

BR-319 NARRATIVAS, NEGÓCIOS E PODER
Fundo internacional ligado à Eneva e petrolíferas financia instituições na região que endossam ideia de governança na estrada que abre caminho para empreendimentos
www.revistacenarium.com.br | Fevereiro de 2025
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Editorial
Controle de narrativas
Na década de 1980, três escritores franceses, Max Pagés, Michel Bonetti e Vincent de Gaulejac, publicaram a obra O Poder das Organizações (1987), na qual decifraram como as multinacionais possuem a capacidade de influenciar decisões do Estado, impulsionando o rumo das atividades empresariais por meio do controle da informação e decidindo até sobre quem vive e quem morre nos países onde atuam.
A reportagem de capa da nova edição da REVISTA CENARIUM investigou, por seis meses, informações que vieram à tona no artigo científico “Desastre ambiental na Amazônia e violação de direitos indígenas facilitados por projetos de governança na BR-319”, assinado pelos biólogos e pesquisadores Lucas Ferrante e Philip Fearnside, e pela jornalista e escritora Monica Piccinini. O estudo revela o que está por trás do “discurso sustentável” sobre a estrada.
Conduzida pela jornalista Marcela Leiros, a matéria mostra como multinacionais de exploração petrolífera atuam para reduzir o poder do Estado nas decisões sobre a BR-319, uma estrada de 889 quilômetros que corta a Amazônia, cujas obras – se não seguirem o rito legal – podem afetar a vida de 18 mil indígenas e comprometer todo um ecossistema, com consequências irreversíveis.
Semelhante ao que está descrito na obra francesa O Poder das Organizações, as multinacionais que buscam ter o controle das narrativas sobre a BR-319 não têm ideologia de direita, esquerda ou centro. O que elas querem é desenvolver métodos de dominação dos indivíduos para alcançar seu grande objetivo: ampliar o mercado de exploração e multiplicar lucros.
Para atender ao anseio de futuros faturamentos bilionários, esses grandes conglomerados têm como retaguarda determinadas Organizações Não Governamentais (ONGs), que recebem repasses milionários para desempenhar o trabalho de “doutrinação” dos povos originários no entorno da BR-319, sob a justificativa de uma pseudossustentabilidade.
Essas empresas e ONGs são organizadas em um conjunto integrado de mecanismos econômicos, políticos, ideológicos e psicológicos que, uma vez associados, conseguem influenciar o conteúdo da imprensa tradicional e as ações do Estado. A CENARIUM quer mostrar, por meio deste especial, que nem todos estão a serviço desse poder e que a Amazônia não está à venda.

Paula Litaiff Diretora-Geral
Ideias para apressar o fim do mundo?
Ailton Krenak, um dos maiores pensadores do Brasil, tem um livro intitulado “Ideias para adiar o fim do mundo”. Nele, o autor critica a relação de exploração da humanidade com a natureza, em que o ser humano, como um parasita, suga tudo o que pode. A partir dessa crítica, ele propõe um repensar, alinhado à visão indígena, em que nós somos a natureza, para, assim, tentarmos evitar a autodestruição. O modo de pensar de Krenak me veio à mente ao refletir sobre nossa reportagem de capa, mas no sentido inverso.
Nesta edição, trazemos instituições que recebem financiamento de fundação internacional, ligada a empreendimentos que exploram a natureza na Amazônia, e endossam narrativas favoráveis à reabertura da BR-319 e ao estímulo a negócios na região. Sendo a estrada um vetor de desmatamento e de possível colapso da floresta, como indicam estudos científicos, estariam tais instituições alimentando ideias para “apressar o fim do mundo”?
A reportagem de capa é resultado de apuração que mostra repasses milionários da Gordon and Betty Moore Foundation (GBMF) a Organizações Não Governamentais (ONGs) e instituições que atuam com projetos voltados a endossar a ideia de uma governança que poderia controlar impactos causados pela reabertura da BR-319. Assim, segundo tal narrativa, seria possível repavimentar a rodovia “gerenciando” a devastação da floresta e assegurando direitos aos povos tradicionais da região, que, pela legislação vigente, precisam ser consultados sobre o empreendimento—algo que, segundo pesquisadores e estudos, não condiz com a realidade.
Há, ainda, ligações com empresas que exploram petróleo e minérios na Amazônia, além de relações entre as instituições e projetos para acelerar negócios na região.
De acordo com pesquisadores e documentos apurados, com a rodovia abre-se caminho para empreendimentos que beneficiam tanto quem endossa a narrativa de governança quanto quem financia tais instituições. Trata-se de um ciclo que se retroalimenta e, segundo os pesquisadores, revela conflitos de interesses.
“É uma distopia: em vez de imaginar mundos, a gente os consome”, diz Ailton Krenak em outro de seus livros, “A vida não é útil”, de 2020. A frase poderia se aplicar ao cenário de nossa reportagem. E, como o próprio Krenak diria, “na economia não existe nada sustentável, porque ela supõe que você vai saquear a terra, você vai tirar coisas. Se você tira e não põe, não é sustentável”.

Márcia Guimarães Gestora de Conteúdo
Leitor&Leitora


�� Jeito atraente de noticiar
A REVISTA CENARIUM ‘manda bem’ nas matérias, sempre trazendo temas atuais de um jeito interessante. Além de informar, também ensina e diverte, sendo perfeita para todas as idades. O jornalismo investigativo deixa tudo mais aprofundado e reflexivo. Cada edição é uma chance de ficar por dentro de tudo. Leitura ‘top’ para quem curte conhecimento!
Max Teixeira
Manaus – AM

�� Qualidade e profundidade
Sou leitora assídua da REVISTA CENARIUM e adoro suas publicações! A qualidade das reportagens e a profundidade das análises fazem toda a diferença. É inspirador acompanhar um jornalismo sério e comprometido. Parabéns à equipe pelo excelente trabalho!
Luziene Soares
Manicoré – AM
�� Ansiedade ambiental
Gostei bastante da revista que trata a ecoansiedade. Realmente, teremos que começar a enxergar isso como um problema social.
Fátima Lourenço
Manaus-AM
�� Por mais inclusão
Quero parabenizar pela edição de janeiro, que mostra o quanto ainda temos que avançar nas políticas para atender e incluir toda a sociedade.
Cíntia Lopes
Manaus-AM
�� Uma COP e muitas questões
‘COP PARA QUEM?’. Exímio trabalho realizado pela REVISTA CENARIUM. Adorei os pontos abordados; ficou uma pura reflexão sobre a COP 30.
Pedro Castro
Belém-PA
Crédito: Acervo Pessoal
Crédito: Acervo Pessoal
Sumário




BR-319: Amazônia à venda?
Fundação internacional ligada à Eneva e com interesses na Amazônia financia instituições que endossam ideia de governança na estrada que pode facilitar empreendimentos
Marcela Leiros – Da Cenarium


MANAUS (AM) – Organizações Não Governamentais (ONGs) e instituições que desenvolvem projetos sobre a BR-319 receberam, juntas, nos últimos 15 anos, mais de R$ 122,8 milhões (equivalente a mais de US$ 21,4 milhões* na conversão atual) da Gordon and Betty Moore Foundation (GBMF), instituição internacional ligada a empreendimentos que impactam a floresta, como a extração de combustíveis fósseis no Amazonas pela Eneva S/A. Estas mesmas ONGs e instituições buscam controlar as narrativas sobre a BR-319 por meio de projetos de governança com o objetivo de obterem mais poder nas decisões sobre a estrada do que o próprio Estado.
A reportagem teve como ponto de partida informações publicadas no artigo “Desastre ambiental na Amazônia e violação de direitos indígenas facilitados por projetos de governança na BR-319”, assinado pelos biólogos e pesquisadores Lucas Ferrante e Philip Fearnside e pela jornalista e escritora Monica Piccinini, correspondente da CENARIUM em Londres, no Reino Unido. A reportagem realizou ainda apuração durante seis meses de investigação. As informações sobre os repasses às instituições e ONGs constam em demonstrativos financeiros, em dados disponibilizados no site da GBMF e em documentos enviados à redação.
As entidades identificadas como recebedoras diretas de repasses de fundos da corporação internacional e que desenvolveram projetos voltados à governança na BR-319 são o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Fundação Getulio Vargas (FGV) e o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam). Nos demonstrativos financeiros consta ainda uma doação da GBMF ao Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), feita via World Wide Fund for Nature (WWF).
A rodovia, que conecta Manaus (AM) a Porto Velho (RO), com 885 quilômetros de extensão, tem a história marcada por controvérsias devido a questões ambientais, sociais e econômicas, principalmente no trecho entre os quilômetros 250 e 655, conhecido como o “Trecho do Meio”, que se tornou quase intransitável. A reabertura
“Isso vai além de contradição, é um claro conflito
de interesses. A Amaz, maior aceleradora de investimentos do Norte, é coordenada pelo Idesam, que também discute a pavimentação de uma rodovia que fomentaria negócios
na região”
Lucas Ferrante, pesquisador.
da estrada, com a sua repavimentação, tem gerado embates entre argumentos que, de um lado, apontam inviabilidade e, do outro, defendem a possibilidade de garantir segurança por meio de fiscalização.
REPASSES AO IEB
Dentre os repasses feitos pela GBMF a ONGs e instituições com projetos na BR-319 estão, pelo menos, dez subvenções ao IEB, que superam R$ 80,9 milhões, correspondente a US$ 14 milhões, desde 2004. O instituto foi denunciado por indígenas à CENARIUM por ter fornecido documentos e convencido lideranças a assinarem, afirmando que estes aceitavam a pavimentação da BR-319 desde que condicionantes fossem atendidas. Os indígenas afirmaram que discordam veementemente da obra.
Um dos valores, de R$ 12,2 milhões, correspondente a US$ 2,1 milhões, foi destinado, em 2019, para “apoiar a participação das partes interessadas no planejamento do desenvolvimento sustentável para a região da BR-319 no Amazonas”. O valor consta no site da fundação. Deste valor milionário, R$ 3,2 milhões (US$ 567 mil) foram enviados especificamente para desenvolver protocolos de consulta indígena para a BR-319.
FINANCIAMENTO DO IDESAM
A GBMF também fez repasses ao Idesam. Foram cinco subvenções, entre 2011 e 2023, totalizando R$ 13,9 milhões (US$ 2,4 milhões), sendo mais da metade recebida em novembro de 2023. O maior valor foi destinado para “monitorar o processo de licenciamento e as tendências de desmatamento ao longo da BR-319 e subsidiar
estratégias de planejamento territorial e promoção de cadeias de valor sustentáveis no corredor rodoviário”.
Um dos repasses foi direcionado ao projeto intitulado “Projeto Moore BR-319”, um subacordo de cooperação técnica e financeira não reembolsável no valor de R$ 8,7 milhões (US$ 1,5 milhão) entre o Idesam e o IEB, com vigência de 24 meses, a partir de 2020.
Sediado em Manaus, o Idesam coordena o Observatório da BR-319, uma rede de organizações da sociedade civil que atuam na área de influência da rodovia BR-319, formada por 13 municípios, 42 Unidades de Conservação e 69 grupos de indígenas, sendo 63 terras indígenas oficialmente reconhecidas, 5 comunidades não reconhecidas e uma população de isolados, numa faixa de 150 quilômetros, de acordo com artigo científico publicado na Land Use Policy. As atividades da rede têm o objetivo de produzir informações sobre a rodovia e os processos necessários para o que chama de “desenvolvimento inclusivo”.
O Observatório da BR-319 desenvolveu estudos que apresentam índices positivos relacionados à estrada e apoia o desenvolvimento de um plano de governança territorial ao longo da rodovia que corta a Amazônia. Relatório do grupo, intitulado “Retrospectiva 2023: Desmatamento e focos de calor na área de influência da BR-319”, indicou que, em 2023, áreas monitoradas pelo observatório na área de impacto da rodovia registraram queda acentuada do desmatamento.
Outro relatório, intitulado “Análise da Implementação de Unidades de Conservação sob Influência da Rodovia BR-319”,


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feito pelo Idesam em parceria com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), indica os benefícios e oportunidades que a reconstrução da BR-319 traria para a região. Na imprensa, a manifestação a favor da BR-319 também acontece. A então coordenadora de Políticas Públicas do Idesam e ex-secretária executiva do Observatório BR-319 (OBR-319), Fernanda Meirelles, afirmou, em entrevista na mídia publicada em 3 de abril de 2024, que a organização não era contra a repavimentação ou qualquer obra da


Total destinado ao IEB, desde 2004
Valor destinado ao IEB, em 2019
Valores destinados ao IEB para desenvolver protocolos de consulta indígena para a BR-319
Outros valores destinados pela Fundação Moore ao IEB
Crédito: Reprodução
Crédito: Reprodução
Crédito: Reprodução
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BR-319, mas defendeu que o ordenamento jurídico sobre a legislação socioambiental seja respeitado.
O posicionamento do Idesam ficou mais claro após a Justiça Federal do Amazonas suspender licença prévia do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para a BR-319, atendendo pedido do Observatório do Clima. O instituto rompeu com a coalizão de 120 organizações da sociedade civil brasileira.
No dia 29 de julho de 2024, o Idesam publicou em seu site uma nota de posicionamento sobre a BR-319 na qual afirmava: “O Idesam não é contra a BR-319. Enquanto organização da sociedade civil, atua para promover o desenvolvimento social e econômico e a conservação de florestas na Amazônia brasileira. No caso da rodovia BR-319, o Idesam é a favor da repavimentação através de um processo

“Esse vínculo favorece a Amaz, gerida pelo Idesam, comprometendo a imparcialidade na avaliação dos impactos ambientais e socioeconômicos”
Lucas Ferrante, pesquisador.

de licenciamento rigoroso e respeitando a legislação e suas salvaguardas sociais e ambientais. Esta é a posição do Idesam”.
O Idesam também coordena o Amaz, projeto que anuncia buscar negócios que gerem impacto positivo nas regiões rurais e florestais da Amazônia. Em 2023, a aceleradora de impacto, ao lado de entidades
como o Fundo Vale (fundo criado pela Mineradora Vale, envolvida nas tragédias socioambientais em Brumadinho e Mariana, ambas em Minas Gerais, e que explora minério de ferro no Pará) e o Fundo JBS pela Amazônia (da empresa brasileira JBS, um dos maiores frigoríficos do mundo), por exemplo, anunciaram que ofereceriam até R$ 600 mil para star-
Repasses da GBMF ao Idesam: foram cinco subvenções entre 2011 e 2023
Acordo de cooperação milionário entre Idesam, Fundação Moore e IEB
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tups dispostas a estabelecer negócios na floresta amazônica
A aceleradora tem como “fundadores e parceiros estratégicos”, além do Fundo Vale e Fundo JBS pela Amazônia, o Instituto Humanize, Instituto Clima e Sociedade (ICS), Good Energies Foundation e Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA). A Amaz afirma ter como parceiros Move. Social, Sense-Lab, Mercado Livre, ICE, SBSA
Advogados, Costa Brasil, Climate Ventures e investidores privados. As informações estão publicadas no site da Amaz.
“Isso vai além de contradição, é um claro conflito de interesses. A Amaz, maior aceleradora de investimentos do Norte, é coordenada pelo Idesam, que também discute a pavimentação de uma rodovia que fomentaria negócios na região. Esse vínculo favorece a Amaz, gerida pelo Ide-

sam, comprometendo a imparcialidade na avaliação dos impactos ambientais e socioeconômicos, e levantando sérias questões sobre transparência e governança”, afirma o pesquisador Lucas Ferrante.
FGV
No mesmo sentido de abordar possibilidades positivas em torno da reabertura da rodovia que corta a Amazônia, a FGV publicou, em 2019, o projeto intitulado “ Promovendo transparência e governança territorial no contexto de instalação de rodovias na Amazônia – o caso da BR-319”, financiado pela Fundação Gordon e Betty Moore.
O objetivo do projeto era, segundo a entidade, “desenvolver parâmetros para a adoção de uma abordagem baseada em direitos humanos e voltada à prevenção de abusos e violações socioambientais em todo o processo de tomada de decisão de grandes obras no Brasil, especialmente no caso da BR-319, em toda a sua extensão”. A informação consta no site da FGV.
A iniciativa, no entanto, foi alvo de denúncias de cientistas. Em 2021, os pesquisadores Lucas Ferrante e Philip Martin Fearnside alertaram o Ministério Público Federal (MPF) de que o projeto violava os direitos dos povos indígenas assegurados pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) — da qual o Brasil é signatário — e pela legislação brasileira.
A Convenção 169 da OIT trata do direito das populações tradicionais à consulta livre, prévia e informada para projetos que impactam significativamente em seus modos de vida. A consulta deve ser realizada pelos governos junto aos povos interessados por meio de seus representantes legítimos
Crédito: Reprodução
Entrevista de Fernanda Meirelles ao BNC
Fila de caminhões parados na BR-319. Rodovia está localizada próximo à região de terras indígenas do Amazonas
Crédito: Adalmir Chíxaro
Cenarium



“No caso da rodovia BR-319, o Idesam é a favor da repavimentação através de um processo de licenciamento rigoroso"
Crédito: Reprodução

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Idesam, em trecho de nota publicada em julho de 2024.
e da forma que as comunidades acharem melhor.
A FGV também recebeu repasses da GBMF. Os valores encaminhados somente à fundação, a partir de 2018, ultrapassam os R$ 28 milhões (US$ 5 milhões). Dois pagamentos, de R$ 18,4 milhões (US$ 3,2 milhões) e R$ 6,3 milhões (US$ 1,1 milhão), respectivamente, foram descritos como: “Promovendo a transparência e a governança territorial no contexto do desenvolvimento rodoviário na Amazônia brasileira – O caso da BR-319” e “Estabelecer transparência e governança territorial no contexto do desenvolvimento rodoviário na Amazônia brasileira – O caso da BR-319”. Outro documento, no valor de R$ 5,9 milhões (US$ 1,025 milhão), foi repassado para “apoiar o desenvolvimento e a adoção de um plano de governança territorial e um arranjo de governança para minimizar os riscos ambientais e sociais ao longo do corredor rodoviário BR-319 no Brasil”.
GBMF
Crédito: Reprodução
Vale ressaltar, ainda, que a gestora de investimentos do GBMF é a Dynamo Brasil, uma das acionistas da Eneva, empresa privada de energia brasileira que explora petróleo e gás na Amazônia, e que já obteve, em parceria com a Atem Distribuidora, o direito de explorar mais quatro blocos de extração na região, no que ficou conhecido como “leilão do fim do mundo”. A Eneva também é alvo do MPF, que recebeu denúncias de ameaças de morte contra indígenas, como mostrou a reportagem “O gás que sufoca na Amazônia”.
Valor destinado à FGV em 2018
OutrovalordestinadoàFGVem2021
Valor de cerca de US$ 1 milhão destinado à FGV

“A região não tem governança ambiental suficiente para impedir o desmatamento que essa estrada vai causar. Na verdade, a estrada vai ser refeita e asfaltada, não é um mero asfaltamento, né? Quando você facilita o tráfego na BR, você facilita também o desmatamento. E na região não há fiscalização suficiente para impedir esse desmatamento”
Suely Araújo, coordenadora do Observatório do Clima.
13

885 Km
Os mais de 800 quilômetros de extensão da BR-319 passam por 13 municípios.
Em 2022, a fundação destinou US$ 5,6 milhões à Dynamo Brasil. A contribuição foi destinada à “entidade controladora”, conforme mostra recibo de transferência ao qual a CENARIUM teve acesso.
Ocorre que a exploração dos blocos de gás da Eneva será possível apenas com a repavimentação da rodovia BR-319, porque a estrada é um dos principais caminhos que dará acesso aos locais de extração. No parecer “ Brazil must reverse gear on Amazon road development” (”Brasil precisa reverter desenvolvimento de estradas na Amazônia”), publicado na Nature, o maior periódico científico do mundo, foi apontado que a abertura de estradas secundárias e a repavimentação da BR-319 para dar acesso a essa exploração tende a levar a Amazônia ao colapso, ainda propiciando alterações climáticas e saltos zoonóticos com consequências para todo o planeta.
O autor principal da publicação, Lucas Ferrante, destaca: “Não é apenas a rodovia BR-319 que dará acesso a esses blocos, existem outras estradas planejadas a partir dessa, como a AM-366, que liga a BR-319 até Tapauá e corta o bloco trans-Purus até Tefé, para dar acesso a grandes blocos de exploração de petróleo e gás nessas áreas. Isso levará a Amazônia além do limite de desmatamento tolerado, havendo consequências para o clima, perda de biodiversidade, impactos sobre toda a população do Amazonas, incluindo o aumento de epidemias na região e o risco de uma sequência de novas pandemias globais”.
Entre alguns dos investimentos em ações do GBMF estão empresas como Petróleo Brasileiro, a Petrobras; a companhia petrolífera russa Oil Co LukOil – PJSC; o banco russo SBerBank; Ternium, de forne-
42
A BR-319 passa por uma área que tem influência sobre 69 grupos de indígenas, sendo 63 terras indígenas oficialmente reconhecidas, 5 comunidades não reconhecidas e uma população de isolados, numa faixa de 150 quilômetros. A estrada em números
A BR-319 tem 885 quilômetros de extensão, cortando a Floresta Amazônica e ligando os Estados do Amazonas e de Rondônia.
69
A área de influência da BR-319 alcança 42 Unidades de Conservação.
Repasse da GBMF à “entidade controladora” Dynamo Brasil, em 2022

