disponibilidade desses recursos em cada localidade.”

Entre os agrosserviços, os transportes representam um dos mais cruciais subsetores dentro de toda a cadeia logística. Aqui, um dos grandes motores de crescimento está no investimento público e privado em infraestrutura. “Se nada atrapalhar, a gente vai continuar crescendo de 2,5 a 3%, porque esse é um crescimento contratado”, afirmou recentemente Vander Costa, presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), a uma publicação da entidade. Segundo o executivo, o cenário é de relativo otimismo, especialmente por causa do ritmo de concessões para a iniciativa privada.

Ao mesmo tempo, os crescentes custos operacionais associados ao transporte são um desafio cada vez mais presente. Segundo a CNT, no Brasil, 65% do transporte de cargas e mais de 90% do transporte de passageiros é realizado por meios rodoviários. O combustível representa entre 30 e 35% do custo final da atividade.

Assim, aumentos e variações no preço do insumo têm impacto direto nas margens e na empregabilidade. Além disso, o custo de manutenção de caminhões e ônibus e a eficiência logística no País são afetados pela má qualidade das rodovias. A entidade estima que 1,184 bilhão de litros de diesel foram desperdiçados em 2024 devido à condição do pavimento.

A CNT propõe um conjunto de medidas para mudar esse cenário, como a aprovação da PEC 1/2021, que destina pelo menos 70% das outorgas de transporte a investimentos no setor, e a inclusão das despesas com infraestrutura rodoviária entre aquelas que não podem sofrer contingenciamento. Também sugere o uso integral da Cide-combustíveis em transportes e sua exclusão da base da Desvinculação de

Receitas da União (DRU), o que evitaria perdas de recursos. Na área de concessões, propõe a ampliação das PPPs para manutenção de rodovias, incentivo à participação de organismos internacionais no financiamento de infraestrutura e maior atuação do BNDES na estruturação, financiamento e garantias de projetos. Por fim, apoia o PL 11.057/2018, que impede o contingenciamento do Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset), permitindo o uso pleno de seus recursos para reforçar a fiscalização e melhorar a sinalização viária.

Segundo os especialistas consultados por PLANT PROJECT, a tendência é que os empregos ligados ao agronegócio sejam cada vez menos concentrados no setor primário e mais na agroindústria e nos agrosserviços. E não se

Carreira

A tendência é que os empregos ligados ao campo sejam cada vez menos concentrados no setor primário e mais na agroindústria

trata apenas de uma questão de mecanização e modernização. O próprio modelo de produção brasileiro leva a isso. Nos últimos anos, a agropecuária nacional passou por uma transformação estrutural que reduziu o número de trabalhadores. Um dos principais fatores é a mudança na pauta de produção, com a concentração em culturas menos intensivas em mão de obra, como a soja. Essa especialização produtiva tem impactado tanto os trabalhadores assalariados quanto os produtores familiares, cujos números vêm diminuindo significativamente. “A queda no número de produtores e de famílias envolvidas na agropecuária também está ligada à redução da diversificação produtiva”, diz Nicole Rennó, do Cepea. “Pequenas culturas, menos competitivas, têm perdido espaço, e o

alto nível de concorrência do setor tende a excluir os menos eficientes economicamente.”

Além disso, fatores demográficos também contribuem para essa mudança. O tamanho das famílias rurais diminuiu, reduzindo a disponibilidade de mão de obra familiar. Paralelamente, a pluriatividade tornou-se mais comum: muitos membros da família buscam empregos no comércio e na indústria, mesmo residindo em áreas rurais. Esse fenômeno é especialmente evidente entre os jovens, que cada vez mais optam por oportunidades urbanas, em vez de permanecerem na propriedade. “Assim, a modernização acelerada da agropecuária, aliada a mudanças econômicas e demográficas, tem levado à redução contínua da força de trabalho no campo”, diz Rennó.

OS CAMINHOS DO BIODIESEL

Produção recorde de 9 bilhões de litros em 2024 projeta novo salto para o biocombustível no Brasil, mas futuro exige inovação e diversificação para reduzir dependência da soja e aguentar os sustos regulatórios

Aindústria brasileira do biodiesel está em ritmo acelerado. Em 2024, o País produziu um recorde de 9,07 milhões de metros cúbicos do combustível renovável – o equivalente a mais de 9 bilhões de litros, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Trata-se de um crescimento de 20,4% frente aos 7,52 milhões de metros cúbicos fabricados em 2023 e o segundo ano consecutivo com expansão superior a 20%. Os números, por si sós, impressionam. Mas ganham ainda mais relevância diante de um cenário global de busca por soluções de baixo carbono e de uma política energética que, no Brasil, tem reforçado seu compromisso com os biocombustíveis como ferramenta de desenvolvimento sustentável e segurança energética.

Parte significativa desse avanço se deve a fatores regulatórios: o aumento da mistura obrigatória de biodiesel ao diesel fóssil, o chamado diesel

B. Em março de 2024, entrou em vigor o B14 – ou seja, uma mistura de 14% de biodiesel. Apenas essa elevação, que sucedeu ao B12 vigente em 2023, explica um incremento técnico estimado em 17% na demanda por biodiesel, segundo cálculos da ANP. O restante se deve, principalmente, ao crescimento do consumo total de diesel, que somou 67,2 milhões de metros cúbicos em 2024, alta de 2,6%. Para 2025, a expectativa da consultoria StoneX é que o consumo de diesel B chegue a 69,3 bilhões de litros, um novo recorde. A previsão anterior era ainda maior, mas foi revisada para baixo diante de uma estimativa de crescimento mais tímido da produção industrial.

A mistura de biodiesel ao diesel fóssil é definida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e regulada pela ANP. Em março de 2023, o governo retomou a trajetória de elevação dos teores após um período de estagnação e cortes, estabelecendo um cronograma

Em 2024, o Brasil produziu o recorde de 9,07 milhões de metros cúbicos de biodiesel, o que representou um avanço de 20% versus 2023

Robson Rodrigues Antunes, do Grupo Potencial: investimentos na evolução do biodiesel brasileiro

progressivo que previa a chegada ao B15 em março de 2025 e, eventualmente, ao B20 até o fim da década. No entanto, em fevereiro deste ano, o CNPE adiou a implementação do B15, que previa elevar para 15% a mistura. A medida ocorreu como resposta a pressões inflacionárias, com o governo buscando conter a alta nos preços dos alimentos, especialmente derivados de soja, principal matéria-prima do biodiesel. A notícia foi recebida com preocupação por boa parte do setor produtivo, que já vinha se preparando para o novo patamar de demanda. Ainda não há nova data definida para a adoção do B15.

“A cadeia produtiva do biodiesel está fortemente vinculada ao agronegócio, sobretudo ao óleo de soja, que representa quase 70% da matéria-prima utilizada”, afirma Valdemir Alexandre dos Santos, coordenador do Laboratório de Tecnologias Ultrassônicas no Instituto Avançado de Tecnologia e Inovação (Iati) e líder do Grupo de Pesquisa

em Engenharia Ultrassônica Aplicada a Processos Sustentáveis, certificado pelo CNPq. “Essa dependência gera riscos para a segurança alimentar e a estabilidade da cadeia.” Segundo o especialista, a diversificação de matérias-primas, com inclusão de oleaginosas alternativas – como dendê, macaúba e pinhão-manso – e resíduos (óleos usados e gorduras animais) é essencial para fortalecer a produção regional e promover maior sustentabilidade.

Dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indicam que o óleo de soja representou 69,15% da matéria-prima utilizada na produção de biodiesel em 2023. Gorduras animais responderam por 11,2%, enquanto o óleo de cozinha usado ainda tem participação incipiente, abaixo de 3%. O governo pretende mudar esse cenário. Em dezembro de 2024, o CNPE aprovou uma resolução para estimular o uso de óleos e gorduras residuais na produção de biocombustí-

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Valdemir dos Santos, do Iati:

"A cadeia produtiva do biodiesel está vinculada ao óleo de soja"

veis. Uma portaria conjunta do Ministério de Minas e Energia e do Meio Ambiente, prevista para ser publicada em junho deste ano, deverá estabelecer um percentual mínimo de uso desses insumos alternativos na composição do biodiesel brasileiro. Apesar do adiamento temporário do B15 e da frustração setorial, representantes da indústria entrevistados por PLANT PROJECT permanecem otimistas. Medidas como a aprovação da Lei do Combustível do Futuro, que estabelece metas progressivas até 2030, e o fortalecimento da agenda energética internacional dão fôlego de longo prazo aos produtores. Para líderes do setor, o biodiesel será um dos protagonistas na transição energética do País. “Estamos diante de uma grande oportunidade de avançar em sustentabilidade e segurança energética”, afirma Daniel Furlan Amaral, diretor de Economia e Assuntos Regulatórios da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). “O Brasil já tem escala produtiva, cadeia estabelecida e uma matriz de matérias-primas que pode ser ainda mais diversificada. Com previsibilidade regulatória, o setor está pronto para contribuir ainda mais.” O cronograma está previsto em lei, mas os produtores acompanham com atenção a implementação efetiva das metas. Segundo Amaral, há diálogo constante com o governo e a expectativa é que medidas complementares, como melhoria de infraestrutura, incentivo ao cultivo de oleaginosas e ampliação da capacidade de esmagamento, sejam adotadas.

A perspectiva de crescimento se apoia também na expansão de novos mercados e aplicações. Além do uso em veículos pesados e na mistura obrigatória ao diesel, o biodiesel tem sido testado com sucesso nos modais ferroviário e marítimo, bem como em aplicações estacionárias, como geradores e usinas termelétricas. “Locomotivas e navios podem se tornar ainda mais sustentáveis com o uso de biocombustíveis”, diz Julio Minelli, diretor superintendente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio). “Já existe autorização da ANP para comercialização de combustível marítimo com até 24% de biodiesel.” A ampliação do uso de biodiesel puro (B100) também avança entre grandes empresas. Grupos como Be8,

Amaggi, JBS, Potencial e Martelli já utilizam o produto em parte de suas operações logísticas. Segundo Minelli, essas experiências demonstram que o uso de 100% de biodiesel é viável e eficaz para metas de descarbonização de curto prazo.

A Be8, uma das principais produtoras do País, desenvolveu um biodiesel de alta performance – o Be8 BeVant – que pode ser usado puro em motores a diesel convencionais, com redução de até 90% nas emissões de gases de efeito estufa no ciclo do tanque à roda. Em 2025, o biocombustível será testado em veículos terrestres do Aeroporto de Congonhas (SP) e em operações de empresas como Gerdau, Randon, Ambipar e John Deere. “Estamos apostando em soluções tecnológicas que agreguem valor e ampliem o mercado para o biodiesel”, afirma Erasmo Carlos Battistella, presidente da Be8. “Outro bom exemplo é o projeto que lançamos com a Cemvita para transformar glicerina, subproduto do biodiesel, em matéria-prima para combustíveis sustentáveis de aviação.” A empresa também está construindo, no Paraguai, a biorrefinaria Omega Green, com previsão de investimento de US$ 1 bilhão e início de operação em 2028, voltada à produção de combustível sustentável de aviação (SAF), diesel verde, GLP verde e green nafta.

O Grupo Potencial é outro que tem investido na evolução do biodiesel no Brasil. “Somos a única usina de biodiesel que produz um óleo sintético, que é feito a partir dos subprodutos gerados no tratamento da matéria-prima”, diz Robson Rodrigues Antunes, diretor de Operações Industriais do Grupo Potencial. “Com isso, conseguimos obter rendimento de praticamente 100%, muito alinhado com a economia circular e com o protagonismo em evolução sustentável.” A empresa também tem apostado em melhorias próprias de tecnologia a fim de aumentar a eficiência na produção do biodiesel, elevando os níveis de competitividade. O grupo ainda busca diversificar as aplicações a partir do diálogo com fabricantes de geradores de energia e da negociação para o fornecimento de biodiesel para abastecimento marítimo.

Essa diversificação é vista como crucial para a

expansão do uso do biodiesel. A exploração de aplicações, além do transporte rodoviário, passa pela geração de energia elétrica descentralizada (especialmente em comunidades isoladas), navegação fluvial e marítima, maquinário agrícola e pelo uso como precursor para a produção de SAF. Tais aplicações podem fortalecer o papel do biodiesel como fonte energética estratégica em contextos de difícil acesso à eletricidade.

Além disso, os líderes setoriais consultados não veem com especial preocupação a competição com o diesel verde, biocombustível produzido a partir do hidrotratamento de óleos vegetais – transformando-os em hidrocarbonetos semelhantes ao diesel fóssil –, que pode ser aplicado em sua forma pura (R100) ou misturado ao diesel fóssil. Amaral, da Abiove, afirma que os dois produtos são complementares no esforço de descarbonização e que o biodiesel tem uma vantagem importante: custo mais acessível. “O Brasil precisa de todas as rotas tecnológicas disponíveis. O biodiesel já tem uma cadeia consolidada e pode expandir rapidamente a produção”, diz. Minelli, da Aprobio, reforça que o setor tem capacidade instalada e autorizada pela ANP para atender a evolução da mistura obrigatória, com geração de empregos e integração com o agronegócio. “O setor acredita que há mercado para todos os biocombustíveis, mas confirma que o biodiesel é a solução mais econômica e pronta para atender a transição energética do ciclo diesel”, afirma o executivo.

