edgar
texto | essay Taisa Palhares poemas | poems Samuel Jacob tradução | translation Frederico Golebski racy pátria"PÁTRIA AMADA?":
OU UMA CANÇÃO DO EXÍLIO PARTICULAR.
A primeira visão de "Pátria amada?" de Edgar Racy sugere para o observador a aplicação lúdica da disciplina construtiva, em que formas geométricas se repetem em pequenos conjuntos de diferentes sequências combinatórias, criando a sensação de um jogo no qual o trabalho teria seu sentido revelado. Mas a delicadeza e a sutileza desses pequenos desenhos enganam: depois do primeiro estímulo visual, num olhar detido e aproximado, percebe-se a existência de palavras livremente impressas em baixo relevo acompanhando cada composição. Amor eterno, Braço forte, Brilhou no céu, De amor, Dessa igualdade, Essa grandeza, Idolatrada, És tu Brasil, No teu seio, Ó liberdade, Nossos bosques, Terra adorada, entre outras, trazem à mente o hino pátrio, assim desconstruído e reorganizado numa nova sequência aleatória. Esses fragmentos de frase, quase como ruínas de uma paisagem fictícia, produzem de imediato imagens por meio da música que evocam: breves instantâneos de uma promessa de país, como um desejo acalentado por muito tempo, e que se encontra em desmonte.
Por isso, não consigo deixar de pensar nesse trabalho como uma nova canção do exílio, na qual Racy registra, ao repetir as palavras tão banalizadas do hino nacional, o sentimento de luto e melancolia pela perda do lugar, “a pátria amada”, que não existe mais. No entanto, o trabalho não deixa de ter um certo humor. A partir das formas geométricas da bandeira do Brasil (o retângulo, o losango e o círculo), Racy inventa paisagens pela combinação casual dos três elementos que, reconfigurados, carregam uma ambiguidade aberta a um futuro, no mínimo, de outras possibilidades.
Desde seus trabalhos anteriores, o artista explora a materialidade das obras pela reutilização de resíduos (plástico, vidro, serragem, telhas, tijolos, tecido, entre outros), que são manipulados até perderem seu aspecto reconhecível, para enfim servirem como matéria para construção de pinturas, esculturas e desenhos quase minimalistas. No caso da série em questão, Racy escolhe trabalhar com carvão, o que não deixa dúvida sobre as implicações políticas do trabalho. Rico em carbono, por um lado o carvão remete ao grafite e à tinta negra utilizada para impressão de gravuras, sendo um material presente há muito tempo na história da arte para produção de inscrições e figuras1. Por outro lado, enquanto combustível o carvão é símbolo da revolução industrial iniciada no século 18, e que culmina hoje com a destruição total do meio ambiente. Além disso, é preciso lembrar que nos últimos dois anos as florestas brasileiras sofreram queimadas criminosas que resultaram em um índice elevado de desmatamento. Neste sentido, para alguém que vive no Brasil hoje, a cor e a textura do carvão remetem às cinzas de madeira e às nuvens de fumaça negra que invadiram as cidades brasileiras nos últimos anos.
Com a série "Pátria amada?", Edgar Racy reafirma sua capacidade de sintetizar, a partir do deslocamento preciso de materiais, formas e referências relativamente prosaicas, um sentido político para a arte. Sem recorrer a grandes discursos eloquentes ou tentativas de análises históricas engajadas, sua obra responde aos problemas do presente mediante um olhar sutil, aberto às fissuras de um mundo que ainda pode mudar de rota.
taisa palhares Professora da Unicamp, crítica de arte e curadora"BELOVED HOMELAND?": OR A SONG OF PRIVATE EXILE.
At first glance, Edgar Racy’s "Pátria Amada?" proposes a playful application of the constructive discipline to the observer, where geometric shapes are repeated in small sets of different combinatory sequences, creating the sensation of a game in which the work would have its meaning revealed. However, there is something beguiling about the finesse and subtlety of these small drawings. After a first visual stimulus, in an attentive and close look, one can see the existence of words, freely printed in bas-relief, accompanying each composition. Amor Eterno (Eternal Love); Braço Forte (Strong Arm); Brilhou no Céu (Shined in the Sky); De Amor (Of Love); Dessa Igualdade (Of This Equality); Essa Grandeza (That Greatness); Idolatrada (Idolized); És Tu Brasil (Art Thou, Brazil); No Teu Seio (In Thy Bosom); Ó Liberdade (Oh, Liberty); Nossos Bosques (Our Groves); Terra Adorada (Adored Land), among others, bring the national anthem to mind, deconstructed and reorganized in a new random sequence. These sentence fragments, almost like ruins of a fictitious landscape, immediately produce images through the music they evoke: brief snapshots of a country promise, similar to a longcherished but dismantled desire.