Alguns dos investimentos em ações do GBMF a empresas
cimento de aço; a empresa de gás natural e petróleo Anadarko Petroleum; China Petróleo e Química; Coca-Cola; Perusahaan Gas; a JBS; e a TownGas China.
ALIANÇA
As doações da Fundação Gordon e Betty Moore para instituições brasileiras começaram em 2004, no contexto da Iniciativa Andes-Amazônia. De origem americana, a fundação foi criada pelo cofundador da Intel, Gordon Moore, e a esposa, Betty Moore, com a ideia de “apoiar descober-

tas científicas e conservação ambiental”, tornando-se uma das maiores fundações privadas de concessão de bolsas nos Estados Unidos. Em 2017, foi reconhecida como a mais generosa do estado da Califórnia. Entre os interesses da empresa está a BR-319.
A fundação, juntamente com a ClimateWorks Foundation, a Ford Foundation, a David Lucile Packard Foundation, a Margaret A. Cargill Philanthropies e a Good Energies by Porticus fazem parte da Climate and Land Use Alliance (Clua) que concedeu, entre 2010 e 2021, 2.461 subvenções e
“Mesmo se tivesse isso [governança], teria enormes impactos. E governantes, para controlar a situação, não tem”
Phillip Fearnside, biólogo e pesquisador.
contratos em alinhamento com a estratégia da Aliança para o Clima e o Uso da Terra, segundo a entidade, apoiando esforços na América Central e do Sul, inclusive no Brasil. Os valores, conforme a organização, totalizaram US$ 738 milhões (valor superior a R$ 4 bilhões)
As instituições começaram a investir no Brasil a partir do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), criado em 2002, gerido financeiramente e executado pelo Funbio, um mecanismo financeiro privado, de 1996, e que funciona em parceria com o governo e os setores privados. O objetivo desse programa, segundo informações do próprio fundo, é apoiar a conservação e o uso sustentável de 60 milhões de hectares, respectivamente, 15% da Amazônia brasileira, até 2039.
O Arpa foi estruturado com financiamento do Banco Alemão de Desenvolvimento (KfW), do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), da Gordon e Betty Moore Foundation (GBMF), World Wide Fund for Nature (WWF), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Fundação Margaret A. Cargill, Anglo American, Banco Mundial, Fundo Amazônia, governo brasileiro, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMA).
Em novembro de 2013, o GBMF doou R$ 86,7 milhões (US$ 15 milhões) ao programa Arpa, via WWF, para garantir, conforme a entidade, a proteção dos 60 milhões de hectares de áreas protegidas legalmente estabelecidas. A WWF também faz parte do Observatório da BR-319.
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Já os financiadores do Funbio , por exemplo, incluem empresas como Chevron e PetroRio, ExxonMobil, GBMF, KfW, Embaixada da Noruega, Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), Votorantim Industrial, Vale, WWF Brasil, WWF EUA, Fundação Cargill, Banco Mundial/GEF, BID, BNDES, Anglo American, Bahia Mineração, BP Brasil, FAO/GEF, Petrobras e OGX.
O que marca a controvérsia na relação entre doações do GBFM, das demais fundações, fundos e empresas é o fato de alguns desses financiadores possuírem interesses antagônicos, que podem representar grande ameaça à Amazônia, como, por exemplo, a Cargill — devido ao plantio de soja em áreas de desmatamento ilegal — e até a Petrobras, que tem visado à exploração de petróleo e gás no bioma
Relatório ao qual a CENARIUM teve acesso, de junho de 2023, mostra os valores repassados pelos financiadores ao Funbio. Entre os doadores consta a empresa Anglo American, com o aporte de quase R$ 19 milhões. A empresa se define como “uma
empresa global de mineração diversificada que tem como propósito reimaginar a mineração para melhorar a vida das pessoas”. A mineração é considerada uma das maiores violadoras do ecossistema na Amazônia
Outra instituição que aportou valores milionários no Funbio, conforme demonstrativo financeiro, foi a Gordon and Betty Moore Foundation (GBMF), que concentra suas doações ao Brasil em uma área: terra, ecossistemas terrestres e uso da terra. As “estratégias” para áreas protegidas e territórios indígenas incluem conservação, consolidação, gestão e monitoramento.
Os valores, em apenas um dos documentos, foram de R$ 15 milhões (US$ 2,6 milhões) e R$ 6,9 milhões (US$ 1,2 milhão), somando R$ 21,9 milhões (US$ 3,8 milhões), ambos para “apoiar a designação de territórios quilombolas e reservas de uso sustentável, bem como o planejamento territorial, a boa governança e o desenvolvimento de cadeias de valores produtivos sustentáveis”.
Em outros documentos constam o direcionamento de R$ 3,7 milhões (US$ 650
mil) para “apoiar uma colaboração entre o Fundo Brasileiro para a Diversidade e a agência federal para áreas protegidas para criar e implementar ferramentas e processos para desbloquear fundos de compensação federais para áreas protegidas da Amazônia como parte da iniciativa Arpa pela Vida”. E, ainda, R$ 867 mil (US$ 150 mil) para “apoiar um plano estratégico para o financiamento da conservação”.
(*) Valores convertidos a partir da cotação do dólar em 10 de fevereiro de 2025, a R$ 5,78.
ACESSE AQUI A REPORTAGEM NO SITE COM VÍDEOS E OUTROS RECURSOS:




Investimentos em ações da GBMF a empresas, entre elas a JBS
NARRATIVAS, NEGÓCIOS E PODER
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE


“É preciso ter os órgãos públicos trabalhando
com estrutura,
com pessoal.
Tem que ter garantia em termos de organização administrativa que você vai ter fiscalização”
Suely Araújo, coordenadora do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.

A BR-319 ficou apenas 12 anos totalmente trafegável. As obras na estrada começaram em 1968 e ela foi inaugurada em 1976. O fluxo para o tráfego contínuo foi interrompido em 1988.

DOADORES
Cargill Foundation
Chevron e PetroRio CI/GCF Diversas Empresas Embaixada da Noruega
LDF/FFEM Mava Fondation MPX S.A. Natura S.A. O Boticário OGX S.A.
FAO/GEF FFEM Alcoa/Fundação e empresa GEF Gordon & Betty Moore Foundation
Rock World S.A. UNEP/GEF UNOPS/GCF USAID
Parceiros da Clua
Repasse do GBMF ao Arpa em 2013
Lista de doadores do Funbio








































































Financiadores e parceiros do Funbio
NEGÓCIOS E PODER



Aporte de R$ 150 mil da GBMF ao Funbio
Aporte da empresa Anglo American ao Funbio
Crédito: Reprodução
Crédito: Reprodução
Oestudo “Brazil’s Highway BR-319 demonstrates a crucial lack of environmental governance in Amazonia”, (“Rodovia BR-319 do Brasil demonstra uma falta crucial de governança ambiental na Amazônia”, em tradução livre), revisado pelos pares e publicado pelos pesquisadores Maryane Andrade, Lucas Ferrante e Philip Fearnside no periódico científico Environmental Conservation, em 2021, apontou que não existe governança na área da rodovia BR-319 e que órgãos que deveriam atuar na fiscalização, como o Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), atuaram para legalizar terras griladas e para favorecer o desmatamento ilegal.
A governança se refere à gestão e ao controle das atividades relacionadas à manutenção, revitalização e uso de uma rodovia. No caso da BR-319, envolve um conjunto de ações, incluindo o governo federal, governos estaduais, órgãos ambientais, organizações da sociedade civil e comunidades locais, para garantir a eficiência, a sustentabilidade e a responsabilidade no manejo da rodovia.
Para a coordenadora do Observatório do Clima, Suely Araújo, que é ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), atualmente não existe uma governança ambiental na BR-319 e ações pontuais não significam governança. “Bom, a região não tem governança ambiental suficiente para impedir o desmatamento que essa estrada vai causar. Na verdade, a estrada vai ser refeita e asfaltada, não é um mero asfaltamento, né? Quando você facilita o tráfego na BR, você facilita também o desmatamento. E na região não há fiscalização suficiente para impedir esse desmatamento”, afirma.
Para Suely, para que haja uma governança de fato, “é preciso ter os órgãos públicos trabalhando com estrutura, com pessoal. Tem que ter garantia em termos de organização administrativa que você vai ter fiscalização. Uma pressão para o desmatamento que vai ser gerada, ela não vai ser controlada com
Governança questionada

duas ou três operações de fiscalização do Ibama por ano na região. Não é suficiente”, complementa.
Do ponto de vista do biólogo e cientista norte-americano Phillip Fearnside, mesmo com governança, a BR-319 ainda causaria muito impacto sociambiental. “Mesmo se tivesse isso, teria enormes impactos. E governantes, para controlar a situação, não tem”, declara.
CENÁRIOS “IRREALISTAS”
No artigo intitulado “Desastre ambiental na Amazônia e violação de direitos indígenas facilitados por projetos de governança na BR-319”, assinado por Fearnside juntamente com o pesquisador Lucas Ferrante e a jornalista Monica Piccinini, os autores apontam que “o projeto BR-319 tem uma longa história de cenários de ‘governança’ totalmente irrealistas, incluindo o primeiro Estudo de Impacto Ambiental (EIA) alegando que a rodovia seria como as estradas do Parque Nacional de Yellowstone, onde milhões de turistas dirigem sem desmatamento”.
Ainda segundo os autores do artigo, membros da Polícia Federal e do Exército Brasileiro ouvidos por eles “deixaram claro que um cenário de governança futura é fictício, pois os órgãos de fiscalização não teriam recursos e contingente para monitorar a área, devido ao seu tamanho, complexidade e perigo”. Além disso, afirmam os autores no artigo, “o crime organizado já controla a grilagem de terras e a mineração

na região, o que impactou severamente as comunidades tradicionais”.
A CENARIUM solicitou manifestações do Incra e do Ipaam sobre o estudo que apontou atuação parcial desses órgãos e também sobre sua estrutura de fiscalização para uma governança na região. A reportagem também tentou contato com Ibama e PF para saber sobre sua estrutura de fiscalização.
O Ipaam informou, por meio de nota, que sua competência está voltada à fiscalização e licenciamento ambiental de atividades que possam ter impactos ambientais. O órgão destacou que a BR-319 é de competência federal, sendo a responsabilidade primária de órgãos ambientais e fundiários federais, e que seu principal trabalho na rodovia é com a Operação Tamoiotatá, que realiza ações de fiscalização para combater o desmatamento ilegal e outros impactos ambientais na região sul do Amazonas e que em 2024 resultou na emissão de 187 autos de infração, com R$ 184 milhões em multas, e 349 termos de embargo, em 28,5 mil hectares de áreas degradadas.
O Ipaam informou ainda que realiza suas ações em trechos sensíveis da BR-319, principalmente no trecho do meio, entre os Distritos de Realidade e Castanho, e que também atua em regiões dos municípios de Humaitá, Canutama, Tapauá, Borba, entre outros.
Não houve retorno dos demais órgãos até o fechamento desta edição.
Suely Araújo, coordenadora do Observatório do Clima, e ex-presidente do Ibama
Crédito: Paulo de Araújo | MMA
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REPASSES DA GORDON AND BETTY MOORE FOUNDATION (GBMF) A ONGS E INSTITUIÇÕES COM ATUAÇÃO NA BR-319
As ONGs e instituições são:
Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) 1 2 3
Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB)
Fundação Getulio Vargas (FGV)

• 10 subvenções ao IEB

• Mais de R$ 80,9 milhões (US$ 14 milhões)
• Finalidades: “apoiar a participação das partes interessadas no planejamento do desenvolvimento sustentável para a região da BR-319 no Amazonas” e desenvolver protocolos de consulta indígena para a BR-319.
• IEB foi denunciado por indígenas à CENARIUM por ter fornecido documentos e convencido lideranças a assinarem, afirmando que estes aceitavam a pavimentação da BR-319 desde que condicionantes fossem atendidas.
• Idesam coordena o Observatório da BR-319
• 5 subvenções
• Totalizando R$ 13,9 milhões (US$ 2,4 milhões)
• Finalidades: uma delas foi “monitorar o processo de licenciamento e as tendências de desmatamento ao longo da BR-319 e subsidiar estratégias de planejamento territorial e promoção de cadeias de valor sustentáveis no corredor rodoviário”.
A gestora de investimentos do GBMF é a Dynamo Brasil
• A Dynamo é uma das acionistas da Eneva (empresa privada de energia brasileira que explora petróleo e gás na Amazônia);
• Em 2022, a GBMF destinou US$ 5,6 milhões à Dynamo Brasil;
• Empresas investidoras da GBMF: Petróleo Brasileiro, a Petrobras; a companhia petrolífera russa Oil Co LukOil –PJSC; o banco russo SBerBank; Ternium, de fornecimento de aço; a empresa de gás natural e petróleo Anadarko Petroleum; China Petróleo e Química; Coca-Cola; Perusahaan Gas; a JBS; e TownGas China;
• GBMF faz parte do Climate and Land Use Alliance (Clua);
• Já investiu no Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), gerido financeiramente e executado pelo Funbio, que também tem recursos do governo federal.
• Recebeu mais de 28 milhões (US$ 5 milhões)
• Dois pagamentos, de R$ 18,4 milhões (US$ 3,2 milhões) e R$ 6,3 milhões (US$ 1,1 milhão), respectivamente, foram descritos como para “Promovendo a transparência e a governança territorial no contexto do desenvolvimento rodoviário na Amazônia brasileira – O caso da BR-319” e “Estabelecer transparência e governança territorial no contexto do desenvolvimento rodoviário na Amazônia brasileira – O caso da BR-319”.
• Em 2013, o GBMF doou R$ 86,7 milhões (US$ 15 milhões) ao programa Arpa, por meio do World Wide Fund for Nature (WWF). A WWF também faz parte do Observatório da BR-319.
(*) Valores convertidos a partir da cotação do dólar em 10 de fevereiro de 2025, a R$ 5,78.
Fonte: As informações sobre os repasses às instituições e ONGs constam em demonstrativos financeiros aos quais a CENARIUM teve acesso a partir do site da GBMF e de documentos enviados à reportagem.

Violações de direitos e denúncias de pressão a indígenas
Atualmente, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) defende que só vai consultar seis grupos de indígenas, um número pequeno, considerando que há 69 grupos de indígenas afetadas pela BR-319 (63 terras reconhecidas, 5 não oficiais e um grupo de isolados), onde as faixas de desmatamento são três vezes maior. Mais de 18 mil indígenas devem ser afetados pela rodovia, conforme o pesquisador Lucas Ferrante, incluindo povos originários isolados.
Além dos alertas dos cientistas quanto ao projeto que ameaça os direitos das comunidades tradicionais da BR-319, indígenas da região de confluência da rodovia denunciaram à CENARIUM violações de direitos, ameaças e a escassez de bens essenciais à vida, devido à deterioração dos territórios pelo avanço da estrada. As informações chegaram à reportagem durante o Seminário e Encontro entre Lideranças Indígenas, Pesquisadores e Tomadores de Decisão sobre os Impactos da Rodovia BR-319, realizado na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). O evento, coordenado pelo pesquisador Dr. Lucas Ferrante, da UFAM e da Universidade de São Paulo (USP), reuniu indígenas e tomadores de decisão para discutir os impactos da obra
Na ocasião, o grupo mostrou documento produzido pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), o qual afirmava que os indígenas do Lago Capanã Grande e Baetas foram consultados sobre a BR-319 e concordavam com a pavimentação da rodovia com a condicionante da criação de uma reserva extrativista para protegê-los.
Os indígenas, no entanto, afirmam discordar do teor do documento.
“Nós, do povo Mura do Lago Capanã e Baetas, concordamos com a liberação das obras de pavimentação da BR-319 desde que fosse assegurada proteção das nossas áreas de castanhais, por meio da criação de uma Resex de uso exclusivo nosso como parte da compensação ambiental daquela obra. Entretanto, são justamente essas áreas que estão sendo invadidas, griladas e desmatadas. Estão fazendo grandes piques para dividir nossa área de uso e uma picada para chegar no Rio Madeira vindo da BR-319. Se não sobrará mais área de floresta e castanhais, nós Mura não temos mais como concordar com a construção

Terras e comunidades indígenas impactadas pela rodovia BR-319. Os territórios indígenas no perímetro de 40 quilômetros totalizam 14 (13 oficiais e 1 não oficial), enquanto aqueles no raio de 150 quilômetros totalizam 69 (63 oficiais, 5 não oficiais e um grupo de isolados). Nenhum deles foi consultado e o plano do governo é consultar apenas seis
Crédito:
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da BR-319, pois os impactos seriam muito grandes para nós das comunidades Mura do Lago Capanã e Baetas, que vivemos em terras pequenas e descontínuas”, dizia um trecho do documento.
“A gente não concorda e não tinha lido esse documento”, disse em vídeo uma das lideranças indígenas do Lago Capanã, que pediu para não ser identificada, por temer ameaças. Com o documento em mãos, ele contou que o recebeu das mãos de um funcionário do IEB, de nome Carlos. Os indígenas acreditavam ser uma denúncia acerca do desmatamento na região.
Segundo o indígena, o funcionário do IEB os orientou a entregar o documento ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Para o grupo, o documento do IEB foi uma tentativa de burlar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
É de conhecimento do Ministério Público Federal (MPF) que os órgãos responsáveis pela obra na BR-319 estariam, conforme denúncias, violando os direitos dos povos tradicionais, como os ribeirinhos, os extrativistas, as quebradeiras de coco e quilombolas, ao não realizarem as consultas, conforme confirmou à reportagem, em junho de 2024, a procuradora da República Janaína Mascarenhas, responsável por processos relacionados à rodovia no órgão. Antes, o responsável era o procurador Fernando Merloto.
“Todos os povos indígenas e comunidades tradicionais têm direito a essa consulta antes de qualquer empreendimento que possa causar impactos à sua vida. Essa consulta nunca foi feita no caso da BR-319 com nenhum povo indígena e nenhuma comunidade tradicional. Isso, inclusive, é de conhecimento do próprio governo federal”, declarou a procuradora.
Uma terra indígena demarcada é a principal demanda desses povos. Isso porque o território, se homologado, tem base de proteção na Constituição Federal de 1988, que garante aos povos indígenas o direito à posse permanente e ao uso exclusivo das riquezas do solo, rios e lagos em suas terras. O direito é reconhecido como originário, ou seja, que antecede a própria formação do Estado brasileiro.
DESTRUIÇÃO
Em outro vídeo, o cacique de uma das aldeias às margens do Lago Capanã Grande, que também pediu para não ser identificado,

Indígena mostra destruição de território no Lago Capanã

Trecho do documento entregue aos indígenas por representante do IEB
Crédito:
Luiz
André Nascimento Cenarium
Crédito: Reprodução

afirmou à reportagem que os povos da localidade vivem um luto e estão preocupados com o destino das comunidades, com os avanços da obra da BR-319. Ele conta que, ao contrário do que se afirma na mídia, a rodovia não trará nenhum benefício para os indígenas e os impactos já são sentidos. O vídeo foi gravado pela CENARIUM
“Hoje o Capanã vive um luto”, afirmou. “O nosso território está sendo muito acabado, com muitos castanhais destruídos. Hoje, a gente vem sofrendo com nossos peixes, com nossas caças, com nossas águas, com nossas cabeceiras de igarapé que estão todas aterradas pelos grileiros. E também a população vem sofrendo muito com diarreia, febre, vômito. Aumentou essas coisas, entendeu?”.
Conforme relatos, a destruição dos castanhais se deu pelo avanço do desmatamento a partir da rodovia. Já as doenças vêm das águas, contaminadas pela degradação dos territórios. O lago também está secando, já que os igarapés que alimentam o Capanã Grande estão sendo aterrados pela construção de ramais ilegais, inclusive pelo próprio Dnit, responsável pela obra da rodovia.
“Os castanhais que a gente tinha lá, que era de onde a gente usufruía, tirava o fruto para comprar nossos alimentos, praticamente já acabaram todos. São 16 castanhais que já acabaram todos com derrubada. Tem campo lá que a gente não enxerga o fim. Então, a questão da BR-319, ela nunca vai trazer futuro para nós, todo tempo é prejuízo”, afirmou também em

vídeo outro indígena, acrescentando que todos vivem sob constante medo das ameaças feitas pelos invasores.
O biólogo e cientista norte-americano Phillip Fearnside destacou que ficou impressionado com o posicionamento das ONGs em defesa da pavimentação da BR-319. “O que impressionou foi que não só a FGV, mas também outras ONGs, não estavam condenando a construção da rodovia, estavam querendo a governança, deixar o projeto acontecer. E eu fiz uma apresentação lá no MPF, mostrando que tem enormes impactos, que realmente não deveria ser aprovado. De lá para cá, a gente tem feito diversas pesquisas, tem diversas publicações que mostram isso”, lembra.