Essa visão, no entanto, não é unanimidade entre os especialistas. Valdemir dos Santos, do Iati, afirma que há risco de canibalização do mercado de biodiesel com o avanço do diesel verde, especialmente diante da entrada de grandes refinadoras nesse setor. “O diesel verde apresenta vantagens operacionais significativas: pode ser utilizado em qualquer proporção nos motores a diesel sem necessidade de adaptação, possui maior estabilidade oxidativa, melhor desempenho em baixas temperaturas e é totalmente compatível com a infraestrutura de distribuição existente”, afirma. Essas característi-

cas, segundo o pesquisador, fazem com que ele seja tecnicamente mais atrativo, sobretudo para grandes distribuidoras e frotas industriais. Contudo, enquanto o diesel verde tende a se consolidar como um biocombustível de alta performance voltado ao mercado premium, a indústria de biodiesel convencional seguirá tendo espaço relevante, principalmente pela sua inserção em cadeias de valor mais amplas. “O biodiesel possui externalidades positivas que o diferenciam: promove a inclusão da agricultura familiar, gera emprego e renda em regiões interioranas, estimula a produção descentralizada de energia e tem potencial de fomentar biorrefinarias integradas”, diz Santos.

Para seguir crescendo, o setor do biodiesel deverá enfrentar os desafios regulatórios – a exemplo do recente adiamento do aumento de proporção de mistura obrigatória com o diesel fóssil –, a forte dependência do óleo de soja como matéria-prima, deficiências logísticas e limitações tecnológicas nas plantas industriais. Para isso, a indústria precisa de metas claras e estáveis, incentivo à diversificação de insumos (como resíduos e oleaginosas nativas), valorização de seus impactos socioambientais, investimentos em infraestrutura e apoio à inovação tecnológica. Com uma abordagem integrada, o biodiesel pode se consolidar como vetor de desenvolvimento regional, segurança energética e sustentabilidade no País.

OS LÍDERES NO BRASIL

OS ESTADOS QUE MAIS PRODUZEM BIODIESEL NO PAÍS

Minelli, da Aprobio: "Locomotivas podem se tornar mais sustentáveis com o biocombustível"

POSIÇÃO ESTADO PRODUÇÃO ESTIMADA REGIÃO (LITROS/ANO)

1º Rio Grande do Sul ~1,55 bilhão Sul

2º Mato Grosso ~1,5 bilhão Centro-Oeste

3º Goiás ~1,2 bilhão Centro-Oeste

4º Paraná ~1,0 bilhão Sul

5º Mato Grosso do Sul ~0,8 bilhão

Centro-Oeste

Julio
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SINAL VERDE

Impulsionado pela demanda da China e pela valorização de seus coprodutos, o etanol de milho ganha espaço no mercado global e será destaque na Fenasucro & Agrocana, maior evento de bioenergia do mundo

Acorrida global por soluções de baixo carbono tem ampliado as oportunidades para um produto que, até pouco tempo atrás, tinha presença tímida no Brasil: o etanol de milho. Com plantas modernas em operação e uma cadeia produtiva que inclui coprodutos valorizados no mercado internacional, o País vem se posicionando como um protagonista relevante no setor de biocombustíveis. Agora, com o interesse crescente da China e a criação de uma marca nacional voltada à exportação, o segmento ganha ainda mais fôlego.

De acordo com a União Nacional do Etanol de Milho (Unem), o etanol feito a partir do cereal vive um momento de expansão acelerada, impulsionado pela demanda global por combustíveis renováveis e produtos como grãos secos de destilaria (DDG/DDGS) utilizados na alimentação animal. “O mercado chinês é estratégico para as fibras e grãos de destilaria do Brasil, que já conquistaram reconhecimento internacional pela qualidade e segurança das nossas plantas”, afirma Bruno Alves, diretor de Relações Governamentais e Sustentabilidade da Unem. “A demanda chinesa é o dobro da produção brasileira atual, o que combina com a visão do setor para os próximos anos, de dobrar a sua capacidade instalada.”

Para promover os coprodutos brasileiros no exterior, a entidade criou a marca Brazilian Distillers Grains, que vem sendo utilizada em ações de marketing e negociações internacionais. O objetivo é posicionar os DDG/DDGS nacionais como alternativas de qualidade para países com forte consumo de proteína animal, como a própria China. O avanço do etanol de milho caminha junto à expansão da produção do grão no País. Em apenas sete anos, a safra brasileira saltou de 80,7 milhões de toneladas para 124,7 milhões. E o ritmo de crescimento deve continuar. Projeções da Unem apontam que, em 2033/2034, a produção pode chegar a 151,1 milhões de toneladas. Esse movimento está sendo acompanhado por um aumento significativo da capacidade instalada para a produção do biocombustível. Hoje, o Brasil conta com 25 plantas de etanol de milho em operação, 16 já autorizadas e outras 16 anunciadas. Os números revelam uma transformação profun-

da no cenário nacional. Em 2013/14, a produção era de apenas 30 mil metros cúbicos. Para a safra 2024/25, a estimativa é de 8,24 milhões de metros cúbicos. E, olhando para 2033/34, a projeção salta para 21,75 milhões de metros cúbicos.

Segundo Paulo Montabone, diretor da Fenasucro & Agrocana, um dos maiores eventos do setor bioenergético do País, a abertura de novos mercados internacionais reforça a imagem sustentável do agronegócio brasileiro. “O etanol de milho e seus subprodutos têm muito potencial de crescimento”, diz. “Nosso país possui plantas modernas, com altos índices de segurança e qualidade. O mundo está demandando novas oportunidades e nós estamos preparados para sermos protagonistas nesta onda verde global.”

O tema terá grande destaque na 31ª edição da Fenasucro & Agrocana, que ocorre entre os dias 12 e 15 de agosto, em Sertãozinho (SP). O evento é considerado o maior voltado exclusivamente à bioenergia e reúne empresas de tecnologia, fabricantes de equipamentos e representantes da cadeia produtiva de biocombustíveis. Com mais de três décadas de história, a feira, promovida pela RX Brasil com apoio exclusivo do Ceise Br, se consolidou como a principal plataforma de conexão entre indústria fornecedora e compradores do setor bioenergético.

A aposta no etanol de milho no Brasil tem um diferencial importante: o modelo de produção integrado. Muitas das plantas em funcionamento utilizam a biomassa gerada nos próprios processos para gerar energia elétrica, além de produzirem coprodutos como o óleo de milho e os DDG/ DDGS, com alto valor agregado. A economia circular tem sido um dos atrativos para o mercado externo, especialmente em países que buscam fornecedores com compromisso ambiental.

Ainda assim, os desafios para manter o ritmo de crescimento incluem a logística de escoamento da produção, a previsibilidade regulatória e o acesso a financiamento para a construção de novas usinas. O otimismo domina o setor. A demanda crescente da China e de outros mercados asiáticos, aliada à consolidação de uma marca internacional para os coprodutos brasileiros, pode garantir ao País um papel central na transição energética global.

A HORA DA CANNABIS

À ESPERA DE DECISÃO DO STJ, O BRASIL SE APROXIMA DE UM MARCO REGULATÓRIO PARA

O CULTIVO DA PLANTA, COM IMPACTO NA SAÚDE, NA INDÚSTRIA E NO CAMPO

Por Marco Damiani

Onome muitas vezes desperta susto e desconfiança, mas a Cannabis sativa tem conseguido superar, uma a uma, as barreiras que a separam do reconhecimento como planta de amplas qualidades medicinais e milhares de aplicações industriais. Para o produtor rural, essa alternativa representa um mercado consumidor de matéria-prima em alta no Brasil e no mundo. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre as regras específicas para o cultivo da cannabis, prevista para setembro, é aguardada com grande expectativa. O julgamento dará continuidade à deliberação do ano passado, que autorizou a importação de sementes, e pode destravar de vez a produção nacional de medicamentos à base dos compostos ativos da planta, como o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC). Além do impacto na área farmacêutica, a regulamentação tende a impulsionar outros setores industriais, como os de mobiliário, tecidos e construção civil. A definição de normas claras para o plantio deve atrair produtores de diversos portes, ampliando a oferta para laboratórios, fábricas e o mercado externo.

O mercado de cannabis medicinal vem

ganhando força no Brasil ao longo da última década, impulsionado pelas primeiras autorizações judiciais concedidas a tratamentos individuais de saúde com derivados da planta. Enquanto o Congresso Nacional segue sem consenso e adia a votação de projetos de lei sobre o tema, é no Judiciário que se constrói, pouco a pouco, o arcabouço jurídico para a regulamentação da atividade. Decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), somadas às normativas dos ministérios da Saúde e da Agricultura, têm contribuído para a formação de um ambiente regulatório em constante evolução, que abre caminho para o florescimento de novos negócios no setor.

Sediada em João Pessoa (PB), a Abrace Esperança é o centro da maior operação legal de cultivo, produção e distribuição de medicamentos à base de cannabis no Brasil. Com 130 colaboradores e uma folha de pagamento superior a R$ 500 mil mensais, a associação atende cerca de 50 mil famílias e funciona como uma verdadeira indústria verticalizada – embora com um modelo distinto do das empresas tradicionais. Líder entre as 15 associações autorizadas judicialmente a cultivar e desenvolver produtos medicinais à

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai definir em setembro as regras específicas para o cultivo da cannabis no Brasil

base da planta, a Abrace se consolidou como referência nacional no setor.

Atualmente, a Abrace está transferindo o cultivo de 4 hectares de cannabis de Campina Grande para João Pessoa, onde estão sendo preparados 13 hectares para plantio. A área estará conectada a um laboratório de última geração, com capacidade para realizar todos os procedimentos para produzir 16 fórmulas diferentes de medicamentos, que dali sairão embalados e endereçados aos destinatários. Em junho, a entidade foi citada como modelo no Plano de Acesso a Derivados de Cannabis para Fins Medicinais, do governo federal, após conseguir o sétimo alvará de produção.

“Diante da expectativa de o STJ liberar o cultivo da cannabis para fins medicinais e industriais, o mercado poderá assistir a um boom de entrada de novos produtores, como aconteceu nos Estados Unidos”, diz o diretor executivo da Abrace, Cassiano Gomes. “Mas não se espera o cultivo em grandes áreas. O perfil estará mais para o da agricultura familiar, com produção em terrenos menores e em estufas.” As áreas ocupadas pelas lavouras das associações familiares

somam perto de 100 hectares em todo o País, com uma produção total estimada em 20 toneladas em 2024. Há 100 mil plantas registradas no Ministério da Agricultura, onde o cadastro é obrigatório.

Mesmo ainda sob uma névoa de criminalização e desinformação generalizada, mais de 800 mil pessoas no País fazem uso regular de produtos de saúde como óleos, pomadas e cápsulas que contam com elementos da cannabis em seus compostos. Trinta e cinco produtos medicinais deste segmento têm registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e liberação para comercialização. Eles são indicados para tratamentos que vão da ansiedade à esclerose múltipla, passando por pós-quimioterapia e acidentes vasculares. Um conjunto de 150 empresas, entre importadoras, distribuidoras e fabricantes de produtos ligados à cannabis, atua no País. Nos cálculos da plataforma Kaya Mind, os negócios em torno da cannabis movimentaram internamente R$ 1 bilhão no ano passado.

“O mercado está em crescimento e as novas regras irão abrir mais oportunidades para a produção da cannabis”, diz a cientista Beatriz Marti Emygdio, presidente do grupo de trabalho

da Embrapa dedicado a acompanhar o desenvolvimento da cultura no território nacional. “Começaremos nossas pesquisas assim que houver autorização legal, mas desde já sabemos que é possível produzir para suprir a demanda nacional e, ainda, exportar”, diz ela, lembrando dos vizinhos Uruguai e Colômbia, que já vendem a planta in natura ou processada para mais de 15 mercados. Atualmente, 53 países autorizam a produção de medicamentos com base na cannabis, o que gerou um comércio global de US$ 16,5 bilhões no ano passado. Em razão do crescimento do consumo legal nos Estados Unidos, tanto para fins medicinais como recreativos, as projeções indicam um crescimento para US$ 56,7 bilhões até o ano de 2032. Na indústria, a Ayraa Eco Friendly é um exemplo de como o cânhamo – variedade da cannabis com baixa concentração de THC – pode abrir caminho para uma nova fronteira de produtos sustentáveis. Rico em fibras, sais minerais, proteínas e celulose, o cânhamo é apontado por cientistas como matéria-prima para mais de 25 mil aplicações industriais, que vão de tijolos, plásticos e tecidos a cosméticos, alimentos e

A cannabbis é indicada para tratamentos que vão da ansiedade à esclerose múltipla, passando por pós-quimioterapia e AVC s

bebidas. “O cultivo do cânhamo consome cinco vezes menos água que o algodão, amadurece em quatro meses e pode ser feito em pequenas áreas, graças à alta produtividade por hectare”, afirma o empresário Marcelo Fernandes, à frente da operação de moda da empresa. “Além disso, exige pouco uso de defensivos químicos, ajuda na regeneração do solo e gera tecidos de alta durabilidade, o que reduz o descarte precoce.” Apesar de todas essas qualidades, o cultivo do cânhamo ainda é proibido no Brasil.