Therefore, I cannot help envisioning this work as a new song of exile, in which Racy registers, when repeating the banalized words of the national anthem, the feeling of mourning and melancholy for the loss of place; “the beloved homeland” that does not exist anymore. However, the work is not without certain wit. Using the geometric shapes of the Brazilian flag (the rectangle, the rhombus and the circle), Racy creates landscapes through the casual combination of the three reconfigured elements that carry an ambiguity open to, at least, a future of other possibilities.
Since his previous works, the artist explores their materiality through the reuse of waste materials (plastic, glass, sawdust, shingles, bricks, fabric, and others), which are manipulated until they lose their recognizable aspect to finally serve as material for the construction of paintings, sculptures and almost minimalist drawings.
In regard to Racy's current series, he chooses to work with charcoal, leaving no questions about the political implications found in his work.
On the one hand, the rich-in-carbon charcoal refers to graphite and black ink used in prints, and as a material that, for a long time, has been present in art history in the production of inscriptions and images1. On the other hand, as a fuel, the charcoal (coal in this case) is a symbol of the 18th century Industrial Revolution, and peaks today with the stark destruction of the environment. In addition, it is worth remembering that over the last two years, Brazilian forests have been targets of criminal fires, which forged high rates of deforestation. With this in mind, for someone who lives in Brazil today, the color and texture of the charcoal outlines the wood ashes and black smoke clouds that have invaded Brazilian cities in recent years.
With the series "Pátria amada?" (Beloved Homeland?), Edgar Racy restates his ability to synthesize a political sense of art from the precise displacement of materials, forms and relatively prosaic references. Without resorting to great eloquent speeches or attempts at engaged historical analysis, his work responds to the issues of the present through a subtle look, open to the fissures of a world that can still change its course.
taisa palhares Professor at the University of Campinas, curator and art critic 1. Note that “rock art” already uses charcoal as artistic material.PÁTRIA AMADA?
BELOVED HOMELAND?
75 imagens | 75 images
Carvão e aglutinante sobre papel cartão
Charcoal and binder on cardboard
Sounds collide within a silence so full, they harmonise into stillness. Here, silence silences all, freeing itself in every moment from the instruments that excite sound, and now, the great peace is found, where it always is, abiding as our deepest ground.
Sons colidem em um silêncio tão intenso que se harmonizam na imobilidade. Aqui, o silêncio a todos silencia, libertando-se a cada momento dos instrumentos que estimulam o som, e agora, a grande paz se encontra, onde sempre está, permanecendo como nossa base mais profunda.
A road to paradise passes right through the paradise toward which it is directed. However unnoticed, Life’s fruits effortlessly grow in their love for attracting interest.
Um caminho para o paraíso passa direto para o qual é direcionado. Mesmo que despercebidos, os frutos da Vida crescem sem esforço em seu amor por atrair interesse.
A thinking cloud definitively emerges from our strong column of resolve. And all our attention can find is the magic of contrast outlined by a perfect curve.
Uma nuvem pensante emerge indubitavelmente do nosso pilar de resolução. E tudo o que nossa atenção consegue encontrar é a magia do contraste delineado pela curva perfeita.
Innocently surprised by its ability to appear diversified, space coalesces into the shapes of three friends, who canvass their immaterial origins.
Inocentemente surpreso por sua habilidade em parecer diverso, o espaço coalesce em formas de três amigos que analisam suas origens imateriais.
Directions lose their significance as that which is sought spontaneously saturates the body in a solid block of satisfaction.
Direções perdem sua importância, pois aquilo que se busca satura o corpo por si só em um conjunto sólido de satisfação.
The space sees that however separate the objects within it appear to be, they can never divide its love for itself.
O espaço entende que, por mais separados que os objetos pareçam estar, nunca podem dividir seu amor por si mesmos.
Primal foundations rise to support new formations of shape, under the delicate caress of the ever-intimate sun.
Alicerces primordiais ascendem para sustentar novas criações de formas sob o carinho delicado do eterno, constante sol.
Edges absorb one another, revealing a seamless continuum of shapeshifting scenery, illumined by its heart.