Manifestações de instituições citadas na reportagem
À CENARIUM, o MPF confirmou que o procurador Fernando Merloto não está mais à frente do caso. O órgão informou que está “trabalhando nas medidas legais cabíveis para garantir o direito de consulta dos povos indígenas e comunidades tradicionais”.
Em esclarecimento, o IEB afirmou que sua posição é a defesa dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, independente da repavimentação da BR-319, e confirmou que atua na região, desde 2020, “apoiando a construção de protocolos de consulta e consentimento de povos indígenas afetados e de povos e comunidades tradicionais afetados pela repavimentação da rodovia e outros empreendimentos de grande impacto socioambiental”. A reportagem questionou sobre a atuação do funcionário chamado “Carlos” no entorno da BR-319, que foi citado pelos indígenas como a pessoa que forneceu a eles documento orientando posição favorável à BR-319, e aguarda resposta. Em resposta à reportagem, a WWF-Brasil afirmou que não possui parceria ativa com a Gordon and Betty Moore Foundation em seus projetos. Sobre as relações corporativas, a organização disse que busca “parcerias transformacionais, que mudem as práticas das empresas e de sua cadeia, influenciando assim o setor em que estão presentes”, atuando com “base na transparência, com relatórios e contas auditadas anualmente por algumas das mais reconhecidas empresas de auditoria do mundo”.
O Idesam informou que não vai se manifestar sobre o assunto.
OUTRAS RESPOSTAS
A CENARIUM também enviou solicitações de manifestações à FGV e à GBMF, questionando se o repasse e/ ou recebimentos dos recursos não configura conflito de interesses. Enviou também solicitação à Eneva sobre a relação da empresa com a Dynamo e a GBMF. Até o fechamento desta edição, não houve retorno.
Crédito:
Liderança denuncia documento do IEB; indígenas discordam de teor
Crédito: Reprodução Luiz
André Nascimento Cenarium
Relato de outro indígena do entorno da BR-319 à CENARIUM
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A rodovia e o histórico de controvérsias
ABR-319 foi construída para conectar o Estado do Amazonas ao Estado de Rondônia durante o regime militar. A rodovia teve as obras iniciadas em 1968, foi inaugurada em 1976, e fechada definitivamente para o tráfego contínuo em 1988. Suas partes trafegáveis estão localizadas nos extremos próximos a Manaus (AM) e Porto Velho (RO).
O “Trecho do Meio”, entre os quilômetros 250 e 655 tem sido, há décadas, motivo de discussões políticas e empresariais pela repavimentação. A rodovia percorre os municípios de Borba, Beruri, Manicoré,
Tapauá, Canutama e Humaitá, todos no Amazonas.
A estrada ficou apenas 12 anos trafegável devido ao abandono pela inviabilidade econômica de transporte comparado a outros modais, como via cabotagem por barcaças pelo Rio Madeira.
Em 2015, um novo processo de reativação da via terrestre e início de uma nova licença de manutenção marcou o aumento de desmatamento e especulação fundiária na região, além de imbróglios no processo de licenciamento, como a tentativa de repavimentação pelo Departamento

Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) sem os estudos ambientais adequados, consulta dos povos tradicionais afetados e ausência de estudo de viabilidade econômica, conforme decisão liminar proferida à época pela Justiça Federal e pesquisadores ouvidos pela CENARIUM.
Desde o fechamento contínuo da rodovia, em 1988, a estrada só começou a receber novas obras a partir de 2001, em alguns trechos. Em 2005, foi aberta uma nova discussão sobre a repavimentação e reconstrução de toda a extensão, que foi embargada pela Justiça Federal, com a
Vista aérea de trecho da BR-319
Crédito: Adalmir
Cenarium
Em vermelho, o “Trecho do Meio” da BR-319

exigência de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) para a continuidade das obras.
Houve sucessivas tentativas de retomada dos trabalhos, incluindo em 2021. Entretanto, os estudos ambientais apresentados pelo Dnit naquele ano estavam incompletos e inadequados, como apontou relatório técnico do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), William Magnusson, solicitado pelo procurador do Ministério Público Federal, Rafael Rocha.
No ano passado, estudo publicado pelos pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e do Inpa, Lucas Ferrante e Philip Fearnside, respectivamente, apontou que as audiências públicas dos estudos ambientais apresentados pelo Dnit, em 2021, não tiveram participação dos povos tradicionais afetados, marcando a ilegalidade do processo.
Após pressão política das bancadas parlamentares do Norte, o governo federal instituiu o Grupo de Trabalho (GT) da BR-319, que reuniu diversos órgãos para apresentar sugestões e soluções. O trabalho do grupo resultou em relatório divulgado pelo Ministério dos Transportes (MT), em junho de 2024, que concluiu pela viabilidade da repavimentação da rodovia e apontou algumas providências para atender às condicionantes socioambientais exigidas para a concessão das licenças.
O pesquisador Lucas Ferrante alertou à reportagem que o órgão não tem competência para atestar a viabilidade da obra. “É fundamental destacar, antes de tudo, que o órgão responsável por avaliar a viabilidade e a sustentabilidade da rodovia é o Ibama, e não o Dnit ou o Ministério da Infraestrutura. O relatório em questão tem a mesma validade que

“É fundamental destacar, antes de tudo, que o órgão responsável por avaliar a viabilidade e a sustentabilidade da rodovia é o Ibama”
Lucas Ferrante, pesquisador.

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Área de influência da BR-319
Crédito: Reprodução Ministério dos Transportes
um bilhete escrito em um papel de pão – ou seja, nenhuma. Por isso, é essencial enfatizar que esse documento é extremamente tendencioso”, afirma.
“Ao analisar esse relatório, fica evidente que todos os estudos científicos revisados por pares foram excluídos – uma omissão grave, especialmente porque o próprio GT me solicitou formalmente esses estudos. Vale lembrar que a legislação brasileira prevê como crime a supressão de informações científicas ou dados técnicos em processos de licenciamento ambiental. Portanto, o que observamos aqui é uma violação cometida pelos técnicos do GT, que ignoraram deliberadamente os estudos científicos para construir uma falsa narrativa de viabilidade da rodovia”, complementa Ferrante.
LOTE CHARLIE
Na mídia e no Congresso Federal, é comum ver discussões sobre a reconstrução do “Trecho do Meio” da rodovia.
No entanto, um trecho de 52 quilômetros da rodovia conhecido como “Lote C” ou “Lote Charlie”, entre o quilômetro 198 e o quilômetro 250, também é visto com preocupação por não possuir o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), necessário para seu projeto de reconstrução. O EIA do projeto de reconstrução da BR-319 cobre apenas o “Trecho do Meio” da rodovia.
A reconstrução do trecho estava suspensa pela Justiça Federal, mas, no dia 9 de abril de 2024, o Dnit publicou portaria liberando o “Projeto Básico” destinado ao reasfaltamento do Lote C da Rodovia BR-319. Três meses depois, em julho, a Justiça Federal do Amazonas suspendeu, novamente, a licença prévia. O autor do pedido foi o Observatório do Clima.
A ação apontava que a licença desconsiderou dados técnicos, análises científicas e uma série de pareceres elaborados pelo próprio Ibama ao longo do processo de licenciamento ambiental. A juíza Mara Elisa Andrade, da 7ª Vara Ambiental e

Agrária da Seção Judiciária do Amazonas, entendeu a necessidade de preexistência de governança ambiental e controle do desmatamento antes da recuperação da rodovia.
Em outubro do mesmo ano, no entanto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) derrubou a decisão liminar, liberando a licença prévia.
A coordenadora do Observatório do Clima, Suely Araújo, que é ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), pontuou, à CENARIUM, que a concessão da licença prévia nas atuais condições da rodovia não é possível.
“O Observatório do Clima entende que hoje, atualmente, com as condições que nós temos na região, essa estrada é inviável porque ela vai potencializar muito o desmatamento. Esse é o principal fator. Tem notas técnicas mostrando isso, estimando que o desmatamento na região seria pontificado por quatro vezes”, declarou.

Ilustração do “Lote C” e “Trecho do Meio” da BR-319



Desastre ambiental na Amazônia e violação de direitos indígenas facilitados por projetos de governança na BR-319
OMinistério dos Transportes planeja “reconstruir” a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) (Referência 1. Figura 1), uma estrada que foi abandonada em 1988, mas que desde 2015 vem sendo gradualmente melhorada sob um programa chamado de “manutenção”. A BR-319 agora é transitável, pelo menos na estação seca, mas a implementação do projeto de reconstrução para construir uma nova rodovia na mesma rota ainda não recebeu uma licença ambiental. A reconstrução da rodovia BR-319 conectaria a Amazônia central, que está relativamente intacta, ao notório hotspot de desmatamento conhecido como “AMACRO”, um nome composto pelas siglas dos Estados do Amazonas, Acre e Rondônia.
A rota da rodovia BR-319 passa por um dos blocos mais preservados da floresta amazônica e as estradas planejadas conectando-se à BR-319 abririam a vasta área de floresta a oeste do Rio Purus que é paralela à BR-319 [2-6]. A rodovia também permitiria a migração de desmatadores do “Arco do Desmatamento” no sul da Amazônia para Roraima, que faz fronteira com a Venezuela no norte da Amazônia [7], bem como para outras áreas já conectadas a Manaus por estradas (por exem-
plo, [8]). No total, cerca de metade do que resta da floresta amazônica brasileira seria impactada, não somente a beira da estrada da BR-319 em si, que é o foco do processo de licenciamento [9] e dos esforços de Organizações Não Governamentais (ONGs) para mitigar os impactos. Muito mais informações sobre os impactos do projeto e por que ele deve ser interrompido são públicas [2, 3, 5, 6, 10-13].
Um fator-chave que impulsiona o desastre ambiental e social que o projeto BR-319 representa vem de um setor inesperado: várias ONGs ambientais e as fundações que as apoiam. É difícil imaginar uma organização ambiental que não se oponha ao projeto da rodovia BR-319, e muitas, mas não todas, se opõem a ele. O Observatório do Clima, composto por 120 ONGs brasileiras, assumiu uma posição firme contra o projeto da BR-319 e moveu uma Ação Civil Pública (ACP) contra as autoridades ambientais federais por terem concedido uma licença prévia para o projeto. A ação foi julgada favoravelmente em 25 de julho de 2024 [14], suspendendo a licença prévia que havia sido concedida durante a administração presidencial de 2019-2022 de Jair Bolsonaro, e que havia ignorado os pareceres técnicos negativos da equipe
de licenciamento para acomodar pressões políticas [14]. A licença prévia não permite a construção da estrada, mas permite preparações significativas para obter uma licença de instalação que permitiria o início da construção da estrada.
ONGs que se recusaram a condenar o projeto da BR-319 assumiram a posição de que a aprovação e execução ambiental do projeto de reconstrução são inevitáveis e que as organizações devem, portanto, ser neutras sobre a questão de se a estrada deve ser construída e se concentrarem apenas em planos de governança depois que a estrada for construída. Desnecessário dizer que a estrada não é um fato consumado e presumir que o projeto é inevitável contribui para torná-lo uma profecia autorrealizável.
Essas ONGs sustentam que o projeto deve prosseguir desde que todos os requisitos para licenciamento ambiental sejam atendidos, incluindo consulta aos povos indígenas impactados. Isso ficou evidente em 5 de fevereiro de 2020, quando o Ministério Público Federal em Manaus realizou um evento para discutir os impactos do projeto da BR-319. O segundo autor deste texto fez uma apresentação explicando por que o projeto da estrada não deveria ser aprovado e tanto o primeiro quanto o
Lucas Ferrante, Philip M. Fearnside e Monica Piccinini
Crédito: Acervo Pessoal
Crédito: Arquivo pessoal
Crédito: Acervo Pessoal
Lucas Ferrante
Monica Piccinini
Philip Fearnside
segundo autor participaram da discussão. Três organizações com atividades na área do projeto assumiram a posição de que o projeto de reconstrução não deveria ser contestado e que poderia prosseguir se os povos indígenas fossem consultados e fortes condições ambientais fossem incluídas nos requisitos para licenciamento: a Fundação Getulio Vargas (FGV), o Instituto de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), e o Fundo Mundial pela Natureza (WWF).
As lições do passado não devem ser esquecidas. A situação é paralela à história da luta contra a construção da Barragem de Belo Monte no Rio Xingu, no Estado do Pará. Embora a maioria das ONGs ambientais se opusessem veementemente ao projeto da barragem, algumas chegaram à área da barragem oferecendo-se para ajudar a população deslocada a obter melhor compensação e programas sociais, dizendo-lhes que o projeto da barragem era inevitável e que não deveriam se opor a ele. Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu e um proeminente oponente da barragem, apontou o evidente conflito de interesses: as ONGs que promoviam melhor compensação para as pessoas deslocadas não teriam razão para estar presentes se a barragem não fosse construída e a população deslocada [15, 16]. No caso de Belo Monte, a empresa da barragem e os políticos que a promoveram foram bem-sucedidos em provocar discórdia entre as ONGs e entre os líderes indígenas, contribuindo para a aprovação e execução deste projeto notoriamente desastroso [15-17].
Nenhum dos povos indígenas impactados pelo projeto BR-319 foi consultado, conforme exigido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) [18] e pela lei brasileira que a implementa ([19], anteriormente [20]). Entre os requisitos está que essa consulta seja anterior, não apenas ao projeto de construção em si, mas à decisão de implementar ou não o projeto, e que os povos indígenas tenham o direito de dizer “não” ao projeto ([21, ver [1]). Algumas interpretações da convenção suavizam essa exigência para que os povos indígenas tenham uma “voz”, mas não um veto, na decisão sobre os projetos que os impactam (ver [22]). O plano do Ministério dos Transportes tem sido de “consultar” apenas cinco grupos
indígenas ([23], p. 22), mas pelo menos 68 grupos seriam impactados pelo projeto [1]. O plano tem sido “consultar” esses grupos enquanto a construção da rodovia está em andamento, com a tarefa sendo feita antes da nova estrada ser formalmente inaugurada.
O projeto BR-319 tem uma longa história de cenários de “governança” totalmente irrealistas, incluindo o primeiro Estudo de Impacto Ambiental (EIA), alegando que a rodovia seria como as estradas do Parque Nacional de Yellowstone, onde milhões de turistas dirigem sem desmatamento ([24]; ver [25]). Cenários semelhantes persistem, como demonstrado pelo relatório de um grupo de trabalho composto por cinco departamentos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) ([26]; ver [27]). Infelizmente, a história não segue esses cenários, mesmo quando apoiada por grandes esforços do governo e de organizações da sociedade civil, como demonstrado pela rodovia BR-163 (Santarém-Cuiabá) que o relatório do grupo de trabalho do Dnit usa como exemplo (ver [27, 28]).
As ONGs que adotaram a posição de que incluir fortes condições ambientais nos requisitos para licenciamento evitaria um desastre ambiental e social estão fornecendo endosso de fato aos cenários oficiais de “governança” como justificativa para permitir que o projeto avance. Membros da Polícia Federal e do Exército Brasileiro com quem conversamos deixaram claro que um cenário de governança futura é fictício, pois os órgãos de fiscalização não teriam recursos e contingente para monitorar a área devido ao seu tamanho, complexidade e perigo. O crime organizado já controla a grilagem de terras e a mineração na região, o que impactou severamente as comunidades tradicionais [29].
Embora a neutralidade tenha sido professada na questão do licenciamento e reconstrução da rodovia, na prática, essas organizações, especialmente o Idesam e a FGV, estavam trabalhando para facilitar a aprovação da estrada. Um exemplo é o projeto da FGV intitulado “Promovendo transparência e governança territorial no contexto da instalação de rodovias na Amazônia brasileira – O caso da BR-319” [30]. Como o título indica, o projeto pressupõe que a rodovia será construída. Líderes indí-
genas que consultamos expressaram forte oposição ao projeto, preocupados que qualquer acordo pudesse ser mal interpretado pelos tomadores de decisão como apoio à construção, apesar da resistência das comunidades à rodovia.
Outro documento da FGV, intitulado “Agenda de Desenvolvimento Territorial para a região da BR-319: Fortalecendo territórios de bem viver” [31] busca promover o desenvolvimento territorial em Vila Realidade, no município de Humaitá. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) [32], a única atividade econômica dessa área é o desmatamento ilegal. Estradas ilegais originárias da área de Vila Realidade já estão invadindo territórios Indígenas [11, 33], e é improvável que grileiros e madeireiros parem suas atividades, movidos pela atração de lucros rápidos e fáceis.
Lideranças indígenas têm feito uma série de denúncias a respeito dos projetos de “governança” de ONGs atuantes na BR-319. Para garantir sua proteção, ao longo deste texto omitimos os nomes das lideranças, bem como suas etnias e comunidades. Todas as denúncias foram realizadas durante um evento científico e encontro de lideranças conduzido dentro da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), com presença oficial de um representante do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática (MMA).
As lideranças indígenas declararam que representantes da FGV sugeriram que seria do seu melhor interesse aceitar as condicionantes ambientais propostas, já que a rodovia BR-319 seria construída de qualquer maneira. Eles foram informados de que a abordagem mais prudente seria se concentrar em mitigar os impactos em seus territórios negociando condições com o Dnit. Embora algumas dessas ONGs tenham expressado o desejo de promover a governança com todos os lados [31], tentar estabelecer acordos e compromissos entre invasores e invadidos é impraticável, pois isso apenas intensificaria os conflitos e aumentaria as ameaças às comunidades tradicionais [34].
De acordo com lideranças indígenas, a violação mais grave dos direitos dos povos indígenas foi cometida pelo Instituto Internacional de Educação no Brasil (IEB). Um
documento, que os líderes indígenas relatam ter sido preparado pelo IEB e apresentado a eles para assinatura, denuncia uma invasão de terra que é uma preocupação urgente para o grupo, mas também inclui uma declaração afirmando a aprovação do projeto de reconstrução da BR-319, desde que uma reserva extrativista seja criada para proteger os castanhais usados pelo grupo. Os líderes só tomaram conhecimento da declaração aprovando o projeto da estrada após assinarem o documento e seguirem as instruções do IEB para enviá-lo ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e ao Dnit.
O apoio das ONGs ao projeto da BR-319 permaneceu sutil até julho de 2024, quando o Idesam se retirou do Observatório do Clima e enviou uma declaração para selecionadas mídias e políticos pró-BR-319 [35]. O gatilho para essa ruptura foi a aprovação judicial da ação do Observatório do Clima contestando a licença prévia da BR-319, com a declaração do Idesam endossando abertamente a reconstrução da rodovia.
A Advogacia-Geral da União (AGU) entrou com um recurso na esperança de reverter a suspensão da licença prévia de 25 de julho. Observe que, diferentemente da tradição nos Estados Unidos, a AGU brasileira não goza de independência e atua para facilitar a agenda política do presidente. O projeto da BR-319 não tem uma justificativa econômica, a motivação para o projeto tem seu valor na política eleitoral [36]. O benefício do projeto em ganhar votos no Estado do Amazonas explica não apenas o apoio de políticos locais, mas também o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva [37]. Em 23 de agosto, o recurso foi rejeitado pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1) [38]. No entanto, a AGU pode apelar ainda mais, e futuras apelações podem ser bem-sucedidas porque o Brasil ainda tem suas leis de “suspensão de segurança” em vigor, que foram iniciadas pela ditadura militar em 1964, permitindo que qualquer decisão seja anulada se for considerada como causadora de dano “grave” à economia, saúde ou ordem pública (por exemplo, [39-41]. Esse mecanismo já foi usado em favor do projeto BR-319 para reverter uma decisão judicial que havia
suspendido a primeira audiência pública, permitindo assim que o projeto avance independentemente de irregularidades [42-44]. O sistema jurídico brasileiro permite uma sequência quase interminável de recursos, e a AGU pode continuar apelando até encontrar um juiz amigável.
A BUSCA POR UMA EXPLICAÇÃO DAS MOTIVAÇÕES DAS ONGS
Tentamos descobrir as motivações para o apoio (tácito ou explícito) ao projeto de reconstrução da BR-319 por certas ONGs. Isso não tem sido fácil, dada a falta de transparência das organizações e seus financiadores. Há uma coincidência extraordinária em que as ONGs que se recusaram a condenar o projeto da BR-319 são todas financiadas pela Fundação Gordon e Betty Moore (GBMF). A GBMF proibiu as ONGs que financia de tomarem posições contrárias ao projeto da BR-319. Isso poderia ser feito explicitamente por uma cláusula nos contratos de concessão (que nem a GBMF, nem as ONGs estão dispostas a divulgar) ou mesmo por algum tipo de advertência verbal. Esta é uma questão em aberto.
A GBMF foi criada pelo cofundador da Intel, Gordon Moore, e sua esposa Betty Moore em 2000, com o objetivo de apoiar a pesquisa científica e a conservação ambiental. As concessões da GBMF para instituições brasileiras começaram em 2004 no contexto da Iniciativa Andes-Amazônia. A Fundação concentra suas doações ao Brasil em uma área: terra, ecossistemas terrestres e uso da terra. Suas estratégias para áreas protegidas e territórios indígenas incluem conservação, consolidação, gestão e monitoramento. A área ao longo da rodovia BR-319 é uma parte particularmente importante do financiamento da fundação. A GBMF tem fornecido financiamento para o objetivo desejável de promover a governança, mas os projetos de governança de ONGs têm um efeito claro na facilitação da aprovação do projeto de reconstrução da rodovia BR-319. Em resposta a uma pergunta sobre a BR-319, um porta-voz da GBMF compartilhou a seguinte declaração conosco: “A construção e pavimentação de estradas em regiões ecologicamente frágeis podem causar grande destruição. Não somos contra estradas; somos a favor do estabelecimento de salvaguardas ambientais e sociais que protegerão a natureza e as pessoas”.
Além do efeito dos projetos de “governança” das ONGs em facilitar a aprovação da licença para permitir a construção, esses projetos e a continuação implícita do financiamento para “governança” após a construção da estrada são parte do dilema que as ONGs e seus financiadores enfrentam com projetos de desenvolvimento prejudiciais em todo o mundo, ou seja, o fato de que as atividades das ONGs reduzem o custo geral dos projetos de construção, tornando-os mais prováveis de serem realizados. O projeto BR-319 é muito mais atraente se o governo arca apenas com o custo do asfalto e outras partes físicas do projeto, enquanto financiadores internacionais, incluindo organizações filantrópicas, pagam a conta por medidas de governança, como controle do desmatamento e proteção de territórios indígenas. No caso da BR-319, o ministro dos Transportes declarou que quer usar dinheiro do Fundo Amazônia para tornar o projeto BR-319 “viável” [45, 46].
Uma questão sem resposta é se a GBMF poderia estar financiando os projetos que facilitam a aprovação da BR-319 para beneficiar os próprios investimentos da fundação. Um alinhamento entre os investimentos e os beneficiários do projeto da rodovia não significa necessariamente que tal cadeia de influência exista. Muitas fundações atribuem a gestão de seus ativos a uma empresa terceirizada ou a um departamento dentro da fundação que é separado das atividades de concessão de subsídios. Esses arranjos geralmente implicam que os ativos são administrados para maximizar os lucros sem considerar os impactos ambientais e sociais que eles causam. Não se pode presumir que o processo de concessão de subsídios da GBMF seja influenciado pelas implicações da BR-319 para os investimentos da fundação. Sugerimos, no entanto, que esta e outras fundações na área ambiental devem se desfazer de investimentos em atividades prejudiciais ao meio ambiente.
A presença de petróleo e gás no portfólio do GBMF é notável. Além de ser globalmente prejudicial ao clima e outras preocupações, o setor de petróleo e gás é um grande beneficiário da BR-319. O portfólio de investimentos do GBMF não inclui a Rosneft, a gigante russa de petróleo e gás que comprou as primeiras 16 concessões para perfuração na área que seria aberta pela
rodovia AM-366 que está planejada para se ramificar da BR-319 [47, 48]. No entanto, a GBMF já investiu no SBerBank [49], o maior banco de investimento da Rússia, que é um financiador da Rosneft [50]. O enorme projeto proposto Área Sedimentar do Solimões [51] para petróleo e gás a oeste da BR-319 tem amplo escopo para investimento por outras empresas além da Rosneft. A área total do projeto é de 740.000 km², maior que o estado americano do Texas. A GBMF tem investimentos na petrolífera brasileira Petrobras, na petrolífera russa LukOil – PJSC, na empresa americana Anadarko Petroleum, na China Petroleum and Chemicals, na Perusahaan Gas Comstock (empresa americana ativa na Indonésia), na Indian Petronet LNG e na TownGas China [49].
A Agência Nacional do Petróleo do Brasil designou nove grandes blocos de direitos de perfuração ao longo da rota BR-319 [52]. Embora não estejam no “trecho médio” da rodovia, eles se beneficiariam do projeto da rodovia. Um desses blocos (AM-T-107) foi comprado pela Eneva em parceria com a ATEM [53] no “leilão do fim do mundo” de dezembro de 2023 [54]. A Eneva é uma empresa brasileira de gás e petróleo altamente recomendada pela Dynamo [55], que é a empresa de gestão de ativos da GBMF no Brasil. A própria Dynamo detém uma participação de 10,06% na Eneva, e a Eneva pode se fundir com a Vibra, uma empresa de gás e petróleo na qual a Dynamo detém uma participação de 10,28% [56]. Devido ao impacto sobre os povos indígenas, uma decisão judicial suspendeu a assinatura de contratos de perfuração para o Bloco AM-T-107 (além de mais quatro blocos comprados por essas empresas no Amazonas fora da área da BR-319) [57]. Independentemente de essa suspensão persistir ou não, o aumento da lucratividade que a BR-319 traria ao setor de petróleo e gás em áreas acessadas por esta rodovia e suas estradas secundárias estimularia a extração de combustíveis fósseis em grande escala e aumentaria as chances de superar as objeções dos povos indígenas impactados.
A GBMF também investiu na JBS [49], que se orgulha de ser a “maior empresa de proteína animal do mundo”. Os matadouros da JBS e as fazendas que vendem gado para eles são uma grande força no
desmatamento da Amazônia. Grandes fazendeiros do hotspot de desmatamento da AMACRO, bem como interesses de soja e outros agronegócios, planejam atingir a área a ser aberta a oeste da BR-319 pela planejada rodovia AM-366 que também daria acesso às áreas de petróleo e gás [58].
SUBVENÇÕES
O Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) recebeu um total de 10 subvenções do GBMF, entre 2004 e 2022, totalizando mais de US$ 14 milhões [59], incluindo US$ 2 milhões para obras na BR-319 [60]. Os objetivos do financiamento incluem “aumentar o engajamento” dos povos indígenas no trecho do meio da BR-319 e aumentar a “compreensão pública” de “oportunidades e ganhos para o desenvolvimento sustentável do corredor da rodovia” [61, p. 12].
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) recebeu fundos do GBMF que ultrapassaram US$ 6 milhões [62]. O financiamento é para conduzir estudos e promover a criação e implementação de um plano de governança territorial ao longo do corredor rodoviário da BR-319 na Amazônia [63, 64].
O Instituto de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), ONG sediada em Manaus responsável pela coordenação do Observatório da BR-319, recebeu cinco subvenções do GBMF, entre 2011 e 2023, totalizando US$ 2,4 milhões, sendo mais da metade (US$ 1,24 milhão) recebida em novembro de 2023 [65]. Um relatório do Idesam, intitulado “Análise da Implementação de Unidades de Conservação sob a Influência da rodovia BR-319”, em colaboração com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), que também é financiado pelo GBMF [66] descreveu os benefícios e oportunidades que a reconstrução da BR-319 poderia oferecer à região amazônica [67].
CENÁRIO ATUAL: NECESSIDADE DE MUDANÇA
ONGs ambientais e organizações filantrópicas devem se opor a projetos que colocam em risco áreas ricas em biodiversidade. A reconstrução proposta da rodovia BR-319 coloca em risco muito do que resta da floresta amazônica brasileira e é, certamente, um dos projetos ambientalmente prejudiciais do mundo (por exemplo, [5,
6]). Essas organizações devem verificar se seus esforços realmente beneficiam os destinatários pretendidos: o meio ambiente e as comunidades indígenas. Elas também precisam aumentar muito sua transparência.
A imagem que abre este artigo é de autoria de Alberto César Araújo/Amazônia Real e mostra o trecho do meio da BR 319, nas proximidades do distrito de Realidade, no Amazonas.
ACESSE AQUI TODAS AS REFERÊNCIAS DO ARTIGO:

(*) Lucas Ferrante é biólogo formado pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), com mestrado e doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Atualmente, é pesquisador na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), onde coordena projetos sobre as mudanças contemporâneas na Amazônia, incluindo a crise climática, a perda de serviços ecossistêmicos, dinâmicas epidemiológicas e seus impactos socioambientais, com ênfase nos povos indígenas e na biodiversidade. Além disso, atua oficialmente como pesquisador colaborador no Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM), do governo federal.
(*) Philip Martin Fearnside é doutor, pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA), e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É pesquisador 1A de CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 750 publicações científicas e mais de 700 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui: http://philip.inpa.gov.br.
(*) Monica Piccinini é uma escritora freelancer focada em questões ambientais, de saúde e direitos humanos. É brasileira radicada em Londres, Reino Unido, onde pratica jornalismo investigativo e escreve para revistas ambientalistas, tais como The Canary e The Ecologist.
Devastação iminente

Pará lidera risco de desmatamento em 2025, diz Imazon
Fabyo Cruz – Da Cenarium
BELÉM (PA) – O Pará lidera o ranking de áreas sob risco de desmatamento na Amazônia para 2025, com 35% de todo o território ameaçado, segundo dados da plataforma de Inteligência Artificial PrevisIA, desenvolvida pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Se as áreas mais vulneráveis não forem protegidas, estima-se que 6.531 km²
de floresta amazônica sejam destruídos em 2025, um aumento de 4% em relação a 2024.
Amazonas e Mato Grosso aparecem em segundo e terceiro lugar, respectivamente, com 20% e 17%. Pará, Amazonas e Mato Grosso concentram juntos 72% de todo o território ameaçado na Amazônia Legal. Para 2025, o Pará apresenta uma redução nas áreas sob risco em relação ao ano anterior, mas ainda ocupa posição central nas ações de combate à destruição florestal.
Além disso, o Estado possui os territórios mais vulneráveis, como a Terra Indígena (TI) Kayapó, classificada pela PrevisIA como a mais ameaçada em 2025, com
risco de desmatamento equivalente a 2,5 mil campos de futebol. No ano anterior, a Terra Indígena Apyterewa, também no Pará, ocupava essa posição. Apesar de uma operação para retirada de invasores, o território segue em segundo lugar no ranking de áreas ameaçadas.
Outro destaque é a Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, no sudeste do Estado, que permanece como a Unidade de Conservação mais ameaçada da Amazônia pelo quarto ano consecutivo. Segundo a PrevisIA, o risco de desmatamento nessa área para 2025 equivale a quase 10 mil campos de futebol.
Desmatamento no Pará
Crédito: Reprodução Arquivo | Agência Pará
ALERTA
Embora a estimativa de 6.531 km² de floresta sob ameaça seja alarmante, os pesquisadores do Imazon alertam que os dados podem ser conservadores. Isso porque o modelo da PrevisIA não incorporou o aumento expressivo de desmatamento e queimadas registrado após o fechamento do calendário oficial do Prodes, em julho de 2024. Apenas entre agosto e outubro de 2024, 1.628 km² já foram devastados na Amazônia, o que representa 25% da previsão para 2025.
“Se atuarmos para proteger as áreas indicadas pela PrevisIA sob risco muito alto, alto ou moderado de desmatamento, poderemos reduzir ainda mais a derrubada da Amazônia em 2025 e avançar em direção à meta de desmatamento zero em 2030. Ação essencial para reduzir as emissões de gases de efeito estufa no Brasil e mitigar os efeitos das mudanças climáticas que já estão nos afetando seriamente, como as cheias no Rio Grande do Sul e as secas na Amazônia. Precisamos usar essa tecnologia a favor da floresta”, afirma o pesquisador do Imazon e coordenador da PrevisIA, Carlos Souza Jr.
PREVISIA
A PrevisIA é uma ferramenta lançada em 2021 pelo Imazon, em parceria com a Microsoft e o Fundo Vale, para apoiar estratégias de combate ao desmatamento. No Pará, os dados gerados pela plataforma são utilizados pelo Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA) para planejar ações preventivas.
Entre as iniciativas previstas está o envio de informações sobre áreas de risco muito alto e alto, que possuem Cadastro Ambiental Rural (CAR), aos órgãos ambientais e aos próprios responsáveis por essas áreas. O objetivo é aumentar o rigor na fiscalização e evitar o desmatamento, além de responsabilizar aqueles que não cumprirem as exigências ambientais.
“Além de poder ajudar na estratégia nacional de combate ao desmatamento, a PrevisIA também pode auxiliar os governos estaduais e municipais a protegerem suas florestas, já que oferece um mapa das áreas de risco inclusive com informações de estradas e de Cadastros Ambientais Rurais (CARs) sobrepostos”, diz Carlos.
O Imazon estima que 6.531 km² de floresta amazônica serão destruídos em 2025, se as áreas mais vulneráveis não forem protegidas, um aumento de 4% em relação a 2024.
72%
Pará, Amazonas e Mato Grosso concentram juntos 72% de todo o território ameaçado na Amazônia Legal.
Comparação entre o desmatamento ocorrido em 2024 e a previsão para 2025 na Amazônia Legal (km2) por estado
PA (Prodes 2024)
PA (PrevisIA 2025)
AM (Prodes 2024)
AM (PrevisIA 2025)
MT (Prodes 2024)
MT (PrevisIA 2025)
AC (Prodes 2024)
AC (PrevisIA 2025)
RO (Prodes 2024)
RO (PrevisIA 2025)
RR (Prodes 2024)
RR (PrevisIA 2025)
MA (Prodes 2024)
MA (PrevisIA 2025)
AP (Prodes 2024)
AP (PrevisIA 2025)
TO (Prodes 2024)
TO (PrevisIA 2025)
Dados da plataforma de Inteligência Artificial PrevisIA


Conhecimento compartilhado
Resultado do trabalho científico criado na Universidade do Estado do Amazonas (UEA) é devolvido como benefício à sociedade Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Desenvolvendo pesquisas e ciência para beneficiar diretamente a vida de comunidades ribeirinhas do Amazonas, a Universidade do Estado (UEA), por meio do aplicativo de monitoramento Selva, tem auxiliado o Ministério das Comunicações (MCom) na implementação de cabos de fibra óptica no interior
do estado, que ampliarão o alcance da internet na região. Desenvolvido por alunos e professores da área de tecnologia da instituição, o aplicativo fornece informações geradas pelo monitoramento das variáveis ambientais, como chuva e descargas elétricas, em tempo real, para orientar os trabalhos de implantação dos cabos.
Trabalhadores manuseando cordas. No detalhe, imagem do aplicativo Selva
Crédito: Divulgação | Secom
Crédito: Divulgação | UEA
O boletim sazonal hidroclimático, também desenvolvido pela UEA por meio de pesquisas, auxilia a pasta responsável pelo projeto no monitoramento das condições do solo para a instalação dos fios, que serão implementados de forma submersa nas águas do Rio Solimões.
Ao todo, 12 municípios do Estado recebem a melhoria na internet, por meio da implementação de cabos de fibra óptica, que irão expandir a comunicação e a conectividade das regiões beneficiadas. A UEA tem auxiliado o MCom com o projeto “Infovia 02”, que integra o programa “Norte Conectado”, do governo federal, promovendo educação capacitada para transformar a Amazônia.
A instalação dos cabos de fibra óptica, que ficarão submersos nas águas do Rio Solimões, beneficiará 370 mil habitantes dos municípios de Tefé, Alvarães, Uarini, Fonte Boa, Jutaí, Tonantins, Santo Antônio do Içá, Amaturá, São Paulo de Olivença, Belém do Solimões, Tabatinga e Benjamin Constant, no interior do Amazonas, que terão o serviço de internet ampliado em escolas públicas, hospitais e até em praças públicas, que serão equipadas com wi-fi para a população do município.
INSTALAÇÃO
Serão instalados, de forma submersa, mais de 1.000 quilômetros de cabos no Rio Solimões. Cada infovia implementada terá cabos compostos por 24 pares de fibra óptica, com capacidade de até 20 terabytes (TB) – unidade de medida de armazenamento de dados – por segundo. Os cabos foram criados para durar, no mínimo, 25 anos submersos nos rios.
Na prática, a velocidade da internet poderá transmitir simultaneamente o equivalente a 200 mil vídeos de streaming – transmissão de conteúdo on-line – em HD com altíssima qualidade.
ALCANCE DAS COMUNIDADES
A UEA também está promovendo, com o apoio dos docentes, oficinas para comunidades ribeirinhas e indígenas que serão impactadas com a chegada da internet. Para Augusto Gomes, aluno que está auxiliando na implementação do projeto, algumas comunidades já tinham acesso à internet, mas, agora, o alcance será ampliado.
“É a ampliação das vozes de todos os coletivos e, por meio da parceria com a universidade, amplia o alcance de indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Já tínhamos uma internet estável por aqui e vamos chegar mais longe agora [com a chegada dos cabos de fibra óptica]”, disse Gomes.
Yomarley Holanda, professor da universidade no município de Tefé, no interior do Amazonas, a 519 quilômetros de Manaus, afirma que o projeto Infovia 02 impacta as comunidades positivamente, ampliando o desenvolvimento tecnológico da região. “Estamos falando de 12 municípios do Médio e Alto Solimões
Divulgação | UEA
que serão impactados positivamente por esse projeto. Todo o conhecimento teórico da universidade está sendo aplicado na prática, e todos estão contribuindo com o desenvolvimento tecnológico da região”, afirmou.
Segundo o governo federal, a infraestrutura deve ser conectada a redes metropolitanas nas cidades, que levarão conexão de alta velocidade para escolas públicas, unidades de saúde, tribunais e organizações das Forças Armadas, batalhões de policiamento, centros de pesquisa, agências fluviais e cerca de 12 mil indígenas distribuídos em 30 aldeias, todas localizadas em Belém do Solimões.

Em outubro de 2023, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) lançou o aplicativo de monitoramento Selva como resposta aos desafios ambientais enfrentados na região amazônica. A plataforma, que monitora em tempo real queimadas e o Índice de Qualidade do Ar (IQAr), tem auxiliado no monitoramento da qualidade do ar durante todo o ano, especificamente no período de estiagem, quando os índices de queimadas aumentam no Estado e, consequentemente, a qualidade do ar piora na região.
Com as informações em tempo real, como localização e intensidade das queimadas, o aplicativo oferece dados aos gestores responsáveis, permitindo uma resposta mais rápida e eficaz para a saúde da população do Estado.
O aplicativo, desenvolvido pela UEA. Por meio do Programa Ambiental sobre Poluição do Ar (EducAIR), também monitora variáveis ambientais, como chuvas e descargas elétricas, em tempo real.
Selva
Crédito:
Docentes em oficinas para comunidades ribeirinhas e indígenas

Bolsonaro denunciado
Ex-presidente e Braga Netto definiram cargos e tarefas no plano de golpe de Estado
Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium
BRASÍLIA (DF) – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu ex-ministro da Defesa, Walter Souza Braga Netto, dividiram cargos e definiram funções estratégicas dentro do plano para um golpe de Estado, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República, apresentada no dia 18 de fevereiro. Documentos e depoimentos revelam que a dupla organizou a distribuição de postos-chave na trama para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente da República e manter Bolsonaro no poder.
A denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet, ao Supremo Tribunal Federal (STF), detalha em minúcias como se deu a liderança de Bolsonaro
no plano, um dos crimes pelos quais foi denunciado junto a mais 33 pessoas, grande parte militares das Forças Armadas.
De acordo com Gonet, “a organização tinha por líderes o próprio presidente da República e o seu candidato a vice-presidente, o general Braga Netto”, ressaltando que ambos “aceitaram, estimularam e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência e independência dos poderes e do Estado de Direito democrático”.
“A responsabilidade pelos atos lesivos à ordem democrática recai sobre organização criminosa liderada por Jair Messias Bolsonaro, baseada em projeto autoritário de poder. Enraizada na própria estrutura do Estado e com forte influência de setores militares, a organização se desenvolveu em ordem hierárquica e com divisão das tarefas preponderantes entre seus integrantes”, afirma Gonet na peça acusatória.
Na denúncia de 272 páginas, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que toda a identificação dos atos denunciados só foi possível graças ao cuidado dos participantes da trama em documentar o projeto. “Durante as investigações, foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagem reveladores da marcha de ruptura da ordem democrática”, afirma a denúncia.
Para o procurador-geral, os atos progressivos da organização criminosa tiveram início em julho de 2021 e se estenderam até janeiro de 2023, com a invasão dos prédios dos Três Poderes em Brasília, que visaram à abolição do Estado Democrático de Direito e à deposição do governo legitimamente eleito.
NÚCLEO CRUCIAL
Bolsonaro foi listado no núcleo crucial da organização, juntamente com Alexandre Ramagem, Almir Garnier Santos, Anderson
Jair Bolsonaro e Braga Netto
Crédito: Composição Lucas Oliveira | Cenarium
Gustavo Torres, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e Walter Souza Braga Netto. Integrantes do alto escalão do governo federal e das Forças Armadas, partiram deles “as principais decisões e ações de impacto social narradas na denúncia”.
O então ajudante de ordens do ex-presidente, Mauro Cid, “embora com autonomia decisória, também fazia parte desse núcleo, atuando como porta-voz de Jair Messias Bolsonaro, e transmitindo orientações aos demais membros do grupo”.
O ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques, além de Marília Ferreira de Alencar e Fernando de Sousa Oliveira, ambos da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), foram responsáveis pelo “emprego das forças policiais para sustentar a permanência ilegítima de Bolsonaro no poder”.
A denúncia indica que o general Mário Fernandes, então segundo na Secretaria-Geral da Presidência da República, era quem coordenava as ações de monitoramento e neutralização de autoridades públicas, em conjunto com Marcelo Costa Câmara, além de realizar a interlocução com as lideranças populares ligadas aos episódios do dia 8 de janeiro de 2023.
O ex-assessor internacional de Bolsonaro, Felipe Garcia Martins Pereira, segundo a peça de Gonet, foi quem apresentou e sustentou o projeto de decreto que implementaria as medidas excepcionais no País, caso o plano de golpe tivesse sido bem-sucedido.
Segundo a denúncia, as ações coercitivas foram executadas por membros das forças de segurança pública que se alinharam ao plano antidemocrático. Nesse trabalho estavam o então comandante do Comando de Operações Terrestres (Coter), Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, que “aceitou coordenar o emprego das forças terrestres conforme as diretrizes do grupo”.
No trabalho de campo voltado para o monitoramento e neutralização de autoridades públicas foram destacados os militares Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra de Azevedo e Wladimir Matos Soares. Hélio Ferreira Lima está preso e foi transferido de Brasília para o 7º Batalhão de Polícia do Exército, localizado em Manaus. Conhecidos como “kids

Procurador-geral da República, Paulo Gonet é autor da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro
“A responsabilidade pelos atos lesivos à ordem democrática recai sobre organização criminosa liderada por Jair Messias Bolsonaro, baseada em projeto autoritário de poder”
Paulo Gonet, procurador-geral da República, na denúncia encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF).
pretos”, os membros das Forças Especiais do Exército também tiveram um papel crucial na trama denunciada pela PGR.
Gonet também descreve o papel dos especialistas Bernardo Romão Correa Netto, Cleverson Ney Magalhães, Fabrício Moreira de Bastos, Márcio Nunes de Resende Júnior, Nilton Diniz Rodrigues, Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros e Ronald Ferreira de Araújo Junior, que promoveram ações táticas para convencer e pressionar o Alto Comando do Exército a ultimar o golpe.
A denúncia também indica os responsáveis pelas operações estratégicas de desinformação, que ficaram a cargo de Ailton Gonçalves Moraes Barros, Ângelo Martins Denicoli, Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, Reginaldo Vieira de Abreu,
Crimes pelos quais
Bolsonaro foi denunciado
Deterioração de patrimônio tombado: bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. Reclusão, de um a três anos, e multa;
Organização criminosa armada: promover, constituir, financiar ou integrar “pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. Pena de 3 a 8 anos;
Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: quando alguém tenta “com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Pena de 4 a 8 anos de prisão;
Golpe de Estado: quando uma pessoa tenta “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Pena de prisão de 4 a 12 anos;
Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima: detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Crédito:
Rosinei Coutinho

Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, Giancarlo Gomes Rodrigues, Marcelo Araújo Bormevet e Guilherme Marques de Almeida.
“Eles propagaram notícias falsas sobre o processo eleitoral e realizaram ataques virtuais a instituições e autoridades que ameaçavam os interesses do grupo. Todos estavam cientes do plano maior da organização e da eficácia de suas ações para a promoção de instabilidade social e consumação da ruptura institucional”, afirma Gonet.
RESPONSABILIZAÇÃO
Ao iniciar a denúncia, Paulo Gonet deixa claro que no regime republicano todos são aptos a serem responsabilizados por condutas penalmente tipificadas. “O presidente da República não foge a essa regra, ainda que, certamente, uma acusação penal contra o Chefe de Estado, mesmo que ele haja deixado o cargo, não possa ser trivializada como instrumento de continuidade da disputa política, por mais acre que se tenha tornado o ambiente partidário”, afirma.
“Os delitos descritos não são de ocorrência instantânea, mas se desenrolam em cadeia de acontecimentos, alguns com mais marcante visibilidade do que outros, sempre articulados ao mesmo objetivo – o de a organização, tendo à frente o então presidente da República Jair Bolsonaro, não deixar o Poder, ou a ele retornar, pela força, ameaçada ou exercida, contrariando o resultado apurado da vontade popular nas urnas. O inquérito revela atentado contra a existência dos três Poderes e contra
a essência do Estado de Direito Democrático”, finaliza em sua introdução, o procurador-geral.
Com o recebimento da denúncia, o ministro relator do processo, Alexandre de Moraes, decidirá se aceita ou arquiva, além de submeter à decisão de um colegiado. Se aceita, os denunciados se tornarão réus numa ação penal, que seguirá o trâmite normal, com direito de defesa, alegações finais e julgamento final. Moraes pode ainda solicitar mudanças à PGR, caso encontre inconsistências.
DESPREOCUPADO
O ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), afirmou, ainda no dia 18 de fevereiro, que estava “aguardando” a denúncia da PGR à Justiça Federal sobre tentativa de golpe de Estado. A frase foi dita no Congresso Nacional, em Brasília (DF), durante reuniões com aliados políticos. Ao ser questionado sobre o assunto, Bolsonaro disse que não está preocupado.
“Estou aguardando chegar. Espero que dessa vez eu tenha acesso aos autos. Você já viu a minuta de golpe? Não viu, eu também não vi. Você viu a delação do (Mauro) Cid? Estou aguardando”, disse Bolsonaro.
Os denunciados
Ailton Gonçalves Moraes Barros
Alexandre Ramagem Rodrigues
Almir Garnier Santos
Anderson Gustavo Torres
Ângelo Martins Denicoli
Augusto Heleno Ribeiro Pereira
Bernardo Romão Correa Netto
Carlos Cesar Moretzsohn Rocha
Cleverson Ney Magalhães
Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira
Fabrício Moreira de Bastos
Filipe Garcia Martins Pereira
Fernando de Sousa Oliveira
Giancarlo Gomes Rodrigues
Guilherme Marques de Almeida
Hélio Ferreira Lima
Jair Messias Bolsonaro
Marcelo Araújo Bormevet
Marcelo Costa Câmara
Márcio Nunes de Resende Júnior
Mário Fernandes
Marília Ferreira de Alencar
Mauro César Barbosa Cid
Nilton Diniz Rodrigues
Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho
Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
Rafael Martins de Oliveira
Reginaldo Vieira de Abreu
Rodrigo Bezerra de Azevedo
Ronald Ferreira de Araújo Júnior
Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros
Silvinei Vasques
Walter Souza Braga Netto
Wladimir Matos Soares
Fonte: Denúncia da PGR.
ACESSE A MATÉRIA EM NOSSO SITE E LEIA A ÍNTEGRA DA DENÚNCIA:

Mais de 1.500 participantes dos atos extremistas com ataques aos Três Poderes, vistos como uma tentativa de golpe de Estado, já foram detidos
Crédito: Marcelo Camargo Ag Brasil
Militar ligado ao AM propôs caos para forçar Estado de Sítio, diz Cid

Jadson Lima – Da Cenarium
MANAUS (AM) – O tenente-coronel do Exército Brasileiro (EB) Hélio Ferreira Lima se encontrou pessoalmente com o então ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid, entre os dias 9 e 11 de novembro de 2022, com a proposta de instaurar o caos no País, para forçar a decretação de Estado de Defesa ou Estado de Sítio. Lima assumiu, em 2023, o comando da 3ª Companhia de Forças Especiais do Comando Militar da Amazônia (CMA), com sede em Manaus. Ele assumiu a chefia em 19 de dezembro de 2023. Os detalhes dessa informação estão nos documentos aos quais a CENARIUM teve acesso e que foram revelados no dia 19 de fevereiro, após o ministro do STF, Alexandre de Moraes, levantar o sigilo da colaboração premiada do militar.
Hélio Ferreira Lima foi denunciado no dia 18 de fevereiro pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por participação na trama para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder, após a derrota do então presidente nas eleições de outubro de 2022. Além do militar, outros integrantes das Forças Armadas e Bolsonaro foram implicados pelo Ministério Público Federal (MPF).
O encontro dos militares ocorreu no Hotel de Trânsito de Oficiais de Goiânia durante a noite. Em depoimento prestado no dia 21 de novembro de 2024, o tenente-coronel Mauro Cid menciona que foi procurado pelos também tenentes-coronéis Hélio Ferreira Lima e Rafael de Oliveira, e consta que eles teriam demostrado
“indignação com o resultado das eleições e que algo precisaria ser feito”, como uma mobilização de massa que pudesse instaurar um caos institucional. O militar estava na capital de Goiás porque iria assumir o comando das Tropas de Forças Especiais, com sede na cidade.
“Eles expressavam a indignação com o que estava acontecendo no País, que alguma coisa tinha que ser feita, [porque] tinha uma mobilização de massa muito grande, que o Exército tinha que fazer alguma coisa […] e que eles estavam dispostos a fazer alguma ação que gerasse alguma mobilização de massa, né, que pudesse causar um caos institucional”, disse Mauro Cid em um trecho da delação.
A informação da delação de Cid se confirma com a multidão que se mobilizou em frente ao Comando Militar da Amazônia (CMA), Zona Oeste de Manaus, após as eleições de 2022, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito presidente da República. Na época, a multidão fechou as ruas e trouxe transtornos aos moradores das redondezas, por conta do alto volume de sons automotivos.
A primeira discussão presencial dos três militares para encontrar formas de reverter o resultado da eleição que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi registrada dias antes de outro encontro, que ocorreu na residência do general Walter Braga Netto, em 12 de novembro de 2022, em Brasília. A reunião na casa do candidato a vice-presidente derrotado foi sugerida pelos militares, porque, segundo os “kids
pretos”, era ele quem mantinha a interlocução entre os manifestantes acampados na frente dos quartéis e Jair Bolsonaro.
“O colaborador [Mauro Cid] entrou em contato com o general Braga Netto, agendando uma reunião. Na reunião, discutiu-se, novamente, a necessidade de ações que mobilizassem as massas populares e gerassem caos social, permitindo, assim, que o presidente assinasse o estado de defesa, estado de sítio ou algo semelhante”, diz trecho do depoimento.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) apontou no oferecimento da denúncia contra os militares, que a reunião na casa de Braga Netto tinha o objetivo de discutir as ações clandestinas para neutralizar o ministro Alexandre de Moraes, conforme estava previsto no plano “Punhal Verde-Amarelo”. O depoimento de Mauro Cid também destacou que o encontro discutiu formas de promover uma ação de forte impacto social, para justificar a assinatura de um decreto por Jair Bolsonaro.
“E aí a conversa foi nesse nível: nós temos que fazer alguma coisa para que haja uma mobilização de massa, que haja alguma ação que tenha repercussão, que faça que o Exército tenha que fazer uma coisa, tenha que decretar um estado de sítio, os generais entendam a necessidade, que o presidente aceite assinar alguma coisa ou não, né?”, disse Cid ao ministro Alexandre de Moraes. QUEM É FERREIRA LIMA?
Preso preventivamente desde 21 de novembro do ano passado, o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima é um dos “kids pretos”, militares treinados para ações de sabotagem e insurgência popular, conhecidas como “operações de guerra irregular”. A carreira militar dele incluiu o comando da 3ª Companhia de Forças Especiais do Comando Militar da Amazônia (CMA), unidade com sede em Manaus. Ele assumiu a chefia em 19 de dezembro de 2023, um ano após as discussões que visavam romper com a ordem democrática. Ele foi afastado da função, em fevereiro de 2024, por determinação do STF, no âmbito da operação Tempus Veritatis, da qual o militar também foi alvo de busca e apreensão. Cerca de nove meses depois, em novembro do mesmo ano, Hélio Ferreira Lima foi preso preventivamente depois que as investigações encontraram elementos robustos que indicavam a participação do militar na trama para reverter o resultado da eleição.
O tenente-coronel do Exército Brasileiro (EB) Hélio Ferreira Lima ficou encarregado em trazer ambiente de caos, diz Cid
Crédito: Composição Paulo Dutra | Cenarium
Pará: revogação por força popular

Após quase um mês de protestos, deputados do Pará revogaram a Lei n.º 10.820, alvo de manifestações sob o argumento de enfraquecer a educação de povos tradicionais
Fabyo Cruz – Da Cenarium
BELÉM (PA) – Após quase um mês de protestos e ocupação na Secretaria de Educação do Pará (Seduc-PA), a Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) aprovou, por unanimidade, no dia 12 de fevereiro, a revogação da Lei n.º 10.820/2024, que previa mudanças na carreira do magistério, especialmente a extinção do Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e sua modalidade indígena (Somei). A decisão de revogar a
lei representa uma vitória para educadores, indígenas e movimentos sociais, que pressionaram o governo estadual contra as mudanças na carreira do magistério.
A liderança indígena Auricélia Arapiun definiu a revogação como uma vitória para os professores da rede pública estadual e para os povos indígenas do Estado, que, até a data da revogação, já ocupavam a sede da Seduc-PA havia 28 dias, desde o dia 14 de janeiro. A revogação foi publicada no dia 13 de fevereiro, no Diário Oficial do Estado, pondo fim à ocupação da Seduc, com os manifestantes se retirando do local no dia seguinte, dia 14, exatamente um mês após o início da mobilização.
“Muita gente falou para nós que a gente não ia conseguir, que a gente precisava negociar, e a gente mostrou aqui que direito não se negocia, se garante. E a gente veio aqui para garantir esse direito”, afirmou à CENARIUM.
A revogação já havia avançado no dia 11 de fevereiro, quando a Comissão de Constituição, Justiça e Redação Final da Alepa aprovou um parecer favorável ao projeto. O desfecho da votação foi acompanhado de perto por representantes de sindicatos e parlamentares contrários à norma, que, desde sua aprovação, enfrentava forte resistência.
A mobilização cresceu após o governo minimizar os impactos da lei sobre a educação indígena e quilombola. Diante das críticas, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia pediu esclarecimentos sobre a legislação. Em meio à pressão, o governador Helder Barbalho (MDB) assinou, no dia 5 de fevereiro, um Termo de Compromisso para revogar a medida.
No dia 10 de fevereiro, a greve dos professores da rede estadual, iniciada em 23 de janeiro, foi suspensa após a sinalização de que a Alepa votaria a revogação. Além da retirada da lei, a categoria reivindicava mudanças na gestão da Seduc-PA.
Indígenas comemoram em frente à Alepa a revogação da Lei n.º 10.820
Crédito:
Fabyo Cruz Cenarium
‘Ocupação no Pará dá recado’, diz Alessandra Munduruku

Alessandra Munduruku é uma liderança indígena do Estado do Pará
Fabyo Cruz – Da Cenarium
BELÉM (PA) – No Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas, celebrado em 7 de fevereiro, a ocupação de povos originários na Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc), em Belém, completava 25 dias, simbolizando a resistência histórica desses povos na defesa de seus direitos. Entre as principais vozes dessa causa está Alessandra Korap Munduruku, liderança reconhecida internacionalmente por sua atuação na defesa dos territórios indígenas contra garimpeiros e grandes empreendimentos. Em entrevista exclusiva à CENARIUM, ela falou sobre os desafios e a força do movimento.
“A ocupação está dando recado. Estamos aqui há quase um mês mostrando que não vamos recuar. Essa luta não é só pela educação, é pela nossa existência. Estamos gritando para que nos escutem”, afirmou Alessandra, naquele dia.
Alessandra diz que, quando chegou à Seduc, achou que ficaria apenas dois ou três dias. “Enfrentamos muito. Nos primeiros dias, fomos atacados: jogaram gás de pimenta nos banheiros, cortaram a energia e a água do prédio, impediram a entrada de comida. Viemos apenas com a coragem — sem redes, sem barracas, sem nada. Tudo o que temos foi doado. Mas viemos com a força do espírito, do território, da natureza”, relembrou.
Com a mesma firmeza com que denuncia invasões na Amazônia, ela enfrentou altos e baixos na luta pela revogação da Lei
n.º 10.820/2024, que alterava a educação indígena no Pará. “Passamos por momentos de tristeza e de fortalecimento. Nossos parceiros — guerreiros, caciques — às vezes desanimavam, mas, onde chegávamos, nos reerguíamos. Nunca desistimos. Sempre dissemos que nossos direitos não se vendem. Ninguém troca direitos, ninguém vende território, ninguém negocia nossa existência”, disse.
REPRESSÃO E RESISTÊNCIA
“Tivemos muitas conversas, e tentaram nos enganar várias vezes. Tentaram nos intimidar, nos rotular como pequenos, dizendo que só espalhávamos fake news. Mas sabíamos por que estávamos aqui. Somos um povo de luta, um povo de paz, um povo que conhece o chão que pisa e o sofrimento do nosso povo. Mas também somos guerreiros”, afirma Alessandra. Ela relembra a repressão enfrentada pelo grupo durante a ocupação. “Quando tivemos a primeira conversa com o governador, após 15 dias aqui, parecia que haveria uma luz. Mas, em vez de diálogo, colocaram 1.500 policiais contra 40 pessoas desarmadas. Nossa arma era o canto. Nossa arma era o maracá. Nossa arma era a pintura. Nossa arma era a nossa voz”, conta.
Durante a entrevista, a liderança Munduruku também denunciou tentativas de silenciamento: “Tentaram nos desmobilizar três vezes. Tomaram nossos celulares, proibiram gravações e vídeos. Quando chegamos para negociar, um batalhão de policiais nos esperava. Ainda assim, fomos”.
Alessandra reforça que a pauta da ocupação sempre foi precisa: “Falamos sempre sobre a revogação da lei e a exoneração do secretário [Rossieli Soares]. Mas o governador não respondia. Dizia apenas que haveria um decreto e um grupo de trabalho [GT]. Eu disse: ‘Isso é fraco para nós. Decreto é fraco. Queremos a revogação da lei para que possamos construir uma legislação específica para os indígenas e quilombolas’”.
LUTA COLETIVA
A mobilização começou em defesa da educação indígena, mas, ao longo da ocupação, os manifestantes perceberam o impacto da Lei n.º 10.820/2024 em outras comunidades tradicionais.
“Quando mexeram com a nossa educação, achávamos que era apenas a educação indígena. Mas sabemos dos problemas no território, das dificuldades que os professores enfrentam para sair da cidade e chegar às aldeias. São um, dois, três, quatro dias de viagem, sem apoio do Estado e, muitas vezes, nem do Município. Eles precisam arcar com combustível, material didático, frete e transporte”, explica Alessandra. Ela conta que, no processo, aprenderam sobre os desafios enfrentados por professores de comunidades ribeirinhas e quilombolas.
A LUTA QUE NÃO PARA
Sobre o Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas, Alessandra reforça que a resistência é diária.
“A luta por direitos acontece todos os dias. Todos os dias você luta para ter terra demarcada, para ter saúde, para ter educação. E 7 de fevereiro é um dia simbólico para lembrar que essa luta é constante”, ressalta.
Assista à entrevista completa na TV CENARIUM:

‘Calha Norte’ muda de mãos
Após 40 anos, programa sai da responsabilidade dos militares a partir deste ano
Ana Cláudia Leocádio* - Da Cenarium
BRASÍLIA (DF) – O Programa “Calha Norte” (PCN) está sendo transferido do Ministério da Defesa (MD) para o da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), após 40 anos sob a responsabilidade dos militares. Criado em 1985 para
executar obras de infraestrutura básica nos municípios da região, o PCN atende aos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. O processo de transferência teve início em janeiro deste ano.
Por ano, são previstos, em média, R$ 800 milhões para o programa, que tem sido, nessas quatro décadas, um dos principais instrumentos de alocação de verbas por meio de emendas orçamentárias, pelos parlamentares da Região Norte.
Na última reunião da bancada do Norte na Câmara dos Deputados, no início de dezembro de 2024, o coordenador do grupo, deputado Sidney Leite (PDS-AM), afirmou que iria tentar, junto aos demais membros do colegiado da região, barrar a transferência de ministério. Ele entende que o Ministério da Defesa desempenha de forma satisfatória a execução do programa, mas não detalhou de que forma pretendia fazer esse pedido.
Ao assinar a portaria que criou o Grupo de Trabalho (GT) com foco em mudar o
R$ 800 MILHÕES
São previstos por ano para o ‘Calha Norte’, em média, R$ 800 milhões. O programa tem sido, nessas quatro décadas, um dos principais instrumentos de alocação de verbas por meio de emendas orçamentárias, pelos parlamentares da Região Norte.
783 MUNICÍPIOS
Segundo o Ministério da Defesa, dos 783 municípios atendidos pelo ‘Calha Norte’, 170 estão localizados ao longo dos 14.938 quilômetros de faixa fronteiriça.
60% DO PAÍS
O programa atua numa área correspondente a quase 60% do território nacional.
27 MILHÕES DE PESSOAS
Um total de 27 milhões de pessoas vivem na área de atuação do ‘Calha Norte’, dentre as quais 90% das populações indígenas do País.
Sobre o ‘Calha Norte’
Programa Calha Norte foi criado em 1985
Crédito: Composição Weslley Santos | Cenarium
Atuação das três Forças Militares na região
MARINHA DO BRASIL
► Controle e segurança da navegação fluvial;
► Registro de embarcações;
► Treinamento das tripulações;
► Apoio às comunidades da região por meio de assistência às populações carentes.
EXÉRCITO BRASILEIRO
► Implantação de infraestrutura básica nos municípios da região;
► Implantação de unidades militares;
► Conservação de rodovias;
► Manutenção de pequenas centrais elétricas;
► Manutenção da infraestrutura instalada nos Pelotões Especiais de Fronteira.
FORÇA AÉREA
BRASILEIRA (FAB)
► Implantação de unidades militares;
► Apoio por meio de transporte aéreo logístico;
► Manutenção de aeródromos;
► Apoio às comunidades, com evacuação aeromédica.
programa do Ministério da Defesa, o ministro da Integração, Waldez Góes, informou que quase 100% do que o “Calha Norte” tem feito tem relação direta com o Desenvolvimento Regional. “Então é uma organização administrativa do Estado para que as políticas públicas sejam melhor aplicadas”, afirmou.
Já o ministro da Defesa, José Múcio, argumentou que a mudança fará com que as Forças Armadas trabalhem em suas áreas específicas, porque o trabalho com o “Calha Norte” “confundia, misturava as coisas e atrapalhava a gestão”. “Estamos deixando de fazer o que não é do nosso ministério e nem temos conhecimento para isso, e meu desejo é que as Forças Armadas voltem para os quartéis para cumprirem suas obrigações”, declarou, ao assinar a portaria no dia 4 de setembro do ano passado.
Concebido inicialmente para desenvolver as comunidades às margens dos rios Solimões e Amazonas, o programa
foi ampliado no decorrer dos anos e, hoje, atende a 783 municípios em dez Unidades da Federação, inclusive Estados de fora da Região Norte, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Maranhão.
Segundo o Ministério da Defesa, dos 783 municípios atendidos pelo “Calha Norte”, 170 estão localizados ao longo dos 14.938 quilômetros de faixa de fronteira. Essa capilaridade faz com que o programa atue numa área correspondente a quase 60% do território nacional, onde vivem 27 milhões de pessoas, dentre as quais 90% das populações indígenas do País.
Segundo o MIDR, o “Calha Norte” entrega obras de infraestrutura por meio de parceria com o Poder Legislativo, atualmente com obras nas áreas da saúde, educação, esporte, segurança pública e desenvolvimento econômico.
“A partir de janeiro de 2025, um Grupo de Trabalho interministerial vai elaborar um relatório de mapeamento das ações necessárias para a transferência do Programa ‘Calha Norte’ do Ministério da Defesa para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional”, informou, em dezembro de 2024, o ministério que irá receber o programa.
ALVO DE ÓRGÃOS FISCALIZADORES
Auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU), em agosto de 2024, a pedido do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator das ações sobre as emendas do “orçamento secreto”, mostrou que o “Calha Norte” está entre os principais programas com recursos oriundos de emendas parlamentares.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também tem apertado o cerco na fiscalização do destino dos recursos por meio de emendas do Legislativo ao Orçamento. Segundo reportagem do jornal “O Globo”, de outubro do ano passado, somente entre 2009 e 2022, o “Calha Norte” movimentou R$ 4,3 bilhões em recursos públicos, que agora são alvos de procedimentos investigatórios.
O periódico informou que, segundo o TCU, relatórios elaborados pelo próprio Ministério da Defesa sugerem a fragilidade no acompanhamento dos convênios, principalmente após a ampliação do escopo de atuação do programa.
As denúncias variam de sobrepreço a superfaturamento das obras e, ainda, o desequilíbrio entre os municípios contemplados, com excesso de verbas direcionadas geralmente a redutos eleitorais de parlamentares da base do governo.
Em 2022, outra reportagem do “O Globo” mostrou que “somente por meio do orçamento secreto, o ministro da Defesa bancou R$ 588 milhões em obras em municípios comandados por aliados do governo Bolsonaro”. As obras incluíram praças, passarelas de concreto, edifícios para abrigar câmaras de vereadores e até capelas funerárias.
De 2020 a 2023, o TCU realizou 25 processos de tomada de contas especial para apurar irregularidades no gasto com emendas por meio do “Calha Norte”.
(*) Com informações do Ministério da Defesa.
As ações do PCN, segundo o Ministério
da Defesa
O Programa atua em duas vertentes denominadas vertente militar e vertente civil. Com relação à militar, o PCN executa suas ações mediante a transferência de recursos orçamentários diretamente para os Comandos das Forças Armadas, visando à implantação, adequação e ampliação de unidades da Marinha, do Exército e da Aeronáutica na região.
Na civil, o programa executa suas ações mediante a transferência voluntária de recursos orçamentários, previstos em Lei Orçamentária Anual (LOA), provenientes de emendas parlamentares, por meio de convênios firmados entre o Ministério da Defesa, os Estados e municípios abrangidos pelo PCN, para atendimento a projetos de infraestrutura básica, complementar e aquisição de equipamentos.
Atualmente, o PCN realiza a gestão de 1.620 convênios ativos, 1.234 obras, em 783 municípios nos dez Estados, com recursos aproximados de R$ 3 bilhões.