À medida que demandas sociais são reconhecidas e assimiladas pelo Poder Judiciário, a cannabis vem se consolidando como uma alternativa produtiva de alto potencial econômico. O diálogo contínuo entre consumidores, produtores e autoridades tem mantido o Brasil em sintonia com os avanços registrados em diversas legislações internacionais. A decisão aguardada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é vista como um possível marco na mudança de perspectiva sobre a cannabis na sociedade brasileira, com potencial para destravar investimentos, reduzir estigmas e ampliar o acesso a tratamentos medicinais.

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De grão em grão Com avanços em produtividade, o estado de Goiás acelera a produção de arroz em terras altas

FFRONTEIRA

As regiões produtoras do mundo

As regiões produtoras do mundo

O CERRADO NA ROTA DO ARROZ

COM GENÉTICA ADAPTADA, MANEJO EFICIENTE E GANHOS AMBIENTAIS E DE PRODUTIVIDADE, GOIÁS IMPULSIONA A PRODUÇÃO DE GRÃOS DE TERRAS ALTAS E ENSAIA UM CAMINHO RUMO À AUTOSSUFICIÊNCIA

Cerca de 80% do arroz que chega à mesa dos brasileiros é plantado na Região Sul, e a maior parte por agricultores gaúchos. Segundo estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a safra atual (2024/25), a produção do País deve passar de 12,1 milhões de toneladas, e 68% desse volume será colhido no Rio Grande do Sul. Em meio a esse cenário, estão brotando perspectivas de novos horizontes, em especial no Cerrado. O salto de produção registrado em Goiás nos últimos anos encoraja até comentários sobre autossuficiência. Um dos motivos é o desenvolvimento do chamado arroz de terras altas.

Goiás deve colher 155,2 mil toneladas de arroz na safra 2024/25, volume 19,3% maior do que o registrado na temporada anterior, e ocupar a sétima posição no ranking da produção nacional. O movimento vem ganhando força desde 2020, quando a Embrapa Arroz e Feijão, localizada em Santo Antônio de Goiás (GO), lançou a cultivar BRS A502, destinada ao plantio em sequeiro e adequada ao sistema de terras altas. “A virada ocorreu quando posicionamos esse arroz sob pivô central, na safra 2021/22”, diz o pesquisador da Embrapa Pedro Sarmento. Entre outras vantagens, a nova opção oferece eficiência produtiva, tolerância ao acamamento e alta estabilidade de rendimento de grãos inteiros, o que chamou a atenção da indústria. Além disso, agradou o desempenho na rotação com outras culturas. Os preços da safra citada por Sarmento ajudaram a atrair mais agricultores. De acordo com os índices do Cepea (Esalq-USP), no final de 2021 a saca de 50 quilos estava cotada a R$ 62,50. Um ano depois, o valor chegou a R$ 91,82 e, em 2023, passou de R$ 130, encerrando a temporada em R$ 126,80. “Agora, o preço não está tão atrativo, mas a opção continua valendo a pena por todos os benefícios agronômicos”, afirma o pesquisador. “O arroz de terras altas sob pivô entrou em áreas de soja e ganhou espaço entre outras culturas. Além dos grãos, a lavoura rende a palhada que favorece o plantio direto e ajuda a controlar problemas sanitários.” Um exemplo é a

redução da doença fúngica “raiz rosada”, um dos principais desafios sanitários do cultivo de cebola e alho em regiões quentes.

O arroz já teve uma participação mais expressiva na agricultura goiana. Há cerca de 30 anos, a cultura era utilizada para abertura de áreas, papel que foi sendo ocupado pela soja. Conforme o levantamento histórico da Conab, 20 anos atrás, na safra 2004/05, a produção no estado chegou a 381 mil toneladas, quase duas vezes e meia o volume projetado para a safra atual. Agora, o objetivo é manter o crescimento, ainda que o ritmo desacelere, para que a conquista da autossuficiência seja realmente apenas uma questão de tempo.

Para o também pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão Adriano Castro, Goiás pode chegar, ainda na safra atual, a 60 mil hectares cultivados com arroz. “Esse número representa metade dos 120 mil hectares que o estado precisaria para ser autossuficiente na produção de arroz”, afirma. Não falta otimismo ao setor, mas há um longo caminho a ser percorrido. “Nos últimos 30 anos, o arroz passou a enfrentar uma competição muito forte com soja e milho, commodities que têm necessidade de volume muito grande e demanda para exportação. Na comparação de custos e resultados, o agricultor preferiu as outras culturas.”

Embora destaquem as oportunidades, os pesquisadores da Embrapa refutam a ideia de romantizar o cenário atual a ponto de se afastar da realidade de que a atividade tem de ser rentável. “O produtor precisa ganhar dinheiro”, diz Sarmento. Por isso, a análise econômica do arroz de terras altas vai além da cotação dos grãos. Envolve ainda os ganhos financeiros com os benefícios proporcionados ao sistema agrícola como um todo, incluindo as demais culturas. Esses resultados apareceram em testes iniciais e vêm sendo replicados na aplicação comercial da cultivar dedicada ao Cerrado.

Ainda em caráter experimental, a Embrapa somou o aprimoramento em plantio direto sob pivô e o melhoramento genético do arroz em associação com a soja. Em uma área dividida em quatro quadrantes, dois deles foram semeados

O estado deve colher 155,2 mil toneladas de arroz na safra 2024/25, volume 19% maior do que o registrado na temporada anterior

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com arroz, um com soja e o último serviu de pousio. “Identificamos que o arroz ia muito bem em plantio direto e com resultados positivos no pós-soja, inclusive com qualidade de grão superior”, relata Castro. A continuidade das experiências mostrou que a soja plantada na sequência do arroz também apresentava ganhos expressivos, com até 20% a mais de produtividade.

Esses cálculos já são feitos para outras culturas. “Ouvi de um produtor de algodão que conseguiu 10 arrobas a mais de pluma por hectare com o plantio na sequência da colheita do arroz”, diz Castro. Os exemplos surgem ainda em outras combinações de culturas como soja, arroz e depois o tomate rasteiro plantado sobre a palhada. “Além de reduzirem a necessidade de irrigação em 40%, aumentaram a produtividade do tomate de 90 para 140 toneladas por hectare e conseguiram um ganho significativo de brix (concentração de sólidos)”, comenta Castro, referindo-se ao desempenho registrado pela AHL Agro.

De acordo com o engenheiro agrônomo da empresa, Roberto D’Ávila Ferreira, a palhada do arroz ainda protege o tomate de outras maneiras.

“A água da chuva não cai direto no chão e evita o respingo no tomate, que poderia machucá-lo e abrir espaço para entrada de bactérias”, diz. “Além disso, os frutos não encostam no chão e ficam protegidos da podridão.”

Por se tratar de combinações recentes e em desenvolvimento, é natural que também surjam novos desafios. O manejo da palhada do arroz é um exemplo. De acordo com o agrônomo da AHL Agro, quando o arroz é colhido, esse material orgânico fica acumulado em leiras, e precisa ser espalhado pela área, até para não dificultar a adubação. “Utilizei uma roçadeira com ganchos na roda, passando no sentido perpendicular, distribuindo a palhada para formar uma cama”, diz Ferreira, acrescentando o enorme benefício para o solo. “Digo que estou plantando tomate no xaxim.”

Outro diferencial do arroz de terras altas está nos benefícios ambientais que o cultivo proporciona. A decomposição da palhada contribui para o enriquecimento do solo, aumentando sua fertilidade de forma natural. Além disso, mesmo quando irrigado por pivô central, esse sistema exige menor consumo de

O principal desafio para sustentar a trajetória de crescimento é garantir a rentabilidade para o produtor rural

água em comparação ao cultivo tradicional em áreas alagadas. Um aspecto particularmente relevante é a ausência de emissão de metano –um dos gases de efeito estufa mais agressivos –, o que torna o modelo uma alternativa mais sustentável do ponto de vista climático.

Esse conjunto de avanços tem moldado um presente mais competitivo e aponta para um futuro promissor da cadeia produtiva do arroz em Goiás. O cenário é de ganhos consistentes em produtividade – o espaçamento entre linhas, por exemplo, foi reduzido de 40 para 17 centímetros, e em algumas áreas a produção por hectare mais que dobrou, passando de 4 mil para 9 mil toneladas. Há também ganhos expressivos em qualidade, com grãos que atendem melhor as exigências da indústria e do consumidor final. Do ponto de vista logístico, o modelo se mostra mais eficiente, ao encurtar a distância entre o campo e os centros de varejo.

“A cultivar BRS A502 é uma baita ferramenta para o sistema de produção do Cerrado, e a indústria tem um papel muito importante por ter reconhecido a diferença de qualidade”,

afirma Sarmento. O pesquisador chama a atenção para o impacto do aumento da oferta do grão no mercado local, a começar pela infraestrutura. Segundo ele, o produtor que garantir também o processo de secagem dos grãos conseguirá melhores negociações. “Se tiver de vender o grão verde para a indústria, acabará recebendo menos.”

O principal desafio para sustentar a trajetória de crescimento é garantir a rentabilidade ao longo de toda a cadeia, especialmente para o produtor rural. “Sem equilíbrio na distribuição da lucratividade, a evolução tende a perder força, sobretudo para o agricultor, que é quem fica com a menor fatia”, diz Ferreira. Ainda assim, o agrônomo destaca sinais positivos: cerealistas de estados como Mato Grosso e Minas Gerais já estão comprando arroz goiano, o que indica reconhecimento de mercado. Com ganhos agronômicos, ambientais e comerciais cada vez mais evidentes, o arroz de terras altas plantado no Cerrado vai deixando de ser uma promessa para se consolidar como uma nova fronteira produtiva do cereal no Brasil.

D e volta às raízes

Criado pelo escritor

Ariano Suassuna, o

Movimento Armorial renasce na alta gastronomia

rAARTE

Um campo para o melhor da cultura

Um campo para o melhor da cultura

O POPULAR TRANSFORMADO

EM ERUDITO

Criado por Ariano Suassuna em 1970, o Movimento Armorial surgiu com a proposta de valorizar a cultura regional, transformando o cenário das artes no Nordeste. Agora, o espírito inovador sobrevive na alta gastronomia do chef Onildo Rocha

Oano de 1970 foi agitado no Brasil. Enquanto movimentos populares sequestravam embaixadores estrangeiros em resposta ao avanço da repressão da ditadura militar, a seleção brasileira brilhava no México ao conquistar sua terceira Copa do Mundo. No mundo das artes, o cenário também era efervescente. Alguns dos artistas mais populares estavam no exílio, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, ao passo que outros seguiam atuando no País e divulgando obras que mais tarde seriam reconhecidas como fundamentais para a história da música brasileira. Foi o caso do décimo disco de Roberto Carlos, do primeiro LP de Candeia (1935-1978) e de Legal, de Gal Costa (1945-2022). Nas artes plásticas, era tempo de experimentação. Cildo Meireles, Hélio Oiticica (1937-1980), Lygia Clark (1920-1988) e outros nomes rompiam não apenas com as convenções da produção artística, mas também com as formas tradicionais de exibição, levando seus trabalhos para além dos museus. Nesse contexto tão intenso, outra iniciativa surgiu fora do eixo Rio–São Paulo: o Movimento Armorial. Idealizado pelo escritor paraibano Ariano Suassuna (1927-2014), o movimento lançou as bases para uma valorização inédita da cultura popular nordestina e se tornaria, nas décadas seguintes, cultuado pela diversidade e sofisticação de suas manifestações artísticas. Em 2025, o Armorial completa 55 anos – e segue vivo, de forma surpreendente, no universo da alta gastronomia brasileira.

A inspiração para o movimento veio das artes e saberes tradicionais do Nordeste brasileiro. É o caso da literatura de cordel, estilo tão característico e de forte conotação popular. Ou ainda das xilogravuras, ilustrações feitas a partir de

Ariano Suassuna e integrantes do Movimento Armorial: união do folclore medieval com os cantadores nordestinos © Divulgação/Nani

gravações em blocos de madeira, facilmente reproduzíveis em larga escala. Havia, também, uma forte recusa em aceitar a produção cultural de massa, principalmente norte-americana, que começava a dominar o mercado. As críticas ao poderio cultural continuariam como um dos pilares da atuação de Suassuna. “Antigamente, quando os Estados Unidos queriam dominar um país, eles mandavam um ou dois portaaviões e ameaçam aquela nação com seus fuzileiros navais”, disse o escritor, em um célebre discurso que há anos circula pelas redes sociais. “Hoje, eles mandam Michael Jackson e Madonna. É muito mais barato e muito mais eficaz.” O próprio nome do movimento, Armorial, era uma referência às insígnias, brasões, estandartes e bandeiras de um povo. A heráldica, ou seja, o estudo desses símbolos, seria um fator determinante na construção de uma identidade poderosa e orgulhosa de sua própria origem. Quando divulgou o manifesto, em outubro de 1970, Suassuna já era um escritor reconhecido. Dramaturgo de mão cheia, havia publicado alguns de seus principais trabalhos, como O Auto da Compadecida, em 1955; O Santo e a Porca, em 1957; e A Farsa da Boa Preguiça, em 1960, considerada pelo próprio autor sua peça mais importante. Tinha publicado também um romance, A História de Amor de Fernando e Isaura, em 1956, e volumes de poesia. Mas foi com o lançamento de Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, em 1971, que foi lançada a base para o Movimento Armorial. A trama é baseada em um episódio real de 1836, quando uma seita tentou fazer ressurgir o rei Dom Sebastião, transformado em lenda em Portugal depois de desaparecer na África.