Extremidades absorvem umas às outras, revelando um continuum ininterrupto do cenário transmorfo, iluminado por seu coração.
Travelling through a textured wholeness, attention sinks into itself, swallowed by its fascination for itself, overshadowing all forms that peak out from it.
Viajando por uma plenitude texturizada, a atenção mergulha em si própria, tragada por sua própria fascinação, ofuscando todas as formas que culminam de si.
A gentle expansion of luminous texture meets the horizon, welcoming the arrival of new features in the field, irresistibly pointing to their source.
Uma delicada expansão de textura luminosa alcança o horizonte, saudando a chegada de novos elementos no campo, apontando irresistivelmente para sua origem.
The only goal is the play itself, which is, already and always so.
O único objetivo é a própria encenação, que já é e sempre será.
Life points to the curves that voluptuously caress against the inside of its lines. It shakes its shapes until they settle in place, only to be dissolved in the transparency of the seeing that illumines them. Contrast wins until the end of the day, when the world closes its eyes and falls asleep into an ever-awake eternity of unity.
A vida aponta para as curvas que acariciam voluptuosamente o interior de suas linhas. Ela trepida suas formas até se acomodarem, somente para serem dissolvidas na transparência do olhar que as ilumina. O contraste vence até o fim do dia, quando o mundo cerra seus olhos e adormece em uma eternidade de união sempre desperta.
EDGAR RACY
1963. São Paulo, sp Brasil.
Atualmente vive e trabalha e Londres, Reino Unido
EDGAR RACY1963, São Paulo, SP, Brazil
Currently lives and works in London, United Kingdom
Exposições Individuais
2020 Casa de Cultura do Parque, São Paulo, sp
2018 Galeria Eduardo Fernandes, São Paulo, sp
1994 Museu Teodoro de Bona, Curitiba, pr
1990 Centro Cultural São Paulo, São Paulo, sp
Exposições Coletivas
2020 AR, OÁ Galeria, Vitória, es
2019 Archipelago Project, Walthamstow Wetlands, London, uk curadoria Ruth Calland
2017 42º Salão de Arte de Ribeirão Preto - Ribeirão Preto, sp
Entre um Passo e Outro curadoria Cláudio Cretti –Galeria Eduardo Fernandes, sp
2011 mac em Obras - mac São Paulo, sp
2003 Marcantonio Vilaça, Passaporte Contemporâneo mac São Paulo, sp
1992 xii Salão Nacional de Artes Plásticas – ibac / Rio de Janeiro, rj
A sedução dos Volumes - Museu de Arte Contemporânea / São Paulo, sp
1991 Panorama da Arte Atual Brasileira – Formas tridimensionais no mam, Museu de Arte Moderna / São Paulo, sp
xvi Salão de Arte de Ribeirão Preto / Ribeirão Preto, sp
xi Salão Nacional de Artes Plásticas – ibac / Rio de Janeiro, rj
1990 13 artistas – Centro Cultural São Paulo / São Paulo, sp
Desconexões de Setembro – Paço Das Artes / São Paulo, sp
13 Artistas – Palácio das Artes / Belo Horizonte, mg
Artistas no Centro – Centro Cultural São Paulo / São Paulo, SP
6 Artistas – MAM, Museu de Arte Moderna / São Paulo, sp
Projeto Macunaíma – Funarte /Rio de Janeiro, rj
1989 Emergências– Funarte /São Paulo, sp
5 Artistas de São Paulo – Palácio das Artes / Belo Horizonte, mg
1988 vi Salão Paulista de Arte Contemporânea – Bienal / São Paulo, sp
Coleções Públicas
mac - Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (obra faz
parte da coleção do Marcantônio Vilaça e está em comodato com o mac)
Museu Teodoro de Bona - Curitiba, pr
Publicações
Ana Avelar – Crítica e curadoria dentro e fora do eixo – operação resistência 2020 p.109
Marcantônio Vilaça - Passaporte Contemporãneo - São Paulo: mac usp 2003 p.n/p C
Marcantônio Vilaça – Passaporte Contemporãneo - São Paulo: mac usp 2003 p.39 C
Solo Exhibitions
2020 Casa de Cultura do Parque, São Paulo, sp Brazil