Auditorias à distância
TCE-AM investe na
Teleauditoria para vencer desafios geográficos da Amazônia
Pedro Sousa – Especial para a Cenarium
MANAUS (AM) - Cumprir a função primordial de um Tribunal de Contas de Estado ganha contornos únicos em regiões como o Norte do País. No Amazonas, maior Estado da Federação, com mais de 1,5 milhão de quilômetros quadrados de extensão, a missão de fiscalizar os gastos públicos enfrenta desafios que poucos tribunais no Brasil conhecem. A logística é o maior deles. Diante de dificuldades pelas dimensões continentais e desafios naturais, como a cheia dos rios, é fácil compreender o investimento por parte do Tribunal de Contas do Amazonas
(TCE-AM) em mecanismos de fiscalização à distância, dentre eles a teleauditoria, que permite monitoramentos remotos.
Para alcançar os 62 municípios amazonenses, auditores da Corte de Contas do Amazonas frequentemente enfrentam deslocamentos que envolvem viagens aéreas, percursos por rios e, em alguns casos, até incursões na mata. As dificuldades são agravadas pelos ciclos de cheias e secas históricas, que podem tornar trajetos antes viáveis praticamente impossíveis em determinados períodos do ano.
O auditor de controle externo Vinícius Dantas viveu na pele essa realidade. Durante uma fiscalização no município de Ipixuna, distante 1.363 quilômetros de Manaus, ele precisou embarcar em uma jornada complexa: partiu de Manaus para Brasília, seguiu até Cruzeiro do Sul, no Acre, onde pernoitou, e então embarcou em uma pequena aeronave monomotor com
capacidade para apenas quatro pessoas. Durante o voo, sem copiloto a bordo, recebeu orientações emergenciais do piloto sobre o que fazer caso ele passasse mal.
“A experiência me marcou, não apenas pelo desafio do deslocamento, mas pelo risco envolvido”, relembra Dantas. Anos depois, descobriu que a mesma aeronave esteve envolvida em um acidente fatal: atropelou um motociclista ao pousar em uma pista sem controle de tráfego aéreo e cortada por ruas de um bairro no mesmo município. “Temos a missão de fiscalizar todos os municípios e, em boa parte deles, devido às particularidades da região, é preciso viver uma verdadeira aventura”, disse.
INOVAÇÃO NA FISCALIZAÇÃO
Para superar os desafios da região, em dezembro de 2024, ao final do primeiro ano de sua segunda gestão, a conselheira-presidente Yara Amazônia Lins inaugurou a sala de teleauditoria do Tribunal,
Auditor do TCE-AM enfrenta área alagada para realizar auditoria
Crédito: Joel Arthus | TCE
“Temos a missão de fiscalizar todos os municípios e, em boa parte deles, devido às particularidades da região, é preciso viver uma verdadeira aventura”
Vinícius Dantas, auditor de controle externo do TCE-AM.
projetada para monitoramentos remotos em tempo real.
Localizada no segundo andar do prédio principal do TCE-AM, no coração da Secretaria de Controle Externo (Secex), a sala de teleauditoria possui tecnologia “100% caseira”, contando com computadores de alto desempenho, telas interativas e uma sala estratégica equipada para videoconferências, permitindo que auditores e gestores municipais fiquem “frente a frente” virtualmente.
“O Amazonas exige soluções inovadoras devido às suas particularidades geográficas. Este espaço simboliza nosso compromisso com a inovação e o aprimoramento contínuo dos serviços prestados pelo Tribunal. Mais do que uma sala, ela representa nossa missão de servir à sociedade amazonense com excelência, garantindo que cada recurso público seja utilizado de forma responsável e em benefício de todos”, destacou Yara Amazônia Lins na inauguração.
COMO FUNCIONA A TELEAUDITORIA
O atual secretário da Secex, Mário Sato, explica que a teleauditoria representa um avanço significativo na fiscalização, permitindo que os auditores tenham acesso a uma ampla gama de ferramentas tecnológicas sem precisar se deslocar.
“A sala de teleauditoria é um ambiente integrado onde os auditores poderão utilizar imagens de satélite, sensoriamento

remoto e outros recursos para acompanhar, em tempo real, a execução de obras, gestão de recursos hídricos e até questões relacionadas à preservação ambiental. Além disso, a sala de videoconferência permite que os gestores municipais sejam acionados diretamente para prestar esclarecimentos, enviar documentações e tirar dúvidas, agilizando todo o processo fiscalizatório”, explica Sato.
A tecnologia já demonstra impacto positivo na celeridade e eficiência das auditorias, tornando-as mais ágeis e detalhadas.
ECONOMIA E EFICIÊNCIA
Além de otimizar o trabalho dos auditores, a teleauditoria traz um impacto significativo na redução de custos. Antes, as
fiscalizações demandavam longas viagens e grande volume de papel impresso.
“A teleauditoria reduz gastos com viagens e elimina o uso desnecessário de papel, resultando em uma economia anual de cerca de R$ 1 milhão. Antes, precisávamos imprimir grandes volumes de documentos nas unidades fiscalizadas e depois digitalizá-los. Hoje, tudo acontece de forma eletrônica”, ressalta Stanley Scherrer, ex-secretário da Secex e atual diretor de Controle Externo de Tecnologia da Informação (Diceti).
A tecnologia também elevou a qualidade das auditorias. “Com esse sistema, conseguimos fiscalizar locais distantes, a mais de mil quilômetros da sede do Tribunal, de forma mais célere e, muitas vezes, até com mais precisão do que presencialmente”, destaca Scherrer.
Histórico e regulamentação
A teleauditoria foi formalizada pela Resolução n.º 28/2021, que atualizou a Resolução n.º 4/2020 para regulamentar o Sistema de Fiscalização à Distância. Desde 2017, o modelo vinha sendo testado, mas foi durante a pandemia de Covid-19 que ele se tornou essencial, com auditorias sendo realizadas integralmente de forma remota.
Atualmente, as fiscalizações à distância são agendadas e divulgadas no Diário Oficial, e os gestores municipais
precisam estar conectados para atender às solicitações do Tribunal em tempo real.
O modelo inovador já desperta interesse de outros Tribunais de Contas do País, como o de Tocantins, que busca adaptar a tecnologia para sua realidade. A combinação de monitoramento por satélite, sensoriamento remoto e videoconferências cria um novo padrão de eficiência e transparência, consolidando o Amazonas como pioneiro em uma fiscalização mais ágil, segura e acessível.
Sala de teleauditoria na sede do TCE-AM
Crédito: Filipe Jazz TCE
Símbolos neonazistas
Servidor da Embrapa repete Musk e faz gesto similar a ato nazista
Jadson Lima – Da Cenarium
MANAUS (AM) – O servidor da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Marcelo Costa Mota, 46 anos, repetiu o comportamento do empresário Elon Musk e fez um gesto similar à saudação “Sieg Heil”, usada por Adolf Hitler no regime totalitário alemão, na Segunda Guerra Mundial (19391945), de acordo com imagens obtidas pela CENARIUM
A fotografia de Marcelo foi publicada no dia 25 de janeiro, cinco dias depois de Musk fazer ato semelhante na posse do presidente Donald Trump em Washington (EUA). Após a imagem repercutir em grupos de mensagens por aplicativo, o servidor pronunciou-se em uma rede social e disse que o gesto foi uma “brincadeira”; em seguida, ele apagou. O empresário Elon Musk também negou a referência nazista após ser criticado e justificou que o ato simbolizava “o coração alcançando a multidão”.
Segundo a legislação brasileira, é proibido “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”. A “Lei do Racismo” (n.º 7.716/89), como é conhecida, estabelece que a pena para condenados por esses crimes varia de dois a cinco anos de prisão. O Código Penal Brasileiro, no artigo 287, tipifica o crime de apologia e estabelece pena de três a seis meses de detenção ou multa. Quando há associação a símbolos ou ideologias que promovam discriminação ou intolerância, a conduta pode ser analisada.
Na imagem, à qual a reportagem da CENARIUM teve acesso, o servidor da Embrapa veste uma bermuda clara e uma camisa preta, enquanto ergue o braço direito inclinado para cima e os dedos da

mão levemente para baixo. Ele também segura uma bandeira vermelha, branca e preta, com uma águia e uma cruz. Os símbolos e o gesto são similares aos usados pela Alemanha nazista. Procurado para se manifestar sobre o caso, o servidor afirmou que passaria os questionamentos para sua assessoria jurídica.
Marcelo Costa Mota é servidor da Embrapa em Manaus (AM), no núcleo de Tecnologia da Informação. Conforme as informações consultadas pela CENARIUM, ele ocupa o cargo de técnico no setor de chefia-geral. As informações também apontam que ele ingressou no órgão em 29 de setembro de 2008.
À CENARIUM, a instituição vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) informou, no dia 28 de janeiro,
Servidor da Embrapa (AM), empresa vinculada ao Ministério da Agricultura, faz gesto similar à saudação nazista em foto
que “está apurando os fatos para adotar as medidas cabíveis com base em suas normas internas e na legislação”.
SEGUNDO REICH
O doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), César Augusto Queirós, afirmou que o registro mostra o homem claramente reproduzindo uma saudação nazista, o que, segundo ele, é reforçado pela presença da bandeira do Segundo Reich. O especialista explica que o nazismo se apropriava e reconvertia muitos símbolos nacionais.
“Claramente, ele está reproduzindo uma saudação nazista, o que se reforça pela utilização da bandeira do Segundo Reich.
Crédito: Imagem Obtida
Pela Cenarium
Site da Embrapa mostra que Marcelo Costa atua como


Crédito: Reprodução | Embrapa

A águia, que é um símbolo da Alemanha, foi reapropriada e a suástica foi introduzida. Na cruz de ferro, que está na bandeira, também foi introduzida uma suástica no meio da cruz de ferro”, disse o doutor.
César Augusto aponta que os símbolos são usados por neonazistas e pela extrema-direita como forma de reafirmação de ideais supremacistas. O especialista destacou que os extremistas carregam uma parte significativa dessa visão, anti-imigratória e xenofóbica. “Em princípio, temos que entender essas manifestações como manifestações caracterizadas pela sanção da extrema-direita, que traz consigo esses ideais perigosamente próximos do nazismo e do fascismo”, concluiu.
LIGAÇÃO MUSICAL
Além de servidor da Embrapa, Marcelo também é o proprietário de um selo de música independente chamado Kingdom of Darkness Productions e foi integrante da banda Black Metal Manaus. Após a foto com referências ao nazismo se espalhar em grupos de aplicativos de mensagens, ele se pronunciou na página do selo nas redes sociais e afirmou que o registro foi “uma
brincadeira”. A publicação foi apagada, mas a reportagem teve acesso à íntegra do conteúdo.
Para confirmar a ligação de Marcelo com o selo de música independente e, consequentemente, com a publicação em que ele se retratava dos gestos nazistas, foi consultado o site da banda “Black Goat”, da qual ele também fez parte. Segundo as informações disponíveis no sistema, Marcelo ingressou no grupo em 13 de setembro de 2014. Além disso, os dados atualizados em outubro de 2023 confirmam que ele é o proprietário da Kingdom of Darkness Productions.
NOTA APAGADA
Na nota de retratação divulgada nas redes sociais, Marcelo Mota afirmou que a imagem na qual ele aparece fazendo o gesto associado ao nazismo “foi postada por terceiros”. Ele declarou que sempre foi “taxado como playboy, roqueiro de condomínio e ‘nazi’ [expressão para nazista]” e disse ser vítima de “difamação”, além de referir-se a uma reportagem exibida no Fantástico, da TV Globo, no dia 26 de

Crédito: Conteúdo obtido pela Cenarium
técnico na instituição
Registro feito no site da banda Black Goat, que aponta que Marcelo é o proprietário do selo Kingdom of Darkness Productions
Veja o texto na íntegra, publicado e apagado depois: A CENARIUM teve acesso ao conteúdo publicado por Marcelo após a repercussão do caso
Um membro do grupo encaminhou a mensagem enviada por Marcelo Costa em um grupo de WhatsApp
Crédito: Reprodução
Crédito: Reprodução
























Integrante de grupo menciona cadeia, caso haja possível vazamento de troca de mensagens
também não mostra os dois amigos que ele menciona no texto publicado.
Crédito: Registro obtido pela Cenarium
Brasil criminaliza apologia
A Lei do Racismo no Brasil prevê como crime “a fabricação, comercialização, distribuição e veiculação de símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propagandas que utilizem a cruz suástica ou gamada para fins de divulgação do nazismo”. A infração está prevista no artigo 20, parágrafo 1º, da Lei n.º 7.716/1989, e a pena estabelecida é de dois a cinco anos de reclusão e multa.
janeiro, que tratou de bandas brasileiras de Black Metal ligadas à ideologia nazista.
O servidor da Embrapa detalhou, ainda, que a foto foi tirada durante um encontro com dois amigos, no dia 24 de janeiro, no momento em que eles consumiam bebidas e escutavam música. Segundo ele, o registro foi uma “brincadeira” em meio à “gritaria” que tem marcado os debates políticos e o atual cenário da cena metal. “Foi quando fizemos uma foto, brincando sobre tudo isto, e acabou vazando e ganhando proporção”, disse Marcelo, por meio do perfil Kingdom of Darkness Productions.
O homem não esclareceu a presença de uma bandeira com símbolos nazistas no local, nem deu explicações sobre o contexto em que ela apareceu na imagem. O registro
Após a repercussão do caso, Marcelo teria encaminhado outra mensagem em um aplicativo de mensagens, na qual afirma que está “pensando” em encerrar as atividades do selo, porque algumas bandas criadas por ele se posicionaram contra o Kingdom of Darkness Productions. “Só devo respeitar a vontade dos mesmos. Não forçarei ninguém a estar ao meu lado […] Não preciso e nunca precisarei mandar mensagem para ninguém”, disse.
GRUPO DE SERVIDOR
O servidor da Embrapa também administra um grupo, segundo informações obtidas pela CENARIUM, cujo nome é o mesmo do selo: Kingdom of Darkness Productions. Em uma das mensagens encaminhadas nesse grupo, um integrante, cuja identidade não foi possível confirmar, afirma que “se o comunista p** no c* ainda tiver aqui, a gente vai para a cadeia”.

O artigo 287 do Código Penal brasileiro tipifica a infração de apologia ao crime e estabelece pena de três a seis meses de detenção ou multa “para a exaltação pública de fato criminoso ou de seu autor”. “Quando há associação a símbolos ou ideologias que promovam discriminação ou intolerância, a conduta pode ser analisada sob a perspectiva da legislação vigente”, pontuam especialistas consultados pela reportagem.
O Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que orienta os países signatários a adotarem medidas para coibir e punir manifestações de ódio racial e apologia a regimes totalitários responsáveis por crimes contra a humanidade.
É atribuição da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) investigar denúncias da utilização de símbolos nazistas e gestos associados a esse contexto.

Imprensa abordou Sol Negro em foto de militar ucraniano em 2022
Mensagens em grupo administrado por servidor da Embrapa mostram difusão de ideias extremistas Rafael Teles tem DDD de Mato Grosso do Sul
Crédito: Reprodução | Redes Sociais
Crédito:
Na mesma mensagem, enviada às 15h51, o homem descreve uma tatuagem em formato de círculo no dorso da mão dele, que tem semelhanças com uma suástica. Ele afirma que foi a uma delegacia denunciar o furto de uma motocicleta e a autoridade policial o interrogou sobre a tatuagem.
“Falei para ele [delegado] que se trata de um sol negro e, para mim, na minha visão, tem um significado importante. Eu tive que depor a respeito da tatuagem para depois registrar o Boletim de Ocorrência [sobre o furto do veículo]”, disse.
O Sol Negro (Schwarze Sonne, em alemão) é um símbolo esotérico associado ao ocultismo nazista e, posteriormente, a movimentos neonazistas e de extrema-direita. O símbolo se desenha como um círculo com 12 raios que irradiam a partir do centro e criam um formato similar ao de uma roda solar.
O símbolo não foi amplamente utilizado pelo governo nazista na época, mas foi redescoberto no pós-guerra e passou a ser adotado por grupos neonazistas, supremacistas brancos e movimentos esotéricos de extrema-direita. Em muitos casos, foi adotado como alternativa à suástica, que é proibida em diversos países. Em 2022, a foto de um militar ucraniano que carregava o Sol
Negro viralizou nas redes sociais, e o tema foi abordado na imprensa internacional. No grupo de mensagens atribuído a Marcelo Mota, após enviar a foto do Sol Negro, o mesmo contato envia outra mensagem, que é seguida por mais três nos próximos minutos. Ele menciona que teria questionado a autoridade policial se ela passaria duas horas ouvindo explicações sobre o “significado [da tatuagem]”. “Ele [delegado] me disse que pensou que fosse o símbolo do nazismo”, destacou.
O autor da mensagem também diz que, mais uma vez, teria questionado a autoridade policial se ela tinha estudado história. “Já ouviu falar sobre a República de Weimar?”, em alusão ao período de transição entre a Primeira Guerra Mundial e o nazismo. “Sobre isso que ocorreria, sobre a opressão judaica sobre os alemães, ninguém nunca falou”. Ele também faz críticas ao parlamento brasileiro e afirma que os deputados e senadores são os “responsáveis por essas leis fajutas sem fundamento”.
Quase cinco horas depois, outro integrante do grupo administrado por Marcelo Costa, identificado nas mensagens como Rafael Teles, responde a uma mensagem do servidor da Embrapa, a qual mostra a
Mfoto dele fazendo o gesto em apologia ao nazismo, e oferece apoio. A reportagem apurou que o nome completo dele é Rafael Junqueira Lima Teles e o DDD é do Estado de Mato Grosso do Sul.
“Esquenta não […] Se quiser que eu ajude, posto uma foto do meu Mein Kampf autografado”, diz Teles, em referência ao livro de dois volumes de autoria de Adolf Hitler, no qual ele expressou todas as ideias antissemitas, anticomunistas e nacionalistas de extrema-direita.
Às 20h41, outra mensagem é encaminhada por Rafael Teles, na qual ele afirma que “muita gente vai aproveitar para lacrar como dono de alguma verdade”. O integrante do grupo cita que “o lance é levar para o litígio e tocar o terror. Estamos juntos…666”, finaliza.
O grupo que difunde ideias neonazistas também tem integrantes de quatro Estados brasileiros, entre eles São Paulo, Mato Grosso do Sul e Amazonas. As informações constam nos conteúdos aos quais a CENARIUM teve acesso. A reportagem também apurou que o nome completo do integrante de Sergipe é Warwick Gomes Alves. Ele também envia uma imagem no grupo, mas não é possível identificar do que se tratava.
Embrapa investiga servidor e denuncia suspeita de ‘alusão ao nazismo’
ANAUS (AM) – A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) abriu processo administrativo, no dia 31 de janeiro, para apurar a suspeita de apologia ao nazismo praticada pelo servidor da instituição, Marcelo Costa Mota, de 46 anos, lotado em Manaus. A instituição, vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), informou à CENARIUM que comunicou o caso aos órgãos externos de investigação.
De acordo com especialistas, é atribuição da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) investigar denúncias da utilização de símbolos nazistas e gestos associados a esse contexto. Procurados pela reportagem, os órgãos ainda não informaram se receberam a denúncia nem sobre o andamento do processo para abertura de investigação sobre o caso. A CENARIUM também pediu esclarecimentos ao Mapa e aguarda retorno.
A Embrapa mencionou que o procedimento aberto contra o servidor da insti-
tuição tramita no setor de Corregedoria, que é o órgão interno responsável pela apuração.
“O caso recentemente divulgado está sendo apurado com rigor e todas as medidas cabíveis serão adotadas, em conformidade com as normas internas e a legislação vigente. Ao tomar conhecimento do ocorrido, a Embrapa abriu processo administrativo, que está em trâmite na Corregedoria da instituição”, diz trecho da nota.
LEIA A NOTA NA ÍNTEGRA:
“A Embrapa reafirma seu compromisso inegociável com os princípios democráticos, a diversidade e o respeito aos direitos humanos. A empresa repudia veementemente qualquer manifestação que faça alusão a ideologias extremistas, discriminatórias ou que afrontem os valores éticos e legais da sociedade brasileira. O caso recentemente divulgado
está sendo apurado com rigor e todas as medidas cabíveis serão adotadas, em conformidade com as normas internas e a legislação vigente.
Ao tomar conhecimento do ocorrido, a Embrapa abriu processo administrativo, que está em trâmite na Corregedoria da instituição, órgão interno responsável pela apuração. Também houve encaminhamento de informações aos órgãos externos de investigação competentes.
A Embrapa preza por um ambiente de trabalho pautado pelo respeito mútuo e pela ética, exigindo de seus empregados uma conduta compatível com esses valores. Qualquer comportamento que viole esses princípios será tratado com o devido rigor, garantindo a aplicação das medidas cabíveis.
Reforçamos nosso compromisso com a transparência e a responsabilidade e seguimos acompanhando o caso com a seriedade que ele exige”.