O chef Onildo Rocha e algumas de suas criações: fusão entre gastronomia francesa e ingredientes da culinária nordestina

Misturando elementos da cultura popular, como o cordel, e as emboladas, o trabalho foi considerado um marco fundamental da literatura nordestina, em especial após o ciclo do romance regional dos anos 1930, composto por títulos como Vidas Secas, de Graciliano Ramos; Menino de Engenho, de José Lins do Rego; e O Quinze, de Rachel de Queiroz.

Depois da publicação de A Pedra do Reino, outros artistas passaram a integrar o movimento e ampliar o escopo para diversas manifestações. O Quinteto Armorial, por exemplo, foi um dos pilares da cena. A partir da música popular regional, o grupo foi pioneiro em desenvolver uma música de câmara erudita que sintetizava a tradição clássica europeia, as raízes populares nordestinas e a influência galego-portuguesa. Foi, sobretudo, uma união de elementos folclóricos medievais com os cantadores nordestinos, mesclando instrumentos como rabeca, pífano, viola caipira, violão e zabumba com violino, viola e flauta transversal.

O primeiro LP do Quinteto, Do Romance ao Galope Nordestino, lançado em 1974, hoje disponível em qualquer plataforma de streaming, mostra exatamente a sonoridade que buscavam. Essa mescla seria revisitada por outros artistas anos mais tarde, como Alceu Valença na trilha sonora que fez para o filme A Luneta do Tempo. O próprio músico Antônio Nóbrega, líder do Quinteto Armorial, fez anos mais tarde a trilha sonora da minissérie A Pedra do Reino, da TV Globo, uma adaptação do romance de Suassuna.

A música não foi a única manifestação artística do Movimento Armorial. As artes plásticas tinham destaque, em especial a

xilogravura, da qual Gilvan Samico (1928-2013) foi o maior expoente. Tradicionalmente, a xilogravura é usada para ilustrar os cordéis em preto e branco, mas também pode dar origem a gravuras coloridas. Samico tinha um estilo próprio. “É uma linguagem clara, límpida, mas plena de ecos”, definiu o poeta Ferreira Gullar em uma crítica publicada no livro Relâmpagos , de 2003. Samico ilustrou as capas de livros de Suassuna, bem como alguns dos discos do Quinteto Armorial. O também artista plástico Francisco Brennand (1927-2019) foi outro participante. Conhecido principalmente como ceramista, trabalhou também com diversos suportes. Outras vertentes também ganharam notoriedade, como o teatro, a poesia e até a tapeçaria.

Com o passar dos anos, o período áureo do Movimento Armorial – especialmente durante a década de 1970 e no início dos anos 1980 – passou a ser revisitado por meio de exposições temáticas. Um exemplo é Movimento Armorial 50 Anos, realizada em 2020, com curadoria de Denise Mattar e consultoria de Manuel Dantas Suassuna, que percorreu diversas unidades do Centro Cultural Banco do Brasil. Em 2025, é a vez do Espaço Cultural da Universidade de Fortaleza receber a mostra Armorial 50, idealizada pela produtora Regina Godoy, com acervo composto por peças originais e reproduções de obras marcantes. Alguns artistas daquele período continuam em plena atividade, como Antônio Nóbrega, integrante do histórico Quinteto Armorial, que segue lançando discos solo. Seu espetáculo Lunário Perpétuo, aliás, inspirou o samba-enredo da escola Unidos do Porto da Pedra no Carnaval de 2024. Para além das artes plásticas, a cultura armorial encontrou um campo fértil e inesperado de desenvolvimento: a gastronomia. No início do movimento, a culinária não era sequer mencionada, apesar de ser uma área rica em possibilidades de cruzamento entre o erudito e o popular. O chef paraibano Onildo Rocha, um dos principais nomes da nova gastronomia

brasileira, sempre questionou essa ausência. Em uma conversa com Ana Rita Suassuna, prima de Ariano e profunda conhecedora da cozinha sertaneja, compartilhou sua inquietação. Ana Rita refletiu por um instante antes de responder: Ariano não comia por prazer, mas por necessidade. Para ele, o alimento não fazia parte do debate estético e simbólico que norteava o movimento. Ainda assim, Rocha enxergou na Cozinha Armorial um paralelo evidente com sua própria prática: a fusão entre as técnicas clássicas da gastronomia francesa e os ingredientes, narrativas e rituais da culinária popular nordestina. Com a bênção de Ana Rita, apresentou oficialmente o conceito de Cozinha Armorial no evento Mesa Tendências, em 2017 – e, desde então, tem contribuído para manter vivo, à sua maneira, o espírito do manifesto original. Onildo Rocha conta que começou a cozinhar ainda jovem, por necessidade. Mais tarde, trabalhou em restaurantes em João Pessoa e Recife, até que decidiu ampliar seus horizontes na Europa, onde estudou e trabalhou com grandes nomes da gastronomia. “Foi uma oportunidade de conhecer outras culturas e técnicas, o que ampliou muito minha visão sobre comida”, diz. Hoje, ele comanda as cozinhas do Notiê – restaurante indicado pelo prestigiado Guia Michelin – e do Abaru, ambos localizados no complexo Priceless, na cobertura do Shopping Light, em São Paulo. Lá, seus menus são criados a partir de expedições culinárias por diferentes biomas brasileiros. Depois de percorrer o Sertão, a Amazônia e a Mata Atlântica, seu cardápio mais recente nasceu de andanças pela Chapada Diamantina. Entre os pratos servidos estão o abará, shissô e castanha-do-brasil, além do canolo de godó de banana verde, releitura refinada de um ensopado popular de subsistência transformado em elegante entrada. As origens são populares e as técnicas e a apresentação, sofisticadas. E é justamente nessa fusão que a Cozinha Armorial encontra seu sentido, mantendo viva, à mesa, a alma do movimento criado por Ariano Suassuna.

Reinvenção cremosa

Novos sabores e produção artesanal impulsionam o mercado brasileiro de manteiga

© Divulgação

WWORLD FAIR

A grande feira mundial do estilo e do consumo

As regiões produtoras do mundo

A NATA DO PASTO

Com sabores e formatos inovadores, mercado brasileiro de manteiga está aquecido pelas novas oportunidades de consumo e boas práticas de produção artesanal

Ana Lucia Silva e André Sollitto

Areceita é simples. Manteiga é nata batida até quebrar a emulsão do leite. Parece pouco, mas o alimento está presente na história da humanidade desde o período Neolítico – quando começou a domesticação de animais ruminantes – e já era consumido na África, no Oriente Médio e na Ásia antes mesmo de se transformar em símbolo europeu. A manteiga já foi sustento de viúvas e mulheres solteiras, luxo com o selo Maria Antonieta e vilã das artérias. Agora, ganha novos significados com uma produção brasileira impulsionada pela valorização das padarias artesanais e da própria viennoiserie (a arte da massa folhada fermentada, como os croissants) nacional. O resultado é uma cadeia mais rica, que reconhece a qualidade desde o início, no produtor rural.

Para entender o momento atual, em que a produção artesanal começa a ganhar espaço no mercado, é preciso voltar no tempo. Historicamente, a manteiga sempre esteve ligada ao universo feminino. No livro Butter: A Rich History, a jornalista Elaine Khosrova conta que a ordenha das vacas e a produção de laticínios era uma função das mulheres, baseada em uma noção de pureza e fertilidade, e que dava certo prestígio e liberdade a quem produzia o ingrediente. Na Europa, o modo de fazer – e a receita de cada família – era passado entre as gerações de mães e filhas e englobava conhecimentos como a alimentação dos animais, o clima e o tempo de descanso para a formação da nata.

Tratava-se, de fato, de um produto artesanal. As manteigas produzidas pelo método de afloramento natural, em que a nata se separa do líquido do leite em um processo de 12 horas, eram temperadas com sal ou ervas e carimbadas com moldes decorados e enfeitados por fitas, como uma assinatura da produtora. As melhores já tinham destino certo, sendo enviadas para os clientes quase como um serviço de assinatura, enquanto

O alimento está presente na história da humanidade desde o período neolítico, quando começou a domesticação de animais

Divulgação

outras vendiam suas produções nas feiras. O auge desse modelo ocorre entre os séculos 16 e 17, quando as cidades cresceram e a demanda pelo produto aumentou, assim como o surgimento de fazendas dedicadas à produção de laticínios.

Na cultura europeia, é recorrente a figura romantizada da dairy maid – a mulher leiteira –, retratada em pinturas bucólicas que encantavam a aristocracia. Também são comuns referências mitológicas a deusas do leite, símbolos de fertilidade e abundância. No século 18, na França, surgiram as laiteries ou pleasure dairies, os espaços luxuosos que simulavam ambientes de produção de manteiga e queijo, permitindo que damas da nobreza experimentassem, de forma idealizada, a vida rural e uma certa visão da feminilidade. Segundo o livro Dairy Queens, Maria Antonieta possuía uma dessas construções, que incluía até uma sala de degustação para ela e suas acompanhantes.

O protagonismo feminino, no entanto, foi relegado ao passado. Com o início da industrialização, as mulheres ainda utilizavam batedeiras manuais de madeira, acionadas por alavancas, que se tornavam cada vez maiores e mais pesadas, exigindo força física e dificultando a continuidade do trabalho feminino. Aos poucos, os homens passaram a assumir a dianteira da produção. A Revolução Industrial mecanizou o processo e introduziu o método de centrifugação, em que o leite é batido até que o líquido se separe e a manteiga se fixe nas paredes do recipiente. Essa nova dinâmica favoreceu a produção em larga escala e desestimulou os pequenos produtores, que passaram a vender seu leite para as indústrias.

Fato é que a manteiga ocupa um papel central na alimentação, especialmente em países como a França, onde é base fundamental da gastronomia. Além de dourar carnes e enriquecer molhos, ela é essencial na produção de folhados como o croissant e o pain au chocolat, feitos a partir de massas finas

A Manteigaria Nacional virou uma alternativa a marcas consagradas como a francesa Isigny Ste Mère

intercaladas com placas de manteiga laminadas, uma técnica que exige um tipo específico do ingrediente, conhecido como beurre de tourage. Foi justamente nesse nicho que a Manteigaria Nacional viu uma oportunidade. Regiane Rêgo, fundadora da empresa sediada em Luziânia (Goiás), prestava consultoria a um laticínio quando percebeu duas lacunas: a indústria tinha dificuldade para escoar a produção de creme de leite, e o mercado da panificação carecia de uma manteiga adequada para viennoiseries – com alto teor de gordura (acima de 82%) e baixa concentração de água, difícil de encontrar no Brasil. “Desenvolvemos uma técnica baseada na baratagem, que consiste em bater o creme de leite até separar a gordura da água, e conseguimos atingir umidade entre 5 e 10% apenas”, diz Regiane. Mesmo sem uma receita herdada de família, Regiane chegou a uma fórmula de sucesso. “São necessários 100 litros de leite para produzir 1 quilo de creme de leite fresco, que resulta, em média, em 700 gramas de manteiga. Trabalhamos com creme de no máximo sete dias e não utilizamos aditivos químicos. Isso garante um sabor mais puro, além de um pH mais equilibrado e com menor acidez”, explica. Com o aquecimento do mercado de panificação e confeitaria artesanal, a empresa tem se beneficiado da crescente demanda por produtos de alta qualidade e produção controlada.

Com o crescimento do mercado de panificação artesanal e viennoiserie no Brasil, a Manteigaria Nacional vem se consolidando como uma alternativa nacional às marcas consagradas no segmento, como a francesa Isigny Ste Mère e a argentina La Serenissima, bastante popular entre os padeiros. Além do fornecimento para o mercado profissional, a empresa também expandiu sua atuação para o público final, com um portfólio voltado ao consumidor (B2C). Em sua loja na Vila Madalena, em São Paulo, a marca oferece itens de maior valor agregado, como ghee, manteigas saborizadas com ervas, alho negro, mel e até frutas.

Gastronomia W

Selos de certificação de origem atestam boas práticas de manejo, controle sanitário e atenção ao bem-estar animal

Segundo Regiane, a Manteigaria Nacional foi construída com foco na sustentabilidade. “É uma empresa alinhada com os valores que o público busca hoje, como responsabilidade ambiental e compromisso social”, afirma. Além de utilizar sua própria fonte de água, desde outubro de 2024 a empresa conduz um projeto de reflorestamento em Luziânia (GO), onde está localizada sua sede. Batizada de Arvoredo Nacional, a iniciativa já plantou mais de 660 árvores e tem como meta alcançar 100 mil mudas. O objetivo é contribuir para a absorção de dióxido de carbono (CO₂), reduzir os efeitos negativos das mudanças climáticas, melhorar a sensação térmica da cidade e aumentar a umidade relativa do ar. Para isso, foi criado um

sistema que prevê o plantio em locais estratégicos como escolas, praças e canteiros durante o período chuvoso. Na estação seca, a empresa distribui mudas para parceiros interessados e participa do monitoramento e do acompanhamento do crescimento das plantas.