2018 Eduardo Fernandes Gallery, São Paulo, sp Brazil
1994 Teodoro de Bona Museum, Curitiba, pr, Brazil
1990 Centro Cultural São Paulo, São Paulo, sp Brazil
Group Exhibitions
2020 AR, OÁ Gallery, Vitória, es, Brazil
2019 Archipelago Project, Walthamstow Wetlands, London, uk curated by Ruth Calland
2017 The 42nd Ribeirão Preto Art Salon, Ribeirão Preto, sp, Brazil Entre um Passo e Outro, a Claudio Cretti's curatorship, Eduardo Fernandes Gallery, São Paulo, sp Brazil
2011 mac em Obras mac (Museum of Contemporary Art), São Paulo, sp, Brazil
2003 Marcantonio Vilaça, Passaporte Contemporâneo, mac (Museum of Contemporary Art) São Paulo, sp Brazil
1992 The 12th Fine Arts National Salon ibac, Rio de Janeiro, rj, Brazil
A sedução dos Volumes, mac (Museum of Contemporary Art), São Paulo, sp, Brazil
1991 Current Brazilian Art Overview - Tridimensional shapes at the mam (Museum of Modern Art) São Paulo, sp Brazil
The 16th Ribeirão Preto Art Salon Ribeirão Preto, sp Brazil
The 11th Fine Arts National Salon, ibac Rio de Janeiro, rj Brazil
1990 13 artistas Centro Cultural São Paulo, São Paulo, sp Brazil
Desconexões de Setembro Paço Das Artes, São Paulo, sp, Brazil
13 Artistas, Palácio das Artes, Belo Horizonte, mg, Brazil
Artistas no Centro Centro Cultural São Paulo, São Paulo, sp, Brazil
6 Artistas mam (Museum of Modern Art), São Paulo, sp Brazil
Macunaíma Project, Funarte, Rio de Janeiro, rj, Brazil
1989 Emergências Funarte, São Paulo, sp Brazil
5 Artistas de São Paulo Palácio das Artes, Belo Horizonte, mg Brazil
1988 The 6th Paulista Salon of Contemporary Art Bienal, São Paulo, sp, Brazil
Public Collections
mac - Museum of Contemporary Art São Paulo (the work is part of Marcantônio Vilaça's collection and it is under a lending contract with mac
Teodoro de Bona Museum, Curitiba, pr, Brazil
Publications
Ana Avelar – “Crítica e curadoria dentro e fora do eixo – operação resistência” 2020 page 109
Marcantonio Vilaça, Passaporte Contemporâneo São Paulo: mac usp 2003 page n/p C
Marcantonio Vilaça, Passaporte Contemporâneo São Paulo: mac usp 2003 page 39 C
agradecimentos | thanks to Frederico Golebski Cláudio Cretti Germana Monte-Mor Taisa Palhares Samuel Jacob Pedro Racy Eduardo Fernandes Luciana Tolentino Regina Pinho de Almeida Danilo de Paulo Patrícia Maciel Bonfim Marivaldo Ferreira Natalia Kondo Gabriel Balaghi
tradução do hino nacional | translation of the national anthem Frederico Golebski, Ministério das Relações Exteriores - Embaixada do Brasil em Oslo Ministry of Foreign AffairsEmbassy of Brazil in Oslo
tradução | translation
Frederico Golebski
revisão | proofreading
Luis Damasceno, Frederico Golebski
fotografias | photographs
João Liberato, Paulo Savala
projeto gráfico | graphic design mercurio.studio
tratamento de imagens | image treatment Ademir Tarcísio
Este livro foi composto em Real e impresso em Papel Offset 150g/m2 pela Gráfica Pigma, em maio de 2021. This book was typeset in Real and printed in Offset Paper 150g/m2 by Gráfica Pigma, in May, 2021.
dados internacionais de catalogação na publicação (cip) (câmara brasileira do livro, sp, brasil) Racy, Edgar
Pátria Amada? = Beloved homeland? / Edgar Racy ; [texto/essay Taisa Palhares curadoria Claudio Cretti ; poemas/ poems Samuel Jacob ; tradução/translation Frederico Golebski]. — 1. ed. — São Paulo Ed. do Autor, 2021.
Edição bilíngue: português/inglês isbn 978-65-00-21707-0
1. Artes 2. Arte 3. Artes visuais - Exposições - Catálogos 4. Pátria Amada - Arte - Exposições I. Palhares, Taisa. II. Cretti, Claudio. III. Jacob, Samuel IV. Título.
21-63883 CDD-700.74
Índices para catálogo sistemático: 1. Arte : Exposições Catálogos 700.74
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964