Favelização
Seis das 20 favelas mais populosas do País estão em Manaus; saiba quais são
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – A capital amazonense concentra, conforme os dados do Censo Demográfico 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), seis das 20 favelas mais populosas do País. O bairro Cidade de Deus, na Zona Norte da cidade, é o mais populoso dentre os outros citados em Manaus, com 55.821 moradores.
Dentre as 392 favelas e comunidades no País, as três maiores em número de habitantes estão em Manaus. Cidade de
Deus e Alfredo Nascimento, na Zona Norte, somam 55.821 habitantes. A Comunidade São Lucas, no bairro Tancredo Neves, na Zona Leste, registrou 53.674 moradores. E o bairro Zumbi dos Palmares, também na Zona Leste, contabilizou 34.706 moradores.
Além dessas, também estão na lista os bairros Colônia Terra Nova, na Zona Norte da cidade, com 30.142 moradores, e Grande Vitória, também na Zona Leste, com 26.733 habitantes.
Casas de palafitas em comunidade de Manaus
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
Censo Demográfico
Luan Rezende, da seção de disseminação de informações do IBGE Amazonas, explicou como são consideradas áreas de favela. “O conceito de favela para o IBGE são áreas com domicílios em situação de insegurança jurídica de posse, que tenha pelo menos mais de uma das três características: ausência ou oferta incompleta e/ou precária de serviços públicos; predomínio de edificações, arruamento e infraestrutura autoproduzidos ou distintos dos definidos pelos órgãos públicos; ou localização em áreas com restrição à ocupação definidas pela legislação ambiental ou urbanística, explicou.
“Só em Manaus estavam mais da metade das favelas e comunidades urbanas do Estado”, disse Luan Rezende.
AMAZONAS
Crédito: Ranking Favelas
O Amazonas, em 2022, tinha 392 favelas e comunidades urbanas, sendo 236 favelas e comunidades em Manaus. Além da capital, os dados apontam que dos 62 municípios do Estado, 30 possuem favelas e comunidades.
AMAZÔNIA LEGAL
Em 2022, 3,8 milhões de pessoas viviam em 1.694 favelas e comunidades urbanas na Amazônia Legal, sendo o Amazonas o Estado com maior concentração proporcional dessa população (34,7%), seguido do Amapá (24,4%) e Pará (18,8%).
Das 1.694 favelas e comunidades registradas nos nove Estados da Amazônia Legal,
392 estão no Amazonas, 79 no Acre, 121 no Amapá, 723 no Pará, 58 no Mato Grosso, 198 no Maranhão, 74 em Rondônia, 10 em Roraima e 39 no Tocantins. O Estado com menor percentual de domicílios em favelas é o Mato Grosso (2,03%), seguido de Roraima (2,46%) e Tocantins (2,56%).
Em todo o País, foram encontradas 12.348 favelas e comunidades, com uma população de 16.390.815 pessoas, o que equivale a 8,1% da população do País. No caso da Amazônia Brasileira, a população vivendo em favelas corresponde a 23,6% do total nacional. Se comparado aos quase 28 milhões de habitantes da região, esse percentual cai para cerca de 14% dos moradores vivendo em favelas e comunidades.
Beiru / Tancredo Neves - Salvador (BA)
Fonte:

Aeroportos à venda
Leilão do governo federal na Amazônia Legal deve movimentar R$ 3,4 bilhões
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – O leilão de 43 aeroportos regionais da Amazônia Legal deve movimentar R$ 3,4 bilhões na primeira fase do Programa de Investimentos Privados em Aeroportos Regionais (AmpliAr), segundo estimativa do governo federal. O Estado do Amazonas é o que possui o maior número de espaços aéreos disponíveis, com 15 no total.
Conforme o Ministério de Portos e Aeroportos, que abriu uma consulta pública em dezembro de 2024, o objetivo é atrair
investimentos privados para terminais com baixa conectividade. A previsão é que o edital do leilão seja lançado entre março e abril, com contratos assinados ainda no primeiro semestre de 2025.
PROGRAMA
Ao todo, o programa deve incluir 100 aeroportos regionais deficitários. Segundo o governo federal, as empresas GRU, que administra o Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e RIOgaleão, que opera o Aeroporto Galeão, no Rio de Janeiro, estão entre as interessadas em adquirir algumas dessas unidades.
O Programa AmpliAr permitirá que concessionárias assumam a gestão de aeroportos regionais por meio de processos competitivos simplificados. Como con-
trapartida, as concessionárias terão acesso a mecanismos de reequilíbrio contratual, como redução de outorgas ou extensão de prazos. O principal objetivo é modernizar a infraestrutura dos aeroportos, promovendo maior integração à malha aérea nacional e fomentando o desenvolvimento socioeconômico.
“Com o AmpliAr, Estados e municípios terão a chance de experimentar os benefícios do programa federal de concessões chegando aos aeroportos regionais. As concessionárias poderão disputar blocos de aeroportos em leilões simplificados, com remuneração garantida por meio do reequilíbrio de seus contratos principais”, diz o secretário Nacional de Aviação Civil, Tomé Franca, em publicação no site do governo federal.
Vista aérea do Aeroporto de Araguaína, em Tocantins, um dos que será leiloado pelo governo federal
Crédito: Reprodução | Prefeitura de Araguaína
Veja onde estão os aeroportos da Amazônia Legal que serão leiloados
Amazonas 15 aeroportos
Carauari
Eirunepé
Lábrea
São Paulo de Olivença
Santo Antônio do Içá
Barcelos; Manicoré
São Gabriel da Cachoeira
Fonte Boa
Santa Isabel do Rio Negro
Itacoatiara
Borba
Maués
Parintins
Apuí

Acre 2 aeroportos
Tarauacá
Marechal Thaumaturgo
Rondônia 4 aeroportos
Guajará-Mirim
Vilhena
Cacoal
Costa Marques
Ao todo, o Programa de Investimentos
Privados em Aeroportos Regionais (AmpliAr) deve incluir 100 aeroportos regionais deficitários.
Pará 11 aeroportos
Almeirim
Breves
Salinópolis
Itaituba
Oriximiná
Jacareacanga
Novo Progresso
Tucuruí
Redenção
Paragominas
São Félix do Xingu
Maranhão
3 aeroportos
Barreirinhas
Bacabal
Balsas
Tocantins
1 aeroporto
Araguaína
Mato Grosso 7 aeroportos
Aripuanã
Juína
Cáceres
Tangará da Serra
Canarana
Porto Alegre do Norte Primavera do Leste
Fonte: Ministério de Portos e Aeroportos.

Garimpo volta ao Madeira
Satélite flagra 130 balsas no AM e aponta retomada da extração de ouro criminosa
Jadson Lima – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Cento e sessenta e cinco dias após a maior operação contra o garimpo ilegal no Rio Madeira, em região localizada no Estado do Amazonas, novos registros mostram a retomada das atividades ilegais. No dia 3 de fevereiro deste ano, a Organização Não Governamental (ONG) Greenpeace alertou sobre o retorno do garimpo, a partir de janeiro deste ano, e revelou que cerca de 130 balsas estão posicionadas ao longo de um dos maiores afluentes do Rio Amazonas.
As atividades ilegais são confirmadas por meio de alertas emitidos a partir de diferentes pontos do Rio Madeira, entre os municípios de Novo Aripuanã e Humaitá, localizados a 227 quilômetros e 590 quilômetros de Manaus, respectivamente. O
monitoramento foi realizado entre os dias 10 e 22 de janeiro deste ano.
“A organização alerta que o garimpo permanece ativo e descontrolado no Rio Madeira”, denunciou o Greenpeace.
Segundo a ONG, sete alertas indicaram haver balsas em fase de operação na região. Outros cinco se referiam às balsas em deslocamento rumo a áreas de atividade ilegal. As imagens foram captadas por um sistema de monitoramento remoto desenvolvido pelo próprio Greenpeace Brasil, que usou imagens do radar SAR, via satélite, Sentinel 1. A tecnologia é eficaz para áreas com alta cobertura de nuvens, característica da Amazônia.
A Greenpeace também afirmou que o Rio Madeira enfrenta uma epidemia de
Balsas de garimpo ilegal na região do Rio Madeira vistas por meio da ótica de um satélite
Crédito: Composição Paulo Dutra | Cenarium
“A
destruição causada pelo garimpo é sustentada por uma cadeia criminosa que opera com total impunidade. É urgente que o governo brasileiro adote políticas integradas que unam tecnologia, fiscalização eficiente e alternativas econômicas sustentáveis para proteger nossos rios e populações”
Jorge Eduardo Dantas, porta-voz da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil.

Em agosto do ano passado, vários órgãos federais deflagraram uma operação contra o garimpo ilegal na calha do Rio Madeira, no Amazonas. As ações foram coordenadas pela Polícia Federal (PF) e contaram com o apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Ao todo, a operação destruiu cerca de 460 balsas usadas no garimpo ilegal.
Na época, o Ministério dos Povos Indígenas afirmou que a ação conjunta identificou que os garimpeiros estavam obrigando os indígenas a realizarem tra-


exploração ilegal de ouro. As atividades ilegais são impulsionadas por garimpos que usam as balsas para dragar os sedimentos do fundo do rio. A medida destrói o leito, contamina as águas e afeta comunidades ribeirinhas que moram na região e dependem do rio para o sustento.
“A destruição causada pelo garimpo é sustentada por uma cadeia criminosa que opera com total impunidade. É urgente que o governo brasileiro adote políticas integradas que unam tecnologia, fiscalização eficiente e alternativas econômicas sustentáveis para proteger nossos rios e populações”, afirma Jorge Eduardo Dantas, porta-voz da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil.
Maior operação
balhos análogos à escravidão em uma das terras indígenas da região.
“Em outras, os agentes federais verificaram que os criminosos pagavam quantias irrisórias para que as comunidades permitissem o garimpo”, disse a pasta, por meio de nota.
Após a operação, a PF buscaria chegar aos financiadores do garimpo, com o avanço das investigações sobre os crimes ambientais cometidos na região, mas, até o momento, não houve outras fases de operações policiais mirando o braço financeiro dos delitos.
“A atuação do garimpo polui as águas do rio e provoca danos ambientais, resultando em um impacto direto na saúde e na segurança alimentar das comunidades indígenas da região”, informou o MPI em nota.
A CENARIUM solicitou nota da Superintendência da Polícia Federal no Amazonas para pedir esclarecimentos sobre o planejamento de novas operações para coibir crimes ambientais na região do Rio Madeira. A reportagem também procurou o Ibama para obter informações sobre ações que seriam desenvolvidas após a retomada do garimpo ilegal. Não houve retorno até o fechamento desta reportagem.
Imagens de satélite mostram balsas posicionadas no Rio Madeira
Imagens de radar SAR indicam retomada do garimpo na região do Rio Madeira
Balsas foram destruídas durante operação contra o garimpo em agosto de 2024
Crédito: Divulgação Crédito:

O resgate de Golias
Filhote de onça-pintada que vivia com família no Amazonas reacende debate sobre domesticação de animais silvestres e resgate adequado
Marcela Leiros – Da Cenarium
MANAUS (AM) – O caso da onça-pintada Golias Goes, resgatada de uma família que a criava na cidade de Santo Antônio do Içá (AM) reacendeu o debate sobre as implicações da domesticação de animais silvestres e a carência de estruturas adequadas para resgate e abrigo em regiões mais isoladas da Amazônia. No dia 8 de fevereiro, o biólogo Henrique Abrahão Charles, que conta com quase 800 mil seguidores na rede social Instagram, comentou o caso de Golias e lembrou motivos pelos quais o animal não poderia permanecer no local onde vivia.
O caso ganhou repercussão, no início de fevereiro, após a onça de oito meses ter sido entregue às autoridades ambientais do município. A família criou um perfil no Instagram – @goesgolias – para expor a rotina do filhote batizado com o nome
de “Golias”. O perfil existe desde o dia 6 de fevereiro e contava com mais de 8 mil seguidores, até o fechamento desta reportagem.
No perfil de Golias, as imagens retrataram os cuidados direcionados ao animal silvestre e mostraram detalhes de sua rotina, inclusive com registros com familiares. Uma integrante da família que estava cuidando do filhote escreveu: “Agora, sim, o Golias já foi entregue às autoridades de SAI [Santo Antônio do Içá]. As despesas dele a prefeitura que vai arcar. Agora, é só esperar o Ibama vir pegar ele”, disse.
O biólogo compartilhou um vídeo reproduzido pela CENARIUM que mostrava a rotina do animal, e que foi assistido mais de 3 milhões de vezes. Henrique Abrahão Charles relembrou o caso da capi-
vara Filó, que vive sob responsabilidade do influenciador Agenor Tupinambá no interior do Amazonas. Para o biólogo, apesar de ambos serem silvestres, tratam-se de animais com comportamentos diferentes.
“Você está falando de um filhote de onça, você não está falando de uma capivara. Uma coisa é do tipo ‘Ah poxa, o Agenor morava lá no interior, no meio do mato, a capivara já estava ali, ela tinha acesso livre…’. Ok, você pode até discutir sobre isso, outra coisa é um filhote de onça no meio da vizinhança. Onde vocês estão com a cabeça?”, disse. “A família não pode ficar com a onça, então tirem essa história da cabeça”.
Henrique também respondeu aos comentários sobre Golias continuar com a família, lembrando tratar-se de um animal
Imagens do filhote de onça-pintada Golias Goes
Crédito: Composição Paulo Dutra | Cenarium
silvestre que desenvolverá, naturalmente, um comportamento selvagem.
“Onça é um gato, cara, e gato pula muro. Imagina aí na vizinhança uma onça perambulando. O que vai acontecer é que pode acabar atacando uma pessoa porque ela vai estranhar, e aí pode tanto matar um cachorro quanto, até mesmo, acabar causando um acidente muito grave. Então, é uma irresponsabilidade muito grande que uma família crie uma onça”, alertou o biólogo.
IBAMA E IOP
No vídeo, o influenciador falou sobre as críticas à atuação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que tem, entre suas funções, a responsabilidade de resgatar, reabilitar e reintroduzir animais silvestres na natureza. O biólogo pontua que essas são apenas algumas das atividades do órgão ambiental, e que tudo gera custos aos cofres públicos.
Quem é Henrique Abrahão Charles
Henrique Abrahão Charles iniciou a carreira científica no curso Técnico em Química, pelo Instituto Brasil (1998). Posteriormente, obteve graduação em Ciências Biológicas, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2002), e mestrado em Biologia Animal no Curso de Pós-graduação do Instituto de Biologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2007), com estudo do comportamento predatório de boídeos de
diferentes hábitos (anaconda, suaçuboia, salamanta e jiboia).
Tem experiência na área de Zoologia, com ênfase em comportamento animal, coleta, resgate, soltura, monitoramento de fauna, conservação de biodiversidade e educação ambiental. Paralelamente, produz vídeos de divulgação científica, combate à pseudociência, Biologia, atuação do profissional biólogo, defesa do meio ambiente e curiosidades da ciência.
“Onça é um gato, cara, e gato pula muro. Imagina aí na vizinhança uma onça perambulando. O que vai acontecer é
que pode acabar atacando uma pessoa porque ela vai estranhar”
Henrique Abrahão Charles, biólogo.

Henrique Abrahão Charles é biólogo e tem quase 800 mil seguidores no Instagram
“Olha só, na boa, vocês sabem que o Ibama tem que lidar com o licenciamento ambiental, tem que lidar com o combate ao tráfico de animais, tem que lidar com um monte de coisas. Você imagina então o Ibama tendo que cuidar cada vez que tem alguém que vai lá e pega um bicho. Isso sobrecarrega os cofres públicos e a gente joga a culpa toda no Ibama. E depois faz o quê? ‘Não, joga lá no IOP que o Leandro cuida’”.
A sigla citada por Henrique refere-se ao Instituto Onça-Pintada (IOP), fundado em 2002 pelos biólogos Anah Tereza de Almeida Jácomo e Leandro Silveira, que se dedica a promover a conservação dessa espécie nos biomas de origem e em cativeiro. Ele elogia os fundadores e ressalta que os custos para cuidados dos animais no local são muito altos.
“O doutor Leandro é o maior especialista em onça do mundo, só que isso tem um custo para o doutor Leandro, isso tem um custo para esse biólogo e essa família fabulosa. Não é só chegar lá e jogar no IOP, não. Então, eu já queria aqui, encarecidamente, fazer uma campanha para o IOP. Primeiro, as onças que estão lá no IOP não
são onças do Ibama. Muitas vezes, o Ibama joga lá e ele tem que se virar lá, sabe, e tem um custo. Onça come carne e carne é cara pra caramba”, acrescenta.
No vídeo, Henrique, que também é professor e analista ambiental, faz uma campanha em prol do IOP. Ele pontua, ainda, que animais silvestres criados em ambiente doméstico podem apresentar problemas de saúde com custos de tratamento caros.
“Que tal, além de lavar as mãos e falar ‘o Leandro que cuide no IOP’, a gente falar
assim: ‘Vamos colaborar com o IOP, vamos seguir a página do IOP, vamos contribuir financeiramente com o IOP’, porque eles precisam, afinal de contas, tem que alimentar bicho pra caramba e, geralmente, quando acontece esse tipo de coisa, jogam nas costas do IOP. Às vezes, esses animais vêm com patógenos, porque estão sendo criados como animais domésticos, podem vir com cinomose, podem vir com, sabe, um monte de doença e contaminar todo o plantel do Leandro. Não é simples assim. Vocês acham que as coisas são simples?”, questiona o biólogo.
Lei proíbe
No Brasil, a Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/1998) proíbe a criação, posse, transporte, comercialização e utilização de animais silvestres sem autorização. A infração está prevista no artigo 29 da Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que trata dos crimes ambientais e contra a fauna.
Segundo a legislação, o crime ocorre quando a pessoa “mata, persegue, caça, apanha, utiliza espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”.


Golias sendo examinado
Caixa com o felino sendo colocada no avião da FAB que o transferiu para Manaus
Ana Pastana – Da Cenarium
Internautas questionaram estrutura
MANAUS (AM) – Após o filhote de onça-pintada, chamado Golias Goes, ser resgatado no dia 4 de fevereiro no município de Santo Antônio de Içá (AM), a 879 quilômetros de Manaus (AM), e ser colocado em uma estrutura improvisada por falta de um local apropriado para o animal silvestre no município, internautas criticaram a maneira como o filhote foi alocado.
“Dentro da lama?”, “Vai direto para jaula” e “Daí para o cativeiro” foram alguns dos comentários em publicações nas redes sociais como Instagram e Facebook. O animal ficou sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Meio Ambiente da cidade, após ser resgatado pela Polícia Militar do Amazonas (PM-AM).
Sem estrutura para receber o filhote, Golias foi, inicialmente, devolvido à família por falta de um local apropriado para ficar. Depois, foi retirado novamente da família e alocado em um abrigo temporário.
No dia 7 de fevereiro, o animal foi levado de lancha para o município de Tefé (AM), a 521 quilômetros de Manaus, para que a equipe do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e do Instituto Mamirauá fizessem a transferência do filhote para a capital amazonense. Conforme a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, foi adaptada uma caixa para o transporte de Golias.
IBAMA
Em nota divulgada pela assessoria de comunicação no dia 13 de fevereiro, o Ibama informou que “foi acionado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Santo Antônio do Içá (Sema-SAI) sobre a entrega voluntária de uma onça filhote. A secretaria solicitou ajuda ao Ibama para resgatar o felino, visto que não possuía os meios necessários para manter o animal sob os seus cuidados”.
O Ibama informou ainda que se propôs a apoiar a secretaria no translado do animal até Manaus e que foi primeiramente realizado o deslocamento da onça até a cidade de Tefé, onde ficou sob os cuidados de um médico-veterinário. Após isso, a onça foi levada a Manaus, com apoio da Força Aérea Brasileira (FAB), no dia 12 de fevereiro. O instituto também comunicou, na nota, que, naquela data, o animal estava sob os cuidados do Centro de Triagem de

Imagem da onça na jaula no local para onde foi inicialmente levada após resgate
Animais Silvestres (Cetas/Ibama/AM), que conta com uma equipe especializada de servidores com formação nas áreas de biologia e veterinária.
Segundo a nota do Ibama, o instituto conta com serviços e contratos que o consolidam “como local apropriado para o tratamento, triagem, reabilitação e destinação de qualquer espécie da fauna silvestre no Estado do Amazonas, sendo referência no segmento no País”.
“O Ibama possui ainda contrato de prestação de serviço médico-veterinário e contrato de tratadores de animais com atendimento diurno e noturno (24 horas), durante toda a semana (incluindo sábado e domingo). O Cetas do Ibama Amazonas possui ainda vigência de contrato de entrega de alimentos e de medicamentos que atendem às diversas espécies de animais silvestres que se encontram nas instalações do centro”, informa a nota.
Crédito: Divulgação
Crédito: Divulgação

Aldear a ‘sétima arte’
Amazonas inaugura primeira sala de cinema em aldeia
Ana Pastana* - Da Cenarium
MANAUS (AM) – O Amazonas teve a primeira sala de cinema em uma aldeia indígena inaugurada no dia 1º de fevereiro, por meio do projeto “Cine Aldeia”. A sala está localizada na aldeia indígena Inhaã-bé, no Tarumã-Açu, região metropolitana de Manaus. Para celebrar a inauguração, oito curtas-metragens estão sendo exibidos, permanecendo em cartaz nos primeiros meses de 2025. O documentário “Traços da Resistência”, dirigido e produzido pela produtora indígena Thaís Kokama, também foi lançado durante o evento de inauguração.
O projeto Cine Aldeia é a primeira sala de cinema em uma aldeia indígena da Região Norte e uma das primeiras no País. A iniciativa foi fomentada com recursos da Lei Paulo Gustavo (LPG), via edital da Prefeitura de Manaus, por meio do Conselho Municipal de Cultura (Concultura).
O montante de R$ 100 mil foi utilizado para a construção do espaço e compra de equipamentos para exibições de filmes, mostras, festivais e iniciativas voltadas para a produção audiovisual. A sala, com capacidade para cerca de 200 pessoas, exibirá produções feitas por indígenas.
Idealizadora do projeto, Thaís Kokama aponta os avanços para a comunidade indígena por meio de editais culturais. “Atualmente, a aldeia Inhaã-bé, mesmo após o isolamento causado pela Covid-19 e, recentemente, afetada pela seca no lago Tarumã-Açu, ganhou força com diversas ações culturais e, agora, com a nova sala de cinema, vemos mais uma fase positiva para nós, indígenas, ao sermos inseridos neste segmento cultural”, disse.
Para a inauguração da sala de cinema, com entrada gratuita, foi disponibilizado um transporte gratuito, saindo do porto
Projeto “Cine Aldeia” estreou sala de cinema pela 1ª vez dentro de uma aldeia
da Prainha, localizado no Tarumã-Açu, às 16h, e retornando ao mesmo local de origem às 18h.
IDEALIZADORA DO PROJETO
Thaís Kokama é atuante na causa cultural indígena do Estado. Na rede social Instagram, a indígena compartilhou vídeos e fotos que marcaram a evolução e orgulho do surgimento do novo espaço indígena no Estado. “Essa caminhada só foi possível graças ao esforço, à união e à resistência de todos que participaram dos puxiruns da aldeia”, escreveu.
Thaís reforça que a estiagem impactou o processo de construção do espaço, mas, com o esforço da comunidade, foi possível enfrentar as dificuldades. “Muita gente olha o resultado final e admira, mas poucos sabem o quanto foi difícil chegar até aqui. Enfrentamos desafios imensos e a estiagem foi um dos maiores. A terra seca, o sol castigando, os recursos escassos. Mas desistir nunca foi uma opção. Foi um trabalho coletivo, feito com união e dedicação. Cada um contribuiu do seu jeito, com esforço e força de vontade. Trabalhamos como as formigas, incansáveis e organizados. Nosso tuxaua sempre diz que ‘trabalho de formiguinha é organizado e rápido’ e seguimos essa sabedoria”, disse.
(*) Com informações da assessoria.