A Manteigaria Nacional foi a primeira empresa do País a obter o Selo Arte para manteiga. Concedido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o selo autoriza a comercialização interestadual de alimentos artesanais – como queijos, mel, embutidos e, agora, manteiga – produzidos por agroindústrias de pequeno porte. Trata-se de um reconhecimento importante para produtores que seguem métodos tradicionais e priorizam a qualidade artesanal.

O cuidado com a qualidade começa ainda no campo. “Trabalhamos como se fôssemos sommeliers de creme, selecionando os melhores produtores das principais bacias leiteiras do País, como Rio Grande do Sul, Goiás e Minas Gerais”, afirma Regiane. A Manteigaria Nacional adquire matéria-prima exclusivamente de fornecedores com certificação de origem. Os critérios variam conforme o selo, como o Programa Nacional de Qualidade do Leite (PNQL), do Ministério da Agricultura, mas, em geral, exigem boas práticas de manejo, controle sanitário e atenção ao bem-estar animal. Isso inclui desde instalações adequadas até uma alimentação balanceada para as vacas leiteiras, fator decisivo para a qualidade do leite. Afinal, é a boa nata que dá origem à manteiga – e, com ela, ao sabor inconfundível de um croissant quentinho.

Colheita inteligente

Modelagem 3D revela como irrigação e reguladores de crescimento elevam a qualidade e a produtividade do café

SSTARTAGRO

As inovações para o futuro da produção

As inovações para o futuro da produção

CAFÉ EM 3D

ESTUDO USA MODELAGEM DIGITAL DE PLANTAS E REGULADORES DE CRESCIMENTO PARA MELHORAR

A MATURAÇÃO E A QUALIDADE DOS FRUTOS EM UM CENÁRIO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Ofuturo da produção de café depende cada vez mais da adoção de práticas de manejo inovadoras, capazes de conciliar produtividade, qualidade e sustentabilidade, especialmente diante de condições climáticas cada vez mais imprevisíveis. Essa é uma das principais conclusões de um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros, que analisaram como reguladores de crescimento vegetal e estratégias de irrigação impactam o desenvolvimento fisiológico e a qualidade dos frutos na fase de maturação.

Com o uso de técnicas avançadas de modelagem funcional-estrutural de plantas (FSPM) e modelagem tridimensional, o estudo avaliou os efeitos do ácido giberélico (GA₃) e do Ethephon aplicados em cafeeiros no início da maturação dos frutos. “A pesquisa buscou entender como esses tratamentos influenciam a área foliar, a fotossíntese, a uniformidade da maturação e a qualidade química dos grãos”, diz o professor Fabio Takeshi Matsunaga, mestre em Ciência da Computação e docente da UniSenai.

Entre os objetivos do estudo estavam avaliar se os reguladores de crescimento impactam a atividade fotossintética e a área foliar ao longo da maturação, além de verificar sua influência na uniformidade dos frutos. A equipe também investigou como a distribuição vertical dos frutos na planta afeta a qualidade química e comparou o desempenho de plantas irrigadas e não irrigadas.

As medições de campo foram realizadas em duas etapas: antes do início da irrigação, em março, e durante a maturação, em maio. Os reguladores foram aplicados em cafeeiros de sete anos de idade, e foram monitorados indicadores como trocas gasosas foliares, produtividade por estrato da planta e características químicas dos grãos.

Para modelar as plantas em 3D, os pesquisadores utilizaram o software CoffeePlant3D, que reconstruiu com precisão a arquitetura

dos cafeeiros com base em grafos de árvores multiescalares (MTGs). A modelagem permitiu estimar variáveis como distribuição de folhas e frutos, área foliar total e fotossíntese média diária. Esses dados simulados foram validados com as medições de campo.

Segundo Matsunaga, a modelagem foi crucial porque seria inviável medir manualmente todos os galhos de plantas adultas. “Fizemos medições completas apenas de alguns ramos, e com base nesses dados geramos representações virtuais da planta real”, afirma. Para completar a estrutura, algoritmos matemáticos foram usados para estimar características dos galhos não medidos, como número de folhas, comprimento, ramificação e posição dos frutos. “Seria praticamente impossível realizar esse nível de detalhamento manualmente no campo”, diz o pesquisador.

Outro recurso empregado foi o software VegeStar, que integrou dados climáticos locais à estrutura 3D da planta, permitindo simular a fotossíntese com base na posição de cada folha e sua exposição à luz solar ao longo do dia. “A modelagem 3D nos permitiu análises que seriam extremamente limitadas com observações tradicionais, tornando possível prever o comportamento fisiológico da planta diante de diferentes tratamentos”, afirma Matsunaga.

Os resultados foram expressivos. O tratamento melhorou significativamente a uniformidade da maturação dos frutos e reduziu o teor de ácido clorogênico – um composto que, em excesso, pode afetar negativamente o sabor do café. Já o Ethephon apresentou melhor desempenho na produção de frutos maduros no estrato médio da planta (entre 80 e 160 cm), embora com menor teor de massa seca comparado ao GA₃.

A irrigação também teve impacto decisivo. Cafeeiros que receberam irrigação controlada por seis semanas apresentaram maior preservação da área foliar, fotossíntese mais eficiente e melhora tanto na produtividade quanto na qualidade química dos grãos. Embora o proces-

so tenha retardado levemente a maturação, compensou ao evitar perdas significativas de rendimento e qualidade. Por outro lado, plantas não irrigadas registraram redução expressiva na produção de frutos vermelhos, menor área foliar e queda na atividade fotossintética, evidenciando os efeitos negativos mesmo de déficits hídricos de curta duração.

Para Matsunaga, o principal diferencial do trabalho foi integrar a análise da distribuição dos frutos nos ramos com o funcionamento fisiológico da planta como um todo, por meio da FSPM e da modelagem 3D: “Confirmamos que os reguladores de crescimento, especialmente o GA₃, favorecem a maturação uniforme dos frutos e que a irrigação sustentável, quando aplicada estrategicamente, preserva a fisiologia da planta e melhora a produtividade”.

Na prática, o estudo oferece diretrizes valiosas para o manejo de cafeeiros, especialmente em relação ao uso racional de reguladores de crescimento e da irrigação em momentos-chave do ciclo da planta. “Essas ferramentas permitem ganhos significativos em qualidade e produtividade, contribuindo para uma cafeicultura mais eficiente e sustentável”, ressalta o pesquisador.

Além do impacto prático, a pesquisa representa um marco acadêmico: é a primeira vez que a modelagem funcional-estrutural foi aplicada para estudar os efeitos de reguladores de crescimento em cafeeiros. Ao integrar fisiologia vegetal, agricultura digital e inteligência computacional, o trabalho abre novas perspectivas para compreender, prever e otimizar processos biológicos complexos.

Em um cenário de mudanças climáticas e exigências crescentes por sustentabilidade, o uso de tecnologias digitais avançadas tende a se tornar indispensável. Para a cafeicultura brasileira, uma das mais relevantes do mundo, a incorporação de ferramentas como a modelagem 3D pode ser decisiva para aumentar a eficiência, garantir qualidade e manter competitividade no mercado global.

A MAIOR FESTA DO AGRO

Com a presença de cinco governadores e lideranças nacionais e internacionais do agro, GAFFFF 2025 reúne mais de 30 mil pessoas e reforça protagonismo do Brasil na produção mundial de alimentos e bioenergia

P or r onaldo l uiz

Global Agribusiness Festival (GAFFFF), maior evento de cultura agro do mundo, reuniu mais de 30 mil pessoas no Allianz Parque, na cidade de São Paulo (SP), durante os dois dias de evento, 5 e 6 de junho. Organizado pela DATAGRO, consultoria agrícola com mais de 40 anos de atuação em mais de 50 países, e apresentado pela XP e pela Corteva Agriscience, o festival contou com a participação dos governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos), Romeu Zema (Novo), Eduardo Riedel (PSDB), Ronaldo Caiado (União Brasil) e Helder Barbalho (PMDB). Também estiveram presentes o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (PMDB), a senadora Tereza Cristina (Progressistas), lideranças do setor e convidados internacionais.

“A presença de representantes de mais de 30 países confirma que o Brasil tem um protagonismo indiscutível na transição para uma economia mais sustentável e na produção de alimentos, fibras e bioenergia. O GAFFFF 2025, mais uma vez, contribuiu para posicionar o agronegócio brasileiro como estratégico para o mundo”, afirma Luiz Felipe Nastari, diretor de Comunicação, Educação e Eventos da DATAGRO.

A feira de negócios do GAFFFF foi um dos grandes destaques da edição, reunindo 190 expositores, 60 startups e 120 produtores artesanais. O espaço funcionou como um hub de inovação, relacionamento e oportunidades comerciais, reunindo empresas líderes, empreendedores e representantes de diversas regiões do País.

A programação do festival foi estruturada a partir dos quatro pilares que definem sua identidade: Fair (expositores e negócios), Forum (conteúdo e debates estratégicos), Food (experiências gastronômicas) e Fun (entretenimento e cultura).

Nos três palcos simultâneos do Forum, foram discutidos grandes temas que moldam o presente e o futuro do agronegócio brasileiro e mundial. Lideranças como Gro Brundtland, ex-primeira-ministra da Noruega e referência global em desenvolvimento sustentável; Shona Sabnis, vice-presidente de Assuntos Públicos da Corteva Agriscience; e Roberto Rodrigues, professor emérito da FGV e embaixador especial da FAO para o cooperativismo, compartilharam visões estratégicas que conectam inovação, susten-

tabilidade e políticas públicas em escala global.

Destaque-se também a participação de Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, que assinou um manifesto em defesa da diversidade, equidade e inclusão no agronegócio, ao lado de Plinio Nastari, presidente da DATAGRO, e Sylvia Coutinho, ex-CEO do UBS Brasil e América Latina e atual membro de conselhos de administração.

“O Fórum do GAFFFF não é apenas uma vitrine de ideias, é um espaço de construção coletiva, onde diferentes visões se encontram para traçar caminhos concretos para o futuro do agro”, disse Plinio Nastari, presidente da DATAGRO. “Reunimos lideranças que estão verdadeiramente comprometidas com a transformação, com coragem para enfrentar os desafios e clareza para propor soluções de longo prazo. E o mais importante é que esse conteúdo foi acessível a todos que participaram do festival, porque acreditamos que as grandes discussões do agro precisam estar abertas à sociedade.”

A Arena de Fogo foi um dos espaços mais concorridos do evento e atraiu milhares de visitantes com a preparação de 5 toneladas de carnes assadas em tempo real. Ao longo de mais de dez horas de aulas-show, chefs e assadores consagrados compartilharam técnicas, histórias e sabores que celebram a tradição da proteína animal no Brasil. Nomes como Cleber Lamarca, Roberto Barcellos, Helô Palácio, Marcos Livi e Tállita Machado, entre outros, se revezaram para proporcionar uma verdadeira imersão gastronômica.

No pilar de entretenimento, o Allianz Parque viveu duas noites de celebração. No primeiro dia, as duplas Fiduma & Jeca e Fernando & Sorocaba embalaram o público, com participação da cantora Fiorella e um momento especial protagonizado por Edson & Hudson, que apresentaram a música em homenagem aos 70 anos do Barretão. No segundo dia, Thiago Carvalho e a dupla Gabi & Rapha abriram a programação musical, que foi encerrada com o cantor Leonardo.

“O que vimos foi a força de uma conexão que emociona e transforma”, diz Luiz Felipe Nastari. “Quando conhecimento, sabor, arte e propósito se encontram, o resultado vai além de um evento, vira

uma experiência que marca quem participa e inspira novas formas de enxergar o agro e a sociedade.”

Confira a seguir o que de mais relevante aconteceu no GAFFFF 2025.

ABERTURA NO DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE

Com uma cavalgada, composta por cerca de cem cavaleiros e amazonas, que saiu do Parque da Água Branca para o Allianz Parque, em uma distância de pouco mais de 1 quilômetro na capital paulista, a edição 2025 do GAFFFF foi aberta no dia 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente.

A data, disse o presidente da DATAGRO, Plinio Nastari, na cerimônia de abertura do evento, não foi escolhida à toa: “Decidimos abrir o GAFFFF neste dia exatamente para destacar e, uma vez mais, comemorar a sustentabilidade do agro brasileiro”.

A solenidade de abertura do GAFFFF buscou como mensagem principal destacar a importância do agro para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil em consonância com o meio ambiente. “A economia brasileira não seria o que é sem o agro”, disse Nastari. “O agro do Brasil entrega volume, sanidade,

diversidade, qualidade e sustentabilidade a preços justos para o consumidor e competitivos para o produtor.”

Rafael Furlanetti, sócio-diretor institucional da XP, pontuou que “o agro é a solução de curto, médio e longo prazo para o Brasil”. Por sua vez, Felipe Daltro, diretor sênior da Corteva, afirmou que o “agro é o carro-chefe da economia nacional”.

O QUE DISSERAM AS AUTORIDADES

“O agro é o setor que mais protege e preserva o meio ambiente. Mais de 30% da mata nativa brasileira está dentro das propriedades rurais. O Brasil é uma potência agroambiental e, aqui no Allianz Parque, quem faz o gol é o agro”

(Tereza Cristina, senadora)

“Com sua relevância para a segurança alimentar e energética global, o agro é que coloca o Brasil como protagonista na comunidade internacional”

(Alceu Moreira, deputado federal e membro da Frente Parlamentar da Agropecuária)

“O GAFFFF contribui de maneira decisiva para comunicar o agro para as cidades. O estado precisa

ter respeito pelo que o agro faz pelo desenvolvimento socioeconômico de nosso País”

(Pedro Lupion, deputado federal e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária [FPA])

“O agro é o único setor da economia que sequestra carbono, e isso é um dos atributos positivos do segmento que precisa ser contado para as novas gerações”

(Eduardo Riedel, governador do Mato Grosso do Sul)

“O agro brasileiro não é só commodities. Em Minas Gerais, temos uma produção de alto valor agregado, de queijos, cafés, vinhos, azeites, sobretudo de produtores de pequeno e médio porte”

(Romeu Zema, governador de Minas Gerais)

“Participar da cavalgada foi um sentimento único de mostrar aqui na selva de concreto a força do agro para as cidades. O GAFFFF é o Rock in Rio do agro”

(Guilherme Piai, secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo)

GOVERNADORES DEFENDEM REFORMAS

Governadores de importantes estados produtores do agro defenderam uma agenda reformista do Estado brasileiro. Segundo Tarcísio de Freitas (São Paulo), Eduardo Riedel (Mato Grosso do Sul), Ronaldo Caiado (Goiás) e Antonio Denarium (Roraima), o Brasil precisa de reforço institucional para a segurança jurídica e a aprovação de reformas estruturais que garantam um ambiente regulatório mais estável.

Tarcísio destacou que o agro é uma fortaleza do estado de São Paulo. O mandatário paulista disse que produção agropecuária e proteção ambiental são perfeitamente compatíveis, usando como exemplo a recente lei do licenciamento ambiental aprovada no Senado Federal e que tramita agora na Câmara dos Deputados.

Caiado salientou que o agro brasileiro é referência mundial em produção, tecnologia e sustentabilidade, e criticou “a hipocrisia de países desenvolvidos em relação a questões ambientais”.

De seu lado, Riedel lembrou dos desafios de infraestrutura logística, que, apesar de avanços recentes, ainda representam importante gargalo para o setor.

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PRODUTORES DE MILHO DOS EUA

AFIRMAM QUE VEEM VALOR NA OMC

A gerente de Políticas Públicas, Comércio e Biotecnologia da Associação dos Produtores de Milho dos Estados Unidos (NCGA, na sigla em inglês), Nancy Martinez, afirmou que a entidade enxerga valor na Organização Mundial do Comércio (OMC) mesmo diante do distanciamento de seu país do órgão. “Nesse sentido, o maior desafio que observamos é uma reforma na capacidade de deliberação da organização", disse.

TRUMP E O COMÉRCIO INTERNACIONAL

Com o tarifaço e seus inúmeros vaivéns, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, rasgou o livro das regras do comércio mundial, pontuou o pecuarista e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira, Pedro de Camargo Neto. Camargo Neto é considerado um dos maiores especialistas em comércio agrícola internacional. Foi secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura entre 2001 e 2002, quando idealizou os contenciosos do algodão (entre Brasil e EUA) e do açúcar (entre Brasil e UE) na OMC.

Na sua avaliação, o cenário geopolítico atual, que impacta as relações comerciais entre os países, está mais confuso que no pós-guerra.

Eduardo Brito Bastos, do Comitê de Sustentabilidade da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), avaliou que, diante das transformações do comércio global, o Brasil tem a oportunidade de investir cada vez mais no ecossistema de produção e venda de produtos agrícolas de baixo carbono, um caminho a ser visto com atenção.

RISCO CLIMÁTICO, CRÉDITO E FINANCIAMENTO

Especialistas em clima e do mercado financeiro alertaram que o risco climático é cada vez mais considerado para a liberação de crédito e operações de financiamento agrícola. De acordo com a conselheira independente de empresas como Porto Seguro e Banco ABC e integrante do Pacto Global da ONU no Brasil, Denise Hills, o mercado já entendeu que as mudanças climáticas interferem na dinâmica dos negócios, o que faz com que o financiador coloque este ponto como critério na tomada de decisão para liberar ou não crédito.

TAXA DE JUROS

Executivos de grandes grupos empresariais do agro brasileiro criticaram as taxas de juros praticadas atualmente no País. Segundo Aurélio Pavinato (SLC Agrícola), Diego Schlatter (Grupo Schlatter), Marcelo Pereira Ribeiro (Grupo Tamburi) e Rogério Ferrarin (Grupo GGF), o custo de empréstimo de capital hoje é impeditivo para o setor produtivo. De acordo com Schlatter, o agricultor precisa ter muito cuidado com os cálculos relacionados à relação de troca de insumos pela produção.

AGRO É UM MERCADO DE ALTA RELEVÂNCIA

A vice-presidente global de assuntos públicos da Corteva Agriscience, Shona Sabnis, revelou que a multinacional especializada em tecnologias de insumos agrícolas investe cerca de US$ 4 milhões por dia em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Anualmente, a cifra chega a US$ 1,4 bilhão, considerando moléculas químicas e a nova fronteira dos bioinsumos. “O Brasil é de alta relevância para a Corteva”, disse a executiva.

A PECUÁRIA MODERNA PRESERVA

O presidente e CEO global da Alltech, Mark Lyons, disse que a pecuária tem o desafio de melhorar sua comunicação com a opinião pública para mostrar que o setor não é um vilão quando se trata de emissões de gases na atmosfera. De acordo com o executivo, o segmento investe incessantemente em novas tecnologias e técnicas de manejo do plantel para elevar a eficiência produtiva e reduzir as emissões.

COP SERÁ OPORTUNIDADE PARA O AGRO

A presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, afirmou que o agro brasileiro não pode perder a oportunidade de se posicionar na COP30, que acontece em novembro em Belém (PA), como parte da solução, e não do problema, no combate às mudanças climáticas: “A Embrapa será a casa do agro brasileiro na Conferência do Clima, uma vitrine das tecnologias e boas práticas sustentáveis do agro brasileiro para o mundo”.

Também presente no painel, o presidente da ABCZ, Gabriel Garcia Cid, discorreu sobre a modernização tecnológica da pecuária, que viabilizou ga-

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nhos de rendimento dos rebanhos e avanços na qualidade da carne. O coordenador da FGV Agro, Guilherme Bastos, pontuou que a agenda no agro tem de conciliar o acesso das pessoas a alimentos e energia com retorno financeiro para o produtor. Por sua vez, o diretor comercial da Koppert, Gustavo Herrmann, tratou da expansão das ferramentas de controle biológico na agricultura brasileira.

NEGACIONISMO PERSISTE

A ex-primeira-ministra da Noruega, Gro Brundtland alertou que há uma proliferação de desinformação, sobretudo nas redes sociais, a respeito dos impactos das mudanças climáticas. “Existem países e políticos que querem que esse fluxo de desinformação continue e aumente em favor de interesses próprios”, disse a ex-diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS).

COP30 SERÁ VIRADA DE CHAVE

O governador do Pará, Helder Barbalho, afirmou que a Conferência das Mudanças Climáticas, que será realizada em Belém, em novembro, será uma virada de chave para a agenda da sustentabilidade no Brasil: “Daqui em diante, só quem

conciliar sua atividade produtiva com redução de emissões de gases de efeito estufa continuará operando ativo no mercado.”

FILANTROPIA PARA AS FLORESTAS

O secretário executivo do Consórcio Amazônia Legal e Conselheiro da Tropical Forest Alliance, Marcello Brito, disse que a agenda de recursos da comunidade internacional de caráter filantrópico destinados à proteção das florestas está esgotada. “Daqui em diante, esse tipo de financiamento só retornará caso o desmatamento e a grilarem de terras sejam, de fato, extirpados”, disse. Para a diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sueme Mori, o fato de os indicadores considerados para se medir práticas sustentáveis estarem baseados na realidade da agricultura de clima temperado prejudica o agro brasileiro tropical.

De acordo com o diretor de Relações Governamentais da Suzano, Leonardo Mercante, as florestas plantadas não são passíveis de geração de créditos de carbono sob o guarda-chuva do Acordo de Paris exatamente por causa de controvérsias metodológicas. Para o professor e conselheiro da Associação

Brasileira do Agronegócio (Abag), Christian Lohbauer, é preciso interromper o fluxo de informações equivocadas acerca do agro brasileiro que são transmitidas para fora do País.

SISTEMA ILPF É EXEMPLO DE SUSTENTABILIDADE

O presidente executivo da Rede ILPF, Francisco Matturro, destacou o trabalho que a Rede ILPF vem desenvolvendo para expandir a adoção do Sistema de Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) no agro brasileiro. O painel teve moderação de Cesario Ramalho, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira e atual coordenador do Conselho do Agronegócio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), e também contou com a participação do chefe-geral da Embrapa Territorial, Gustavo Spadotti.

PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS E DE ALIMENTOS SE COMPLEMENTAM

“A agricultura energética está alavancando a produção de alimentos”, disse o presidente da DATAGRO, Plinio Nastari. O painel procurou desmistificar um dos maiores mitos: o de que a produção de biocombustíveis compete com o cultivo de alimentos. Mo-

derada por Guilherme Nolasco, presidente executivo da União Nacional do Etanol de Milho (Unem), a sessão contou com a participação de Harold Wolle, membro do Conselho da National Corn Growers Association (EUA), e Luciane Chiodi Bachion, sócia e pesquisadora sênior da Agroicone. Todos reforçaram que a agricultura energética, quando bem conduzida, é uma aliada direta da segurança alimentar.

“Hoje, a produção de etanol de cana e de milho gera subprodutos”, disse Bachion. “Quanto mais se produz etanol de cana, mais se produz açúcar. O milho, por sua vez, gera óleo. Isso aumenta a produção de alimentos e combustível.” Já Harold Wolle alertou para o impacto negativo da desinformação: “Quando os países não usam políticas baseadas em ciência, os produtores sofrem”.

BIOINSUMOS SÃO UMA NECESSIDADE NO AGRO BRASILEIRO

Com uma área potencial de mais de 156 milhões de hectares na safra 2024/25, os bioinsumos são uma realidade nas lavouras brasileiras. A sustentabilidade agregada ao setor pela tecnologia foi tema de painel que contou com a participação de Eduardo Leão, diretor-presidente da CropLife

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Brasil (CLB), associação que representa a indústria de pesquisa e desenvolvimento de bioinsumos.

Claudio Brisolara, economista da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp), destacou o potencial transformador dos bioinsumos: “Eles têm capacidade de levar a agricultura brasileira para outro patamar”, disse. “Nós temos um potencial de biodiversidade escondido no Brasil e estamos apenas no começo.”

Para Frédéric Beudot, líder global de biológicos da Corteva Agriscience, os bioinsumos contribuem para a eliminação de pragas e possibilitam a produção de mais alimentos, especialmente em um cenário de crescimento populacional e aumento da demanda por alimentos. Além deles, a diretora de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas do Ministério da Agricultura (Mapa), Edilene Cambraia, e o diretor executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Marcio Portocarrero, também participaram do painel.

A FORÇA DO PORTO DE SANTOS

Anderson Pomini, presidente da Autoridade Portuária do Porto de Santos, e Fernando Quintas, pre-

sidente da CS Infra, em painel conduzido por Gabriel Fonseca, gerente-geral comercial na VLI Logística, promoveram um debate sobre o papel primordial e a expansão de um dos setores que mais fazem a indústria agro rodar: o transporte de cargas. O painel destacou que cerca de 30% do custo do agronegócio está ligado à cadeia logística.

AGRO PODE TRANSFORMAR O BRASIL

Luiza Helena Trajano é uma das empresárias mais influentes do Brasil, reconhecida por sua trajetória à frente da rede varejista Magazine Luiza. Além de seu papel no mundo corporativo, Luiza Trajano se destaca também por sua atuação social. Ela é fundadora do grupo Mulheres do Brasil, iniciativa que reúne milhares de mulheres de diferentes áreas para atuar em causas como educação, empreendedorismo, combate à violência e igualdade racial e de gênero. Trajano foi convidada para palestrar no painel “ESG Nos Novos Tempos”. Ao lado de Sylvia Brasil Coutinho, ex-CEO da UBS Brasil e América Latina e membro do conselho Edenred e Cosan, ela discorreu sobre governança e eficiência no mundo dos negócios.