“Essa caminhada só foi possível graças ao esforço, à união e à resistência de todos que participaram dos puxiruns da aldeia”
Thaís Kokama, idealizadora do projeto “Cine Aldeia”.

Imagem da sala de cinema na aldeia Inhaã-bé, no Tarumã-Açu, região metropolitana de Manaus
Thaís Kokama, idealizadora do projeto “Cine Aldeia”, é produtora de cinema

Viajar pela Amazônia
MANAUS (AM) – A Rede CENARIUM — veículo de imprensa especializado na cobertura dos Estados da Amazônia Legal — e a Gracco Viagens e Turismo firmaram parceria para a produção de conteúdo on-line sobre turismo na região amazônica, inicialmente nas capitais Manaus (AM) e Belém (PA). As gravações começam a ser exibidas em março de 2025.
Fundada em Manaus, em 2016, a Gracco Viagens e Turismo contabiliza mais de 15 mil experiências ao longo de oito anos de existência. O proprietário da empresa, José Graco Ferreira da Silva, reconhecido pelo atendimento personalizado a cada cliente, tem a missão de “se dedicar a facilitar e realizar viagens, tanto para cidades do Brasil quanto para o exterior”.
“A Amazônia tem chamado muita atenção, principalmente dos viajantes de fora do Brasil. Belém, por exemplo, desde quando foi anunciada como sede da COP30, tem
recebido muitos turistas que já estão se programando para conhecer a capital paraense antes mesmo do evento. Manaus não fica atrás. Com sua cultura e culinária amazônica, a cidade é uma atração na escolha de viagens ao Norte”, afirma Gracco.
O especialista em viagens e turismo ressalta, ainda, a dificuldade do mercado competitivo. O diferencial da empresa é o atendimento personalizado e humanizado dos colaboradores.
“A Gracco Viagens tem como foco o atendimento com excelência, então, buscamos aprimorar nossa área de consultoria e assessoria personalizadas a cada atendimento para proporcionar as melhores experiências”, considera.
A diretora-geral da CENARIUM, jornalista Paula Litaiff, destacou a importância de se realizar material jornalístico sobre os atrativos turísticos dos Estados da Amazônia Legal para contribuir na produção de
“A
Gracco Viagens tem como foco o atendimento com excelência, então, buscamos aprimorar nossa área de consultoria e assessoria personalizadas a cada atendimento para proporcionar as melhores experiências”
José Graco Ferreira da Silva, proprietário da Gracco Viagens e Turismo.
CENARIUM fecha parceria com Gracco Viagens para divulgar turismo na região
Ana Pastana – Da Cenarium
CENARIUM e Gracco Viagens em parceria pelo turismo na Amazônia
Crédito:
Composição de Paulo
Dutra | Cenarium

conteúdo informativo da região, além de auxiliar na geração de emprego e renda.
“Há, ainda, muitos estigmas sobre o turismo na Amazônia que precisam ser quebrados, e a CENARIUM, em parceria com a Gracco, quer contribuir com o aumento da geração de conteúdo sobre a região e ser um braço de auxílio na economia local. Não é só uma empresa ou algumas empresas que são beneficiadas, mas toda uma cadeia produtiva”, observou Litaiff.
TEXTO E VÍDEO
A partir do mês de março, a parceria entre a CENARIUM e a Gracco Viagens
“Há, ainda, muitos estigmas sobre o turismo na Amazônia que precisam ser quebrados, e a CENARIUM, em parceria com a Gracco, quer contribuir com o aumento da geração de conteúdo sobre a região”
Paula Litaiff, diretora-geral da CENARIUM.
e Turismo se estenderá para um podcast quinzenal. Segundo o diretor da agência de viagens, o público receberá dicas de hospedagem, acomodação, como comprar passagens com preço acessível e muito conteúdo para quem gosta de viajar.
“A meta é apresentar ao público muito mais da Amazônia, mostrar que há cidades belíssimas que valem a pena ser visitadas, assim como em outros lugares do Brasil e do mundo. Sou suspeito para falar, mas o conteúdo vai ser incrível. O público pode esperar uma visão da Amazônia direto de quem mora aqui”, disse.

Empreendedor
Amazonas e Pará
Segundo o Ministério do Turismo, o Amazonas recebeu, em 2024, mais de 28,4 mil turistas internacionais, o que significa um aumento de 18,2% em comparação ao ano anterior. Entre os atrativos, os principais pontos turísticos visitados são: Teatro Amazonas, Encontro das Águas, trilhas pela floresta, passeios de barco e visitas a comunidades indígenas.
O Amazonas foi destaque na publicação “100 lugares incríveis no Brasil”, do jornal Folha de S.Paulo, em 2023. A lista de locais turísticos incluiu quatro considerados imperdíveis para “turistar” no Amazonas. Parques nacionais, festividades e turismo de aventura foram mencionados no periódico.
Utilizado para auxiliar os leitores na escolha dos melhores destinos para viajar, a Folha seleciona pontos turísticos brasileiros e seus principais atrativos no especial publicado no portal de notícias (https://www1.folha.uol. com.br/folha-topicos/100-lugares-imperdiveis-no-brasil/).
O Pará, sede da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), o maior evento climático internacional, que será realizado em novembro deste ano, na capital Belém, recebeu, em 2024, um total de 64.314 turistas internacionais, o equivalente a um crescimento de 18,8% em comparação ao ano anterior. Os dados são da Secretaria de Estado de Turismo (Setur).
O Círio de Nazaré, um dos maiores eventos religiosos do País, é um dos principais atrativos para o turismo na região.
José Graco Ferreira da Silva
José Graco Ferreira e Paula Litaiff, diretores da Gracco Viagens e CENARIUM, respectivamente, fecham parceria para divulgar a Amazônia
Crédito: Cenarium
Crédito: Ricardo Oliveira Cenarium

‘Trans-vivências’
Entre lutas e descobertas: pessoas transexuais relatam experiências
Thais Matos – Da Cenarium
MANAUS (AM) – “Não gostava do meu corpo”, “Não gostava de me ver no espelho”, “Compreendi minha identidade como transfeminina”, “Elas [travestis] estiveram na linha de frente da luta por direitos”. As declarações são de pessoas transexuais, entrevistadas pela CENARIUM, que relatam vivências, desafios e percepções sobre a transexualidade, cuja identidade de gênero é diferente do sexo atribuído ao nascer.
No dia 29 de janeiro, completou 21 anos que o ato nacional para o lançamento da campanha “Travesti e Respeito”, promovida pelo Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, ficou marcado como um dia para dar luz à Visibilidade Trans, celebrada anualmente na data. Desde então,
o dia representa um marco para reforçar a luta por direitos.
Nos últimos 20 anos, a população trans no Brasil obteve conquistas significativas no reconhecimento de direitos. Entre os avanços, destacam-se a permissão para o uso do nome social em documentos oficiais e concursos públicos, a requalificação civil — que possibilita a alteração de gênero na certidão de nascimento e outros registros — e o acesso à cirurgia de redesignação sexual pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A nível mundial, outro avanço significativo para essa população ocorreu em 2019, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a transsexualidade da classificação de transtornos mentais, o que representou uma vitória histórica para a comunidade.
‘SEMPRE ME SENTI UM HOMEM ESTRANHO’
O psicólogo Victor Hugo Pereira Mendes se descobriu como um homem trans por
volta dos 20 anos, quando conheceu a história do escritor João Nery, o primeiro homem trans a realizar a cirurgia de redesignação no Brasil, que se tornou símbolo na defesa pelos direitos da população transexual. Ao ler sobre Nery, Mendes conseguiu se enxergar.
“Desde pequeno, sempre me senti um homem ‘estranho’, mas até os meus 20 anos, ainda performava uma feminilidade, vivendo como mulher perante a sociedade. Isso acontecia porque eu não sabia que poderia ser um homem trans, não tinha nenhum tipo de referência sobre transexualidade, especialmente masculina. Apesar de viver momentos felizes, também passei por períodos de intensa disforia. Não entendia por que não gostava do meu corpo ou por que não queria mais usar as roupas que usava”, conta o psicólogo.
Para atuar na área de Psicologia, Victor Hugo conta que precisou passar por pequenas formas de transfobia, principalmente na busca por emprego, além de microagres-
Da esquerda para a direita:
Melissa Castro, Yamilla Manicongo (superior), Victor Hugo (inferior) e Karla Eshiley
Crédito: Composição de Yankee Sena e Weslley Santos | Cenarium
sões diárias, que se acumulavam e o deixavam em profundo desconforto. Atualmente, ele trabalha no município de Rio Preto da Eva (distante 57 quilômetros de Manaus), onde atua na área da assistência social com situações de violação de direitos, como abuso sexual, violência doméstica, negligência contra idosos, mulheres e pessoas LGBTQIAPN+, incluindo casos de transfobia e homofobia, pessoas em situação de rua e outros casos que envolvam qualquer tipo de violação de direitos.
“Um episódio muito marcante, para mim, aconteceu durante um processo seletivo para trabalhar em um presídio, que seria meu primeiro emprego após me formar. Na época, eu ainda não havia realizado a mastectomia [cirurgia de retirada da mama] e utilizava um binder [faixa compressora que usava para disfarçar o volume dos seios]. Ao chegar para a entrevista, passei pelo procedimento de revista,
“Desde
pequeno, sempre me senti um homem ‘estranho’, mas até os meus 20 anos ainda performava uma feminilidade, vivendo como mulher perante a sociedade. Isso acontecia porque eu não sabia que poderia ser um homem trans, não tinha nenhum tipo de referência sobre transexualidade”

Reprodução | Arquivo Pessoal

obrigatório para entrar no presídio. Ao sentirem a faixa na região do meu peitoral, pediram que eu explicasse o motivo de estar usando aquilo. Foi um momento difícil e embaraçoso”, disse Victor Hugo.
Sobre a relação dele com a família, o psicólogo explica que atualmente tem uma boa relação, mas que nem sempre foi assim, principalmente para a mãe, a tia e a avó, que são as pessoas mais próximas dele desde a infância.
“Cheguei a enfrentar crises de ansiedade durante essa fase, marcada por conflitos e incompreensão dentro do ambiente familiar. Acredito que levou dos meus 20 até os meus 23 ou 24 anos para que minha família começasse a entender o que estava acontecendo. Costumo dizer que, assim como eu, minha família também precisou ‘transicionar’. Foram cerca de três anos até que eles realmente compreendessem quem eu era”, explicou.
Crédito: Reprodução | Giorgia Prates
Com o tempo, a família de Victor passou a respeitar o nome, os pronomes, a chamá-lo de ‘ele/dele’ e a reconhecê-lo pelo atual nome.
‘QUANDO EU ME ASSUMI, ME SENTI LIBERTA’
A técnica de Enfermagem Karla Eshiley conta que, aos 15 anos, já não conseguia mais esconder quem era de verdade e,
Pessoa trans protesta em via pública
Victor Hugo Pereira Mendes atua na área da assistência social no município de Rio Preto da Eva (AM)
Victor Hugo Pereira Mendes, psicólogo.
Crédito:


“Não deixe ser usada(o/e), confie no processo, não ache que pode dar conta de tudo. Cuidem da saúde mental e física. Desejo sucesso e prosperidade trans”
Yamilla Manicongo, empreendedora.
então, assumiu para a família como um homem gay. Depois de alguns meses, passou a se identificar como travesti.
“Desde que eu tinha uns 5 anos, sempre me senti diferente dos outros meninos, não me sentia confortável em participar de brincadeiras de meninos. Aos 10 anos, me sentia muito desconfortável na escola, na hora da educação física […] Nessa mesma idade, eu não gostava de me ver no espelho. Quando o meu pai me vestia com roupas masculinas, me sentia como se estivesse suja, cheia de lama. Eu me olhava no espelho e não conseguia me ver, era uma sensação muito estranha. Quando eu me assumi, naquele
momento, me senti liberta, encontrei a felicidade”, conta Eshiley.
Karla relata que, hoje, tem uma boa convivência com a família, mas nem sempre foi assim. Quando o processo de identificação começou, ela e a mãe ficaram sem se falar. Já o pai parou de falar com ela por mais de 20 anos. Hoje, a profissional da saúde conquistou o respeito da família.
“Atualmente, estou trabalhando em um centro de acolhimento para ex-moradores de rua, onde exerço a função de cuidadora social. Minha família tem muito orgulho de mim por eu ter saído do mundo da
prostituição, das esquinas, das drogas, por ter parado de beber e de cheirar cocaína. Hoje, trabalho com ex-moradores de rua, participo de associações, rodas de conversa e sou exemplo para muitas pessoas. Sinto muito orgulho de mim mesma”, disse.
A técnica em Enfermagem faz parte da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Amazonas (Assotram), uma organização que luta pelos direitos da população LGBTQIAPN+, com foco na população trans.
“Nós, pessoas trans, existimos e somos seres humanos como qualquer outro, independentemente da orientação sexual ou da identidade de gênero, de cor ou raça, todos somos iguais aos olhos de Deus. Nós, pessoas trans, lutamos pelos nossos direitos à educação, à saúde, à dignidade, à inclusão e à diversidade. Não queremos ser melhores do que ninguém, só queremos respeito”, concluiu.
Yamilla Manicongo é uma travesti negra, indígena, multiartista, performer e empreendedora
Yamilla Manicongo tem uma loja de biojoias, a MANÍÍ Biojoias
Crédito: Reprodução | Arquivo Pessoal
Crédito: Reprodução | Arquivo Pessoal
“Eu penso que, no dia 29 de janeiro, a gente precisa enfatizar quem esteve à frente de toda essa luta, que foram as travestis”, reflete a representante da Assotram, Melissa Castro, sobre o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Melissa ressalta que as mulheres trans e travestis enfrentam taxas alarmantes de violência, principalmente as mulheres negras, periféricas e em situação de prostituição.
“Se analisarmos a história das travestis no Brasil, perceberemos que, desde sempre, elas estiveram na linha de frente da luta pelos direitos da comunidade LGBTQIAPN+, no País, no mundo e, muitas vezes, à margem da sociedade. Vale lem-
Luta por direitos
brar que foram essas mulheres, em sua maioria prostitutas, que abriram caminhos e enfrentaram preconceitos para garantir avanços importantes para a comunidade”, ressalta Castro.
A Assotram existe desde 2017, com o objetivo de articular e promover iniciativas de transformação social, visibilidade e cidadania para travestis e pessoas trans no Estado. A associação já contribuiu para a retificação de registros de nascimento de 40 travestis, mulheres e homens trans, por meio de um mutirão realizado em 2020. Recentemente, as representantes da associação foram empossadas como adjuntas no Conselho

Karla Eshiley (formanda), com a mãe, a irmã e a sobrinha, na formatura do curso técnico em Enfermagem
Estadual de Saúde, onde realizam reuniões mensais e promovem ações de sensibilização junto a travestis e mulheres trans profissionais do sexo em seus locais de trabalho.
“Desde janeiro de 2018, promovemos workshops relacionados ao Dia da Visibilidade Trans, celebrado em 29 de janeiro. Este mês é tratado com especial dedicação e reflexão, pois marca um período – como tantos outros – de luta e resistência pelo reconhecimento de nossos direitos, nossa cidadania e nossas identidades. Seguimos comprometidas em fazer ainda mais, de forma contínua e por tempo indeterminado”, afirma Melissa.
“Nós,
pessoas trans, existimos e somos seres humanos como qualquer outro, independente da orientação sexual ou da identidade de gênero, de cor ou raça, todos somos iguais aos olhos de Deus. [...] Não queremos ser melhores do que ninguém, só queremos respeito”
Karla Eshiley, técnica de Enfermagem.

A técnica de Enfermagem
Karla Eshiley

‘TRAVESTI É RESISTÊNCIA POLÍTICA, ECONÔMICA E SOCIAL’
Yamilla Manicongo é uma travesti negra, indígena, multiartista, performer e empreendedora, que encontrou na arte uma forma de se expressar e se descobrir. Ela tem ressignificado a travestilidade à maneira dela, transformando-a em um símbolo de força e resistência.
“Percebi que não me encaixava na binaridade de gênero imposta pela cisnormatividade. Eu me via fora disso, me reconhecia em uma não-binariedade. À medida que convivia com outras pessoas, me questionava e me identificava com as vivências trans. Compreendi minha identidade como transfeminina. A identidade travesti, por sua vez, eu resgato das minhas ancestrais. Por ser um termo periférico, que para muitos é considerado pejorativo, mas para mim representa resistência política, econômica e social”, ressalta Manicongo.
Em 2024, Yamilla participou de um curso de artesanato promovido pela Assotram e aprendeu a criar biojoias, sabonetes e peças de biscuit. Na capacitação, ela
“Se analisarmos a história das travestis no Brasil, perceberemos que, desde sempre, elas estiveram na linha de frente da luta pelos direitos da comunidade LGBTQIA+, no País, no mundo e, muitas vezes, à margem da sociedade”
Melissa Castro, representante da Assotram.
enxergou uma oportunidade de gerar renda e de expressar sua própria estética. Assim nasceu a ‘MANÍÍ Biojoias’, cujo nome Maníí vem da língua kikongo e significa realeza. Em março deste ano, a marca completará um ano de existência.
“Inicialmente, meu objetivo era não passar fome e garantir alguma renda. No entanto, logo enfrentei grandes desafios relacionados ao gerenciamento. Eu era a única pessoa responsável por tudo: compra de materiais, controle do caixa e administração geral, mas não sabia como lidar com essas demandas. Desde então, venho fazendo cursos de empreendedorismo para melhorar a gestão, alavancar minha marca e transformar a MANÍÍ em um negócio rentável e sustentável”, afirma a empreendedora.
Para o Dia da Visibilidade Trans, Yamilla deixa uma mensagem de apoio e reflexão: “Fiquem próximos de pessoas que te elevem, que te façam bem. Conheçam com quem vocês trocam, porque nem sempre é confiável. Não deixe ser usada(o/e), confie no processo, não ache que possa dar conta de tudo. Cuide da saúde mental e física. Desejo sucesso e prosperidade trans”.
Identidade travesti
Travestis são pessoas que vivem uma construção de gênero feminino, oposta à designação de sexo atribuída no nascimento, seguida de uma construção física, de caráter permanente, que se identifica na vida social, familiar, cultural e interpessoal, através dessa identidade, de acordo com informações da Associação Nacional de Tranvestis e Transexuais (Antra Brasil) e do Portal Catarinas, que conecta a agenda política feminista e de direitos fundamentais e humanos brasileira. No Brasil e na América Latina, o termo travesti foi reapropriado pelas próprias travestis para transformar seu caráter pejorativo em positivo. Algumas travestis podem se reconhecer também como mulheres trans, enquanto outras preferem se afirmar apenas como travestis, por questões políticas e de identidade. Como os termos são intercambiáveis, muitas mulheres trans também podem se identificar como travestis. Por tudo isso, é fundamental o reconhecimento da identidade travesti, que se afirma em resposta ao estereótipo histórico e à estigmatização do termo.
A representante da Assotram
Melissa Castro
Crédito: Reprodução Arquivo Pessoal