BRASIL COMO REFERÊNCIA NO AGRO MUNDIAL

No painel moderado por Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e Pecuária, Guilherme Scheffer, diretor da Scheffer Oficial; Marcus Thieme, CEO da Caramuru Alimentos; e Ricardo Faria, chairman da Global Eggs, avaliaram a posição de referência do produtor brasileiro no mundo e as oportunidades do agro nacional. À frente de empresas líderes em suas respectivas áreas (algodão, ovos e grãos), os painelistas detalharam como os negócios estão se adaptando às demandas do mercado com o apoio de novas e cada vez mais necessárias tecnologias.

DÓLAR ENTRA EM CICLO DE DESVALORIZAÇÃO

O painel contou com Pablo Spyer (Vai Tourinho S/A), Alex Lima (DA Economics), Roberto Luis Troster e Felipe Guerra (Legacy Capital). O diagnóstico comum é de um ambiente volátil, com juros pressionados, incerteza fiscal e uma reorganização nas dinâmicas globais de investimento. No mesmo painel, Pedro Freitas (XP Banco de Atacado), Alexandre Trevizan (Re/Max Agro), Guilherme Rodrigues da

Cunha (Ceres Investimentos) e outros palestrantes discutiram sobre o mercado de terras.

GAFFFF TEM VOCAÇÃO AMBIENTAL

O GAFFFF utilizou 45 mil litros de combustível renovável para abastecer os geradores responsáveis pela energia e fazer todo o evento funcionar. O biocombustível foi fornecido pela Be8, uma das maiores produtoras de biocombustíveis do Brasil.

REALIZADORES

O Global Agribusiness Festival é uma realização de: DATAGRO, Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Associação Brasileira de Produtores de Milho (Abramilho), Bioenergia Brasil, CropLife Brasil, Aliança Internacional do Milho (Maizall), Sociedade Rural Brasileira (SRB) e União Nacional do Etanol de Milho (Unem). XP e Corteva Agriscience apresentaram a edição do GAFFFF de 2025.

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ENERGIA CADA VEZ MAIS LIMPA

O evento ISO DATAGRO reforça o papel estratégico dos biocombustíveis do Brasil na agenda global de mobilidade sustentável

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nova York recebeu no dia 15 de maio mais uma edição do CITI ISO DATAGRO Sugar & Ethanol Conference, evento técnico oficial do NY Sugar Dinner, que há 18 anos é referência no mercado global de açúcar e etanol. A conferência deste ano reuniu mais de 500 pessoas, entre as quais estavam lideranças políticas brasileiras e executivos do setor sucroenergético, para discutir o protagonismo dos biocombustíveis na mobilidade sustentável global, segmento no qual o Brasil se posiciona como líder incontestável.

Entre os presentes estavam representantes dos três organizadores do evento: André Cury, head do Citi Brasil; José Orive, diretor executivo da Organização Internacional do Açúcar (ISO, em inglês); e Plinio Nastari, presidente da DATAGRO.

Nastari abriu os trabalhos ressaltando as mais recentes políticas públicas aprovadas no Brasil favoráveis à transição energética para uma economia de baixo carbono, com destaque para as legislações do Combustível do Futuro e os programas Mover e Paten.

Principal autoridade presente na cerimônia de abertura, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, assinalou que o setor sucroenergético é pilar da economia nacional e que o Brasil tem avançado em soluções reais para viabilizar a transição energética para uma economia de baixo carbono. “Nosso país se posiciona de maneira singular e com responsabilidade nessa temática, apresentando condições ímpares para liderar o esforço globalmente em uma jornada em que o etanol tem papel determinante”, disse. O deputado Pedro Lupion, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), salientou que os biocombustíveis são peça-chave da mobilidade sustentável, o que abre um grande leque de oportunidades para o Brasil, no que foi endossado pelo deputado Arnaldo Jardim, vice-presidente do colegiado. Jardim citou outras fontes renováveis com enorme potencial, como o biometano/biogás, além das possibilidades que despontam com o uso destas e de outras energias

limpas na aviação e no transporte marítimo. Por sua vez, a senadora Tereza Cristina chamou a atenção para a necessidade de regulamentação da lei do mercado de carbono, o que, segundo ela, permitirá a monetização de ativos ambientais, favorecendo as iniciativas de desenvolvimento sustentável. Em sua exposição, Tereza criticou ainda a elevada taxa de juros no Brasil.

A cerimônia de abertura contou ainda com as presenças da governadora de Pernambuco, Raquel Lyra; do secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Mato Grosso do Sul, Jaime Verruck, que representou o governador Eduardo Riedel; do vice-governador de Minas Gerais, Mateus Simões de Almeida; da deputada federal Marussa Boldrin e do deputado federal Zé Vitor; e dos dirigentes Mário Campos Filho (presidente da Bioenergia Brasil), Evandro Gussi (presidente da Unica), Pedro Robério de Melo Nogueira (que representou a Federação das Indústrias do Estado de Alagoas) e Renato Cunha (presidente da Novabio). Ao final da solenidade, o presidente da OIA, José Orive, foi homenageado por sua trajetória à frente da entidade. Confira os destaques:

AGENDA TARIFÁRIA DE TRUMP TRAZ NOVA ERA

O economista-chefe do Citi nos Estados Unidos, Andrew Hollenhorst, disse que a agenda tarifária do presidente norte-americano, Donald Trump, mergulhou o comércio mundial em uma nova era. “Começaremos a observar trocas entre países que nunca vimos antes e a implantação de novas tarifas, inclusive relacionadas a questões técnicas”, disse.

De acordo com Hollenhorst, a nova realidade pode levar a China a comprar mais produtos agrícolas do Brasil.

OPORTUNIDADES PARA O ETANOL

Especialistas destacaram as oportunidades que a necessidade de mandatos obrigatórios de descarbonização nos segmentos aéreo e maríti-

mo trazem para os biocombustíveis. Segundo o almirante de Esquadra José Augusto da Cunha de Menezes, representante permanente do Brasil junto à Organização Marítima Internacional, o potencial para uso dos biocombustíveis no transporte naval mercante é gigantesco diante das metas globais de descarbonização. “Hoje, do total utilizado na frota mundial, apenas 0,2% são biocombustíveis”, disse.

Na avaliação do CEO da Net Zero, Ed Mason, a demanda global por combustível sustentável de aviação está dada e o Brasil tem papel crucial nessa agenda, sobretudo a partir do uso do etanol para fabricação de SAF.

Na sequência, o diretor científico do RCGI,

Julio Meneghini, discorreu sobre os investimentos que estão sendo feitos no projeto-piloto na Universidade de São Paulo em hidrogênio verde a partir do etanol, que poderá resultar em combustíveis sustentáveis para aviação e marítimo.

SOLUÇÕES PARA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

O potencial do Brasil para a produção de energia limpa e renovável, em particular no setor sucroenergético, deverá atrair investimentos internacionais, afirmaram especialistas do mercado financeiro. Participaram do painel Jean-Luc Bernardi, líder de soluções para América Latina

do Citi; Jean Rogers, consultora da Pegasus Capital Advisors; e Luiz Daniel de Campos, diretor do IFC. A moderação foi de Guilherme Nastari, diretor da DATAGRO.

PRODUTIVIDADE DOS CANAVIAIS DO CENTRO-SUL

A projeção da DATAGRO para a moagem de cana-de-açúcar no total da safra 2025/26 está em 607,59 milhões de toneladas, volume levemente abaixo da estimativa anterior (612 milhões de toneladas), bem como do montante processado na temporada passada (621,88 milhões de toneladas).

“No fim, processaremos praticamente o mes-

mo volume de cana em 2024/25 e em 2025/26, tendo em vista que esse ano temos cerca de 8 milhões de toneladas de cana bisada e, no ano passado, tivemos 23 milhões de toneladas”, disse Nastari.

A DATAGRO prevê a produção de açúcar na safra 2025/26 em 42,04 milhões de toneladas, alta de 5,9% ante o ciclo anterior. A produção de etanol, por outro lado, deverá cair 0,2%, para 34,53 bilhões de litros, sendo 12,76 bilhões de litros de anidro (+3,2%) e 21,77 bilhões de litros do hidratado (-2,2%). O mix açucareiro deverá ficar em 51,5%.

Diante desse cenário, a produtividade agrícola da cana no Centro-Sul do Brasil deve se recuperar a partir de agosto, garantindo uma boa produção.

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ETANOL DE MILHO GANHA PROTAGONISMO

Conferência UNEM DATAGRO debate o avanço dos biocombustíveis no Brasil, os desafios regulatórios e as oportunidades trazidas por novos mercados internacionais

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Cuiabá, capital do Mato Grosso, recebeu no dia 3 de abril a 2ª edição da Conferência Internacional UNEM DATAGRO sobre Etanol de Milho, evento que já é referência para toda a cadeia produtiva. A conferência reuniu mais de 600 pessoas, entre as quais estavam líderes setoriais, produtores de grãos, usineiros, investidores e autoridades, que puderam explorar o papel crescente do etanol de milho na matriz energética do Brasil.

Entre autoridades e lideranças setoriais presentes estavam o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro; o presidente da DATAGRO, Plinio Nastari; o presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem), Guilherme Nolasco; o diretor do Dipov-SDA do Mapa, Hugo Caruso; o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes; e o secretário adjunto de Comércio e Relações Internacionais do Mapa, Marcel Moreira.

Representantes de diversas empresas que atuam no setor também participaram do evento, como Luciane Bachion, da Agroicone; Rafael Ceconello, da Toyota Brasil; Juliana Albertengo, da Bayer; Gabriel Fonseca, da VLI Logística; Gabriel Viana, da John Deere; Daniel Lopes, da FS; Christopher Davies, da Inpasa; e Fabricio Rocha, da Novonesis.

Os painéis abordaram tanto o arcabouço legislativo que o Brasil possui para liderar a transição energética global como opções de financiamento, passando por todas as etapas da indústria de etanol de milho e a necessidade de abrir novos mercados para o biocombustível e o DDG. Confira os destaques do encontro.

A IMPORTÂNCIA DO ETANOL DE MILHO

O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, classificou o programa brasileiro de etanol como exemplo para o mundo. “O campo se tornou a nova Petrobras. A nova Opep (em alusão à organização que reúne os principais países produtores de petróleo) é o campo brasileiro. Fávaro ressaltou a importância do encontro

para o fortalecimento dos biocombustíveis no País. “Este é um evento de extrema relevância, não apenas para reconhecer a importância dos biocombustíveis, especialmente o etanol, mas também para debater soluções que garantam eficiência e competitividade ao setor”, afirmou o ministro.

O ministro ressaltou o empenho do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o apoio do Congresso Nacional para aprovar a Lei do Combustível do Futuro, que estabelece diretrizes para o incremento dos biocombustíveis na matriz energética nacional. “A produção de alimentos e de energias sustentáveis são atividades complementares”, disse.

Durante o evento, Fávaro lembrou também do impacto positivo dos biocombustíveis: “O Brasil está mostrando para o mundo que possui fontes renováveis de energia, ao mesmo tempo que incrementa a produção de alimentos, reduz custos, controla a inflação dos combustíveis e dá um exemplo de sustentabilidade”.

O presidente da DATAGRO, Plinio Nastari, reforçou a importância da industrialização do milho para o setor agropecuário. “A industrialização do milho, que gera não apenas etanol, mas também DDG e óleo, fortalece a pecuária e impulsiona as exportações de carnes bovina, suína e de aves do Brasil”, afirmou.

Em sua fala, Nastari enfatizou ainda o avanço da produção de etanol de milho no Brasil, que atingiu 8,2 bilhões de litros na safra 2024/25. Projeções apresentadas pelo presidente da Unem, Guilherme Nolasco, apontam que este volume tem potencial para, no mínimo, dobrar até 2030. Nolasco salientou a expansão da produção do etanol de milho nos últimos anos: “Há uma década, o setor produziu 80 milhões de litros em Mato Grosso. Nesta safra, fechamos com 8 bilhões de litros”.

Nolasco registrou que a indústria de etanol de milho não parou de crescer desde que chegou ao Brasil, no começo da década passada.

“Ano a ano, o número de usinas instaladas aumenta e, consequentemente, a produção do biocombustível à base do cereal também. Nós nunca vivemos uma grande tempestade, mas o momento bom que vivemos pode trazer algum transtorno. O setor nunca deve baixar a guarda”, disse.

Também presente à solenidade de abertura do evento, o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, lembrou da força do estado na produção de etanol de milho – com 5,5 bilhões de litros, é o segundo colocado no ranking nacional, atrás apenas de São Paulo, considerando o etanol de cana e de milho. Também participaram da cerimônia Pedro Robério, presidente do Sindaçúcar-AL e coordenador de agro da CNI; Renato Cunha, presidente da NovaBio; e Amaury Pekelman, presidente da Biosul.

MUNDO TEM 50 PAÍSES COM MANDATOS PARA ADIÇÃO DE ETANOL NA GASOLINA

O secretário adjunto de Comércio e Relações Internacionais do Ministério de Agricultura e Pecuária (Mapa), Marcel Moreira, disse que a pasta mapeou 56 países que têm ou planejam ter em breve mandatos de mistura de etanol na gasolina. “A Índia vem avançando, o Japão está nesta agenda, entre outros destaques”, disse. De acordo com Moreira, o Mapa vem atuando de maneira próxima aos adidos agrícolas com o objetivo de apoiá-los na busca por novos mercados para os biocombustíveis, em particular o etanol: “O fato é que o Brasil está na vanguarda da produção agropecuária sustentável, de alimentos à energia. O desafio é viabilizarmos métricas que reconheçam nosso diferencial

junto à comunidade internacional”.

Também participaram do painel o capitão de Mar e Guerra da Marinha Brasileira, Fernando Alberto Gomes da Costa, e o superintendente de Governança e Meio Ambiente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Marcelo Rezende Bernardes. Eles discorreram sobre as oportunidades que se abrem para os biocombustíveis nos mercados de combustível sustentável marítimo e de aviação – este último mais conhecido como SAF. Além disso, o chefe do Secretariado da CEM Biofuture Campaign, Gerard J. Ostheimer, apresentou as ações da entidade para expansão global dos biocombustíveis.

O DESAFIO DO RECONHECIMENTO INTERNACIONAL

A cadeia produtiva brasileira do etanol de mi-

lho tem o desafio de viabilizar o reconhecimento internacional da sustentabilidade do biocombustível nacional. O ponto central é que métricas domésticas que mostram o quão o etanol é sustentável ainda não encontram respaldo em regulamentações internacionais. O diagnóstico foi apresentado pela pesquisadora Luciane Chiodi Bachion, sócia da think tank Agroicone. “O volume de emissões varia conforme a metodologia utilizada e isso é um fator complicador”, disse. Segundo o coordenador de Projetos do Benri, Thierry Couto, as notas de eficiência energética-ambiental das usinas de etanol de milho vêm avançando no âmbito do RenovaBio. De acordo com o diretor de Sustentabilidade da Inpasa Brasil, Christopher Davies Junior, os biocombustíveis andam cada vez mais lado a lado com a eficiência energética, indo além da entre -

ga ambiental. Já a gerente de Desenvolvimento de Negócios e Alianças de Carbono da Bayer, Juliana Albertengo, abordou os mais recentes avanços da empresa em boas práticas dedicadas à agricultura regenerativa.

O CENÁRIO DE OFERTA E DEMANDA

PARA OS BIOCOMBUSTÍVEIS

Especialistas do mercado financeiro do agro avaliaram o cenário de oferta e demanda para o etanol de milho e os biocombustíveis em geral. O painel contou com a participação do gerente de Crédito de Agronegócios do Itaú BBA, Guilherme Novaes Theodoro; o chefe do Departamento do Complexo Agroalimentar e Biocombustíveis do BNDES, Mauro Mattoso; e o líder de Pesquisa de Ações do BTG Pactual, Thiago Callegari L. Duarte. A moderação ficou a cargo da

sócia da DATAGRO Financial, Carolina Troster. De acordo com os especialistas, o avanço do aumento da mistura do etanol na gasolina em um número significativo de países e as novas rotas para o uso de biocombustíveis são bons fatores relacionados à demanda. Segundo Callegari, o SAF e seu correspondente marítimo têm potencial para fomentar a expansão global dos biocombustíveis podendo, por exemplo, contribuir para tornar o etanol uma commodity. No âmbito dessa agenda, Matoso revelou que o BNDES recebeu recentemente mais de 60 solicitações de financiamento para projetos de SAF e de combustíveis sustentáveis para navegação, com investimentos iniciais previstos de R$ 134 bilhões. O executivo ressaltou que o banco está buscando parceiros no mercado para viabilizar essas operações de crédito. De seu

lado, Theodoro pontuou que o segmento de etanol de milho tem capacidade de viabilizar novos empreendimentos por meio de uma alavancagem mais equilibrada.

BRASIL TEM ARCABOUÇO LEGISLATIVO ROBUSTO

“O Brasil possui um arcabouço legislativo robusto para liderar a transição energética global”, afirma Plinio Nastari, presidente da DATAGRO. Um dos pilares dessa estrutura é o Mover, programa que estabelece um novo marco regulatório para a indústria automobilística e redefine a forma como o País calcula a pegada de carbono dos veículos. Enquanto a maioria dos países mede as emissões “do tanque à roda” –considerando apenas o uso do combustível –, o Brasil adota a metodologia “do berço ao túmulo”,

que leva em conta todas as etapas, da fabricação ao descarte do veículo.

Outro destaque é o Combustível do Futuro, que traça metas para a ampliação do uso de etanol e biodiesel, especialmente em suas misturas com gasolina e diesel. As diretrizes do programa têm servido de referência para países como Estados Unidos e Índia.

Há ainda o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten), que permite às empresas usar precatórios como garantia para financiar projetos voltados à transição energética.

Completa esse conjunto de políticas o RenovaBio, criado para estabelecer metas nacionais anuais de descarbonização no setor de combustíveis. O programa também oferece certificações voluntárias para empresas que comprovem redução de emissões e ganhos de eficiência

DATAGRO Markets

A 30ª Conferência das Partes (COP30) da Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas, a ser realizada em Belém do Pará no próximo mês de novembro, está sendo denominada a COP da “implementação” e provavelmente a reunião mais importante desde a realizada em Paris em 2015, quando foi assinado o Acordo do Clima, tratado internacional juridicamente vinculativo sobre mudanças climáticas com o objetivo de limitar o aquecimento global a um nível abaixo de 2 °C acima dos níveis pré-industriais, com esforços para limitá-lo a 1,5 °C.

O presidente designado da COP30, embaixador brasileiro André Aranha Corrêa do Lago, um dos diplomatas mais qualificados e reconhecidos de todo o mundo em negociações sobre o clima e o meio ambiente, tem feito um chamamento internacional para que os países signatários participem de um esforço coletivo que batizou como “mutirão” para que se discutam medidas de implementação imediata para que resultados mais rápidos sejam atingidos no controle do aquecimento global. Todo esse senso de urgência se justifica porque as medições já indicam que ultrapassamos o primeiro limite de 1,5 °C, e teme-se que em poucos anos possamos estar diante do temido “ponto de não retorno”, em que dificilmente poderia ser revertida a aceleração desse processo.

É nesse contexto que o Brasil poderá se apresentar

como exemplo mundial por ser dentre as dez maiores economias do mundo aquela em que 50% da oferta interna de energia já é renovável. Um feito extraordinário que vem sendo construído de forma quase silenciosa e sem alarde nas últimas décadas, aliando a crescente sustentabilidade e renovabilidade de sua matriz energética com a promoção de desenvolvimento econômico e social.

Dentre as fontes energéticas renováveis, destaca-se a biomassa da cana-de-açúcar, que representa 16,7% de toda a oferta de energia do País, colocando-se como a segunda maior fonte de energia, atrás apenas do petróleo (34%), com percentagem superior à hidráulica (11,6%), lenha e carvão vegetal (8,5%), eólica (2,9%), solar (2,2%), e outras energias não renováveis como o gás natural (9,6%), carvão mineral (4,5%) e urânio (1,3%).

Através da cana-de-açúcar e mais recentemente do milho produzido principalmente como segunda safra após a colheita da soja, o etanol está substituindo 45,6% de toda a gasolina consumida no País, pela adição de etanol anidro à gasolina (E27) e o uso de etanol hidratado (E100) pela frota flex, que representa 86% de toda a frota de veículos leves e é capaz de usar qualquer combinação dos dois combustíveis. Através do biodiesel, produzido principalmente a partir de óleo de soja, mas também de sebo

bovino e outros óleos vegetais, está substituindo 14% de todo o diesel fóssil consumido. Esses percentuais devem crescer ainda mais com a recente aprovação pelo Conselho Nacional de Política Energética do aumento na adição de etanol anidro à gasolina dos atuais 27% para 30%, e o aumento na adição de biodiesel de 14% para 15%, a partir de 1º de agosto de 2025.

Esses são marcos notáveis obtidos por uma combinação de desenvolvimento tecnológico para a produção de biomassa de cana e de grãos e o desenvolvimento de tecnologia automotiva adaptada a esses combustíveis. Produção eficiente de biomassa que ocupa relativamente pouca área agrícola – o etanol de cana ocupa relativamente pouca área, 4,5 milhões de hectares, para a dimensão da produção atingida, e o milho de inverno é cultivado na mesma área de produção de soja – em regiões antes classificadas classificadas como inapropriadas ao cultivo agrícola, sem ameaçar quaisquer biomas protegidos, considerados estratégicos para a preservação da biodiversidade e de recursos naturais como solo, água e florestas nativas. Mais importante é a constatação de que a produção de biocombustíveis tem sido e pode ser desenvolvida de forma sustentável, impulsionando a produção de alimentos e não o contrário, como tentam de forma falaciosa propalar os defensores do falso conflito entre alimentos e energia.

No Brasil, assim como tem ocorrido em outras partes do mundo, a produção de etanol de cana e de milho tem alavancado a produção de alimentos. Desde o início do Proálcool, há 50 anos, a oferta interna de açúcares totais recuperados, denominador comum para a produção de açúcar e etanol, cresceu de 7,1 para 128,4 milhões de toneladas, transformando o Brasil no maior produtor e exportador mundial de açúcar, e o de menor custo, responsável atualmente por suprir mais de 50% do mercado livre mundial. A capitalização da agricultura tem permitido a produção consorciada de grãos, leite e proteína animal em todas as regiões em que está instalada. Igualmente, a conversão do milho e da soja em biocombustíveis, farelo e óleo aumenta o valor agregado dos grãos, gerando coprodutos que têm impulsionado a intensificação da pecuária bovina, suína e avícola, permitindo a terminação de gado bovino em maior qualidade, menor tempo e consequentemente menor emissão de metano por fermentação entérica.

Projeções indicam que a partir de 2027 o Brasil, que já ocupa por larga margem a posição de maior exportador de carne bovina, ultrapassará os EUA como maior produtor mundial. Biocombustíveis líquidos também geram de forma complementar e distribuída bioeletricidade, biogás e biometano, etanol de segunda geração, leveduras de grau alimentício e para ração animal, e CO2 biogênico.

Biocombustíveis que no Brasil são produzidos com certificação individual de intensidade de carbono, elemento fundamental para que sejam adotados para a produção de combustível sustentável de aviação (SAF), para a substituição de bunker marítimo e para a produção de bioplásticos.

Para a COP da implementação, a bem-sucedida experiência brasileira mostra que através do uso de biocombustíveis para energia em transportes é

possível a adoção de uma estratégia que permite implementação imediata, sem a necessidade de constituição de uma nova frota ou nova infraestrutura de distribuição de combustível ou de energia. Isso porque a adição de pelo menos 10% de etanol e de pelo menos 15% de biodiesel é possível em qualquer frota de veículos do ciclo Otto e ciclo Diesel em todo o mundo. A estratégia dos biocombustíveis é replicável, pois não há barreiras tecnológicas à sua adoção; é escalável, pois pode começar pequena e crescer ao longo do tempo; é acessível em preço ao consumidor; gera benefícios reconhecidos e comprovados para a saúde e o meio ambiente; promove empregos no campo e nas cidades, gerando renda e economia circular; reduz dependência energética e gastos com a importação de combustíveis; reduz a emissão de poluentes nas cidades; alavanca a produção de alimentos; gera economias importantes aos produtores de combustíveis fósseis pelas características físicas de biocombustíveis capazes de substituir compostos mais caros e que são também carcinogênicos; trazem longevidade e sustentabilidade para a produção de combustíveis fósseis; e permitem que montadoras de veículos alcancem as metas de emissão de poluentes mais restritivas.

Outra ação que o Brasil pode levar à COP30 trata da adoção de critérios para se definir o que é considerado sustentável. Nesse aspecto, o Brasil se coloca na vanguarda mundial ao ter implementado o Código Florestal Brasileiro e estar implementando de forma quase universal os objetivos de manutenção de reservas legais em áreas privadas, em níveis de no mínimo 20%, e que podem chegar a até 80% dependendo da região. O Brasil está também na vanguarda ao adotar a avaliação do ciclo de vida, ou o critério “berço ao tumulo”, como critério para definir objetivos de políticas públicas

nas áreas de transporte e meio ambiente, de estímulo ao aumento de eficiência energética-ambiental na produção de veículos e de energia, e de certificação para a produção de combustíveis limpos e renováveis. Enquanto a grande maioria dos países ainda adota o primitivo e limitado critério “tanque à roda”, que avalia apenas as emissões de canos de escape, e que tem levado muitos países à armadilha da adoção de tecnologias que não avaliam a origem da fonte energética utilizada, o Brasil dá um salto ultrapassando o critério “poço à roda”, que avalia a origem e a renovabilidade da fonte energética, e adota o definitivo e mais inclusivo critério de “berço ao tumulo”. Isso se dá em legislações e regulações aprovadas e sancionadas como o RenovaBio, para a produção e certificação de biocombustíveis; pelo Programa Mover, que define as metas de eficiência para a indústria automotiva; e pela Lei do Combustível do Futuro, que define critérios e metas para o desenvolvimento dos biocombustíveis no futuro.

Na COP da implementação, o Brasil pode dar o exemplo mostrando que, com resiliência e políticas públicas focadas na direção certa, baseadas em ciência e visando à redução da intensidade de carbono em vários segmentos, é, sim, possível haver um esforço coletivo para o controle do aquecimento global.

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